HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
II GUERRA
Santos na II Guerra Mundial (14)
A Segunda Guerra Mundial foi traumática para os santistas, que
temiam ataques por submarinos alemães ao porto e pela aviação nazista à Usina Henry Borden ou à própria cidade.
Japoneses, italianos e alemães tiveram de deixar a região às pressas, pelo receio que colaborassem com seus países de origem, então inimigos do Brasil.
Em 1941, quando já existia o bloqueio das forças aliadas aos navios inimigos, mas pouco antes de o Brasil
ter navios torpedeados e declarar guerra ao Eixo (Alemanha, Itália, Japão), mais um navio alemão, o Natal, aparecia no porto santista, furando
esse bloqueio naval. O fato foi assim noticiado pelo jornal santista A Tribuna, na edição de 30 de abril de 1941 (página 4 - ortografia
atualizada nesta transcrição):
Imagem: reprodução parcial da matéria original
Mais um navio germânico que rompe o bloqueio britânico
Fundeou ontem no porto o cargueiro Natal - Veio diretamente de Hamburgo, gastando 32 dias na
travessia - Trouxe cerca de 2.500 toneladas de carga para Santos - O comandante do barco alemão concederá hoje uma entrevista coletiva à imprensa
Causou surpresa à gente portuária a chegada, na manhã de
ontem, de um navio todo pintado de preto, com o nome apagado, acreditando-se, desde o primeiro momento, tratar-se de um navio beligerante. O barco
camuflado atravessou vagarosamente o canal, fundeando, às 7,15 horas, em frente ao armazém n. 5, quase nas proximidades do Tebro e do
Windhuck.
Era um navio cargueiro alemão - Sabia-se, pouco depois, da nacionalidade do navio.
Tratava-se de um cargueiro alemão, o Natal, de 3.172 toneladas brutas e 1.854 de registro, pertencente à frota da Hamburg Sudamerikanische
Dampchsffharts Gesellschaft, com sede em Hamburgo.
Veio de Hamburgo diretamente a Santos, gastando 32 dias na travessia. O Natal, em tempo
normal, fazia a linha Hamburgo-Santos-Buenos Aires. Estivera em nosso porto, pela última vez, em julho de 1939. Carregou grande quantidade de
mercadorias para Hamburgo, para onde zarpou no dia 26 de julho daquele ano.
Devido à eclosão do conflito, o barco germânico permaneceu durante cerca de dois anos imobilizado
em Hamburgo. E em 27 de março último, fez-se novamente ao mar alto, tentando romper o bloqueio britânico. Conseguiu-o, repetindo a proeza do Lech,
de igual nacionalidade.
Trouxe 2.500 toneladas de carga - O Natal trouxe cerca de 2.500 toneladas de carga
geral, tratando-se, na maioria, de produtos farmacêuticos e artigos fotográficos. Hoje, possivelmente, o barco germânico atracará ao cais para
iniciar as operações de descarga. Durante a tarde de ontem, seu comandante, acompanhado de funcionários da agência, compareceu às repartições do
porto para satisfazer a exigências fiscais.
O comandante do Natal - A tripulação do Natal compreende 41 homens. Seu
comandante é o capitão de longo curso Bernhard Wilkien. Segundo a reportagem da A Tribuna se informou, a atual viagem do barco germânico
decorreu normalmente, embora demorada, pois foi adotada a marcha em zigue-zague, como medida de precaução. Nenhuma unidade inglesa foi notada
durante a rota.
Camuflado, mas sem qualquer armamento - O Natal apresentou-se camuflado, estando
inteiramente pintado de preto, com o nome apagado. Não dispõe de qualquer armamento, segundo nos informamos.
Entrevista coletiva à imprensa - O comandante Bernhard Wilkien reunirá hoje, a bordo, os
representantes da imprensa de Santos e da capital, aos quais concederá uma entrevista coletiva, através da qual dará a conhecer todos os detalhes da
viagem do seu navio.
É o primeiro navio do "Eixo" que chega ao porto procedente da Europa - O Natal é o
primeiro navio do "Eixo" que aporta a Santos procedente da Europa. O Windhuck, ainda refugiado no estuário, procedeu de Lobito, na África
Oriental Portuguesa; o Dresden, que já deixou o porto, depois de quase dois anos de refúgio, chegou de Valparaíso; o Babitonga foi
surpreendido no porto pela guerra, e os italianos Conte Grande e Tebro chegaram a Santos na véspera da intervenção da Itália no
conflito. Estiveram também no porto os alemães Monte Olivia, Santos e Schwaben, os quais procederam de portos platinos.
O Natal é, assim, o primeiro barco do "Eixo" que aporta a Santos procedente do foco de
hostilidades.
O cargueiro alemão Natal, fundeado em nosso estuário
Foto e legenda publicadas com a matéria original
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No dia seguinte, 1º de maio de 1941, continuava registrando a história o mesmo jornal santista A
Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
"O Brasil é considerado pelos marinheiros alemães como o país mais hospitaleiro do mundo"
O comandante do vapor Natal concedeu ontem uma entrevista coletiva à imprensa - O
barco germânico já iniciou a descarga das mercadorias que trouxe para Santos
O vapor alemão Natal atracou na manhã de ontem ao cais
do armazém n. 10, iniciando desde logo as operações de descarga das mercadorias que recebeu em Hamburgo.
Segundo o manifesto de carga, o barco germânico trouxe para Santos 1.687 volumes, num total de
2.539.966 quilos, destacando-se do seu carregamento materiais de ferro para construções, maquinaria em geral, produtos químicos e farmacêuticos,
anilinas, motores, aparelhos de rádio e artigos fotográficos e elétricos, mercadorias essas que correspondem a antigas encomendas feitas por firmas
de Santos, S. Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Recife, Porto Alegre, Santiago do Chile, Lima e Concepción.
As mercadorias destinadas aos outros portos, que não Santos, deverão ser reexportadas no devido
tempo, pois o Natal encerrou em nosso porto a atual viagem à América do Sul.
Falando ao comandante do Natal - Como prometera, o capitão Bernhard Wilkiens recebeu
ontem, às 10 horas, a bordo do seu navio, os representantes da imprensa de Santos e da capital. Esse oficial da marinha mercante da Alemanha
tributou cordial recepção aos jornalistas, reunindo-se também a bordo do cargueiro germânico os srs. Ferdinand von Gherbart, encarregado do
consulado da Alemanha em nossa cidade; Herbert Sack e Rodolpho Morgener, figuras destacadas da coletividade germânica da capital.
Depois de proporcionar demorada visita às dependências do Natal, o comandante Bernhard
Wilkiens concedeu a seguinte entrevista à imprensa:
"Há cerca de 4 semanas, o meu navio deixou o
porto de Hamburgo com destino a Santos, transportando um carregamento de mercadorias diversas e que foram previamente encomendadas por firmas
brasileiras. Quando vim a saber do destino do Natal, confesso que me senti muito satisfeito, pois não contava rever esta bonita cidade tão
rapidamente. Estive pela última vez em Santos em junho de 1939, isto é, pouco antes de deflagrar o conflito armado. Nessa ocasião, comandava outro
navio.
"Ao contrário dos meus colegas do Lech e do Hermes, eu saí de Hamburgo e posso
afirmar aos meus amigos de Santos que esse porto alemão permanece como todos o conhecem. Intacto e denotando extraordinário movimento. Não foi, como
o telégrafo anunciou, pulverizado pela R.A.F. (N.E.: Royal Air Force, a força aérea
real da Grã-Bretanha).
"Depois que levantamos ferro, tomamos a direção do Atlântico e uma vez nesse oceano dissipou-se
todo o perigo, decorrendo a viagem absolutamente normal. Nenhum navio suspeito encontramos durante a travessia. Os meus oficiais e marinheiros
mostraram-se desde o primeiro dia de viagem animados da mais natural vontade de levar o navio e a sua valiosa carga para o porto de destino. Aliás,
o Natal empreendeu a viagem para o Brasil sem qualquer armamento defensivo ou ofensivo. Fizemos viagem de caráter pacífico, embora em plena
guerra, para servir ao comércio internacional e entregar ao mercado brasileiro produtos de que carecia.
"Para mim e meus homens constituiu motivo de grande satisfação - repito - a ordem que recebemos de
viajar para o Brasil, considerado pelos marinheiros alemães como o país mais hospitaleiro do mundo.
"Peço aos jornalistas brasileiros que se façam portadores dos nossos mais sinceros agradecimentos
pela fidalga acolhida que tivemos neste porto e das nossas saudações ao povo brasileiro, e, especialmente, ao paulista".
Encerrando a entre-fala, o comandante Bernhard Wilkiens ofereceu um beberete aos jornalistas. O
comandante do Natal tem 19 anos de vida no mar. Sempre viajou para o Brasil, servindo em vários navios da H.S.D.G., como o Villa Garcia,
La Corunha, Bilbao e Vigo. É casado com senhora brasileira.
Interrogado se se dispunha a regressar à Alemanha, respondeu que em
Santos aguardaria instruções superiores nesse sentido.
O comandante do cargueiro alemão Natal, entre dois oficiais, falando aos representantes da
imprensa. No plano inferior aparecem o comandante, oficiais e marinheiros do barco germânico, entre figuras da colônia alemã e repórteres
Fotos e legenda publicadas com a matéria original
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Ainda em A Tribuna, na edição de 28 de junho de 1941 (página 5 - ortografia atualizada nesta
transcrição):
O cargueiro alemão Natal, que ontem à noite deixou o porto, tentando burlar o bloqueio
britânico
Imagem: reprodução parcial da matéria original, com essa legenda e repetindo a foto do 1º dia
Zarpou, ontem, o cargueiro alemão Natal
O barco germânico, tentando romper novamente o bloqueio inglês, dirige-se para Hamburgo - A
carga que recebeu em nosso porto
Deixou, ontem à noite, o nosso porto, o cargueiro alemão Natal, que aqui se encontrava desde o dia
29 de abril último, quando procedeu de Hamburgo, trazendo 2.500 toneladas de carga geral.
Há vários dias que o cargueiro germânico se preparava para deixar o porto, tentando pela segunda
vez transpor o bloqueio naval britânico. No dia 18 do corrente, o Natal foi despachado nas repartições portuárias, declarando-se no passe de
saída que o vapor alemão se dirigiria para o porto de Hamburgo.
Todavia, foi sustada a sua saída, que se verificaria, não no dia 18, mas na noite seguinte,
dizendo-se nos círculos marítimos que a chegada, naquela ocasião, ao Rio de Janeiro, de um cruzador auxiliar britânico teria prejudicado o propósito
do comandante do Natal, por isso que esse navio não dispõe de qualquer armamento.
Ontem, à noite, entretanto, o Natal deixou seu ancoradouro, tomando o rumo da barra,
iniciando nova tentativa de burlar a vigilância naval inglesa.
O barco germânico dirige-se para Hamburgo, acreditando-se que se juntará a um comboio de navios da
mesma nacionalidade.
É comandante do Natal o capitão Bernhard Wilkien, experimentado homem do mar e velho
conhecedor da rota do Atlântico Sul.
Em nosso porto, o navio germânico carregou as seguintes mercadorias para Hamburgo: 209 quartolas
de sebo de gado bovino, 7.537 sacos de quebracho de origem vegetal; 6.329 sacos de caroço de algodão; 2.760 sacos de minério de zincórnio, 2.198
sacos de minério de rútilo; 1.417 tambores de óleo de mamona, 8.784 sacos de mamona em baga e 22 quartolas de bílis de boi, mercadorias essas
avaliadas em 3.900:000$000. |
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