Documentos encontrados em Santos foram transportados para o Arquivo Público do Estado, na Capital
Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada com
a matéria
ARQUIVOS SECRETOS
Dossiês revelam: Santos foi vigiada após Anistia
Espionados pela ditadura relembram episódios da época
Rafael Motta
Da Redação
Um único documento reproduzido ontem, em A Tribuna, demonstra
quantas informações históricas sobre Santos e o País devem estar contidas nos arquivos secretos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social
(Deops-SP) achados no Palácio da Polícia, no Centro Santista, na semana passada.
A documentação também indica o quanto a Cidade foi observada de perto na ditadura militar, a qual
contestou na atividade política, nas urnas e mesmo no enfraquecido movimento sindical da época.
A vigilância, inclusive em atos abertos à participação popular, continuou mesmo após a anistia, em
1979, e o abrandamento da repressão a atos pela democracia.
Esse último componente surpreendeu um dos personagens do relatório parcialmente fotografado e
mostrado na edição de ontem: o ex-deputado estadual Nelson Fabiano Sobrinho. Ele e o ex-deputado federal Marcelo Gato foram os últimos políticos
cassados pelo regime, em 1976.
O nome de Fabiano foi o primeiro da lista redigida por um anônimo agente do Deops sobre um ato no
qual o ex-secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luiz Carlos Prestes (1898-1990) proferiu palestra. Se a memória não trai o
ex-parlamentar, o acontecimento se deu no extinto Teatro Independência, na Avenida Ana Costa, no Gonzaga, no início da década de 1980.
"Não foi um ato clandestino: a Cidade inteira esteve presente, pois Prestes era uma figura
histórica importante. É um absurdo ver que, depois da anistia e da abertura política, o aparelho repressivo e clandestino da polícia continuou
ativo", comenta Nelson Fabiano, para quem os mais de 6 mil dossiês achados em Santos "estavam sendo subtraídos da História".
ASPECTOS |
Política I
Apesar de anestesiada pelo golpe de 1964, Santos mostrou nas urnas seu descontentamento. Em
1974, nas eleições para deputado estadual, 42,25% dos votos foram para candidatos locais do MDB, partido de oposição. Para federal, 49,82% das
indicações foram para dois emedebistas. |
Política II
Nas eleições municipais de 1976, ainda sob o bipartidarismo de Arena (legenda de
situação) e MDB, 112 dos 19 vereadores eleitos eram oposicionistas. E, em 1982, já com legendas diversificadas, o PDS, sucessor da Arena, teve
só quatro eleitos. Os demais foram do PMDB (11), PT e PTB (dois cada).
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Despreparados - Apesar de seu nome ter sido grafado incorretamente (como Arlindo), o
cientista político e coordenador do Instituto de Pesquisas A Tribuna (IPAT), Alcindo Gonçalves, se reconheceu no relatório divulgado ontem pelo
jornal.
No início de sua militância política (foi eleito vereador em 1982 pelo PMDB), Gonçalves dizia
identificar, vez por outra, agentes infiltrados em atos de conotação oposicionista.
"Eu me lembro de um deles, carequinha, magrinho. A gente o cumprimentava, o cara ria. Nunca fui
preso nem torturado, só que estavam de olho em mim. Era época de distensão, mas, se houvesse uma guinada mais repressiva no regime, eu teria sido
uma vítima", considera o analista.
Apesar de as restrições às liberdades terem sido fortes em Santos, por causa da militância
comunista e sindical, anterior ao golpe de 1964, a Cidade foi sede de comitês pela anistia, pela retomada da autonomia política (veja
destaque) e de defesa dos direitos humanos.
Por isso, diz Gonçalves, os relatórios "são um material riquíssimo. Mas é lamentável que o Estado
tenha passado anos gastando recursos para manter pessoas despreparadas, policiais que não tinham conhecimento (político) e se limitavam a marcar
nomes, fatos, comentários e posturas".
Deops existia desde 1924, mas foi mais atuante a partir do golpe de 64
Foto: Alberto Marques, publicada com a
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Civil com "terno vagabundo" fazia a espionagem, lembra militante
O Deops, a polícia política do Estado, existiu entre 1924 e 1983. O departamento teve atividade
destacada na última ditadura. A despeito de ser um regime militar, eram civis os vigilantes que relatavam ações consideradas subversivas ou a
presença de "inimigos" do poder constituído em São Paulo.
Ao menos em Santos, era fácil saber quem cumpria esse papel, segundo o jornalista e historiador
Paulo Matos - também citado no documento veiculado ontem por A Tribuna. "Era sempre um civil, que se disfarçava com um terno vagabundo e se
sentava perto da gente para escutar a conversas".
Matos atuou constantemente "como trabalhador da causa" em atos pela liberdade de expressão. Em
1968, com 16 anos, foi detido pelo Deops no Centro dos Estudantes de Santos sob acusação de tramar um atentado ao então governador, Abreu Sodré
(1917-1999). Em 1984, foi processado com base na Lei de Segurança Nacional por se manifestar contra o aumento da tarifa de ônibus.
Destituição - Sobre a vinda de Luiz Carlos Prestes à Cidade, Matos lembra que o período era
pouco posterior à destituição do comunista da liderança do PCB. "A turma não comenta, mas, no fim do discurso, ele disse: 'Partido é dos
trabalhadores'. Não sei se afirmou isso de forma genérica ou por causa do PT (fundado em 1980). Só sei que ele não voltou ao PCB".
Matos foi preso aos 16 anos, acusado de tramar atentado ao governador
Foto: Alberto Marques, publicada com a
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NA JUSTIÇA |
A deputada estadual Maria Lúcia Prandi( PT)
informou, por sua assessoria de imprensa, que irá protocolar amanhã, no Ministério Público, uma representação para identificar responsáveis pela
ocultação dos arquivos secretos do Deops no Palácio da Polícia. Segundo ela, os documentos deveriam ter sido encaminhados ao Arquivo Público do
Estado a partir de 1994. Ela também pediu audiência com o procurador geral de Justiça paulista, José Luiz Abrantes. "Os dossiês podem pôr fim ao
vazio de explicações sobre muitos fatos, como o paradeiro de desaparecidos políticos" |
NA LITERATURA |
Lançado no começo deste ano, o livro São
Paulo Metrópole das Utopias (Companhia Editora Nacional/Lazuli Editora) é resultado da abertura dos arquivos do Deops/SP, até então sob a
guarda do Arquivo Público Estadual. A obra revela, por exemplo, como a cidade de São Paulo foi palco das grandes idéias e centro de resistência
ao nazismo e ao fascismo. Apesar disso, existia uma rede de nazistas na Cidade com a missão de vigiar e reportar ações diversas para o Eixo. O
livro apresenta também um vasto material iconográfico com fichas de suspeitos tidos como subversivos |
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