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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Autonomia e imprensa (9)

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Historicamente uma cidade guerreira, que sempre lutou por seus direitos, ao ponto de ser marcada com epítetos como Moscou Brasileira e Cidade Vermelha, Santos foi duramente castigada pela Ditadura Militar, com a perda de sua autonomia política e administrativa, em função de seu enquadramento como Área de Segurança Nacional.

Essa história pode ser contada através das capas e principais páginas dos jornais locais. Uma seleção dessas páginas consta na obra Sombras Sobre Santos - O Longo Caminho de Volta, de Ricardo Marques da Silva e Carlos Mauri Alexandrino (ed. da Secretaria Municipal de Cultura, Santos/SP, 1988). Entre elas, a edição de terça-feira, 10 de julho de 1984, do jornal A Tribuna:

Santos viveu ontem um momento histórico, após 15 anos de prefeitos nomeados
Posse de Justo restaura autonomia

Às 11h08 de ontem Santos viveu um momento histórico, quando o presidente da Câmara, Noé de Carvalho, declarou solenemente que estava restaurada a autonomia político-administrativa do Município, logo após a posse de Osvaldo Justo e Esmerado Tarquínio Neto nos cargos de prefeito e vice-prefeito eleitos pelo povo, depois de 15 anos de nomeações. Foi um dia alegre e movimentado desde o início da manhã, quando uma multidão ocupou parcialmente a Praça Mauá, esperando a chegada do novo prefeito e a saída do último nomeado, Paulo Gomes Barbosa, que deixou a Prefeitura sob vaias e ofensas e por pouco não foi atingido por ovos e tomates jogados por manifestantes.

Osvaldo Justo proferiu longo discurso de posse, reafirmando seu compromisso de promover um levantamento da real situação da Prefeitura, e posteriormente confirmou a indicação de seu irmão Carlos Alberto Justo para a presidência da Prodesan, marcando para as 8 horas de hoje a posse de todo o secretariado. A maior decepção foi a ausência do governador Franco Montoro, que desistiu de comparecer em virtude dos protestos preparados contra ele, em função do aumento do pedágio e de outros problemas. Com isso, a maior atração foi o vice-governador Orestes Quércia, que apoiou Justo e disse que ainda confia nas diretas-já.

Calcula-se que cerca de três mil pessoas tenham comparecido à posse do novo prefeito, que em nenhum momento foi hostilizado, reforçando a idéia de que o povo acredita e acolhe com confiança uma autoridade escolhida de forrma legítima e democrática, qualquer que seja o resultado das urnas. Na cerimônia, realizada na Câmara, o primeiro e mais aplaudido discurso foi feito pelo vice-prefeito Esmeraldo Tarquínio Neto, e um ponto marcou todos os pronunciamentos: a lembrança de que, agora, todos querem escolher, em eleições livres e diretas, o novo presidente da República. Também foi muito lembrada a figura de Esmeraldo Tarquínio, último prefeito eleito em Santos, cujo lema - Começar de novo - adquiriu um caráter de extrema atualidade.

Após a assinatura de transmissão do cargo, 
o cumprimento protocolar entre Barbosa e Osvaldo Justo

Posse consagra autonomia

Eram 11h08, quando a autonomia de Santos foi considerada restabelecida, nos termos do Decreto-lei 2.050, que o presidente em exercício, Aureliano Chaves, assinou no dia 2 de agosto do ano passado. O referido decreto revogou outro decreto-lei (nº 865, de 12 de setembro de 1969), mas especificou que Santos só deixaria de ser área de interesse da segurança nacional "a partir da posse do prefeito e vice-prefeito eleitos".

Com Osvaldo Justo e Esmeraldo Tarquínio Neto empossados, Noé fez questão de ficar de pé para dizer: "nos termos que nos foi legado, declaro nesse instante restaurada a autonomia administrativa do Município de Santos".

E depois que o novo prefeito discursou, o presidente da Câmara encerrou a histórica sessão com o seguinte pronunciamento: "O ato jurídico institucional que ora se realizou, para empossar os eleitos pelo povo, em pleito direto e secreto, extravasa a singeleza imposta pelas disposições legais específicas porque não é apenas uma posse, mas a festa de uma reconquista dos foros de franquias políticas pela gente santista.

"Esta Cidade, que ofereceu liberdade à Pátria, pela ação inteligente, decidida, insistente e audaz de seu grande filho, o festejado Patriarca da Independência, por triste contraste, mais uma vez teve que romper os grilhões da exceção, para se governar livre, sem a incômoda tutela imposta, desta vez, quando mal acabara o povo de demonstrar sua firme convicção democrática, elegendo o saudoso prefeito Esmeraldo Tarquínio.

"Na presidência desta Câmara, que jamais se curvou, por isso que posta em recesso, vejo hoje a comemoração de uma vitória sobre os que retiraram o direito do povo de livremente escolher seus governantes. A vitória hoje alcançada não tem comandantes de nomeada, apenas seus escolhidos.

"Foi a conquista dos simples, dos sem dono, dos livres, dos que, fiéis à vontade do povo, não impuseram nem nomes nem conduta, não prometeram, nem se exaltaram.

"Foi, também, a conquista da maioria silenciosa, mas vibrante, maioria humilde, mas convicta, maioria consciente de seu papel na história.

"Ao encerrar esta sessão solene de posse, agradeço a todos os que vieram testemunhá-la, esperando que a permanente presença da comunidade nos atos municipais possa manter acesa na lembrança dos mandatários a aliança consagrada pelo voto, que deve subsistir em benefício da sociedade".

Quércia - O vice-governador, Orestes Quércia, foi o primeiro a ser chamado para fazer parte da mesa. Quando Noé pronunciou seu nome, ele foi muito aplaudido por todos os presentes. Ao discursar, para saudar os empossados, Quércia comunicou que representava o governador Franco Montoro e disse que era uma honra poder assistir à solenidade de restabelecimento da autonomia de Santos, "bandeira vitoriosa nascida do espírito de luta do extraordinário povo santista".

Quércia comentou o passado de Justo, "dedicado à coisa púbica", e manifestou certeza de que fará um bom governo, "conduzindo os destinos da Cidade com dinamismo, presteza e trabalho, características da sua personalidade".

Esmeraldo Tarquínio também foi lembrado pelo vice-governador, que falou da convivência de ambos, como deputados estaduais, antes de se elegerem, na mesma data, prefeitos de Santos e Campinas, respectivamente. Repetindo palavras de Kennedy, Quércia assim se expressou sobre Tarquínio: "Para o político, mais do que na terra, o importante é estar gravado no coração do povo. E Tarquínio ficou gravado no coração do povo, que o reconduziu à Prefeitura por intermédio de seu filho, Tarquínio Neto".

Assim como o vice-prefeito, o vice-governador também falou da coincidência dos dois 9 de julho, o de 1932 e o de ontem: "O primeiro significou um marco decisivo na vocação libertária do povo de São Paulo. E no de hoje, estamos com aquele mesmo espírito de luta. Queremos uma nova Constituição, brotada do sentimento popular. Precisamos de instituições políticas fortes, como nos Estados Unidos. Mas, nunca atingiremos instituições fortes, se não tivermos eleições diretas. A posse de um prefeito eleito pelo povo, com o restabelecimento da autonomia, tem um significado muito importante nesta data".

Hino - O Hino Nacional foi tocado duas vezes pela banda do 6º BPM/I. A primeira vez, antes dos discursos durante a sessão que empossou Justo e Tarquínio. E a segunda vez, antes da transmissão do cargo. A banda ficou no saguão do 1º andar, entre o salão nobre e a escadaria de acesso à galeria da Câmara.

Além de Quércia, Noé chamou para a mesa, Justo, Tarquínio e os vereadores Adelino Rodrigues (PMDB) e Fernando Oliva (PDS), respectivamente 1º e 2º secretários. Em princípio, a presença de Mário Covas, prefeito da Capital, foi apenas registrada por Noé. Mas, logo em seguida ele ofereceu a "cadeira da autonomia" para que Covas também fizesse parte da mesa principal.

Depois, os empossados apresentaram as declarações de bens e fizeram o juramento. E, antes de anunciar o discurso do vice-prefeito, o presidente da Câmara registrou mais duas presenças: o secretário do Trabalho, Almir Pazzianotto e o deputado estadual Emílio Justo, "representando o presidente da Assembléia, Nefi Tales".

Também presentes, os comandantes das unidades militares (AD/2, Base Aérea, Capitania dos Portos e Polícia Militar), o secretário do Interior, Chopin Tavares de Lima e diversos outros deputados.


No discurso, a idéia de um novo estilo de governo

No salão nobre, vaias

Por causa do atraso na Câmara, também começou com atraso, de uma hora, a solenidade de transmissão do cargo, no salão nobre da Prefeitura. O chefe do cerimonial, Antônio Nascimento, anunciou, às 12h05, a execução do Hino Nacional.

Terminado o Hino, ele mencionou os nomes de todas as autoridades presentes, bem como daquelas que enviaram telegramas de cumprimentos, a começar pelo vice-presidente, Aureliano Chaves.

Dez minutos depois, Nascimento chamou o prefeito Paulo Gomes Barbosa para assinar o termo de transmissão. Surgiram as primeiras vaias, fato que fez os assessores e amigos de Barbosa baterem palmas com mais vigor. Quando Justo foi chamado, só se ouviram os aplausos.

Entretanto, as vaias retornaram com mais intensidade quando Barbosa fez um rápido e improvisado discurso de despedida. Falou de sua felicidade por transmitir o cargo para um prefeito eleito, agradeceu seu secretariado, assessores, diretores das empresas de economia mista e servidores, enalteceu a democracia e deu um recado para o sucessor: "A cadeira do prefeito não é e nunca foi uma poltrona confortável".

Alheio às vaias, Barbosa continuou, tentando dar conselhos a Justo: "Agora, mais do que nunca, queira bem a Santos e sua gente, notadamente os mais humildes. Não permita que a elevação do pedágio venha a fechar as portas de Santos. A partir de agora quero assistir sua luta e aplaudir suas vitórias. Peço a Deus que o ilumine e que faça uma boa administração".

Resposta - Quando chegou a vez de Justo, ele não perdeu a oportunidade de responder ao prefeito que estava saindo: "Sei do peso desse cargo e estou tranqüilo, não obstante os sacrifícios e lutas que irei enfrentar. Disputei esse cargo pela segunda vez e em ambas fui vitorioso. A primeira vez como vice de Esmeraldo Tarquínio, e agora com seu filho. Estou tranqüilo porque não prometi nada, como também não o prometeu Esmeraldo".

O novo prefeito repetiu mais algumas vezes que estava com a consciência tranqüila, e chegou a pregar a conciliação dos partidos opostos, para que todos juntos possam construir o futuro da Pátria: "Vamos nos considerar, aqui, um servidor púbico. Quero e espero a compreensão de todos vocês".

Exatamente às 12h30, terminou a solenidade no salão nobre. Então, Justo se dirigiu para o gabinete do prefeito, onde seria muito cumprimentado, enquanto Barbosa descia as escadarias, não com todos os companheiros de equipe, pois alguns deles, talvez já temendo a manifestação popular, saíram um pouco antes.


Os momentos mais tensos aconteceram na saída de Barbosa,
recebido pelos manifestantes com vaias, ofensas e ovos

Ovos e ofensas a Barbosa

Ontem foi um péssimo dia para Paulo Gomes Barbosa, desde sua chegada à Prefeitura, sob vaias, até à tumultuada saída, já como ex-prefeito de Santos. Todo o esquema de protestos preparado para receber o governador Franco Montoro, que estrategicamente deixou de comparecer à posse, voltou-se contra o último prefeito nomeado de Santos, obrigado a ouvir vaias, coros humilhantes e até ofensas pessoais, além de escapar por pouco de alguns ovos jogados por manifestantes.

Eram quase 13 horas quando Barbosa saiu da Prefeitura, acompanhado da maioria de seus ex-auxiliares, e começou a descer as escadarias para entrar no carro que o esperava na rua. Mesmo com a proteção de um cordão de isolamento de policiais militares, o ex-prefeito foi cercado por numeroso grupo de manifestantes, que permaneceu na Praça Mauá desde o início da manhã.

Num gesto elegante e formal, Osvaldo Justo acompanhou Barbosa até o carro e por pouco não foi atingido por um ovo jogado pelos manifestantes. O chefe do cerimonial de Barbosa, Antônio Nascimento, também quase recebeu um ovo, que caiu num ramalhete de rosas que ele carregava.

Cercado pelo povo, tenso e nervoso, Barbosa entrou no carro com muita dificuldade, ouvindo coros ofensivos e até impublicáveis.

Houve muita confusão, mas tudo durou muito pouco, só até que o carro de Barbosa finalmente conseguisse abandonar a Praça Mauá. Imediatamente as manifestações mudaram de tom, pedindo a presença do novo prefeito, que logo em seguida surgiu na sacada da Prefeitura, com seu vice. Justo foi aplaudido pelo povo, numa demonstração de confiança, mas acabou ouvindo também alguns gritos pedindo um plebiscito para escolher o novo administrador de Bertioga, o que ele já disse que não fará.

Além de Barbosa e seus ex-auxiliares, também receberam vaias o ex-deputado Athiê Jorge Coury (responsável principal pela indicação do ex-prefeito nomeado, no início de 1980) e as autoridades que compareceram à solenidade.

O fato é que, vaiando ou aplaudindo, o povo santista marcou presença na posse do novo prefeito, eleito por ele. Calcula-se que cerca de duas mil pessoas conseguiram entrar na Prefeitura, enquanto na Praça Mauá concentravam-se quase mil manifestantes, com muita disposição.

A maior expectativa de todos era quanto à presença de Franco Montoro, o que ficou claramente visível pelas faixas estendidas na praça, a maioria delas protestando contra o aumento do pedágio e denunciando a violência da Polícia Militar na Vila Socó e em São Vicente.

O Sindicato do Comércio Varejista de Santos assinou duas faixas de protesto, ambas endereçadas diretamente a Montoro. Uma delas dizia: "Sr. Franco Montoro, o pedágio é absurdo, desleal e injusto". A outra citava o pedágio, o esgoto e a poluição e perguntava: "Sr. Franco Montoro, o que falta mais para a Baixada?"

O Conselho Comunitário de Praia Grande também compareceu com uma faixa, pedindo mais segurança para a população, a exemplo da Associação Comercial daquele município, que exigiu o cumprimento da promessa de Montoro de acabar com o pedágio, e afirmou: "A Baixada não é depósito de lixo".

A Associação de Usuários dos Transportes, recém-criada, levou uma faixa afirmando que "Transporte tem solução", destacando-se também a presença do Comitê Santistas Pró-Diretas, repudiando o Colégio Eleitoral e os acordos de cúpula para a escolha do novo presidente. Uma das faixas mais interessantes e bem elaboradas dizia simplesmente: "De Bertioga a Brasília, diretas-já".

Com tantos protestos e revolta, uma coisa, porém, foi marcante: o novo prefeito Osvado Justo em nenhum momento foi hostilizado pelo povo, que o recebeu carinhosamente e demonstrou a satisfação de acolher um resultado democrático. Entre os manifestantes estavam presentes pessoas de outros partidos e outras facções do PMDB, mas ficou claro que todos respeitam e aceitam uma autoridade, desde que ela seja legítima e não imposta por um sistema autoritário.

No final, o forte e discreto esquema de policiamento preparado pelas autoridades acabou não sendo utilizado, a não ser para evitar que Paulo Gomes Barbosa fosse atingido por um ovo ou tomate. Sem trabalharem, os policiais de choque colocados na traseira de várias peruas, discretamente, retiraram-se em paz para seus quartéis.


Por trás da festa de Justo, o protesto contra Montoro

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