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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Um simpósio pela autonomia...

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Historicamente uma cidade guerreira, que sempre lutou por seus direitos, ao ponto de ser marcada com epítetos como Moscou Brasileira e Cidade Vermelha, Santos foi duramente castigada pela Ditadura Militar, com a perda de sua autonomia política e administrativa, em função de seu enquadramento como Área de Segurança Nacional.
Em fins de 1980, realizou-se em Santos um simpósio sobre a autonomia municipal, que  terminou com a edição de uma carta de princípios. O encerramento do encontro foi assim noticiado pelo jornal santista A Tribuna , na edição de 1º de dezembro de 1980:
 
Município, o grande marginal

Depois de três dias de debates, o Simpósio sobre Autonomia dos Municípios Brasileiros, organizado pela Câmara Municipal de Santos, chegou a duas conclusões bastante importantes. A primeira, sobre o empobrecimento que os municípios passam a enfrentar, a partir do momento que seus moradores não têm mais a capacidade de escolher seus dirigentes. A segunda, o desinteresse normal e natural que se forma na população, que deixa de participar do processo político, preferindo manter-se alienada às decisões, tomadas sempre de cima para baixo.

E alguns detalhes vieram confirmar essas duas conclusões. A maioria dos municípios ausentes alegou falta de condições financeiras de enviar representantes, fato confirmado pelo deputado Freitas Nobre, que participou do encerramento: "Em Brasília, durante a semana, esse fato foi comentado nos corredores da Câmara dos Deputados. Os municípios estão sem condições financeiras para realizar boas administrações, quanto mais enviar representantes para este simpósio".

Quanto à participação popular, a exemplificação ficou por conta das galerias da Câmara Municipal, vazias nestes três dias, confirmando as conclusões do simpósio. "O povo - afirmou Norton Nunes, líder do PMDB em Santos - deixa de se interessar à medida que não é chamado ao debate. Esse processo é natural, pois as decisões são sempre arbitrárias, gerando até uma certa comodidade. Esse fenômeno ocorre em todo o País. É uma apatia política que acaba levando a uma descrença nas instituições".

Na carta de princípios elaborada ontem, escrita pelo vereador Norton Nunes, todos esses problemas estão bem especificados. O vereador preocupou-se em explicar o atual quadro político, mostrando que o povo, impotente para influir dentro do processo instituído, acaba por se desinteressar tornando-se cada vez mais fraco. "Eis a síndrome de perigosa patologia social", definiu o vereador.

Entre todas as teses que foram expostas e debatidas, a de Santos acabou prevalecendo. A maioria dos políticos que debateu esses problemas, nestes três dias, chegou à conclusão de que no caso do advento da autonomia, os atuais prefeitos nomeados devem ser substituídos pelos presidentes das Câmaras Municipais, num mandato-tampão, até que as eleições sejam realizadas.

Valeu - Dos 106 municípios brasileiros considerados como áreas de segurança nacional, capitais de Estados e Territórios, apenas 22 representantes participaram do Simpósio sobre Autonomia. Para o secretário geral, vereador Eduardo Castilho Salvador, o resultado final das discussões foi positivo. Ele levou sua consideração que os municípios sem autonomia representam 3/4 da população, e toda essa parcela teve sua representatividade no simpósio. "Além disso, o fundamental é que houve unidade entre todos, procurando defender a autonomia independentemente de partidos políticos. Apenas esse detalhe já é importante".

Uma das coisas que os congressistas - tanto do Norte-Nordeste como do Sul - fizeram questão de esclarecer é que o simpósio não teve conotação político-partidária, limitando-se a discutir e a exigir a autonomia de todos os municípios brasileiros. Para Norton Nunes, o descompromisso governamental com o povo, como a elaboração de grandes planos sem consulta popular, foi tratado de maneira realista e isenta", "apesar, é claro, de alguns pensarem de outra forma. De qualquer maneira, foi um simpósio onde as lutas partidárias foram deixadas de lado. O importante é lutar pela autonomia".

No final dos trabalhos, o simpósio foi declarado em estado de vigília cívica, tendo sido escolhida a cidade de Foz do Iguaçu para a realização do próximo encontro. A carta de princípios foi escrita e lida pelo líder da Oposição na Câmara de Santos, Norton Nunes.

Carta de princípios

"Da cidade que ensinou à Pátria a liberdade e a caridade, rincão natal dos Andradas, alteiam-se os sons da Amazônia, o fragor das Cataratas, a bulha das Capitais, os rumores plácidos do Interior.

Buscam as vozes nacionais fazerem-se ouvir no Planalto Central. E que postulam?

Pretendem ver devolvida a autonomia política das capitais dos Estados, das cidades consideradas áreas de segurança nacional, dos municípios de fronteira, das comunas dos territórios federais.

Por que esse generalizado anseio? Em que contexto insere-se essa pretensão?

Milhões de brasileiros estão hoje impedidos de exercer direito que, no âmago conceitual da democracia, é o substrato político insubstituível da autoridade.

O consentimento da coletividade, expresso pelo sufrágio universal, pelo voto secreto e direto, cria relação entre os escolhidos e o povo, no envolvimento global da comunidade na responsabilidade gerencial da coisa pública.

Inversamente, e essa é a triste realidade testemunhada pela unânime manifestação das cidades participantes do simpósio, a inexistência dessa relação de legitimidade povo-governo tem conduzido as comunidades ao desinteresse pelo que lhes é concernente, à apatia política e à descrença nas instituições.

Impotente para influir, como de seu direito, na administração, o povo aliena-se, desinteressa-se, enfraquece-se. Eis síndrome de perigosa patologia social.

Ora, com unânime a doutrina do Estado, com base na história municipalista brasileira, os municípios são as células do corpo vivo da nação. E não se concebe o organismo estuante de vida, pleno de saúde, se as células padecem de graves males.

Urge, então, que se corte o mal, com terapêutica política conforme à patogenia municipal, sem traumas que debilitem ainda mais o doente.

Os remédios estão à mercê dos poderes constituídos, sua ministração insere-se no exercício regular da autoridade, circunscrito, pois, aos mandamentos da Carta Magna e à regularidade da vida democrática.

Busca, com efeito, que se restaure no texto constitucional o princípio da plenitude da autonomia municipal e se revoguem, no nível da legislação ordinária, as leis e os decretos-leis que instituíram a redução da capacidade política de mais de 100 cidades brasileiras.

Concluiu o simpósio, não com paixão - que lhe toldasse a clareza da visão, mas com lastro vivencial de mais de 10 anos de intervenção, que não sobreexistem razões, se as houve algum dia, a justificar o estado excepcional da diminuição política.

Nas capitais, centro das unidades federadas, tem estado a pulsação da própria vida nacional.

Nas cidades-sedes de grandes complexos industriais ou portuários registram-se arraigadas convicções democráticas, que só se compadecem com a regularidade institucional.

Nas comunas dos territórios federais, seja pela distância dos grandes centros de decisão, seja pela integração nas regiões em que melhor se vê o Brasil primitivo, procura-se constituir a nação fiel às origens.

Nos municípios de fronteira, como facilmente se pode constatar, aprofunda-se o sentimento de brasilidade e cada nacional que lá reside é verdadeira sentinela de nossos interesses.

Na preservação, portanto, de todas essas características, cuja soma é o próprio espírito da pátria, consiste verdadeiramente a segurança nacional.

E porque o simpósio entendeu que só através da devolução da dignidade política a todas essas células brasileiras, vale dizer, a todos os milhões de brasileiros que nelas constroem a riqueza do país, pleiteia ao Poder Executivo Federal e ao Congresso Nacional, no exercício da harmonia e independência dos poderes, a inserção, na Lei Maior, do princípio da autonomia plena dos municípios e a revogação imediata de toda a legislação restritiva da autonomia política das capitais, das cidades de segurança nacional, dos municípios de fronteira e das comunas dos territórios federais.

E, como indispensável a relação de legitimidade povo-governo, ditada pelo voto popular, postula o simpósio que, no período que mediar entre a declaração da autonomia e as eleições respectivas, assumam o Poder Executivo Municipal os presidentes das câmaras de vereadores.

Ciente de que a toda postulação corresponde trabalho diuturno, o simpósio declara-se em estado de vigília cívica para tanto em novo encontro em Foz do Iguaçu, em data designada, como em movimento junto ao Congresso Nacional, obter a consecução da tese máxima da autonomia municipal".


O líder do PMDB na Câmara Federal, um dos destaques
Foto publicada com a matéria

Freitas Nobre: autonomia também para as capitais

O líder do PMDB na Câmara Federal, deputado Freitas Nobre, afirmou ontem, ao final do Simpósio sobre Autonomia dos Municípios Brasileiros, que vai instalar em Brasília uma secretaria executiva, com base orgânica, para que a campanha pela autonomia seja desenvolvida em todo o País.

Além disso, Freitas Nobre colocou à disposição da executiva do simpósio tudo aquilo que for necessário para que a campanha tenha continuidade. "Montaremos uma estrutura com escritório, funcionários, telefone, telex, correio, enfim, com todas as finalidades, para que o movimento fique mais forte. E no meu discurso na Câmara, agora no final do ano (provavelmente dia 5, último dia antes do recesso), farei questão de incluir esse simpósio no levantamento que normalmente faço. Foi válido e lerei a carta de princípios na Câmara".

Freitas Nobre afirmou ainda que a luta pela autonomia não deve ser levada apenas para as cidades consideradas de segurança nacional, mas a todas as capitais de estados do País. E nesse caso, afirmou que se sentiria honrado e interessado em concorrer à Prefeitura de São Paulo, caso a autonomia viesse e o partido que representa referendasse seu nome. "Sinceramente, fui vice-prefeito da Capital no Governo Prestes Maia e, por duas vezes, vereador eleito. Portanto, gostaria de concorrer".

Segundo o deputado, o final da autonomia dos municípios veio apenas mostrar que o povo, na realidade, sabe como escolher seus representantes. E, para exemplificar, citou Faria Lima, um dos "grandes administradores que passou pela Capital", que apesar de lutar contra problemas econômicos soube realizar um trabalho objetivo. "É claro que eleito pelo voto existe maior poder de fiscalização do povo. Há um compromisso direto entre governo-povo".

Destacou ainda que os melhores homens para administrarem uma cidade são os vereadores, "que passam por uma Câmara Municipal e sabem onde estão os verdadeiros problemas. Eles são obrigados a andar em ruas sem asfalto, subir morros e a enfrentar uma série de situações difíceis. E tudo isso junto às suas bases. Na maioria das vezes, um vereador tem mais condições do que um grande executivo imposto de cima para baixo".

Em relação à tese de Santos durante o simpósio, Freitas Nobre preferiu aguardar uma decisão federal, em termos de autonomia. Afirmou que o deputado Peixoto Filho, após reunião reservada com o presidente João Figueiredo, garantiu existir o texto final do projeto que devolve a autonomia. "E esse deputado tem suas bases em Duque de Caxias e está interessado no assunto. Mas é bom deixar claro que esse primeiro projeto não envolve as capitais, por isso a luta deverá continuar", finalizou.

Como Santos perdeu seu direito

Pesquisa A Tribuna

A perda da autonomia política de Santos praticamente começou no dia 13 de março de 1969, quando o prefeito eleito, deputado Esmeraldo Tarquínio, teve seu mandato eletivo cassado e suspensos seus direitos políticos pelo prazo de 10 anos, por decisão do então presidente da República, marechal Costa e Silva, durante reunião do Conselho de Segurança Nacional.

No dia 28 de março, outro fato agravava ainda mais a situação política da Cidade: o vice-prefeito eleito com Tarquínio, Oswaldo Justo, que deveria assumir a chefia do Executivo no dia 14 de abril de 1969, renunciou ao seu mandato.

A situação se define no dia 10 de abril. Com base no Ato Institucional número 7, o presidente da República nomeia o general-de-divisão Clóvis Bandeira Brasil como interventor federal para suceder ao prefeito Sílvio Fernandes Lopes, no dia 14 de abril.

A nomeação foi recebida com surpresa nos meios políticos de Santos, pois era aguardada a designação de um elemento civil para o cargo, falando-se com insistência nos nomes de Aníbal Martins Clemente, Carlos Rocha de Siqueira e Aloísio Álvares Cruz, entre outros.

Bandeira Brasil foi empossado  no dia 14, pelo ministro da Justiça, professor Gama e Silva, em solenidade realizada na Guanabara, mas somente chegou a Santos no dia 28, quando assumiu a Prefeitura, ocupada interinamente pelo seu chefe de gabinete, major Antônio Joaquim de Castro Faria, desde o dia 15 de abril.

Ainda em 1969, no dia 12 de setembro, Santos era novamente penalizada; tornava-se área de interesse para a segurança nacional, o que equivalia dizer que seus prefeitos deveriam sempre ser nomeados pelo governador do Estado. A medida era tomada com base no Ato Institucional número 12 e no decreto-lei número 348, de 4 de janeiro de 1968.

Portanto, ficavam canceladas, assim, definitivamente, as eleições que haviam sido programadas para o dia 15 de novembro de 1970, e que deveriam servir para a escolha de um prefeito em substituição ao interventor federal.

Bandeira Brasil, no início, governou na base de decretos, uma vez que a Câmara Municipal entrou em recesso, forçada que foi pelo Ato Complementar número 53, de 8 de maio de 1969, assim permanecendo durante 41 meses, até o dia 8 de julho de 1970, quando, já no Governo do presidente Médici, era assinado o efeito suspensivo por meio do Ato Complementar número 87. A Câmara voltou a funcionar no dia 15 de julho.

Quatro anos mais tarde, no dia 29 de março de 1974, o presidente Ernesto Geisel suspendia a intervenção federal em Santos e o governador Laudo Natel nomeava, paralelamente, Antônio Manoel de Carvalho para o cargo de prefeito do Município. As mudanças significaram uma reabertura política, pois a intervenção acabara, apesar de a Cidade continuar sendo área de segurança nacional, com prefeito nomeado.

Carvalho assumiu no dia 1º de abril e, em regime de urgência, enviou dois projetos à Câmara: a revogação da mordomia criada pelo interventor federal e o restabelecimento do Curso de Contabilidade do Colégio Comercial Acácio de Paula Leite, extinto pela administração anterior.

O primeiro prefeito nomeado permaneceu no cargo durante mais de cinco anos, até o dia 4 de maio de 1979, quando foi notificado que havia sido exonerado por decreto do governador Paulo Salim Maluf. No dia 7 de maio, Carvalho transmitiu o cargo ao seu sucessor: o empresário Carlos Caldeira Filho, segundo prefeito nomeado.

Caldeira permaneceu durante pouco tempo na Prefeitura, pouco mais de oito meses, entregando seu cargo no início deste ano. Assim, o terceiro prefeito nomeado foi escolhido pelo governador Paulo Maluf e tomou posse no dia 29 de janeiro último. Antes, porém, de Paulo Gomes Barbosa assumir a chefia do Executivo, o presidente da Câmara dos Vereadores, Washington di Giovanni, ocupou durante dois dias o cargo de prefeito interino, entre a saída de Caldeira e a posse de Barbosa.

Durante todos esses anos de perda da autonomia política, Santos viu muitos de seus líderes políticos cassados: Esmeraldo Tarquínio (março de 1969), deputado federal Mário Covas Júnior (cassado em dezembro de 1968); deputado federal Gastone Righi (também cassado em dezembro de 1968). Oswaldo Martins, deputado estadual (cassado em abril de 1969); Marcelo Gatto, deputado federal (cassado em janeiro de 1976); Nélson Fabiano Sobrinho, deputado estadual (cassado em janeiro de 1976).

Curiosamente, o último político cassado em Santos durante o período revolucionário que não foi atingido por ato do Governo Federal foi o ex-vereador Luís Rodrigues Corvo, cassado em abril de 1964 pela própria Câmara Municipal, "como medida de salvação nacional".

A autonomia política para a Cidade vem sendo defendida e prometida, há muitos anos. Vereadores prefeitos, deputados, governadores e ministros, em face das amplas reformas em andamento, defendem a volta da autonomia municipal. Entretanto, apesar do processo de abertura iniciado pelo presidente João Baptista Figueiredo, não se pode esquecer que o próprio Figueiredo, quando era ainda candidato à presidência da República, num congresso de vereadores realizado em Porto Alegre, em agosto de 1978, frisou: "A questão da autonomia política será mantida e fortalecida como está na Constituição".

Ocorre que a Emenda Constitucional nº 1, incorporada à Carta Magna em 17 de outubro de 1969, prevê textualmente os prefeitos nomeados para as áreas de segurança nacional e municípios considerados como estâncias hidrominerais. Considerando-se o fortalecimento da Constituição tal como vigora a emenda, não haveria, segundo os meios políticos, uma brecha por onde advogar o retorno das eleições livres para prefeitos dessas localidades.

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