Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0285g.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/03/05 15:08:34
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Tempos de Carvalhinho... (2)

Leva para a página anterior
Historicamente uma cidade guerreira, que sempre lutou por seus direitos, ao ponto de ser marcada com epítetos como Moscou Brasileira e Cidade Vermelha, Santos foi duramente castigada pela Ditadura Militar, com a perda de sua autonomia política e administrativa, em função de seu enquadramento como Área de Segurança Nacional.
Em um sábado, 5 de maio de 1979, o jornal santista A Tribuna publicou:
 
A EXONERAÇÃO
Depois de Carvalho, pode vir Caldeira

Exatamente às 7,20 horas de ontem, o prefeito Antônio Manoel de Carvalho soube, por telefonema do presidente da Câmara, Washington di Giovanni, que havia sido exonerado do cargo por decreto do governador Paulo Maluf. Giovanni havia sido chamado ao Palácio dos Bandeirantes pelo chefe da Casa Civil, Calim Eid, pois, de acordo com a Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo, declarada a vacância, pela exoneração, e não tendo sido ainda nomeado o sucessor legal, cabe ao presidente da Câmara assumir provisoriamente.

Ciente dos fatos, Carvalho os comunicou ao secretariado municipal, desencadeando-se, assim, as redações dos atos formais de entrega dos cargos do primeiro escalão. Mais ainda, o prefeito exonerado marcou para as 17 horas de ontem, no salão nobre do Paço, a cerimônia de transmissão temporária do Governo Municipal ao presidente do Legislativo.

Nesse meio-tempo, Carvalho passou a dirigir telefonemas e mensagens de telex a Brasília, comunicando a sua exoneração, e, para surpresa geral, às 16,07 horas chegava um telex do governador Paulo Maluf, determinando ao prefeito que aguardasse no cargo até segunda-feira, quando chegará o seu sucessor.

Não houve tempo hábil para o cancelamento da solenidade, durante a qual o prefeito esclareceu às autoridades civis e militares que no espaço de poucas horas havia sido exonerado e recebido ordens para continuar. Carvalho referiu-se a ordens, inclusive, emanadas de Brasília nesse sentido, embora distribuindo apenas uma cópia do telex assinado pelo governador Paulo Maluf.

Giovanni, conhecido como Doutor Mimi, não pôde assumir e de fato o Município está em um compasso de espera, pois Carvalho, na vacância, não tem autoridade para governar.

Entretanto, de Campinas, onde acompanhava o governador do Estado, o secretário de Obras e do Meio-Ambiente, Silvio Fernandes Lopes, confirmava o nome do sucessor: o empresário Carlos Caldeira Filho. Sílvio Fernandes Lopes foi escolhido por Maluf para ser o representante oficial do Governo do Estado na transmissão de posse, em princípio marcada para as 17 horas de segunda-feira. Quanto a Carlos Caldeira Filho, limitou-se a dizer que havia recebido instruções para o rápido encaminhamento às autoridades do Estado e da União de seus documentos pessoais, como a cédula de identidade, o título de eleitor e o CIC.

Ordem de esperar - A determinação de Maluf a Carvalho, para que aguarde no cargo até segunda-feira, não tem efeito suspensivo da exoneração. Assim, desde ontem Carvalho não tem poderes executivos e ele mesmo revelou que isso o impedia de assinar dois atos considerados de importância: os decretos pelos quais tornaria de utilidade pública todos os bens do Instituto Superior de Educação Santa Cecília - ISESC - e do Centro de Estudos Unificados Bandeirantes - Ceuban -, para anexá-los à futura Universidade Municipal de Santos.

Os principais fatos de natureza oficial tiveram ontem a seguinte ordem cronológica:

1 - Às 15,36 horas, o prefeito Antônio Manoel de Carvalho enviou mensagem por telex ao presidente da República, João Baptista de Oliveira Figueiredo, nos seguintes termos: "Exonerado hoje do cargo de prefeito municipal de Santos, área de segurança nacional, pelo governador do estado de São Paulo, manifesto a vossa excelência o meu profundo agradecimento pelas atenções com que me cumulou quando exerceu a chefia do Serviço Nacional de Informações - SNI -, bem como no exercício do elevado cargo de presidente da República. Rogo a Deus pela felicidade pessoal de vossa excelência e excelentíssima família, a fim de que possa conduzir o nosso país com os elevados propósitos decorrentes da Revolução Redentora de 1964".

2 - Às 15,55 horas, outro telex, ao general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil da Presidência da República: "Exonerado hoje do cargo de prefeito municipal de Santos, área de segurança nacional, pelo governador do Estado, manifesto a V. Exa. o meu profundo agradecimento pelas atenções com que me cumulou, rogando a Deus pela felicidade pessoal de V. Exa. e excelentíssima família".

3 - Às 16,02 horas, um telex com texto exatamente idêntico era transmitido ao general Danilo Venturini, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República.

4 - Às 16,07 horas, o prefeito recebia um telex assinado pelo governador Paulo Maluf, nos seguintes termos: "Pelo presente, instruímos vossa senhoria aguardar no cargo de prefeito de Santos até segunda-feira, dia 7 de maio, quando se dará a devida transmissão". O teor da mensagem chocou o presidente da Câmara, Washington di Giovanni, que se preparava para receber o cargo, já no gabinete de Carvalho, cumprimentado por vereadores da Arena e do MDB e por autoridades dos mais variados setores da comunidade santista.

5 - Às 16,36 horas, foi Carvalho quem dirigiu um telex ao governador Paulo Maluf: "Acuso recebimento do telex nesta data, pelo qual V. Exa. me instrui para aguardar no cargo de prefeito municipal de Santos, apesar de exonerado por V. Exa., conforme decreto publicado no Diário Oficial do Estado. Em resposta, cumpre-me informar que aguardarei instruções sobre dia, hora e nome da pessoa a quem deverei transmitir o cargo. Saudações".

6 - Às 17 horas, quando foi iniciada a cerimônia preparada para a transmissão do cargo, Carvalho desculpou-se por não ter havido tempo suficiente para avisar a todos que o fato previsto não poderia ser consumado. "Fica esse abraço adiado por algumas horas ou por alguns dias", disse ele.

De surpresa - Quando, há mais de cinco anos, seu nome foi confirmado como prefeito de Santos, Antônio Manoel de Carvalho disse que havia sido "colhido de surpresa", apesar da existência de conhecidas articulações sucessórias. Ontem, ele usou os mesmos termos, disse que realmente foi colhido de surpresa, em relação ao ato exoneratório assinado pelo governador, que ele chama de Salim Maluf, excluindo o prenome Paulo.

"Até que demorou muito, o doutor Salim Maluf poderia ter me exonerado no dia 15 de março, e eu só não entreguei o cargo no dia 14 porque recebi instruções de Brasília para aguardar, o que fiz até a presente data".

Carvalho deu, também, uma entrevista exclusiva, a sua última no governo da Cidade, aqui reproduzida na íntegra, com perguntas e respostas:

AT - O prefeito ficou magoado por não ter sido avisado pelo Governo Federal?

AMC - O aviso não deveria ser do Governo Federal, mas sim do Governo Estadual. Não me surpreendi pela indelicadeza do ato, partindo de quem partiu.

AT - Dentro dessa situação, o secretariado se demitiu?

AMC - O secretariado e os oficiais de gabinete estão sendo exonerados a pedido. Às sociedades de economia mista, por serem regidas por lei das sociedades anônimas, baixei instrução para que convoquem, no prazo legal, as respectivas assembléias gerais.

AT - O prefeito teve ou vai ter algum contato com Brasília?

AMC - Não. Deverei futuramente ir a Brasília, mas não sei ainda quando. Expedi telex ao exmo. presidente da República, ao general Golbery, logo que tomei conhecimento da minha exoneração, e vou ceder cópia.

AT - O prefeito acredita que teria havido alguma articulação política?

AMC - Acredito que deva ter havido pressões de grupos políticos. Ao longo da minha vida, desde o tempo de estudante, adquiri alguns adversários políticos: adversários, não inimigos. Fico feliz por ter esses adversários. Eles devem, nesse momento, ter-se juntado: Álvaro Fontes, Renatinho, Del Bosco, Alfeu, Sílvio Fernandes Lopes, Lara. Devem ter-se unido e pressionado o governador para me demitir, porque durante cinco anos eu fui o soro que impediu que chegassem até o Paço Municipal. Não me sinto triste por ser demitido. E também não quero dizer que tenho mágoas ou rancor. Tudo isso é normal na vida política.

AT - Durante sua gestão, qual foi o real apoio político recebido?

AMC - Tive o apoio político de alguns componentes da Arena e de alguns amigos do MDB, como José Gonçalves, Oswaldo Carvalho de Rosis, que são meus amigos pessoais. Uns que eu já tinha e outros que eu adquiri.

AT - Ficou-lhe alguma frustração?

AMC - Não. Eu não sou homem de frustrações. Eu apenas ia declarar de utilidade pública os bens do Instituto Santa Cecília e do Ceuban, mas não posso mais fazer isso, porque não sou mais o prefeito.

AT - Qual a razão desses atos?

AMC - Eu pretendia expropriar os bens e anexá-los à Universidade Municipal. De resto, eu deixo todos os programas prontos em desenvolvimento, portanto, tenho a certeza de que o dr. Mimi vai dar continuidade aos planos (Eram exatamente 14,30 horas, e Carvalho, a essa altura, ainda pensava que o seu substituto temporário era Giovanni).

AT - Em sua opinião, é uma fase transitória para a autonomia?

AMC - Eu não posso responder, porque não tenho elementos. Essa pergunta deve ser dirigida ao dr. Salim Maluf e aos chefes políticos da Arena em Santos.

AT - O que o prefeito pretende fazer doravante?

AMC - Deixando a Prefeitura eu vou descansar uns dias, provavelmente em Bertioga. Como eu nunca fui vagabundo, vou trabalhar. E vou continuar fazendo política. Tenho meu grupo, vou reuni-lo.

AT - A respeito de um convite que o prefeito teria recebido para a Portobrás...?

AMC - Não fui convidado para nenhum cargo federal. Não estou pleiteando qualquer cargo, nunca pleiteei.

AT - O sr. acha que o sr. Carlos Caldeira será o prefeito definitivo?

AMC - Eu sempre dirigi meus pedidos a Nossa Senhora do Monte Serrate e sempre os tive atendidos. Acho que o sr. Carlos Caldeira não reúne as condições necessárias para ser o prefeito de Santos. E mais uma vez eu faço o meu apelo a Nossa Senhora do Monte Serrate: olhai por Santos.

AT - Se houvesse eleições dentro de 60 ou 90 dias, quem o prefeito acha que ganharia - Arena ou MDB?

AMC - Acho que o MDB ganharia. Mas acho que a Arena disputaria bem, pois tem o Sílvio Fernandes Lopes, Alfeu Brandão Praça. Eu, evidentemente, não os apoiaria. Mas, eles teriam o apoio do Renato Rocha, do Mário Mello, Álvaro Fontes, além do indiscutível apoio do dr. Salim Maluf.

AT - Como o prefeito vê a volta dos cassados, como o Mário Covas, o Esmeraldo Tarquínio, Gastone Righi e outros?

AMC - A volta dos cassados é um processo normal. Eles constituiriam força eleitoral preponderante ou majoritária.

AT - Como está a situação financeira da Prefeitura?

AMC - Deixo com Cr$ 90.672.563,92, sendo que desse total, Cr$ 75 milhões em open market. Quando eu assumi a Prefeitura, em 1º de abril de 1974, não tinha dinheiro nem para o primeiro pagamento dos funcionários, e quem adiantou foi o governador Laudo Natel. Eu saio deixando dinheiro em caixa, com todos os compromissos pagos. Os empréstimos estão dentro de fundos que o Governo criou.

"Sem complô" - No final da tarde de ontem, Sílvio Fernandes Lopes desmentiu categoricamente que houvesse ocorrido algum esquema de pressão ou complô para a derrubada de Antônio Manoel de Carvalho. "Acho profundamente lamentável e deselegante a forma como um homem se despede após cinco anos no governo de uma cidade tão importante no contexto nacional como é Santos, distorcendo os fatos reais, porque a saída dele é um fato natural e já estava prevista por decisão pessoal do governador Paulo Salim Maluf", disse Sílvio. Depois acrescentou: "Não havia a necessidade de nenhum complô para um caso já resolvido".


Durante todo o dia de ontem, o prefeito foi assediado por batalhões de repórteres
Foto publicada com a matéria

Para vereadores, Mimi devia assumir

Depois das justificativas de Antônio Manoel de Carvalho, no Salão Nobre do Paço Municipal, o presidente da Câmara, Washington di Giovanni (Arena), seguiu para o seu gabinete, onde convocou todos os vereadores presentes para uma reunião, sob a coordenação do assessor jurídico do Legislativo, Mayr Godoy.

Então, durante mais de uma hora, foram discutidos alguns aspectos da Lei Orgânica dos Municípios, notadamente a seção referente à substituição de prefeitos, e seu artigo 34: "O vice-prefeito substitui o prefeito eleito em caso de licença ou impedimento, e sucede-o, no caso de vaga ocorrida após a diplomação".

Mas o que mais interessava, neste dispositivo da LOM, eram os dois parágrafos: "1º - tratando-se de prefeito nomeado, o seu substituto será o presidente da Câmara, o qual permanecerá no cargo até que o titular o reassuma, ou seja nomeado outro; 2º - Os substitutos legais de prefeito não poderão se recusar a substituí-lo, sob pena de extinção de seus mandatos de vice-prefeito ou de presidente da Câmara, conforme o caso. Enquanto o substituto legal não assumir, responderá pelo expediente da Prefeitura o secretário municipal dos Negócios Jurídicos, ou, na falta deste, o secretário da Prefeitura".

Diante do teor desses dois parágrafos, ficou evidente que Giovanni poderá até perder o mandato de presidente, e que, em função da não transmissão do cargo, o secretário de Assuntos Jurídicos e Administrativos, Eraldo Aurélio Franzese, deve responder pelo expediente do Executivo nas próximas horas, muito embora não haja atividades nem hoje e nem amanhã.

Segundo promessa que teria feito aos vereadores, notadamente os da bancada do MDB, Giovanni divulgaria uma nota oficial a fim de esclarecer que só não havia assumido a Prefeitura de Santos em virtude da posterior comunicação do governador Paulo Maluf. Para frustração dos repórteres, essa nota acabou não sendo divulgada, sendo que o presidente do Legislativo irritou-se com aqueles que insistiam na obtenção do documento.

Em contrapartida, um dos vice-líderes da Oposição, o vereador Eduardo Castilho Salvador, ficou ainda mais irritado quando soube que Giovanni não havia elaborado a nota prometida, pois tal fato evidenciava que a Câmara estava simplesmente aceitando as determinações de Maluf, sem ao menos procurar defender-se, com base na Lei Orgânica.

Já o líder do MDB, Luís Norton Nunes, analisou o problema sob outro aspecto: "O que a liderança do MDB tem que analisar é a situação de verdadeiro absurdo que a falta de legitimidade dos senhores governantes faz com que o povo se defronte.

"Santos está sem prefeito. Se, por desgraça, ocorrer uma tragédia na Cidade, não há quem decrete o estado de calamidade pública, e possa autorizar abertura de crédito extraordinário, que é o remédio orçamentário previsto na lei para socorrer as necessidades.

"O senhor governador biônico de São Paulo - prosseguiu Norton - praticou ato ilegal, afrontando o direito que é tradição no Brasil, de o presidente da Câmara assumir a chefia do Executivo, e, mais que isso, violou a consciência da Cidade, cujo povo, politizado, espera e vai acabar buscando a autonomia política".

Para o líder emedebista, "eventos dessa natureza, que denigrem o princípio da autoridade, porque têm como autor os próprios exercentes do poder, só podem ter lugar diante do processo espúrio com que algumas cidades no País, por motivos nunca suficiente aclarados, se obrigam a assistir ao tira-põe de seus governantes, sem nisso poder influenciar pela única força que legitima o poder, a força do voto".

Exoneração - Um detalhe interessante nas opiniões dos vereadores foi que os líderes emedebistas condenaram a maneira - exoneração - como Carvalho foi afastado da Prefeitura, enquanto os arenistas sequer deram importância a esse fato.

Demonstrando que preferia ficar bem dos dois lados, conforme já ocorreu em diversas outras oportunidades, o ex-líder da Arena, Fernando Oliva, evitou opinar sobre a exoneração, mas em seguida não poupou elogios à administração Antônio Manoel de Carvalho.

"Eu não tenho nada que achar sobre a exoneração", disse Oliva. "É um ato de exclusiva competência do governador. Fui líder do dr. Antônio Manoel de Carvalho, durante quase toda a sua administração, que foi profícua e eficiente, principalmente para os bairros das zonas mais necessitadas", acrescentou.

Oliva também não hesitou em citar as obras que considerou como principais: "Destacaria todas as obras realizadas na Zona Noroeste, a ampliação da rede escolar, bem como a condição de segurança e tranqüilidade que deu ao professorado municipal, hoje um dos mais bem pagos do Brasil".

O atual líder situacionista, Matsutaro Uehara, limitou-se a declarar sua "surpresa", pois só ficou sabendo da exoneração na manhã de ontem. Quanto ao ato, considerou-o "normal", por ser de competência do governador.

Uehara declarou ainda que até já tinha feito a carta para renunciar à liderança, "tendo em vista que é uma função de confiança do prefeito".

Ao contrário de Oliva e de Uehara, os líderes do MDB criticaram o decreto de Maluf. Norton deu a seguinte opinião: "No contexto em que está colocado o exercício do cargo de prefeito municipal, a exoneração é uma das possibilidades naturais. No caso específico de Santos, apesar de toda a forma exotérica de absoluto alheamento ao povo, com que vinha sendo tratada a matéria, aguardava-se algum desfecho próximo.

"Tanto quanto sabemos, o senhor prefeito ignorava a exoneração até ser publicada no Diário Oficial. Sem prejuízo da programática posição do MDB, contra as nomeações para cargos públicos, a forma nos pareceu deselegante e incompatível com a dignidade pessoal do prefeito que sai do cargo que ocupava. É, lamentavelmente, também, uma das possibilidades desse esdrúxulo sistema de tira-põe".

O ex-líder oposicionista, Noé de Carvalho, também condenou o decreto, afirmando que não havia necessidade. "Acredito que se houvesse um convite para que Carvalho renunciasse, ele não hesitaria em fazê-lo".

A fim de demonstrar sua solidariedade, Noé telefonou para o prefeito exonerado por volta das 14,30 horas de ontem, atitude que provocou elogios por parte deste: "Isso vem provar que não há ressentimentos pessoais entre mim e os vereadores do MDB, mas apenas as naturais divergências por questões partidárias".

Mantovani Calejon, vice-presidente da Câmara, e também do MDB, considerou "um tanto ríspido" o ato de Maluf, argumentando que Carvalho prestou serviços ao Município: "Acho que ele devia receber, pelo menos, o respeito do governador".

"Palhaçada" - O veterano José Gonçalves (MDB) chegou a procurar Giovanni, na residência deste, por volta das 15 horas. Na oportunidade, deu um conselho para que o presidente da Câmara só assumisse a Prefeitura caso fosse no mínimo por 15 dias.

"Fiz essa sugestão - disse Gonçalves - porque estão querendo fazer o Legislativo de Santos de bode expiatório dessa situação. Tudo isso é uma palhaçada, e uma falta de respeito com o povo desta cidade".

Já no Paço Municipal, Giovanni confirmou a sugestão do emedeebista, e também abordou rapidamente a aventura que passou durante a madrugada e o dia de ontem: "Somente durante a madrugada consegui confirmar a chamada do chefe do Gabinete da Casa Civil, Calim Eid. Então, viajei para São Paulo hoje (ontem) pela manhã, lá chegando por volta das 9,30 horas. Recebi a comunicação para que retornasse a Santos e assumisse o cargo de prefeito. Quando retornei, comuniquei-me com o prefeito Antônio Manoel de Carvalho, para avisar-lhe e para marcarmos o horário da transmissão do cargo, ficando acertado para as 17 horas, no Salão Nobre. Posteriormente, veio o telegrama do próprio Maluf, solicitando a suspensão da transmissão do cargo".

Ainda surpreso com os acontecimentos, Giovanni afirmou que seria uma "honra" assumir a chefia do Executivo, mas justificou a necessidade de cumprir as determinações superiores, ignorando, assim, um direito que lhe é assegurado pela Lei Orgânica dos Municípios.


Caldeira, que à última hora aparece como sucessor
Foto publicada com a matéria

Sílvio diz que a escolha de Caldeira deve ser confirmada

SÃO PAULO (Sucursal) - "Eu não estou afirmando que o sr. Carlos Caldeira será empossado no cargo de prefeito de Santos na segunda-feira. Eu disse que acredito que isto vá ocorrer". Essa colocação é do secretário de Obras e do Meio-Ambiente, Sílvio Fernandes Lopes, a respeito do possível sucessor do prefeito Antônio Manoel de Carvalho, exonerado pelo governador Paulo Salim Maluf, conforme decreto publicado ontem no Diário Oficial do Estado, redigido apenas em três linhas: "Exonerando, com fundamento no artigo 34, inciso VIII, da Constituição do Estado de São Paulo (emenda 2), Antônio Manoel de Carvalho, RG 1.384.021 do cargo de prefeito municipal de Santos".

Sílvio Fernandes Lopes encontrava-se em Campinas na comitiva do governo itinerante de Paulo Salim Maluf, quando telefonicamente foi contatado pela Sucursal de A Tribuna, em São Paulo, lembrando que a indicação de Carlos Caldeira havia sido aprovada pelas autoridades federais de Brasília: "O Diário Oficial do Estado de amanhã (hoje) deverá publicar a nomeação do Caldeira, e a previsão é de que deverá ser empossado na segunda-feira", disse.

Na surdina - Inexplicavelmente, tentando tapar o sol com uma peneira, o chefe da Casa Civil, Calim Eid, negou haver recebido o presidente da Câmara Municipal, vereador Washington di Giovanni, às primeiras horas da manhã de ontem, no Palácio dos Bandeirantes: "Não me encontrei com esse senhor e nem tenho idéia como possa ter-se reunido aqui no palácio". Lembrou ainda que a sede do governo estava vazia, em razão da viagem do governador Paulo Maluf a Campinas.

No entanto, a presença de Giovanni logo às primeiras horas da manhã de ontem foi confirmada por uma das recepcionistas da Casa Civil, quando telefonicamente foi solicitada para permitir a presença do fotógrafo para registrar o encontro: "Olha, não dá, porque ele (o presidente da Câmara) já saiu e acredito que esteja chegando por aí (em Santos)". A atitude de Calim Eid desapontou os jornalistas que tentavam obter informações sobre o fato, principalmente levando em conta que o decreto de exoneração de Antônio Manoel de Carvalho já estava publicado no Diário Oficial de ontem.


Pela manhã, Carvalho reuniu os secretários pela última vez
Foto publicada com a matéria

A reunião com o secretariado

O prefeito Antônio Manoel de Carvalho tomou conhecimento da sua exoneração do cargo, por volta das 7,15 horas, através de um telegrama do vereador Washington di Giovanni. Isso ele confessou aos jornalistas ontem, às 12,30 horas, durante a coletiva que concedeu ao pessoal da imprensa, logo após presidir reunião com o secretariado, a última da sua administração.

O chefe do Executivo, bastante descontraído, observou: "Já esperava o ato do senhor Salim Maluf. Foi uma atitude recíproca, sem dúvida. É público e notório que nós estamos - e não abrimos mão - numa corrente política que não é a mesma do governador de São Paulo. Estamos nessa corrente, juntamente com a grande maioria da opinião pública do Estado, mas isso por enquanto não interessa. Sobre a nossa exoneração, achamos que ela até que demorou. Nos nossos cálculos, deveria ter ocorrido no dia 15 de março. Passaram-se, portanto, quase 50 dias após o prazo, fato para o qual não dou nenhuma interpretação".

E logo em seguida, antes que começassem a aparecer as perguntas: "Vou transmitir o cargo logo mais, às 17 horas, numa situação bastante diferente da que o recebi, no dia 1º de abril de 1974, quando os cofres municipais não tinham dinheiro sequer para o pagamento do funcionalismo. Hoje, e aqui está a prova, a Prefeitura dispõe de Cr$ 75 milhões depositados no open-market e mais Cr$ 15 milhões em contas-correntes nos bancos oficiais. Não se contam nesses totais as receitas de hoje (ontem)".

As dívidas - Sobre uma provável dívida de Cr$ 300 milhões da Prefeitura, questão levantada por um dos jornalistas, o prefeito explicou:

"O vereador que disse isso na Câmara provavelmente nem sabe as diferenças entre débito e crédito, e muito menos tem capacidade para distinguir dívida e financiamento. A Prefeitura, para os menos ilustrados como o vereador, não contraiu empréstimos de trezentos e tanto milhões, mas conquistou financiamentos destinados à realização de obras públicas, o que é bastante diferente".

O advogado Eraldo Aurélio Franzese, que respondia pela Secretaria de Assuntos Jurídicos e que também estava presente, acabou complementando a explicação: "Dos financiamentos conquistados pela Prefeitura, todos destinados a obras e melhoramentos para a Cidade, foram amortizados cerca de Cr$ 15 milhões, até agora. É uma dívida que o Município contraiu, sem dúvida, porém com o retorno líquido e certo, porque os munícipes beneficiados com os melhoramentos vão pagar pelo que receberam. Com esse sistema, a Prefeitura está levando aos bairros mais carentes os benefícios da pavimentação e de outros serviços públicos, que, por vias normais, demandariam mais tempo e jamais seriam realizados de uma só vez, como aconteceu, por exemplo, na Zona Noroeste.

"A Prefeitura, na linguagem popular, tem dívida, mas também tem a receber, em igual proporção, embora a longo prazo. Agora, pergunta-se: quantos munícipes foram e estão sendo beneficiados com essas operações?"

O último decreto - Depois de responder sobre o que fará quando deixar o cargo - "Vou descansar alguns dias e depois retomar as atividades particulares, como advogado e administrador de empresas" -, disse o chefe do Executivo aos jornalistas que estava ainda sobre a sua mesa um decreto, que deveria ser assinado ontem, declarando de utilidade pública as instalações do Centro de Estudos Bandeirantes e o Instituto Superior de Educação Santa Cecília, "ambos destinados à composição ou formação da futura Universidade Municipal".

"Poderia - disse ele - alterar as datas e suspender a edição de hoje (ontem) do Diário Oficial do Município, que circularia mais tarde, com o decreto do Ceuban e do Santa Cecília. Mas, não quis, porque não é do meu feitio. Gosto, isso sim, de fazer tudo às claras, e assumir a responsabilidade dos atos que assino, mesmo que isso venha a desgostar alguém ou alguns. Os decretos estavam e estão prontos, e a Universidade Municipal vai esperar mais um pouco. Mas é irreversível. Só não entendo é a posição de alguns, que defendem o ensino universitário pago, quando pertencem ou estão ligados a determinadas faculdades. Mas, isso é uma outra história".

Com os secretários - O chefe do Executivo explicou ainda que a reunião com os secretários teve um caráter informal. "Todos são demissionários - acentuou -, e os respectivos decretos de exoneração estão prontos. Quanto às sociedades de economia mista das quais a Prefeitura participa majoritariamente, como a Prodesan, a CSTC e a Cohab, dentro de uma semana serão realizadas assembléias extraordinárias, convocadas especialmente para eleição das diretorias, conforme estabelece a legislação vigente".

Na reunião com os secretários, sem a presença dos jornalistas, o prefeito teria agradecido a colaboração de todos, enaltecendo o sentido de equipe que todos demonstraram. Em nome do secretariado, agradeceu o advogado Eraldo Aurélio Franzese, titular de Assuntos Jurídicos e Administrativos.

Leva para a página seguinte da série