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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
A primeira deputada santista (e o azeite)

Nascida em 1922, Zuleika Alambert foi eleita em 1947. Faleceu em 2012

Reportagem da jornalista Lídia Maria de Melo (Editora Local) publicada no jornal santista A Tribuna, em 11 de março de 2005:


No curto mandato pelo PCB, apresentou projeto de abono de Natal
Foto: reprodução, publicada com a matéria

HISTÓRIA
Zuleika Alambert, a 1ª deputada

Em 1947, aos 24 anos, ela conquistou uma vaga na Assembleia Legislativa

Lídia Maria de Melo
Editora Local

Desde menina, a santista Zuleika Alambert desejou fugir do destino traçado para as mulheres de sua geração. "Eu não admitia ser igual às outras moças de minha época", justifica ela, que está com 82 anos e, hoje à noite, autografa em São Paulo o seu oitavo livro, A Mulher na História - A História da Mulher (veja quadro). A obra já foi lançada em Brasília, no Rio de Janeiro, onde há anos fixou residência, e em Porto Alegre.

Em 1947, aos 24 anos, Zuleika tornou-se, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a primeira mulher da região a assumir uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Nascida na Rua 7 de Setembro, no Paquetá, em 23 de dezembro de 1922, a primeira dos seis filhos de Juvenal Alambert e Josepha Prado Alambert já conquistou um lugar na recente história do Brasil, por sua atuação nos movimentos políticos e sociais. Seu nome é um dos 1.500 verbetes do Dicionário Mulheres do Brasil, lançado pela editora Jorge Zahar em 2000. O perfil dela ocupa o maior espaço entre os da letra Z.

"Ela é iluminada", diz o seu irmão Paulo Alambert, de 80 anos e morador da Cidade. Funcionário aposentado do Banco do Brasil, ele conta que, em um dia, a irmã lhe perguntou: "Se eu voltasse para Santos, seria bem recebida?" Paulo respondeu: "A nossa geração já foi. Ninguém se lembra mais de você".

A Câmara de Santos não se esqueceu. Para que a sua história não se perca e os que não a conheceram possam saber dos seus feitos, na sessão do dia 24 de fevereiro, o vereador Marcel Del Bosco Amaral (PPS) apresentou requerimento propondo uma homenagem a Zuleika. A cerimônia ainda não tem data marcada.

Busca - Aos 12 anos, Zuleika começou a escrever para jornais. Depois, tentou ser atriz. "Fiz teatro amador em São Vicente. Ainda tenho os programas. Em um deles, minha foto aparece dentro de uma estrela", relembra, referindo-se à peça intitulada A Feia, encenada pelo Centro Artístico Martim Affonso, no dia 19 de dezembro de 1941, em prol do Natal de crianças pobres.

Nessa época, convivia com as filhas da professora Alzira Leonor Becker Yáconis, Cacilda, Cleide e Dirce. As duas primeiras acabaram se tornando ícones da dramaturgia brasileira. Zuleika também foi contemporânea de Miroel da Silveira, que viria a ser um crítico respeitado. Mas o palco não despertou sua maior paixão.

Pensou em trabalhar com administração e finanças, fazendo valer os estudos no Liceu Feminino Santista e no Colégio Tarquínio Silva. "Mas sempre tive mais afinidades com História e Sociologia".

Devido à preferência, num tempo em que a participação da mulher nos rumos do País era quase nula, acabou enveredando pelos caminhos políticos. "Eu era intuitiva", afirmou nas duas vezes em que concedeu entrevista a A Tribuna, por telefone, no último domingo e na terça-feira.

"Eu chamo esse meu período de A Busca, porque eu não sabia o que queria", confessa, comentando, em seguida, que está lendo o livro O Código do Ser, de James Hillman. "Esse código o indivíduo já traz com ele quando nasce. É uma espécie de vocação. Às vezes, digo que poderia ter sido uma grande atriz, mas eu nasci para ser política".


Santista, Zuleika Alambert tem 82 anos e lança livro em São Paulo
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Segunda Guerra Mundial despertou a consciência política

A motivação de Zuleika Alambert para o caminho político surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, que durou de 1939 a 1945. O Brasil ainda estava sob a ditadura de Getúlio Vargas.

Ela aderiu ao núcleo santista da Liga de Defesa Nacional, que se posicionava contra o Estado Novo, defendia a libertação de presos políticos e exigia o rompimento do governo com as nações de regime totalitário que formavam o Eixo: Alemanha, Itália e Japão.

Em 1945, engajou-se na campanha do candidato a deputado federal constituinte Oswaldo Pacheco da Silva, estivador que integrava o Comitê Central do PCB. Pacheco foi eleito com 16.301 votos.

Um ano depois, com o País já sob a presidência de Eurico Gaspar Dutra, ela ajudou a organizar o boicote dos trabalhadores do Porto de Santos aos navios de bandeira espanhola. Era um protesto contra as opressões da ditadura de Francisco Franco na Espanha, que vigorava desde 1939 e só viria a acabar em 1975.

"Eu, a Heloísa Ramos, mulher do Graciliano Ramos, e Jovina Pessoa, mulher do médico sanitarista Samuel Barnsley Pessoa, íamos para as paredes do cais, onde os estivadores recebiam senhas para descarregar os navios. Nós pedíamos para eles não descarregarem as mercadorias dos navios espanhóis. A Jovina Pessoa era mais velha, morava em São Paulo e às vezes vinha para Santos".

Por essa atuação, Zuleika ficou conhecida entre os trabalhadores do porto. Durante sua campanha para deputada estadual, recebeu o apoio de Oswaldo Pacheco e de estivadores que a acompanhavam por toda parte. "Tinha o Flor da Praia (Manuel Dias Veloso)... Esse foi formidável! O Maceió Barriga Cortada, o Cabelo de Rato... Eram tantos e com apelidos engraçados".

 

Zuleika apoiou a candidatura de Oswaldo Pacheco

 

Azeite - Antes de se tornar deputada, Zuleika protagonizou um episódio que obteve inúmeras adesões e simpatia, mas provocou a ira de sua mãe.

Ela não sabe dizer a data, mas se recorda de que faltou azeite na Cidade. "Estava tudo estocado na Prefeitura. Esperavam a oportunidade de um aumento. Peguei uma faixa, chamei duas amigas para segurarem em cada uma das pontas e rumei para a Prefeitura. Eu tinha uma cabeça de garota! Fazia o que me dava vontade. Dizia: 'Vamos buscar o azeite na Prefeitura'".

Zuleika e outras mulheres rumaram para o Centro. "Quando chegamos à Prefeitura, tinha umas 3 mil mulheres atrás de nós. Então, os estivadores perguntaram: 'O que você vai fazer?' E me orientaram a formar uma comissão e ir falar com o prefeito. Não me lembro quem era".

O prefeito recebeu o grupo, liderado por Zuleika, e perguntou: "A senhora quer o azeite? Então, eu ponho num caminhão e mando para a sua casa. A senhora vende o azeite e depois me manda o dinheiro". Zuleika disse: "Manda o azeite". Em casa, Josepha Alambert reagiu contrariamente. "A minha mãe quase me matou, porque estocar aquele mundo de azeite na minha casa! Então, se formou uma fila enorme e as mulheres foram comprando o azeite. Diziam que eu era maluca".


Resultado foi publicado em A Tribuna em 29 de janeiro de 1947
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Nas urnas, obtém mais de 4 mil votos e vence Roitman

No pleito realizado em 19 de janeiro de 1947, Zuleika Alambert obteve 4.043 votos, segundo informação publicada em A Tribuna dez dias depois. O Dicionário Mulheres do Brasil cita 4.654.

Com o resultado, a santista de 24 anos deixou para trás, por exemplo, Leonardo Roitman. Presidente do Sindicato da Administração Portuária e também filiado ao PCB, ele recebeu 2.122 votos. Roitman conquistaria uma cadeira na Câmara de Vereadores no final daquele ano.

Apesar da expressiva votação, para a época, Zuleika ficou na suplência. A chance de ocupar uma cadeira no Palácio 9 de Julho só ocorreu porque o partido afastou o deputado eleito Clóvis de Oliveira Neto, acusado de se envolver sexualmente com uma menor. O substituto seria Mantílio Muraro, que renunciou. Zuleika, então, tomou posse em novembro do mesmo ano.

No intervalo desses episódios, houve entraves maiores. Em 7 de maio, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do PCB, por 3 votos a 2, acatando pedido do Ministério Público. A alegação era de que o partido tinha um estatuto registrado em cartório e outro ilegal, ditado pela então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ou simplesmente União Soviética.

Inicialmente, o partido acreditava que poderia reverter a situação na Justiça. Somente em 18 de junho organizou uma manifestação, realizada no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, com a presença de líderes como Carlos Marighella.

Paulo Alambert recorda de ter presenciado a participação da irmã em um comício no mesmo local, mas por ocasião da campanha em favor da eleição de Adhemar de Barros para o Governo do Estado: "Eu morava na Avenida Paulista e estava caminhando com uns amigos. Quando cheguei ao Anhangabaú, havia uma multidão e eu ouvi uma vozinha, discursando. 'Essa voz eu conheço', eu disse".

Projetos - Em janeiro de 1948, com base em Lei Federal, os deputados comunistas tiveram o mandato cassado. Antes dessa medida, durante a curta atuação na Assembleia Legislativa, Zuleika se destacou em defesa da causa operária e da mulher. Um de seus projetos de lei defendia o abono de Natal, um embrião do 13º salário. Outro propunha salários iguais, sem distinção de sexo.

Após a cassação, Zuleika se refugiou no Rio de Janeiro, mas continuou atuando clandestinamente. Escreveu a Carta do Amazonas, em defesa da Floresta Amazônica, foi secretária-geral da Juventude Comunista e desenvolveu ações junto à União Brasileira dos Estudantes (UNE). Em 1952, levou uma delegação para o Festival da Juventude, na Alemanha, e, em 1961, na Romênia.

Tamanha dedicação às atividades políticas não permitiu que fosse mãe. "Foi uma opção. Nunca tive filhos, mas não me arrependo. Eu considerava os estudantes os meus filhos".

Durante 27 anos, ela viveu com o também militante comunista e jornalista Armênio Guedes, atualmente com 86 anos. Em 1983, casou-se com o engenheiro Antônio Virgílio Ítalo Isoldi, de quem é viúva.

"Ela foi uma das intelectuais do partido", diz Paulo Alambert, sem esconder a admiração pela irmã, embora discordasse de sua ideologia. "Nossa família sempre foi independente. Minha corrente é mais capitalista".

Além de Paulo, Zuleika tem ainda quatro irmãos: Risler, Maria Zélia, Luiz Pedro e Walquíria, que também trocou Santos pelo Rio de Janeiro.

Paulo acredita que a abnegação em favor das causas sociais e o distanciamento da família deixaram uma marca na irmã: "O maior trauma dela é que nas ocorrências graves da família, a morte de nossa mãe, a de nosso pai, ela estava fora".


Paulo Alambert: admiração
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

Após retornar do exílio assume o ecofeminismo

Após o golpe militar de 31 de março de 1964, Zuleika Alambert passou a sofrer perseguições, porque ajudava jovens estudantes a deixar o País. "Mas nunca fui presa", informa. Paulo Alambert acrescenta: "Invadiram o apartamento dela, no Rio, muitas vezes. Eles não faziam questão de pegá-la. Faziam questão de rasgar os livros dela".

Em 1966, foi condenada a cinco anos de prisão. Nessa época, decidiu deixar o País. Três anos depois, foi para a Hungria como secretária da Federação Democrática Mundial da Juventude.

Depois da eleição de Salvador Allende para a presidência do Chile, fixou-se naquele país, onde ajudou outros refugiados brasileiros e organizou a Associação de Mulheres no Exílio. "Era preciso fazer alguma coisa, porque os homens eram políticos e continuavam suas atividades e as mulheres ficavam em casa, marginalizadas", explica.

Em 1973, o Chile também foi alvo de golpe de estado e o presidente, deposto e morto. Zuleika abrigou-se numa embaixada. "A polícia deu em cima. Ela arrumou um pano e pôs na cabeça, pegou um balde e começou a lavar o chão. Perguntaram o que ela estava fazendo e ela: 'Limpando. Fui contratada para limpar'. Não foi presa", relata Paulo Alambert.

Zuleika seguiu para a Venezuela e, depois, União Soviética, onde tratou da saúde. Passado um ano, fixou-se na França, onde em Paris participou da formação do Comitê Europeu das Mulheres Brasileiras.

O retorno ao Brasil se deu com a assinatura da Lei da Anistia, em agosto de 1979. Mas Zuleika fixou residência no Rio de Janeiro. "Eu já estava enraizada pelo mundo", diz, justificando por que não voltou para Santos.

Ideias - Como membro do Comitê Central do PCB propôs a elaboração de uma política específica para as mulheres, depois defendeu mudanças estruturais no partido que acabou deixando em 1983. "Não concordava mais com a linha deles".

A partir daí, dedicou-se a temas relacionados à mulher, aos direitos humanos e à soberania nacional. A convite do então governador Franco Montoro, integrou o grupo que criou o Conselho Estadual da Condição Feminina, em São Paulo, ao lado de Ruth Escobar. Por esse trabalho, recebeu o título de Cidadã Paulistana em 1986.

Depois de participar de encontro internacional em Porto Alegre, onde foram discutidas questões relacionadas ao meio-ambiente e à mulher, e inspirada pela ECO-92, Zuleika assumiu posições que ela denomina ecofeministas.

"Hoje a gente ajuda a mulher a lutar pelas melhorias nas suas condições de vida, mas isso não leva à completa libertação. Para ela ficar taco a taco com o homem, é preciso que os problemas fundamentais do planeta sejam resolvidos. Você não pode pensar de verdade na mulher com tudo o que está acontecendo, racismo, violência... É preciso haver uma luta conjunta".

Saúde - As inquietações de Zuleika Alambert não deixam de lado os aspectos pessoais e de saúde. Ela defende o uso de práticas alternativas como forma de tratamento. "A ciência ocidental só tem êxito se se somar com a ciência oriental".

Essa opção não a livrou de adoecer em 2003 e passar 35 dias em coma. "Todos os meus órgãos entraram em falência. Mas tudo o que faziam em mim respondia bem, porque tenho um corpo sadio. Só tomo ervas, fitoterápicos. Não me encho de remédios de farmácias", conta.

Há cerca de um mês, ela levou um tombo e bateu o rosto numa pedra. "Mas não rachei nada. Só escoriações. Nunca tomei anti-inflamatório. Fui direto para as agulhas (acupuntura). Faz um mês e estou livre dos hematomas!".

Ela acredita que existe algum mistério em sua vida que a protege. "Quando estou para morrer, eu revivo. Quero que isso aconteça mais algum tempo, depois a gente morre mesmo. Quero morrer de velhice, não de doença. Isso é o que eu acho que é a morte. Hoje, os velhos têm esse direito".

Saiba mais

Além do livro que autografa hoje em São Paulo, Zuleika Alambert publicou: Uma Jovem Brasileira na União Soviética (Editora Vitória), em 1953; Estudantes Fazem História (Editora da UNE), 1964; A Situação e Organização da Mulher (Cadernos CMB, Editora Global), março de 1980; Feminismo. O Ponto de Vista Marxista (Editora Nobel), em 1986; A Metodologia de Trabalho com as Mulheres (Caderno da União de Mulheres de São Paulo), fevereiro de 1990; Mulher: Uma Trajetória Épica (Esboço Histórico - Da Antiguidade aos Nossos Dias), 1997; e Os Comunistas e a Questão da Mulher (Edições Novos Rumos), em 1986.

Entre outras láureas, recebeu em 2004: Prêmio Mulher Cidadã Bertha Lutz, do Senado Federal, e homenagens do Partido Popular Socialista (PPS), da Assembleia Nacional de Mulheres, e na Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres, realizada em Brasília.

Imagem: reprodução, publicada com a matéria

Noite de autógrafos

Título do livro: A Mulher na História - A História da Mulher

Autora: Zuleika Alambert

Lançamento: Hoje, às 19 horas, no Espaço Haroldo de Campos da Casa das Rosas, na Avenida Paulista, 37, em São Paulo

Editoras: Abaré e Fundação Astrojildo Pereira

Sinopse: Coletânea de artigos da autora expostos em palestras e conferências que ela fez ao longo da vida em diversos países. Resgata a história da luta da mulher pela emancipação e direitos da cidadania, desde a antiguidade até os dias atuais. Inclui uma síntese da trajetória da autora, com textos, fotos e reproduções de documentos que mostram sua parceria com personalidades da história contemporânea.

Material: Papel reciclado

Onde comprar: site www.fundacaoastrojildo.org.br

Em 27 de dezembro de 2012, o jornal santista A Tribuna noticiou, em sua edição digital:


Zuleika sofria de uma anemia crônica e na última terça-feira passou mal e precisou ser internada
Foto: divulgação, publicada com a matéria

Luto

Aos 90 anos, morre a ex-deputada estadual Zuleika Alambert

De A Tribuna On-line

A ex-deputada estadual Zuleika Alambert morreu aos 90 anos, completados no último domingo, na madrugada desta  quinta-feira no Hospital Rio em Botafogo. Ela foi a primeira mulher da região a assumir uma cadeira na  Assembleia Legislativa de São Paulo, em 1947, aos 24 anos.

Zuleika sofria de uma anemia crônica e na última terça-feira passou mal e precisou ser internada no CTI do hospital.

Trajetória - Nascida na Rua 7 de Setembro, no Paquetá, em 23 de dezembro de 1922, a primeira dos seis filhos de Juvenal Alambert e Josepha Prado Alambert já conquistou um lugar na recente história do Brasil, por sua atuação nos  movimentos políticos e sociais. Seu nome era um dos 1.500 verbetes do Dicionário Mulheres do Brasil, lançado  pela editora Jorge Zahar em 2000. O perfil dela ocupa o maior espaço entre os da letra Z.

Ela se estabeleceu no Rio depois de dez anos de exílio, entre 1969 e 1979. Ainda em Santos, durante a Segunda  Guerra Mundial, Zuleika se engajou na Liga de Defesa Nacional, que combatia o Estado Novo e exigia o  rompimento do governo Vargas com os países do Eixo. O envolvimento com a causa feminista ganhou força com sua atuação pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), na década de 1940.

No dia seguinte, 28 de dezembro de 2012, o jornal santista A Tribuna noticiou, nas páginas A-1 e A-4:


Mulher de muitas lutas, Zuleika Alambert morre aos 90 anos
Foto: Alberto Marques, em 11/3/2005, publicada com a matéria, na página A-1

Um coração pioneiro para de pulsar. Adeus, Zuleika

Aos 90 anos, morre Zuleika Alambert, primeira santista eleita deputada estadual

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Escritora, feminista e política. Mas o que Santos e o Brasil perderam às 3h40 de ontem foi, sobretudo, uma desbravadora. Zuleika Alambert, aos 90 anos completados no dia 23, "fez a passagem", como descreve sua irmã, Walkiria Alambert. A morte aconteceu por parada cardíaca, no Hospital Rio, no bairro Botafogo, no Rio de Janeiro. Estava internada desde o Natal, por complicações de uma anemia crônica que a acompanhou por anos.

Zuleika nasceu em 1922, na Rua Sete de Setembro, no Paquetá, em Santos. Mas já estava há muitos anos radicada no Rio de Janeiro. Fosse na geografia, fosse na vida, para ela fronteiras existiam para serem transpostas. Em entrevista a A Tribuna, publicada em 7 de novembro de 2011, Zuleika disse que tudo o que fez foi por intuição, inventividade – "saiu tudo da minha cabeça".

Reflexões

"Ninguém é dono de nada. Você tem que fazer um amálgama de tudo o que é bom. Tudo o que é justo tem que se somar"

"Nada muda se você não mudar. O ser humano precisa mudar, para as coisas mudarem de fato"

Zuleika Alambert, em entrevista a A Tribuna

E o que fez foi inscrever o seu nome na História como uma pioneira: ela foi a primeira mulher da região eleita deputada estadual, em 1947, com apenas 24 anos. Não durou muito. Um ano depois, seu partido, o Comunista Brasileiro (PCB), teve o registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Mas, no curto período em que esteve no Palácio Nove de Julho, ainda conseguiu apresentar dois projetos cujo teor estava muito à frente de seu tempo: o de um abono de Natal, precursor do 13º salário, e a igualdade de remuneração entre homens e mulheres.

A política nunca esteve distante da sua atuação para as mulheres. Ou vice-versa. Mas seria impossível acontecer de outra forma. "Eu nadava, fazia um bando de coisas. Elas (as mulheres de sua época) não faziam nem atuavam", disse, na mesma entrevista de 2011. Assim, o feminismo seria um caminho natural, que se cristalizaria com a atuação política.

Tanto que foi convidada pelo então governador Franco Montoro (1983-1987) a integrar o grupo que criou o Conselho Estadual da Condição Feminina, com a atriz e produtora cultural Ruth Escobar. Isso só aconteceu após 13 anos no exílio.

História

Militante destacado do PCB na Baixada Santista por 52 anos, Aníbal Ortega se surpreendeu com a notícia da morte de Zuleika Alambert. “Ela foi revolucionária em todos os sentidos. Militante do PCB histórico, foi feminista num tempo em que a mulher tinha de servir o homem na cama e na mesa. Desenvolveu a luta feminista com profundidade. Não a conheci, mas foi uma camarada inteligente e corajosa”.

 

Peregrinação e retorno - Na década de 1960, com o regime militar se solidificando, alguém abertamente de esquerda estaria em uma posição, no mínimo, incômoda. Não deu outra: Zuleika foi condenada a cinco anos de prisão. Mas ela jamais seria encarcerada. Em 1966, deixou o Brasil, para uma peregrinação sabático-ideológica.

Na Hungria, foi secretária da Federação Democrática Mundial da Juventude. No Chile, já nos anos 70, fundou a Associação de Mulheres no Exílio. Esteve na então União Soviética e na Venezuela. Na França, na segunda metade dos anos 70, esteve envolvida na fundação do Comitê Europeu das Mulheres Brasileiras.

Em 1979, com a Lei da Anistia, o retorno e o início do distanciamento das ideias comunistas; do distanciamento de qualquer ideologia ou rótulo. Não houve arrependimentos. Ela mesma deu a entender: o ser humano cresce, aprende. E ela aprendeu que nenhum sistema, sozinho, é portador de toda verdade.

Publicou oito livros. O primeiro deles, ainda em 1953, Uma Jovem Brasileira na União Soviética. O mais recente deles, A Mulher na História – A História da Mulher, quando contava 82 anos.

"Ela viveu intensamente. Dizia: 'Fiz tudo o que quis, fui muito feliz'", diz a irmã Walkiria, por telefone, do Rio de Janeiro. "Perguntei pra ela: 'Você tem medo da morte?'. Ela me disse que não. Mas que não queria deixar a vida".


Política e escritora, foi eleita à Assembleia Legislativa em 1947, aos 24 anos. Um ano depois, seu Partido Comunista teve o registro cassado
Foto: Alberto Marques, em 11/3/2005, publicada com a matéria, na página A-4

Na edição de 1º de janeiro de 1947, o jornal santista A Tribuna publicou (na página 9) anúncio com o "programa mínimo" do Partido Comunista Brasileiro para o estado de São Paulo, incluindo os candidatos da região, entre eles Zuleika Alambert (ortografia atualizada nesta transcrição):


Partido Comunista - anúncio de programa e de vários candidatos santistas
Publicado no jornal santista A Tribuna, em 1 de janeiro de 1947, página 9

Zuleika Alambert

Nasceu em Santos, a 22 de dezembro de 1922, onde estudou e formou-se em Contabilidade. É comerciária. Sempre consagrou a sua vida ao trabalho e à defesa de sua classe. Militou na imprensa de sua terra. Sem nunca ter pertencido a qualquer partido político, ingressou no P. C. B. em 1945, passando a atuar no C. M. de Santos. Posteriormente foi eleita para a direção do Comitê Estadual de São Paulo. Como deputada, na Câmara Legislativa Estadual, Zuleika será uma ardente defensora não só da sua classe - a comerciária -, como lutará também pelos ideais de independência da mulher brasileira.


Detalhe da publicação no jornal santista A Tribuna, em 1 de janeiro de 1947, página 9

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