No curto mandato pelo PCB, apresentou projeto de abono de Natal
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HISTÓRIA
Zuleika Alambert, a 1ª deputada
Em 1947, aos 24 anos, ela conquistou uma vaga na Assembleia Legislativa
Lídia Maria de Melo
Editora Local
Desde menina, a santista Zuleika Alambert desejou fugir do destino traçado para as mulheres de sua geração. "Eu não admitia ser igual às outras moças de
minha época", justifica ela, que está com 82 anos e, hoje à noite, autografa em São Paulo o seu oitavo livro, A Mulher na História - A História da Mulher (veja quadro). A obra já foi lançada em Brasília, no Rio de
Janeiro, onde há anos fixou residência, e em Porto Alegre.
Em 1947, aos 24 anos, Zuleika tornou-se, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a primeira mulher da região a assumir uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Nascida na Rua 7 de Setembro, no Paquetá, em 23 de dezembro de 1922, a primeira dos seis filhos de Juvenal Alambert e Josepha Prado Alambert já conquistou um
lugar na recente história do Brasil, por sua atuação nos movimentos políticos e sociais. Seu nome é um dos 1.500 verbetes do Dicionário Mulheres do Brasil, lançado pela editora Jorge Zahar em 2000. O perfil dela ocupa o maior espaço entre os
da letra Z.
"Ela é iluminada", diz o seu irmão Paulo Alambert, de 80 anos e morador da Cidade. Funcionário aposentado do Banco do Brasil, ele conta que, em um dia, a irmã lhe perguntou: "Se eu
voltasse para Santos, seria bem recebida?" Paulo respondeu: "A nossa geração já foi. Ninguém se lembra mais de você".
A Câmara de Santos não se esqueceu. Para que a sua história não se perca e os que não a conheceram possam saber dos seus feitos, na sessão do dia 24 de fevereiro, o vereador Marcel Del
Bosco Amaral (PPS) apresentou requerimento propondo uma homenagem a Zuleika. A cerimônia ainda não tem data marcada.
Busca - Aos 12 anos, Zuleika começou a escrever para jornais. Depois, tentou ser atriz. "Fiz teatro amador em São Vicente. Ainda tenho os programas. Em um deles, minha foto
aparece dentro de uma estrela", relembra, referindo-se à peça intitulada A Feia, encenada pelo Centro Artístico Martim Affonso, no dia 19 de dezembro de 1941, em prol do Natal de crianças pobres.
Nessa época, convivia com as filhas da professora Alzira Leonor Becker Yáconis, Cacilda, Cleide e Dirce. As duas primeiras acabaram se tornando ícones da dramaturgia brasileira. Zuleika
também foi contemporânea de Miroel da Silveira, que viria a ser um crítico respeitado. Mas o palco não despertou sua maior paixão.
Pensou em trabalhar com administração e finanças, fazendo valer os estudos no Liceu Feminino Santista e no Colégio Tarquínio Silva. "Mas sempre tive mais afinidades com História e
Sociologia".
Devido à preferência, num tempo em que a participação da mulher nos rumos do País era quase nula, acabou enveredando pelos caminhos políticos. "Eu era intuitiva", afirmou nas duas vezes
em que concedeu entrevista a A Tribuna, por telefone, no último domingo e na terça-feira.
"Eu chamo esse meu período de A Busca, porque eu não sabia o que queria", confessa, comentando, em seguida, que está lendo o livro O Código do Ser, de James Hillman. "Esse código
o indivíduo já traz com ele quando nasce. É uma espécie de vocação. Às vezes, digo que poderia ter sido uma grande atriz, mas eu nasci para ser política".
Santista, Zuleika Alambert tem 82 anos e lança livro em São Paulo
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Segunda Guerra Mundial despertou a consciência política
A motivação de Zuleika Alambert para o caminho político surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, que durou de 1939 a 1945. O Brasil ainda estava sob a ditadura de Getúlio Vargas.
Ela aderiu ao núcleo santista da Liga de Defesa Nacional, que se posicionava contra o Estado Novo, defendia a libertação de presos políticos e exigia o rompimento do governo com as
nações de regime totalitário que formavam o Eixo: Alemanha, Itália e Japão.
Em 1945, engajou-se na campanha do candidato a deputado federal constituinte Oswaldo Pacheco da Silva, estivador que integrava o Comitê Central do PCB. Pacheco foi eleito com 16.301
votos.
Um ano depois, com o País já sob a presidência de Eurico Gaspar Dutra, ela ajudou a organizar o boicote dos trabalhadores do Porto de Santos aos navios de bandeira espanhola. Era um
protesto contra as opressões da ditadura de Francisco Franco na Espanha, que vigorava desde 1939 e só viria a acabar em 1975.
"Eu, a Heloísa Ramos, mulher do Graciliano Ramos, e Jovina Pessoa, mulher do médico sanitarista Samuel Barnsley Pessoa, íamos para as paredes do cais, onde os estivadores recebiam
senhas para descarregar os navios. Nós pedíamos para eles não descarregarem as mercadorias dos navios espanhóis. A Jovina Pessoa era mais velha, morava em São Paulo e às vezes vinha para Santos".
Por essa atuação, Zuleika ficou conhecida entre os trabalhadores do porto. Durante sua campanha para deputada estadual, recebeu o apoio de Oswaldo Pacheco e de estivadores que a
acompanhavam por toda parte. "Tinha o Flor da Praia (Manuel Dias Veloso)... Esse foi formidável! O Maceió Barriga Cortada, o Cabelo de Rato... Eram tantos e com apelidos engraçados".
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Zuleika apoiou a candidatura de Oswaldo Pacheco
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Azeite - Antes de se tornar deputada, Zuleika protagonizou um episódio que obteve inúmeras adesões e simpatia, mas provocou a ira de sua mãe.
Ela não sabe dizer a data, mas se recorda de que faltou azeite na Cidade. "Estava tudo estocado na Prefeitura. Esperavam a oportunidade de um aumento. Peguei uma faixa, chamei duas
amigas para segurarem em cada uma das pontas e rumei para a Prefeitura. Eu tinha uma cabeça de garota! Fazia o que me dava vontade. Dizia: 'Vamos buscar o azeite na Prefeitura'".
Zuleika e outras mulheres rumaram para o Centro. "Quando chegamos à Prefeitura, tinha umas 3 mil mulheres atrás de nós. Então, os estivadores perguntaram: 'O que você vai fazer?' E me
orientaram a formar uma comissão e ir falar com o prefeito. Não me lembro quem era".
O prefeito recebeu o grupo, liderado por Zuleika, e perguntou: "A senhora quer o azeite? Então, eu ponho num caminhão e mando para a sua casa. A senhora vende o azeite e depois me manda
o dinheiro". Zuleika disse: "Manda o azeite". Em casa, Josepha Alambert reagiu contrariamente. "A minha mãe quase me matou, porque estocar aquele mundo de azeite na minha casa! Então, se formou uma fila enorme e as mulheres foram comprando o
azeite. Diziam que eu era maluca".
Resultado foi publicado em A Tribuna em 29 de janeiro de 1947
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Nas urnas, obtém mais de 4 mil votos e vence Roitman
No pleito realizado em 19 de janeiro de 1947, Zuleika Alambert obteve 4.043 votos, segundo informação publicada em A Tribuna dez dias depois. O Dicionário Mulheres do Brasil
cita 4.654.
Com o resultado, a santista de 24 anos deixou para trás, por exemplo, Leonardo Roitman. Presidente do Sindicato da Administração Portuária e também filiado ao PCB, ele recebeu 2.122
votos. Roitman conquistaria uma cadeira na Câmara de Vereadores no final daquele ano.
Apesar da expressiva votação, para a época, Zuleika ficou na suplência. A chance de ocupar uma cadeira no Palácio 9 de Julho só ocorreu porque o partido afastou o deputado eleito Clóvis
de Oliveira Neto, acusado de se envolver sexualmente com uma menor. O substituto seria Mantílio Muraro, que renunciou. Zuleika, então, tomou posse em novembro do mesmo ano.
No intervalo desses episódios, houve entraves maiores. Em 7 de maio, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do PCB, por 3 votos a 2, acatando pedido do Ministério Público. A
alegação era de que o partido tinha um estatuto registrado em cartório e outro ilegal, ditado pela então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ou simplesmente União Soviética.
Inicialmente, o partido acreditava que poderia reverter a situação na Justiça. Somente em 18 de junho organizou uma manifestação, realizada no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, com a
presença de líderes como Carlos Marighella.
Paulo Alambert recorda de ter presenciado a participação da irmã em um comício no mesmo local, mas por ocasião da campanha em favor da eleição de Adhemar de Barros para o Governo do
Estado: "Eu morava na Avenida Paulista e estava caminhando com uns amigos. Quando cheguei ao Anhangabaú, havia uma multidão e eu ouvi uma vozinha, discursando. 'Essa voz eu conheço', eu disse".
Projetos - Em janeiro de 1948, com base em Lei Federal, os deputados comunistas tiveram o mandato cassado. Antes dessa medida, durante a curta atuação na Assembleia Legislativa,
Zuleika se destacou em defesa da causa operária e da mulher. Um de seus projetos de lei defendia o abono de Natal, um embrião do 13º salário. Outro propunha salários iguais, sem distinção de sexo.
Após a cassação, Zuleika se refugiou no Rio de Janeiro, mas continuou atuando clandestinamente. Escreveu a Carta do Amazonas, em defesa da Floresta Amazônica, foi secretária-geral
da Juventude Comunista e desenvolveu ações junto à União Brasileira dos Estudantes (UNE). Em 1952, levou uma delegação para o Festival da Juventude, na Alemanha, e, em 1961, na Romênia.
Tamanha dedicação às atividades políticas não permitiu que fosse mãe. "Foi uma opção. Nunca tive filhos, mas não me arrependo. Eu considerava os estudantes os meus filhos".
Durante 27 anos, ela viveu com o também militante comunista e jornalista Armênio Guedes, atualmente com 86 anos. Em 1983, casou-se com o engenheiro Antônio Virgílio Ítalo Isoldi, de quem
é viúva.
"Ela foi uma das intelectuais do partido", diz Paulo Alambert, sem esconder a admiração pela irmã, embora discordasse de sua ideologia. "Nossa família sempre foi independente. Minha
corrente é mais capitalista".
Além de Paulo, Zuleika tem ainda quatro irmãos: Risler, Maria Zélia, Luiz Pedro e Walquíria, que também trocou Santos pelo Rio de Janeiro.
Paulo acredita que a abnegação em favor das causas sociais e o distanciamento da família deixaram uma marca na irmã: "O maior trauma dela é que nas ocorrências graves da família, a morte
de nossa mãe, a de nosso pai, ela estava fora".
Paulo Alambert: admiração
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Após retornar do exílio assume o ecofeminismo
Após o golpe militar de 31 de março de 1964, Zuleika Alambert passou a sofrer perseguições, porque ajudava jovens estudantes a deixar o País. "Mas nunca fui presa", informa. Paulo
Alambert acrescenta: "Invadiram o apartamento dela, no Rio, muitas vezes. Eles não faziam questão de pegá-la. Faziam questão de rasgar os livros dela".
Em 1966, foi condenada a cinco anos de prisão. Nessa época, decidiu deixar o País. Três anos depois, foi para a Hungria como secretária da Federação Democrática Mundial da Juventude.
Depois da eleição de Salvador Allende para a presidência do Chile, fixou-se naquele país, onde ajudou outros refugiados brasileiros e organizou a Associação de Mulheres no Exílio. "Era
preciso fazer alguma coisa, porque os homens eram políticos e continuavam suas atividades e as mulheres ficavam em casa, marginalizadas", explica.
Em 1973, o Chile também foi alvo de golpe de estado e o presidente, deposto e morto. Zuleika abrigou-se numa embaixada. "A polícia deu em cima. Ela arrumou um pano e pôs na cabeça, pegou
um balde e começou a lavar o chão. Perguntaram o que ela estava fazendo e ela: 'Limpando. Fui contratada para limpar'. Não foi presa", relata Paulo Alambert.
Zuleika seguiu para a Venezuela e, depois, União Soviética, onde tratou da saúde. Passado um ano, fixou-se na França, onde em Paris participou da formação do Comitê Europeu das Mulheres
Brasileiras.
O retorno ao Brasil se deu com a assinatura da Lei da Anistia, em agosto de 1979. Mas Zuleika fixou residência no Rio de Janeiro. "Eu já estava enraizada pelo mundo", diz, justificando
por que não voltou para Santos.
Ideias - Como membro do Comitê Central do PCB propôs a elaboração de uma política específica para as mulheres, depois defendeu mudanças estruturais no partido que acabou deixando
em 1983. "Não concordava mais com a linha deles".
A partir daí, dedicou-se a temas relacionados à mulher, aos direitos humanos e à soberania nacional. A convite do então governador Franco Montoro, integrou o grupo que criou o Conselho
Estadual da Condição Feminina, em São Paulo, ao lado de Ruth Escobar. Por esse trabalho, recebeu o título de Cidadã Paulistana em 1986.
Depois de participar de encontro internacional em Porto Alegre, onde foram discutidas questões relacionadas ao meio-ambiente e à mulher, e inspirada pela ECO-92, Zuleika assumiu posições
que ela denomina ecofeministas.
"Hoje a gente ajuda a mulher a lutar pelas melhorias nas suas condições de vida, mas isso não leva à completa libertação. Para ela ficar taco a taco com o homem, é preciso que os
problemas fundamentais do planeta sejam resolvidos. Você não pode pensar de verdade na mulher com tudo o que está acontecendo, racismo, violência... É preciso haver uma luta conjunta".
Saúde - As inquietações de Zuleika Alambert não deixam de lado os aspectos pessoais e de saúde. Ela defende o uso de práticas alternativas como forma de tratamento. "A ciência
ocidental só tem êxito se se somar com a ciência oriental".
Essa opção não a livrou de adoecer em 2003 e passar 35 dias em coma. "Todos os meus órgãos entraram em falência. Mas tudo o que faziam em mim respondia bem, porque tenho um corpo sadio.
Só tomo ervas, fitoterápicos. Não me encho de remédios de farmácias", conta.
Há cerca de um mês, ela levou um tombo e bateu o rosto numa pedra. "Mas não rachei nada. Só escoriações. Nunca tomei anti-inflamatório. Fui direto para as agulhas (acupuntura). Faz um
mês e estou livre dos hematomas!".
Ela acredita que existe algum mistério em sua vida que a protege. "Quando estou para morrer, eu revivo. Quero que isso aconteça mais algum tempo, depois a gente morre mesmo. Quero morrer
de velhice, não de doença. Isso é o que eu acho que é a morte. Hoje, os velhos têm esse direito". |