Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
Dançando com a natureza
Andar na praia não é apenas andar. É sentir a água molhando os pés, o calor do
sol penetrando na pele, os olhos repletos daquela paisagem que vai até o horizonte, o corpo interagindo com a natureza. Imagine se, além de andar,
este cenário também seja usado para respirar adequadamente e fazer exercícios suaves, que mais parecem uma dança, mas contribuem para o equilíbrio e
a harmonia do corpo e da mente...
A Praia do Embaré, ao lado do Canal 4, transforma-se em academia para os alunos
do Curso Especial de Ginástica Chinesa para a 3ª Idade, que o terapeuta corporal Edésio Oliveira promove às terças, quintas e sábados. Conhecendo um
pouco a história dos exercícios, gente de todas as idades vai querer fazer. É gratuito, basta se inscrever.
O terapeuta corporal Edésio de Oliveira dá aulas na praia às terças, quintas e sábados
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
Da Reportagem
A ginástica chinesa é terapêutica e preventiva. Os
exercícios, cujos movimentos já se tornaram familiares para os ocidentais, fazem parte de um sistema de cultura física e mental do povo chinês há
cerca de 5 mil anos. Suas técnicas foram criadas e desenvolvidas a partir da observação da natureza e dos movimentos de ataque e defesa dos animais
selvagens, pelos monges taoístas e budistas.
A partir desses movimentos, foram sendo criados os conjuntos de exercícios que ajudam
o homem a obter mais saúde, equilíbrio e longevidade. Na prática, o aluno aprende a exercitar seu corpo com movimentos leves e suaves, que trazem
uma série de benefícios: flexibilizam as articulações, fortalecem os órgãos internos, regulam a energia vital, corrigem os vícios posturais, ajudam
a respirar corretamente, ativam a circulação, previnem doenças e proporcionam mais alegria de viver.
"O efeito sobre o corpo difere do provocado por outras atividades físicas porque a
ginástica chinesa não exige esforço, podendo ser praticada por pessoas de todas as idades, inclusive crianças a partir de 12 anos", garante Edésio
de Oliveira, adepto das práticas corporais orientais desde 1988.
Especializado em shiatsuterapia, massoterapia, quiropraxia e fisioterapia, ele se
aperfeiçoou com os mestres Liu Pai Lin e Sao Yin Ming. O primeiro foi o grande divulgador, no Brasil, do Tai Chi Chuan e da medicina milenar taoísta,
e é representante das linhagens Porta do Dragão, Dragão Amarelo e Montanha Sagrada. Sao Yin Ming é especialista em acupuntura e introdutor do Tchi
Kun no Brasil, em suas diversas modalidades taoístas e budistas tibetanas.
Edésio já desenvolveu seu trabalho em hospitais e clínicas médicas e, desde março do
ano passado dá aulas na Praia do Embaré, dirigidas principalmente a pessoas idosas.
Tendo o mar como cenário, o grupo, após os exercícios, relaxa com a massagem final
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
HISTÓRIA
Monges eram os especialistas na arte de lutar
Eles se transformaram em guerreiros do Wu Shu, conhecido no Ocidente como Kung
Fu, forma de exercícios de guerra
A princípio, os exercícios eram usados para que homens e
mulheres se mantivessem em forma, prontos para qualquer combate corpo a corpo: no violento passado feudal da China, quem não era capaz de se
defender não durava muito tempo. Por isso, além de aprender a arte da defesa pessoal, os camponeses também tratavam de manter uma saúde de ferro.
Por mais que isso possa parecer estranho para um ocidental, eram os monges os grandes
especialistas na arte de lutar. Eles se transformaram em guerreiros do Wu Shu, que no Ocidente ficou conhecido como Kung Fu.
Tanto em relação à força física, como ao treinamento espiritual, o Wu Shu é a forma
mais antiga de exercícios de guerra de que se tem conhecimento. As aplicações medicinais só surgiram mais tarde.
"De acordo com os escritos antigos, o Grande Imperador Amarelo, Huang Ti, foi o
primeiro a utilizar o Wu Shu, durante uma batalha em 2674 a.C. Mas alguns mestres garantem que muitos exercícios já eram praticados centenas de anos
antes disso", diz Edésio Oliveira.
"Desde então os exercícios foram sendo modificados gradualmente, até assumirem as
formas atuais". Dois acontecimentos lendários tiveram influência sobre o Wu Shu na China. O primeiro ocorreu no século VI a.C., quando Lao Tsé
escreveu o Tao Te Ching, livro do caminho perfeito, que se tornou a base da filosofia taoísta, cujos conceitos encontram-se implícitos no
I Ching (o Livro das Mutações).
O imperador Fu-Hi foi o inventor dos oito trigramas básicos do I Ching e suas
combinações em 64 hexagramas, usados como oráculo. O Wu Shu e o Taoísmo se desenvolveram juntos. O Budismo veio depois.
Entre 506 e 556 d.C, ocorreria o segundo acontecimento importante na história do Wu
Shu: um monge budista, chamado Ta Mo ou Bodhidharma, levou o Zen Budismo da Índia para a China. Bodhidharma é uma lenda, o primeiro patriarca do
budismo.
Edésio Oliveira continua: "A viagem de Ta Mo para a China foi um desejo de seu mestre,
e sua missão era fortalecer o Zen Budismo, que estava entrando em declínio". Ao chegar, ele não foi bem aceito pelo imperador, então prosseguiu sua
viagem até a província de Honan, na montanha Sung, no mosteiro Shaolin. Conta a lenda que, no templo, ele começou a meditar em frente a uma parede,
e assim ficou por nove anos.
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Bodhidharma ensinou, no templo, cerca de
18
séries de exercícios em seqüência
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Foi Bodhidharma que ensinou, no templo, várias séries de exercícios que ajudam a unir
a mente e o corpo. Ensinou 18 séries de exercícios, em seqüência, acreditando que um corpo saudável não só tornaria os monges mais alertas, como
também os colocaria em contato mais íntimo com suas almas.
Mas ele não utilizou as técnicas indianas. Em vez disso, adaptou e aperfeiçoou os
exercícios do Wu Shu, que vinham sendo praticados por outros mestres de artes marciais, por milhares de anos. Passou assim a ensinar diariamente, na
rotina do templo.
Não demorou muito para que o Templo de Shaolin ficasse famoso, tanto pelo ensino da
doutrina quanto pelo desenvolvimento das técnicas de Wu Shu. Seus 18 exercícios clássicos se transformaram, mais tarde, em vários estilos de lutas
marciais e ginásticas terapêuticas e preventivas.
"Para vocês terem uma idéia", explica Edésio, "um relatório recente da República
Popular da China mostra que na província de Kahohu existem mais de 160 mil exercícios de saúde, e na província de Fukken, mais de 700 mil". Hoje, os
estilos mais conhecidos são Tai Chi Chuan, Tchi Kun, Pa Kua Chuan, Hsing I Chuan, Shaolin (Norte e Sul), Wing Shun etc.
Estes estilos foram divididos em duas escolas, interna e externa. na escola interna,
ou mole, desenvolveram-se os pensamentos confucionista e taoísta (Nei Chia); na escola externa, ou dura, propiciou-se o desenvolvimento dos templos
budistas (Wai Chia). Assim, a fama dos exercícios foi atraindo a atenção de um número cada vez maior de pessoas, que passaram a adotá-los como forma
de ginástica.
"Um mestre especialista na arte de lutar inventava um novo exercício, a notícia
transpirava e, em pouco tempo, o exercício já estava sendo usado pelo povo. Atualmente, as práticas internas se tornaram bastante populares na
China, onde o próprio governo organiza grandes campanhas para melhorar a saúde da população". Essas campanhas, garante o professor, surtem efeitos
imediatos. As pessoas que fazem os exercícios ficam doentes com menos freqüência e se sentem mais saudáveis e equilibradas.
Os antigos exercícios estão se expandindo cada vez mais, graças à globalização e aos
intercâmbios culturais. "Nós, ocidentais, só agora estamos começando a conhecer essas técnicas da medicina chinesa, que foram desenvolvidas nos
últimos 5 mil anos".
A postura de Abraçar a Árvore desperta a espiritualidade
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
Tchi Kun ensina a absorver energia da natureza
A palavra Tchi (Qi) denomina a energia que se encontra em todos os seres vivos;
Kun (Gong) é traduzido como prática. O praticante do Tchi Kun aprende a absorver a energia da natureza e direcioná-la. Desse modo, pode
expelir a energia estagnada, que é a origem das doenças.
Entenda os principais exercícios respiratórios, que começam com a Postura de Abraçar a
Árvore, ou do Universo, seguem com movimentos destinados a flexibilizar as articulações, e terminam com uma seqüência de massagem, "porque através
das mãos compartilhamos o que está em nossos corações".
Respiração do Veado Malhado deve ser feita todas as manhãs
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
Postura de Abraçar a Árvore ou do Universo
A Postura de Abraçar a Árvore, ou do Universo, faz desabrochar a espiritualidade e a
integração do homem com a natureza. Através dela, o homem pode atrair e absorver as energias Yin e Yang, promovendo o equilíbrio físico e mental.
O primeiro segredo da postura está em despertar a força da eletricidade do centro
espiritual, que fica no meio da cabeça, fazendo-a descer até abaixo do umbigo, no Tan Tien (centro do corpo físico).
"Quanto você fica na Postura da Árvore", diz o professor, "as energias do Céu e da
Terra ajudam a diminuir a energia impura e doente do corpo. Bastam 100 dias dessa prática, para que as tensões, o nervosismo, a pressão arterial
elevada e as alterações mentais sejam eliminadas. Também são ativados os cinco sentidos".
É bom começar com 5 minutos de exercício, aumentados aos poucos para 10, 15, 20, 30 e
60 minutos. A prática pode provocar manifestações como calor, tremor, dor ou cansaço, mas isso é apenas a energia se transformando. A postura deve
ser feita na seguinte seqüência, começando sempre pela preparação, que é indispensável em todas as práticas taoístas.
Preparação: a base está firme no solo, os pés unidos com uma pequena flexão dos
joelhos. Todo o peso do corpo desce em direção à terra, os pés enraizados no solo. Depois, obtenha os três vazios:
1 - Vazio da mente (acalmar os pensamentos)
2 - Vazio do coração (eliminar todas as formas de desejos, querer e ansiedade)
3 - Vazio do corpo (nervos, músculos e tendões relaxam).
Partindo desses três princípios, coloque sua atenção na moradia espiritual, o centro
Yang. Este centro é o nosso sol interior e situa-se no meio da cabeça. Os taoístas o chamam de Lintai.
4 - Após ter contatado o centro, desça a atenção para o mar de energia
inferior, quatro dedos abaixo do umbigo (Tan Tien). Imagine a descida de um grão de arroz num copo com água, e faça esse caminho por dentro do
corpo, passando pela terceira visão entre as sobrancelhas, pelo coração, raiz fetal e Tan Tien.
Continue com a atenção aí. Em seguida, coloque o peso do corpo na perna direita e abra
o passo com a perna esquerda, na largura dos ombros.
Ao mesmo tempo, você deve memorizar uma árvore na frente do seu corpo e imaginar-se
abraçando-a. Una os dois dedos médios na direção do osso externo, com os cotovelos relaxados e os ombros para baixo.
A língua deve tocar o céu da boca e a respiração deve ser natural, pelo nariz. Feche
os olhos, procure entrar na serenidade.
Ao terminar, abra os olhos devagar, separe os dedos, vire as palmas das mãos para cima
(Yang), busque o Céu. Depois vire as palmas para baixo (Yin), para buscar a Terra. Unindo céu e terra, o homem abraça sua raiz.
Respiração do Veado Malhado ou Básica
A Respiração do Veado Malhado, ou Básica, deve ser feita todas as manhãs, antes da
ingestão de qualquer alimento. Esse animal, antes da primeira refeição do dia, abaixa sua cabeça para a terra e expira todo o ar impuro do corpo;
depois, eleva a cabeça para o céu e inspira o ar puro. Faz esse movimento no mínimo nove vezes, bem lentamente, e então cheira a grama até sentir
que não há nenhum odor no ar expelido. Só depois desse ritual é que ele vai começar a comer.
"O ser humano, por não saber eliminar o que está velho no corpo, tem uma vida
limitada", explica Edésio. "O caminho da boca ao ânus fica estagnado. Ao acordar, ele tem mau hálito, a mente está turva, mas assim mesmo vai tomar
café".
Dia a dia, essa energia impura vai-se acumulando, deteriorando o sangue e gerando
doenças. A Respiração do Veado Malhado ajuda a eliminar as toxinas do organismo, fortalece a energia vital, melhora o mau hálito, massageia o baixo
ventre e prolonga a vida.
Respiração do Grou
Na antiguidade, o grou era um pássaro admirado por sua capacidade de voar muito tempo
sem se cansar. Para os chineses, ele é considerado a ave da sabedoria, e simboliza a renovação. Os grous não enchem o estômago, deixam sempre uma
metade vazia. Eles sabem que para fortalecer o corpo não é preciso comer muito, mas sim assimilar as energias dos alimentos.
Os movimentos do grou nos dão beleza e inspiração, fortalecem os pulmões, aumentam sua
capacidade respiratória e ajudam a circulação sanguínea.
Respiração da Garça
Geralmente a garça aparece, na arte chinesa, junto com a flor de lótus. É uma ave
muito delicada, mas pode lutar com uma serpente. Seus pés são poderosos, devido ao enraizamento que têm sobre o solo.
"Com ela, os monges aprenderam movimentos de autocontrole, que promovem um bom fluxo
do sangue e da energia, unindo o céu e a terra no homem".
Respiração da Cegonha
Com a cegonha aprendemos velocidade e leveza. Na simbologia oriental, ela representa
as almas e o amor filial, e sua figura repele as forças negativas. Os exercícios inspirados nos movimentos da cegonha nos dão velocidade e leveza.
Melhoram problemas emocionais, devido à relação com o coração, e fortalecem os pulmões.
Respiração da Garça propicia o bom fluxo do sangue
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
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