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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - POLÍTICA
Época do político procurar o eleitor

Material de campanha nas eleições de 2004 
da ex-prefeita Telma de Souza, via Internet

Embora já bem antes os postulantes a um cargo político procurassem os eleitores, pedindo apoio às suas candidaturas, as campanhas políticas propriamente ditas, em Santos, tiveram início na segunda metade do século XX. Afinal, desde a criação do cargo de prefeito em 1908, grande parte dos prefeitos santistas foi nomeada: após o primeiro (Carlos Augusto Vasconcelos Tavares, em 1908), os prefeitos eleitos seguintes foram Aristides Bastos Machado (assumiu em 13/8/1936 e renunciou em 15/10/1936) e Antonio Iguatemi Martins Júnior (eleito para o seu lugar e deposto pelo golpe de Estado de 10/11/1937). Depois, só em 14/4/1953 assumiria novo prefeito eleito, Antonio Ezequiel Feliciano da Silva.

Esses fatos foram lembrados pelo jornal santista A Tribuna, em matéria na edição de 26 de janeiro de 2004:

Campanha eleitoral foi iniciada em 1953

Da Reportagem

 As campanhas políticas só passaram a ser feitas na Cidade a partir de 1953, com Antônio Feliciano. Nesta época, os principais candidatos ao cargo de prefeito eram Feliciano (UDN-PSD) e Athiê Jorge Cury (PSP). Contudo, devido aos bons serviços prestados ao Município, inclusive dando-lhe a autonomia política, Feliciano foi o vencedor.

Sua vitória, para a população e alguns políticos, foi um reconhecimento à sua dedicação para com os problemas da Cidade, mesmo não tendo nascido aqui. Durante sua gestão, realizou muitas obras, dentre as quais a duplicação da avenida da praia, melhoramentos nos pontos mais pobres de Santos e outros empreendimentos para a comunidade.

Alto-falantes - Em 1957, durante a eleição de Sílvio Fernandes Lopes (PSP) - que concorreu com Nilde Ribeiro (PSD) para a chefia do Executivo -, surgiram os primeiros carros particulares com alto-falantes, além do que os comícios políticos eram centralizados pelos candidatos na Praça da República.

Durante esse período, um fato curioso foram as disputas acirradas entre os cabos eleitorais, que chegavam a trocar socos na defesa de seus candidatos. Dias antes das eleições, as ruas se encheram de papéis, espalhados pelos correligionários ou jogados dos automóveis.

Eleito, Sílvio deu continuidade as obras de urbanização do Bairro do Macuco e conservação dos jardins da praia. Por suas benfeitorias, foi eleito para prefeito novamente em 1965, terminando o mandato em 1969.

Sucessor - No novo pleito para a escolha do sucessor de Sílvio Fernandes Lopes, em 1968, os jornais da Cidade traziam propaganda de diversos candidatos, pois havia também a escolha dos vereadores. A disputa para prefeito era entre Alfeu Brandão Praça (Arena) e Francisco Prado (MDB); Oswaldo Martins (MDB) e Esmeraldo Tarquínio (MDB).

Apesar da intensa campanha e da acirrada disputa dos candidatos, já eram grandes os rumores de que a autonomia política de Santos seria cassada. Nesse ano, os comícios foram mais comedidos, devido ao Governo Federal. Mesmo assim, dias antes da votação, os candidatos desdobravam-se na panfletagem, percorrendo os bairros.

No dia 15 de novembro de 1968, Esmeraldo Tarquínio foi proclamado o vencedor, porém, meses após, veio a desilusão de seus eleitores e da maioria dos habitantes da Cidade: o Governo da Revolução resolveu interromper sua carreira política. A partir daí, vieram os prefeitos nomeados e somente em 1984 o povo elegeu Oswaldo Justo para prefeito, depois de 16 anos de espera.

Saiba mais - A criação do cargo de prefeito foi uma conclusão direta da Proclamação da República (1889), que marcou o início do processo democrático. O cel. Carlos Augusto Vasconcelos Tavares, primeiro prefeito eleito pelo povo, construiu o quartel do Corpo de Bombeiros e iluminou toda a orla da praia, na época chamada de Barra.

O cidadão que mais vezes governou a Cidade foi Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, três vezes, num total de seis anos, 5 meses e 16 dias. Washington Di Giovanni, que assumiu o posto no lugar de Carlos Caldeira Filho, foi o prefeito com menor tempo de governo, apenas 72 horas.

Os que governaram a Cidade duas vezes foram: Joaquim Montenegro, Arnaldo Ferreira de Aguiar, Antônio Iguatemy Martins Júnior, Aristides Bastos Machado, Francisco Paino, Antônio Gomide Ribeiro, Sílvio Fernandes Lopes e Rubens Ferreira Martins.

O corretor de café Paulo Gomes Barbosa foi o último prefeito da época da ditadura militar.

Campanha para prefeito-2004, no horário gratuito da televisão, em 28/10/2004
Imagens: capturas de tela

E é da época em que Paulo Barbosa deixou o cargo esta irônica despedida, criada pela produtora de eventos e filmagens Jacaré, na publicação O Jacaré, de junho de 1984:

Nossa Vida sem Barbosa

(ou "Antes tarde do que nunca")

E o Barbosa vai embora mesmo, né? Será no dia 9 do mês que vem, quando ele juntará suas tralhas, suas manias e alguns projetos (mais alguma coisa? Ah, não sejamos maldosos), ajeitará o eterno suspensório e deixará que o novo reizinho (perdão, o novo prefeito...) sente naquela mesma cadeira que, segundo o Barbosa, "arranha e sangra".

É claro que muita gente vai sentir saudades dos tempos do Barbosa: quem gosta de se divertir, os políticos dos outros partidos, os professores de Ética e de Língua Portuguesa, os jornalistas e também um certo Ramon (é isso mesmo?), pois não vai dar para faturar uma graninha fazendo aquelas faixas "anônimas" dizendo que o Barbosa é o maioral, o melhor, o defensor dos fracos e oprimidos etc. Ah, é claro, não dá para esquecer: a Viação também sentirá muitas saudades, principalmente pela "profunda colaboração" entre a empresa e o nosso prefeito.

Os caçadores de enigmas, aqueles que são fascinados por grandes e insondáveis mistérios também ficarão frustrados: como saber, depois do dia 9, quanto custou mesmo a concha acústica? Ou porque o Barbosa resolveu fazer uma pista de cooper na praia, pra ninguém usar (cooper em pista dura arrebenta o joelho de qualquer um), gastando uma nota preta?

Alguns advogados, juízes e funcionários de cartórios também sentirão uma certa nostalgia quando lembrarem o quanto era doce a nossa vida com Barbosa. É que ele não vai poder mais ameaçar ninguém com processos e nem vai mais ser processado (será que não? Nunca se sabe, pode aparecer muita coisa depois que os livros forem abertos, que as contas forem refeitas...). E tem mais: os corretores de imóveis vão chorar de tristeza todas as noites. Por que? Ah, perguntem para eles, pois essa o Barbosa não conta pra ninguém...

Quem mais? Talvez as aeromoças que trabalham na linha São Paulo-Brasília, que não verão mais um dos seus passageiros mais constantes, apesar de morrer de medo de voar. Os motoristas de táxi do aeroporto também vão ficar tristíssimos, apesar de vez em quando darem algumas mancadas, como trocar a identidade dos acompanhantes do Barbosa (quem quiser saber essa história direitinho - é realmente impublicável - procura a gente que a gente conta. ...).

As recepcionistas da Sectur também lembrarão com saudades, pois com o Barbosa elas nem precisavam trabalhar muito. Era um dia sim, outro não, só meio período. Ah, bons tempos aqueles, elas poderão comentar com os netinhos, quando ficarem velhinhas)...

Choro compulsivo - E tem gente que vai passar um mês chorando sem parar, assim que o Barbosa sair mesmo. São os funcionários contratados pela famigerada Divisão de Mão-de-Obra Externa, a tal da DMOE, que encheu de gente a Prefeitura, a CSTC e a Prodesan, e esvaziou mais um pouco os bolsos da população. Principalmente com aqueles que nem apareceram para trabalhar, só quando é dia de pagamento. Mas tudo bem, dependendo de quem for o próximo prefeito, não custa nada tentar um acordo ali, uma vaguinha aqui, uma mordomiazinha acolá, e todos serão felizes por mais quatro anos.

Tem também os construtores, mas justiça seja feita: dependendo de quem ganhar a eleição, eles terão motivos para sentir saudades do Barbosa: talvez as coisas fiquem melhores ainda, não é mesmo? Não é à toa que tanta gente patrocinando a campanha de um certo candidato por aí, chamado nas altas rodas de Dom Pedro I (é por que a história se repete, aquela coisa de Marquesa, etc. e tal).

O pessoal da CSTC sempre lembrará dos tempos atuais com grande satisfação. É que provavelmente nunca mais haverá tanta boquinha, tantos empregos (empregos? Essa não...) e tanta tranqüilidade. O pessoal que faz os cálculos de aumento das passagens, então, vai lembrar que o prefeito sempre facilitava o trabalho deles. Cada vez que eles examinavam os números e chegavam à conclusão, depois de exaustivas contas e divisões, o Barbosa dizia que não havia necessidade de nada disso. Se os homens das contas, por exemplo, decidissem que o preço deveria ser (hipoteticamente, é claro...) Cr$ 220,00, o Barbosa logo simplificava e dizia mais ou menos assim: "Que nada, aumenta logo pra Cr$ 250,00 que tá faltando grana..."

Os engenheiros da Prefeitura, então, ressaltarão que o prefeito era um verdadeiro gênio (embora não só ele: muitos secretários deram sua valiosa colaboração, não há como negar), capaz de colocar num mesmo terreno, junto a um morro, tanta coisa junta, como conjuntos habitacionais, mini-Ceasa, área de lazer, estacionamento para caminhões e muito mais. Somente alguém realmente muito capaz teria condições de pôr num mísero terreno mais do que cabe ali!

Saudade é mesmo uma coisa engraçada: pois não é que os turistas também vão lamentar a saída do Barbosa? Claro, principalmente o pessoal que ia pra Bertioga, pois sem o Barbosa, como poderão ter de novo aquela excitante sensação de desamparo total, de abandono, de carros atropelando gente na praia, de ônibus quebrado, de falta de água, de gente adoidado morrendo afogado etc. e tal? Pois é, não terão mais aquele gostinho irresistível de aventura, de perdidos na selva (ou na areia, tanto faz...).

Ah, sim, os vereadores: bem, os do PDS (nem todos) não terão mais chance de exercitar a nobre arte de defender o indefensável, como eles têm feito nesses anos todos. Sacanagem, né? Onde irão, agora, encontrar tanto estímulo, tanto desafio? Vai perder a graça.

Os do PMDB vão morrer de saudade do Barbosão, velho de guerra, principalmente se o próximo prefeito for mesmo do PMDB. Quem eles vão atacar, xingar a mãe, chamar de "alcaide nomeado" e tudo mais? (É, mas esperem pra ver: vão continuar falando muita coisa do próximo prefeito, do mesmo jeito, pois esse papo de fidelidade partidária, união da bancada e cacete a quatro é tudo mentira. Cês não viram? Quebrou o pau até no "fraternal" comício unitário do partido... Vão ser unidos assim no Paquistão!

Opa, quase ia esquecendo, tem a Prodesan!

Pois aí, a coisa será trágica, sem dúvida (eu disse sem dúvida, e não sem dívida). Primeiro, tem um ex-diretor, que foi demitido por causa do escândalo da falsa concorrência (é, fajutaram tudo...), que serviu de bode expiatório, levando toda a culpa, que vai sentir saudades da lealdade e do alto senso de justiça que havia.

Depois, tem o fato de que era mesmo uma beleza: falsificavam-se documentos, na maior, e não acontecia nada. As mesmas pessoas (menos um, que morreu, e outro, que foi demitido, como respeitosamente informamos no parágrafo acima) continuavam mandando e desmandando, construindo suas casinhas em Bertioga e tudo mais. Será que alguém sentirá saudades do tempo em que ser honesto era considerado falta grave, com demissão por justa causa? Quem passou por isso, exatamente por denunciar a trama toda, que beneficiou uma firma fantasma, que supostamente faria uma "auditoria", não devem achar graça nenhuma. Com toda a razão.

E nós? - Bem, e nós, que não participamos diretamente da brincadeira toda, como ficaremos? Como será a nossa vida sem Barbosa? A princípio, tudo bem, vai ter eleição, aquela transa de votar é bom (ou aquele voto de transar é bom? Sei lá...) e a dinastia dos prefeitos nomeados chega ao fim. Saudades existirão, óbvio. Certamente nunca a nossa paciência será testada com tanta insistência, nem a nossa capacidade de se indignar tão estimulada. Tudo será melhor, satisfação garantida ou seu dinheiro de volta (Será? Tem gente que não vai devolver coisa alguma, vai é tirar ainda mais..).

Mas e daí?

É claro que - dando uma de entendido em processos políticos - dá pra ver que vai dar pra participar mais, exigir mais, pois o cara que sentar na cadeira que hoje é do Barbosa será eleito, e não nomeado, certo? Mas será que dá pra acreditar que as coisas serão mesmo diferentes? Tirando o trabalho que os matadores de insetos terão (claro, já imaginou limpar as teias de aranha de todos os cofres da Prefeitura?), sobra que a transa política tá muito gasta. Os caras ficam fazendo planos e mais planos, ditando regras e não dão uma dentro. Resultado: até quem diz que está com o povo e não abre acaba ferrando a gente cada vez mais. Também é certo que Barbosa é um só, mas existem outros que não ficam nadinha a dever. É só esperar prá ver.

Mas isso tudo a gente enfrenta na hora, né? A barra tem sido sempre essa, a gente sempre paga o pato (paga também o faisão, as boates, a gasolina que leva a família deles pra todo lado, os empregos dos amigos etc. e tal). Mas apesar disso, o Barbosão vai deixar muitas saudades. E como a gente aqui é emotivo pacas, só temos mesmo que agradecer. É que não vai faltar trabalho prá ninguém, depois que o prefeito se mandar: reconstruir uma cidade arrasada por 16 anos de patuscadas, não é mole não...


Charge publicada com a matéria

Mais sério (mas nem tanto), o jornal santista A Tribuna também não deixou por menos, ao comentar o período de mandato do prefeito nomeado Carlos Caldeira Filho, diretor de uma cadeia jornalística concorrente.

Vale recordar que, naquela época, o grupo Folha da Manhã mantinha na cidade o jornal Cidade de Santos, aliás com três objetivos conhecidos: 1) obter uma cota extra de papel-jornal importado, para uso no jornal principal, Folha de São Paulo, deixando para o Cidade o inferior papel nacional; 2) abater com seus prejuízos o grande lucro que a Folha tinha como concessionária da Rodoviária paulistana; e 3) servir como trampolim para que Carlos Caldeira Filho se tornasse prefeito de Santos - tanto que, terminadas essas motivações, o jornal foi extinto.

Eis o que publicou A Tribuna, na edição de 29 de janeiro de 1980:

SUCESSÃO
O governo de Carlos Caldeira

O tempo estava quente em todo o País naquele dia 7 de maio de 1979, com greves por toda parte e sucessivas mudanças sociais e políticas. E foi exatamente nesse dia que a população de Santos, constrangida, assistia à posse de seu terceiro prefeito nomeado, o empresário Carlos Caldeira Filho, proprietário de uma das maiores cadeias jornalísticas do Brasil.

Mas se o constrangimento por não poder escolher seu governante por voto direto permanecia, como tem ocorrido nos últimos dez anos, surgia uma ponta de esperança: ao receber o cargo de Antônio Manoel de Carvalho - demitido sumariamente pelo governador Paulo Salim Maluf -, Caldeira demonstrou a certeza de que seria o último prefeito nomeado de Santos, e que entregaria a Prefeitura a alguém eleito pelo voto popular. Diante de tão firme convicção, não havia como não dar um voto de confiança ao novo prefeito.

Essa disposição foi reafirmada diversas vezes, fazendo com que os santistas sonhassem com o sublime momento de votar. Mas os finais felizes andam escassos, e Caldeira saiu sem se importar ao menos com o nome de seu sucessor, frustrando a Cidade por completo.

Não foi este entretanto o único momento em que a população teve oportunidade para mostrar-se indignada, pois alguns dos planos e projetos anunciados por Caldeira e sua equipe tiveram o efeito devastador de um maremoto, como quando o prefeito demonstrou a intenção de acabar com a Prodesan. Mas a lista vai longe, incluindo a construção de túneis subterrâneos ligando a Cidade a Guarujá e Bertioga, a volta dos bondes, a coleta alternada de lixo, o fechamento dos canais, a construção de 50 mercados de abastecimento, o cancelamento de desapropriações e do projeto do Parque da Montanha, a promessa de encher a panela dos santistas com a criação de uma rede de silos adequados ao armazenamento de produtos agrícolas e o afinal concretizado leilão de veículos oficiais.

A Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes não ficou atrás, e apresentou planos diversos, como a transformação da plataforma do emissário submarino em um centro de atrações, com balneários, restaurantes, um novo aquário e muito mais. Este projeto parece, finalmente, que será levado em frente, apesar da falta crônica de verbas para o turismo, que tem a menor parcela do orçamento municipal. Mas não devem ser esquecidos os planos para a realização em Santos de um inusitado festival nacional de novelas, idealizado pela Sectur, e nem a criação de sofisticadas marinas na Ponta da Praia.

Mas, nem que seja apenas para enriquecer a história política santista durante os anos em que a Cidade carregou o incômodo título de área de interesse da segurança nacional, é preciso ainda lembrar as milionárias desapropriações de nove imóveis na Praia do Boqueirão, para montar um balneário e instalar a Câmara, além da criação, no mesmo local, de um cassino. E também a curiosa e socialista idéia de indenizar os funcionários da CSTC com ações da empresa, numa tentativa de salvá-la da falência total, que pode ser comparada com a transformação de uma das poucas áreas de lazer para as crianças santistas, a Fonte do Sapo, em pista de "skate".

Mas, para aqueles que apreciam momentos históricos curiosos, cite-se a solução apontada por Caldeira para evitar novas tragédias nos morros, depois que deslizamentos mataram em dezembro 12 pessoas: "Rezar a Deus e pedir que não chova mais como choveu". Esta declaração só encontra paralelo nas explicações sobre a construção de um túnel submarino entre o Valongo e a Ilha Barnabé: "Ele é à prova de bomba; assim, se o Paraguai atacar ele resistirá". E, para resolver o problema da falta de verbas, o prefeito aconselhou a população a "pedir dinheiro a Nossa Senhora do Monte Serrate".

Enquanto nenhum dos grandes e fabulosos projetos era realizado, os serviços urbanos entravam praticamente em colapso, como podem bem demonstrar as ruas totalmente esburacadas e os abandonados jardins das praias.

Ah, os chinelos... - Mas não só por esta tonelada de projetos não realizados a administração Caldeira será lembrada pelas gerações futuras. O nosso terceiro prefeito nomeado notabilizou-se também por seu comportamento, inaugurando um novo estilo de governar. Seus hábitos chegaram até a motivar um projeto do vereador Fernando Oliva - ex-líder da Arena na Câmara - que pretendia que o prefeito substituísse seus confortáveis chinelos pelos tradicionais sapatos de cromo alemão, muito ao gosto da classe política. Mas o projeto acabou nem indo ao plenário, garantindo a Caldeira a liberdade para trajar-se a seu gosto.

Durante toda sua gestão, Caldeira usou e abusou do seu raro senso de humor, com constantes tiradas irônicas, chegando a tratar assuntos importantes como quem assistia a um filme de pastelão. Assim foi quando o presidente da Câmara, Washington di Giovanni, pediu pela centésima vez a verba necessária para a construção da sede própria do Legislativo. A resposta não poderia ser mais estranha: "Só se você sentar no meu colo..."

E, diante da indecorosa e inusitada proposta do prefeito, o veterano Doutor Mimi não se fez de rogado, não só sentando no colo de Caldeira como ainda completando a ação com um beijo estalado no rosto.

Mas que não se julgue que o prefeito Caldeira não fez nada de útil em sua gestão relâmpago. Afinal, ele introduziu o pacote escolar, o posto volante da Cobal, e reduziu os impostos municipais na área dos morros e nas zonas carentes. Além, é claro, de terminar algumas poucas obras deixadas pela administração anterior.

Os planos e os enganos - Proprietário de uma cadeia de jornais e dizendo-se amigo da imprensa, o prefeito Carlos Caldeira não hesitou em acabar com a Assessoria de Comunicação da Prefeitura, além de constantemente responsabilizar repórteres por "enganos e mal-entendidos", sempre que era obrigado a desmentir declarações feitas na véspera, como quando apresentou o empresário Cláudio Regina como novo dono da CSTC ou anda quando anunciou a intenção de fechar a Prodesan, o que acabou não se concretizando por causa da mobilização que causou na Cidade.

Exatamente em uma época em que o País inteiro clamava por democracia, Caldeira praticamente ignorou todos os vereadores santistas, que confessavam-se cansados de tantas ironias. E passaram, sistematicamente, a vetar seus projetos, inclusive a permissão para que ele doasse seus vencimentos a instituições de caridade. A Câmara alegou, neste caso, que tal prática nada mais seria que uma forma de burlar o Imposto de Renda.

Depois de cancelar desapropriações argumentando que endividariam inutilmente o município, Caldeira esqueceu a coerência e determinou a desapropriação de nove imóveis no Boqueirão, um pouco depois de anunciar que o lixo das praias seria recolhido por um navio, logo rebaixado a um simples batelão.

Caldeira enfrentou alguns momentos críticos, como a demissão de seu secretário de Finanças, José Lopes, ex-presidente da Prodesan e um dos candidatos ao trono municipal. Houve ainda a greve dos médicos da Santa Casa, quando, atendendo a sugestão do ministro Jair Soares, requisitou o prédio do hospital, como forma de terminar com a crise. Mas, sem verbas para aplicar na Santa Casa, a requisição foi retirada um mês depois e os médicos entraram em greve novamente. Por fim, o escandaloso projeto de fechamento dos supermercados aos domingos, elaborado pela Câmara, e que valeu a Caldeira uma ameaça de impeadchment, por recusar-se a atender a lei.

Pelo menos um milagre, o prefeito conseguiu: transformou em questão de segundos um déficit municipal em superávit. Mas a façanha durou apenas alguns minutos, tempo mais que suficiente para que alguém descobrisse tratar-se apenas de uma má interpretação dos relatórios financeiros da Prefeitura.

Depois de desmentir que pretendia deixar o cargo e garantir que a autonomia de Santos "já estava no papo", Caldeira deu finalmente o seu golpe de mestre particular, anunciando que no dia 26 de janeiro, aniversário da Cidade, deixaria definitivamente o cargo, embarcando para plagas orientais e não mais voltando para ocupar a cadeira de prefeito, esquecendo-se da promessa - ou melhor, do compromisso moral - de só entregar o cargo a um prefeito eleito.

A decisão de abandonar a Cidade foi prorrogada apenas por dois dias, depois de conversar por telefone com o governador Maluf. A quem, por sinal, Caldeira fez referências impublicáveis, antes de descer definitivamente as escadarias do Paço Municipal.

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