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CONCLUSÃO - OS LOUCOS E NÓS:
O
que temos a ver com isso?
Santos mais uma vez exportou para o País a sua geração. Técnicos que
vieram para cá saíram daqui depois do Anchieta para implantar modelos de Saúde Mental pelo País, que tem hoje 522 CAPS, 140 em São Paulo. O
primeiro, fora a experiência de Cerqueira César, na capital, foi implantado aqui de modo acabado.
O Congresso Nacional dos CAPS ocorrido recentemente, de 29 de junho a
1º de julho de 2004, em São Paulo, teve mais de duas mil pessoas – entre familiares, agregados, técnicos e profissionais psicólogos e médicos - e
foi o primeiro da história.
Como diz Daniela Stazak, que esteve lá, coordenadora de Saúde Mental
de Itanhaém, a luta não acabou e nem vai acabar, é permanente. Com ela, estiveram no Congresso dos CAPS o militante antimanicomial Geraldo Peixoto e
Dulce Edie. Geraldo diz: uma coisa é fazer a Reforma Psiquiátrica na Itália, outra é em um país do tamanho do Brasil. Mas há gente contribuindo e
apostando nos serviços alternativos em todo o País.
Santos plantou procedimentos, outra vez. De que maneira a situação
dos chamados loucos, pessoas que em algum momento prolongam um comportamento de desequilíbrio ou desajuste mental, pode interessar aos que
vivem fora dos hospícios? Essa é a primeira pergunta do cidadão comum, que jamais teve a experiência de estar em um deles, onde os tratamentos
visam a destruição da personalidade e a perpetuação do estado mental de desequilíbrio - na interpretação cruel da tragédia do esmagamento de pessoas
porque inúteis para a produção, interessando a outra produção que é o lucrativo manicômio. Tem tudo a ver com os de fora.
As respostas são diversas: considerando que todos somos vítimas
potenciais da violência, seja do Estado diretamente, seja daquela gerada pelo sistema econômico injusto produzido e mantido por ele, interessa em
ultima análise por amor próprio. Ou por solidariedade com os que sofrem, como receitam as religiões. Ou por não admitir a existência de campos de
concentração, próprios de regime que pensamos ter derrotado na guerra. Ou por questionar todo o sistema de dominação dos fortes sobre os fracos, dos
ricos sobre os pobres, presente do nosso dia a dia, produzindo loucura nas regras rígidas de uma estrutura social baseada na disputa selvagem pela
sobrevivência.
Nestes casos, dos chamados loucos, subsiste - em Santos
subsistia -, uma conjuntura opressiva e cruel sobre um contingente improdutivo economicamente e por isso marginalizado, como a maioria de nosso
povo, pela carência de tudo - de salário justo, de educação, de moradia, de saúde, de transporte, de alimentação. Só que estes o eram só que em
termos absolutos.
O grito da humanidade pela sua preservação ecoou em Santos - que deu
ouvidos aos gritos por trás das paredes do hospício, revertendo uma situação de interesse comum.
É esta história. Estes nossos loucos, melhor explicados na Arte ou na
Filosofia do que na Medicina, não necessitavam ser reclusos ou marginalizados, encarcerados, dopados e violentados - degradando suas condições
mentais. Era preciso, sim, reassociá-los ao meio que não puderam compreender ou aceitar, como se fez. As marcas, entretanto, deixadas neles e mesmo
nos que lidaram com eles, são trágicas e criminosas.
Com a degradação das condições materiais de vida e a imposição de
sofrimentos insuportáveis, em um país que tem uma das maiores jornadas de trabalho no mundo - sem somar-se as horas extras comuns -, irá se produzir
o mais alto nível de acidentes de trabalho do planeta, a loucura é resultante.
E não há de ser resolvida em manicômios, mas na raiz do processo. Na
intensa disputa gerada pelo sistema econômico, o medo do desemprego e da privação é uma constante, como todos os medos. E ele enlouquece.
Reconhecidas as raízes dos crescentes contingentes de internados em manicômios, transformados em prósperas empresas mantenedoras de campos de
concentração subsidiadas por verbas públicas - e, percebemos mais, que essa prática significa a a exclusão dos incapacitados para a produção
capitalista, base da nossa organização social.
Lixo humano gerando lucro, isolando seres improdutivos, duas pontas
arquitetadas pelos agentes do sistema econômico baseando na exploração do homem pelo homem.
Ao nível da problemática da Saúde Mental, era necessário abrir uma
frente de luta - não apenas pela humanização dos manicômios, mas por sua extinção, possibilidade a reintegração dos contingentes enlouquecidos e
marginalizados. Desenhando novas regras para uma política de saúde, que passa pelo estancamento do imenso derrame de verbas entregues a torturadores
de pessoas, deixando claro o seu direito de não serem submetidas a tratamentos que apenas agravam o seu estado mental – para satisfação dos
mercadores do templo.
Instituindo mecanismos de justiça, o homem como valor nuclear, não
apenas a produção - para que deixemos de produzir loucura, no esforço global não apenas de alterar as práticas no campo da Saúde Mental, mas de
transformar a sociedade em favor das maiorias.
Compreendeu-se que a reintegração destes subprodutos sociais é a chance para sua própria oxigenação e
reformulação dos conceitos arbitrários - utilizados em toda a história da Humanidade. Esta estrutura social doentia e excludente precisou ser
compreendida em seus próprios erros, gerados pela cultura do individualismo extremado, impostos pela ideologia da acumulação nas mãos de uma
minoria, às custas da exploração da maioria.
A transformação dos valores humanos em lucro financeiro deformou a sociedade, a partir do comando de
poucos. Foi necessária esta compreensão para recuperar a vida e oferecer horizontes para a humanidade, a partir do comunitarismo - que se traduz na
integração dos diferentes e constrói novos paradigmas.
Reação
social
Encontrando nos chamados loucos elementos da própria existência enquanto seres vivos, a
sociedade reconstrói a sua capacidade de sobrevivência pela solidariedade, em uma época de retrocesso selvagem aos níveis de violência indesejada.
Assim como os colonizadores desbravaram - aniquilaram a bravura – dos indígenas que habitavam o
interior do país, que mataram inaugurando em terras tropicais a violência institucionalizada de que hoje buscam as causas como inocentes. Urge
reverter este processo e reconduzir a sociedade pela não-violência, como senso de iniciativa para construção de um clima social de colaboração e
construção coletiva.
Arriscamo-nos, se não reagirmos à deformação dos valores, a permitir, na admissão da violência
institucionalizada, que as sociedades auto-denominadas superiores, seja economicamente, seja racialmente, venham nos extinguir. Se permitimos
a opressão sobre outros, logo será conosco.
Todos se lembram do teatrólogo alemão Bertold Brecht: primeiro eles vêm ao vizinho de um lado e o
levam, depois de outro – e eu, que não fizera nada, quando vieram na minha me levar não havia ninguém para acudir.
Assim como os métodos repressivos à marginalidade tem provado sua incorreção e premente necessidade de
mudança, sob pena de agravar e destruir a sociedade, o tratamento da chamada loucura, que não é tratamento, não poderia prosseguir nos
níveis de violência anteriores, pois logo não teríamos o que fazer com este lixo atômico expandindo-se incontrolavelmente pelas condições de
alimentação, moradia e relacionamento brutalmente modificadas pelo sistema econômico capitalista, cujo conflito e contradição de classe gera sua
própria destruição.
Quando eu era adolescente, li os livros do psicólogo Cláudio Araújo Lima (Amor e Capitalismo e
Imperialismo e Angústia) e vi em que níveis que a economia e o sistema econômico interferem no comportamento das pessoas, deformando seres e
alterando destinos, causando desequilíbrios e ceifando vidas humanas – impedindo o amor, brutalizando seres.
O que determina que ou lutamos já para modificar esse destino e integrar as parcelas marginalizadas,
formando com elas os instrumentos de mudança de rumos ou a destruição das nossas conquistas sociais se afogará no lodo da nossa incompetência de não
saber gerir nossas vidas.
Temos sim a obrigação de ajudar a construir uma nova sociedade solidária a partir de ações positivas e
corajosas, como se fez no Anchieta santista, enfrentando forças que, defendendo os valores dos mantenedores do status quo, mantêm o atraso e
a violência institucionalizada.
Esta é uma sociedade em putrefação que marginaliza seres como improdutivos – e eles devem ser chamados
a colaborar nesta luta para compor uma nova ordem e modificar a sociedade que aliena, massifica e enlouquece, na ideologia da produção e da
acumulação irracional, as grandes massas populares.
A vontade política de Telma e sua capacidade de liderar, arregimentar e organizar quadros técnicos e
políticos para esta mudança necessária foi a determinante deste fato histórico nesta direção, projetando o futuro na vanguarda de um novo tempo. Seu
registro, compreensão e propulsão é um compromisso e uma razão a que é preciso dedicar nossas vidas, em nome desse novo tempo.
FIM |