47
E QUEM SÃO OS LOUCOS?
NOVAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA SAÚDE MENTAL
Quem são os loucos, os que estavam no Anchieta ou espalhados
pelo mundo? Na dúvida do autor do Alienista, Machado de Assis, como lemos ao início deste trabalho, temos problemas para definir.
Mas de modo geral, loucos são apenas (apenas?) desajustados
sociais rebaixados economicamente, alcoólatras ou drogados – e mesmo pessoas com problemas de adaptação temporária às regras estabelecidas,
portadores de comportamentos diferentes agravados pelo isolamento – entre outras dezenas de casos – que como humanos não mereciam ser
trancados em masmorras medievais privados de tudo.
É conhecido o filme O homem que virou suco, em que um migrante
introduzido no meio urbano caótico e neurótico, violento, ingressa em outros patamares de consciência e sai do chão.
Existem desequilíbrios químicos cerebrais, como existem dificuldades
financeiras, trabalho em falta ou em excesso, más condições de vida e alimentação – fatores que levam aos transtornos mentais cada vez em maior
número.
O capitalismo enlouquece, este é o fato. E interna em manicômios, que
se tornam mecanismos de exclusão. Essa temporariedade é agravada pelo tratamento desumano como o do Anchieta e similares anteriores, que, com vimos,
não nasceu aqui. Eletrochoques, colas fortes, insulina e remédios fortíssimos, surras e maus tratos eram cronificantes, perpetuando-se e agravando o
quadro. O que era do interesse dos mercadores da loucura, os exploradores desses verdadeiros campos de concentração superlotados de internados. E
dos profissionais que cuidam dele, que cresceram em índices vertiginosos.
A polÍtica de Saúde Mental adotada pela Administração Democrática
Popular santista integrou a uma ótica de resgate dos grupos da sociedade, concatenada no interior de uma exigência humanitária - que busca reverter
o processo acelerado de exclusão dos seres humanos do cotidiano.
A tarefa de impedir que centenas de pessoas continuassem a ser
torturadas e enlouquecidas, excluídas da civilização, se deu como um dos primeiros atos do governo municipal democrático-popular da cidade, da
prefeita Telma de Souza, logo após sua posse em 1989. Em Santos, cidade-vanguarda das lutas sociais do país, em toda sua história de cinco séculos.
Resgatando a dignidade dos internos em seu manicômio, que saltavam
cada vez mais sobre seus muros, através dos quais durante tempos só se ouviam gritos -, se avançou no caminho da Psiquiatria democrática fundada por
David Cooper e Ronald Laing, indo até Franco Basaglia e Franco Rotteli na Itália, há mais de trinta anos.
Naquele tempo, em 1971, Franco e Franca Basaglia, os psiquiatras
venezianos, distribuíram picaretas para que os cativos - e agravados prisioneiros de um regime de força – destruíssem, por si mesmos, sua bastilha,
rompendo com uma estrutura secularmente usada como agente de repressão às idéias em toda a história da humanidade.
Mais do que humanizar e evoluir o tratamento aos interesses do
Anchieta superlotado, carente e cruel, mantenedor de um processo degenerador de pessoas, o programa de saúde mental desenvolvido em Santos foi além
da demolição apenas simbólica do Anchieta de quase quarenta anos – mas mudou uma parte da sociedade.
O prédio passou a servir como reintegrador de parcelas
marginalizadas, núcleos de integração psico-social descentralizados e multiplicados por toda a cidade, que cuidam de atender em regime de liberdade
os problemáticos mentais – curados pelo retorno ao convívio dos seus, contribuídos para amenizar os conflitos que os produziram. |