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A LEI DO DEPUTADO PAULO DELGADO
O deputado federal mineiro do PT Paulo Delgado conseguiu aprovar, em abril de 2001, a lei 10.216 – a
Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira -, pelo que lutava desde há tanto tempo e que humaniza o atendimento aos portadores de doenças mentais,
através da desospitalização progressiva e da implantação de um sistema de atendimento aberto, referência internacional na área.
Inspirada na Lei Basaglia de autoria do psiquiatra que derrubou os muros do manicômio de Trieste e
irradiou seu modelo para Santos, a lei segue os princípios da Organização Mundial de Saúde e avança sobre o que eram as normas legais da época do
fascismo no Brasil, o Código Civil de 1916 e o decreto-lei 24.599, de 3/7/1934, que normatizava o setor.
Sistemas de coerção, repressão, punição, sanatórios funcionando como mecanismos de lucro, gigantescas
verbas SUS, remédios poderosíssimos, eletrochoques, surras, exclusão, separação, sofrimento. Esta história precisava mudar – e mudou, abrindo os
novos tempos nesta área.
A lei de Paulo Delgado determina, entre outras coisas:
1. O restabelecimento dos direitos civis e políticos dos
doentes mentais;
2. A extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por
hospitais-dia;
3. A internação em hospitais-gerais por períodos mínimos;
4. A regulamentação da internação compulsória, ou seja,
aquela que se dá sem a aprovação do paciente e que poderá ocorrer por, no máximo, 24 horas, com conhecimento do juiz e de uma junta médica;
5. A regulamentação de terapias perigosas como o
eletrochoque.
A batalha da aprovação
Resultado de um intenso movimento social desencadeado pela militância que se opôs à Ditadura Militar,
em face de suas múltiplas torturas que apenas repetiam os métodos do manicômio, em 1989 é apresentado no Congresso o projeto de lei do deputado
Paulo Delgado, que tem como colaborador seu irmão, Pedro Gabriel Delgado, psiquiatra e militante da luta antimanicomial desde os primeiros anos da
década de 1970, quando ainda estudante de Medicina em Minas Gerais, município de Barbacena.
A tramitação do projeto levou quase doze anos, enfrentando o lobby empresarial da loucura.
Seriam proibidas novas internações em hospitais psiquiátricos e toda a rede de hospitais do tipo seria extinta em cinco anos, vinte por cento ao
ano.
Uma autoridade judiciária deveria decidir pela internação, caso fosse questionada pelo paciente. O
Senado apresentou um texto mais comedido, tendo existido um debate com o movimento antimanicomial, que não aceitava a internação a pedido da
família, que exigia o direito da pessoa internada involuntariamente de contratar um advogado e de solicitar uma junta de julgamento para que fosse
apurada a necessidade de internação, a exemplo das recomendações que a Organização Mundial de Saúde fez para os sistemas de atendimento
psiquiátrico.
Em face da intervenção santista e da apresentação da lei de Delgado, intensificam-se as pressões tanto
para desospitalizar quanto para manter o negócio da doença mental, mas o Ministério investe em inspeções sanitárias aos hospitais psiquiátricos que,
em tempos de crise, sem as generosas verbas do passado, com internações limitadas, racionalizam remédios, alimentos, funcionários, para manter a
lucratividade.
O jogo era fechado: eles, os donos do negócio da loucura, não apareciam, mas faziam lobies
junto aos deputados. Em maio de 1991, a Federação Brasileira de Hospitais apresentou um abaixo-assinado ao Congresso Nacional, exigindo o adiamento
por várias sessões do projeto de lei do deputado Paulo Delgado. Que, aprovado no Congresso, foi rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais do
Senado em 1995, fazendo-o voltar à Câmara para emendas e substitutivos.
Em março de 1992, uma manifestação de duzentos familiares movimenta a Câmara Municipal do Rio de
Janeiro contra a redução de leitos nos hospitais psiquiátricos. O lobie se movimenta. O Ministério da Saúde envia ao Congresso um parecer
técnico favorável ao projeto de lei, que diz que ele é "conciso, atemporal, aplicável e, portanto, oportuno", na gestão do Ministro Adib Jatene.
Apesar da convergência entre o Movimento Antimanicomial, grupos da sociedade civil, entidades na área
médico-psiquiátrica e autoridades do setor estatal, não houve a aprovação no Senado, fazendo o projeto voltar à Câmara para emendas e substitutivos.
O projeto chegou a ficar seis meses para ser avaliado pela comissão criada pelo Ministério da Saúde. O campo não é neutro e nem dos militantes
sociais, mas sujeito às pressões do lobie que, no entanto, acaba por ceder sob condições - e permitir aprovação em 2001.
O militante antimanicomial Geraldo Peixoto destaca estas condições presentes no artigo 4º dessa
lei, que permite a construção e instalação de hospitais psiquiátricos em áreas em que não existam serviços alternativos. Foi uma "concessão ao
lobie do setor", diz Peixoto, para que a norma fosse aprovada. |