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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA
Hospital Anchieta (4-f41)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEste hospital santista foi o centro de um importante debate psiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentes mentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, que travaram a chamada luta antimanicomial. Desse debate resultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada por especialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica e Editora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista e historiador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009 autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partir de seus originais digitados:

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Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)

A quarta revolução mundial da Psiquiatria

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A LEI DO DEPUTADO PAULO DELGADO

 

O deputado federal mineiro do PT Paulo Delgado conseguiu aprovar, em abril de 2001, a lei 10.216 – a Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira -, pelo que lutava desde há tanto tempo e que humaniza o atendimento aos portadores de doenças mentais, através da desospitalização progressiva e da implantação de um sistema de atendimento aberto, referência internacional na área.

 

Inspirada na Lei Basaglia de autoria do psiquiatra que derrubou os muros do manicômio de Trieste e irradiou seu modelo para Santos, a lei segue os princípios da Organização Mundial de Saúde e avança sobre o que eram as normas legais da época do fascismo no Brasil, o Código Civil de 1916 e o decreto-lei 24.599, de 3/7/1934, que normatizava o setor.

 

Sistemas de coerção, repressão, punição, sanatórios funcionando como mecanismos de lucro, gigantescas verbas SUS, remédios poderosíssimos, eletrochoques, surras, exclusão, separação, sofrimento. Esta história precisava mudar – e mudou, abrindo os novos tempos nesta área.

 

A lei de Paulo Delgado determina, entre outras coisas:

1.   O restabelecimento dos direitos civis e políticos dos doentes mentais;

2.   A extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por hospitais-dia;

3.   A internação em hospitais-gerais por períodos mínimos;

4.   A regulamentação da internação compulsória, ou seja, aquela que se dá sem a aprovação do paciente e que poderá ocorrer por, no máximo, 24 horas, com conhecimento do juiz e de uma junta médica;

5.   A regulamentação de terapias perigosas como o eletrochoque.

 

A batalha da aprovação

 

Resultado de um intenso movimento social desencadeado pela militância que se opôs à Ditadura Militar, em face de suas múltiplas torturas que apenas repetiam os métodos do manicômio, em 1989 é apresentado no Congresso o projeto de lei do deputado Paulo Delgado, que tem como colaborador seu irmão, Pedro Gabriel Delgado, psiquiatra e militante da luta antimanicomial desde os primeiros anos da década de 1970, quando ainda estudante de Medicina em Minas Gerais, município de Barbacena.

 

A tramitação do projeto levou quase doze anos, enfrentando o lobby empresarial da loucura. Seriam proibidas novas internações em hospitais psiquiátricos e toda a rede de hospitais do tipo seria extinta em cinco anos, vinte por cento ao ano.

 

Uma autoridade judiciária deveria decidir pela internação, caso fosse questionada pelo paciente. O Senado apresentou um texto mais comedido, tendo existido um debate com o movimento antimanicomial, que não aceitava a internação a pedido da família, que exigia o direito da pessoa internada involuntariamente de contratar um advogado e de solicitar uma junta de julgamento para que fosse apurada a necessidade de internação, a exemplo das recomendações que a Organização Mundial de Saúde fez para os sistemas de atendimento psiquiátrico.

 

Em face da intervenção santista e da apresentação da lei de Delgado, intensificam-se as pressões tanto para desospitalizar quanto para manter o negócio da doença mental, mas o Ministério investe em inspeções sanitárias aos hospitais psiquiátricos que, em tempos de crise, sem as generosas verbas do passado, com internações limitadas, racionalizam remédios, alimentos, funcionários, para manter a lucratividade.

 

O jogo era fechado: eles, os donos do negócio da loucura, não apareciam, mas faziam lobies junto aos deputados. Em maio de 1991, a Federação Brasileira de Hospitais apresentou um abaixo-assinado ao Congresso Nacional, exigindo o adiamento por várias sessões do projeto de lei do deputado Paulo Delgado. Que, aprovado no Congresso, foi rejeitado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado em 1995, fazendo-o voltar à Câmara para emendas e substitutivos.

 

Em março de 1992, uma manifestação de duzentos familiares movimenta a Câmara Municipal do Rio de Janeiro contra a redução de leitos nos hospitais psiquiátricos. O lobie se movimenta. O Ministério da Saúde envia ao Congresso um parecer técnico favorável ao projeto de lei, que diz que ele é "conciso, atemporal, aplicável e, portanto, oportuno", na gestão do Ministro Adib Jatene.

 

Apesar da convergência entre o Movimento Antimanicomial, grupos da sociedade civil, entidades na área médico-psiquiátrica e autoridades do setor estatal, não houve a aprovação no Senado, fazendo o projeto voltar à Câmara para emendas e substitutivos. O projeto chegou a ficar seis meses para ser avaliado pela comissão criada pelo Ministério da Saúde. O campo não é neutro e nem dos militantes sociais, mas sujeito às pressões do lobie que, no entanto, acaba por ceder sob condições - e permitir aprovação em 2001.

 

O militante antimanicomial Geraldo Peixoto destaca estas condições presentes no artigo 4º dessa lei, que permite a construção e instalação de hospitais psiquiátricos em áreas em que não existam serviços alternativos. Foi uma "concessão ao lobie do setor", diz Peixoto, para que a norma fosse aprovada.