Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0260r10f08.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/14/10 17:42:22
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA
Hospital Anchieta (4-f08)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEste hospital santista foi o centro de um importante debate psiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentes mentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, que travaram a chamada luta antimanicomial. Desse debate resultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada por especialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica e Editora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista e historiador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009 autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partir de seus originais digitados:

Leva para a página anterior

Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)

A quarta revolução mundial da Psiquiatria

Leva para a página seguinte da série

8

ENSINANDO A DIGNIDADE HUMANA:

 OS PASSOS DA MUDANÇA NO ANCHIETA

 

Escolhido como referência para a América Latina nos processos de desinternação e prevenção em Saúde Mental pela Organização Mundial de Saúde e pela Oficina Pan-Americana de Saúde – OPAS -, repercutido a nível internacional, este trabalho foi a coroação de um projeto para o setor desenvolvido em Santos há mais de uma década, propagando uma ideologia humanitária que se espalhou pelo país.

 

Fazendo justiça e resgate às tradições da cidade, Santos impunha sua marca de inclusão social – abrindo as portas de um hospício-prisão, um verdadeiro campo de concentração cercado por altos muros e sustentado por verbas públicas rentáveis para seus donos. A cultura da gestão municipal 1989 - 1992 foi, desde esse passo, incluir os excluídos, devolver cidadania e liberdade aos contingentes preteridos em todos os campos, começando pelas crônicas vítimas desse processo de violência secular, que permanecia, fazendo história.

 

A Prefeitura fez a mudança e integrou soluções inéditas, com técnicos da psiquiatria, atendendo aos até ali jogados no lixo da sujeira e da morte. A cidade que primeiro colocou em prática os instrumentos da municipalização da saúde incorporados pelo SUS - Sistema Único de Saúde, antes mesmo de instalar o sistema de policlínicas, promoveu o saneamento desta chaga com que Santos não podia conviver.

 

Foi a primeira ação de defesa popular de Telma. Viriam muitas. Há 15 anos, Santos era, outra vez, libertária, no mês das flores e casamentos. Ela, a prefeita, chegava eliminando métodos segregadores de pessoas humanas, quem iniciou o resgate dos direitos, começando pelas mais oprimidas. E derrubou as paredes da opressão da "Casa dos Horrores", como chamavam o Hospital Anchieta, um verdadeiro campo de concentração que não perdia em nada para os campos nazistas, como ela mesmo discorreu.

 

Como primeiros passos, foi preciso realizar a identificação individualizada de cada um dos casos, para sua revisão, com a criação de um sistema eficiente de registros, que não existia, o que foi feito após a mobilização da comunidade que acorreu em apoio à medida, trazendo desde alimentos até pastas de dentes e demais itens de higiene pessoal, no envolvimento necessário. Que a partir dali pôde entrar, cantar e se divertir junto com os pacientes, antes isolados, eles mesmos enfeitavam o ambiente para receber famílias e visitantes.

 

Eram outros aqueles tempos propiciados pela nova mentalidade que vigia. Com a estabilização das mudanças, a Casa de Saúde Anchieta e o Programa de Saúde Mental de Santos tornaram-se nacionalmente conhecidos e despertaram interesse da comunidade acadêmica.

 

Fizeram parte desse processo estagiários das áreas de psicologia, Serviço Social, Comunicação, Terapia Ocupacional (USP), Direito e Educação Física, entre outros. Foi feito um programa de intercâmbio com a Escola Paulista de Medicina, junto ao Departamento de Psiquiatria e os avanços alcançados firmaram-se de modo insofismável, obtendo apoio da comunidade local. Em pouco mais de um ano a intervenção na Casa de Saúde Anchieta transformou radicalmente a assistência à Saúde Mental na Baixada Santista, seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde na primeira Conferência Nacional de Saúde Mental, em julho de 1987, assim como do Sistema Único de Saúde - SUS.

 

Eles apontavam para a necessidade de superação do atual modelo assistencial, centrado nos asilos psiquiátricos, devido ao seu potencial efeito cronificador dos problemas originais que levavam às internações. Era preciso substituí-los por serviços extra-hopitalares e comunidades terapêuticas, de acordo com as diretrizes da Organização Mundial e Saúde. Isso motivou a decisão da Oficina Pan-Americana de Saúde – Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS) de enviar um assessor deste organismo para cooperação técnica com o Programa de Saúde Mental de Santos.

 

Na seqüência deste projeto, estava a gradual descentralização dos serviços da Casa de Saúde Anchieta, criando o ambulatório, centros de convivência, núcleos de Inserção no Trabalho e  os Núcleos de Atenção Psico-Social, os NAPS. Era neles que residiria o objetivo da dissolução do manicômio.

 

Este processo produziu efeitos terapêuticos, com a redução do número de internações e atendimentos, do tempo de permanência, diminuição da taxa de ocupação e, concomitantemente, com menos pessoas atendidas nos serviços extra-hospitalares. Caminhando-se, assim, para o estabelecimento de um serviço tecnicamente qualificado e condizente com os direitos de cidadania e de dignidade humana.

 

O Corpus Hipocraticum, o juramento de Hipócrates, fundador da Medicina (460 – 377 A.C.), é a base do questionamento ético nos procedimentos em relação à saúde humana. Cada sociedade tem, em razão das variáveis sócio-políticas, a sua moral em relação à saúde humana e aos limites de intervenção, a ética em movimento. E as condições de dignidade da população são elementos vitais para sua felicidade e estabilização política e social.