Criado em janeiro de 1937, o Centro Espírita Ismênia de Jesus
mantém a Escola Ordem e Progresso
Foto: Patrícia Cruz, publicada com a matéria
ISMÊNIA DE JESUS
Atuação solidária e espiritual de 70 anos
Trabalho da instituição se baseia também no respeito e no amor
Anderson Firmino
Da Reportagem
A fila em frente ao número 312 da Rua Campos Melo, na
Encruzilhada, todos os dias, na hora do almoço, chama a atenção. São pessoas, na sua maioria de origem simples, que ali aguardam um simples prato de
comida. Mas recebem, na verdade, uma aula de carinho e calor humano.
Fundada pela ex-atriz Maria Máximo há quase 70 anos, a entidade, que hoje conta com
135 funcionários, presta assistência a moradores de rua, fornecendo alimentação, roupas e prestando cuidados de higiene.
Além disso, conta com berçário e creche para cerca de 300 crianças, e mantém a Escola
Ordem e Progresso, bem como possui um bazar, onde são vendidos desde roupas e utensílios domésticos até móveis. Também existe uma sub-sede do
Ismênia em Ribeirão Pires (SP), cuja creche atende a 50 crianças.
De acordo com o presidente, Camilo Lourenço, o Ismênia de Jesus procura seguir à risca
os preceitos da doutrina espírita, que pregam a solidariedade, o respeito e o amor. "O espiritismo está bastante ligado à prática do bem e ao
exercício da caridade. Procuramos conservar o ideal de Maria Máximo em nossas atividades, buscando sempre levar algo positivo a um número maior de
pessoas", explicou.
Humildade - Ele conta que tudo começou na segunda metade da década de 30,
quando Maria Máximo e o marido, Miguel Máximo, vieram da Europa, onde atuavam no teatro. O casal se estabeleceu na Capital, quando eclodiu a
mediunidade em Maria. Então, ela passou a receber orientações espirituais de seu guia, Aurélio Augusto de Azevedo, que era seu "pai carnal", como se
costuma dizer no vocabulário espírita.
As orientações de seu guia a trouxeram a Santos e fizeram com que Maria, em 1º de
janeiro de 1937, fundasse o Ismênia de Jesus, que teve a primeira sede na Rua Pereira Barreto, no Gonzaga. Após juntar algum dinheiro, iniciou a
construção do Centro, onde funciona até hoje, numa área de aproximadamente 6.000 metros quadrados, para receber as pessoas em busca de conforto
espiritual, possuindo ainda um berçário, com cerca de 20 crianças trazidas por ela.
O presidente lembra que, em 1941, surgiu a Cozinha dos Pobres, que chegou a atender
1.200 pessoas por dia. Em 1947, Maria Máximo fundou a Escola Espírita Ordem e Progresso. Pouco tempo depois, em 1949, Maria veio a falecer, deixando
um legado precioso.
"Eram tempos difíceis, com uma pobreza grande. Além disso, ela mostrava preocupação,
já naquela época, com as mães solteiras, muitas delas já envolvidas com a prostituição. Foi uma pessoa especial", elogiou Lourenço.
Dificuldades - O dirigente só muda o semblante quando o assunto é a falta de
recursos. Com uma folha de pagamento em torno de R$ 100 mil mensais, a entidade, além das doações de alimentos e móveis, e a mensalidade da escola,
recebe uma verba de R$ 38 mil da Prefeitura, por meio de convênio, com relação à creche. "Tivemos que fazer recentemente um empréstimo de R$ 40 mil
para tapar buracos. É bem complicado", reconheceu.
No entanto, o presidente do Ismênia de Jesus recorre à época de fundação, durante a
Segunda Guerra Mundial, como inspiração para tocar a entidade nos dias de hoje. "O Centro foi criado num período em que o mundo todo passava
dificuldades, e resiste até hoje. Trabalhar aqui é minha terapia, uma bênção divina", comentou Lourenço, hoje com 85 anos, e conviveu durante 5 com
a criadora do Ismênia.
Além de receber comida, os assistidos ouvem uma palestra
de 15 minutos sobre os valores cristãos
Foto: Patrícia Cruz, publicada com a matéria
Refeição é servida diariamente a cerca de 150 pessoas
O artista plástico Cezar Rezende chegou há 8 meses de Cabo Frio (RJ), atrás de uma
garota. Após desentendimentos com a família dela, ele agora vive junto à travessia de barcas entre Santos e Vicente de Carvalho. Sem dinheiro, ele
vai ao Ismênia de Jesus para fazer, às vezes, sua única refeição do dia. Assim como ele, cerca de 150 pessoas, entre moradores de rua, carrinheiros
e pessoas carentes, recorrem ao centro espírita em busca de alimentação. O cardápio é abastecido com frango, peixe e salsicha, entre outras
misturas. Existe ainda a doação de roupas e remédios, esses mediante receita, a famílias carentes, em dias e horários específicos.
Antes da refeição, os moradores de rua assistem a uma palestra de 15 minutos sobre
valores cristãos. "Saímos daqui fortalecidos. Neste espaço, entendemos o valor de nunca desistir e a importância de manter a consciência de que essa
situação deve ser passageira", explicou Rezende.
Respeito - Segundo a psicóloga Gisele Lourenço, neta de Camilo Lourenço e que
atua há 5 anos no Ismênia, a falta de respeito não é tolerada durante as refeições. "Quem apresentar visível estado de embriaguez ou conduta
imprópria está fora", explicou. "Precisamos manter uma ordem básica, comum a qualquer tipo de ambiente".
As refeições são oferecidas todos os dias do ano, sem exceção. "Todo dia é dia santo.
Não se pára de fazer o bem em finais de semana ou feriados", ressaltou Camilo.
Os artigos são doados e postos à venda na Av. Conselheiro Nébias
Foto: Patrícia Cruz, publicada com a matéria
Bazar de móveis, roupas e objetos ajuda a gerar recursos
Bastante conhecido na região, o bazar de móveis, roupas e utensílios domésticos usados
do Ismênia de Jesus também gera recursos para a entidade. Reunindo desde roupas íntimas a preços de R$ 0,50 e R$ 1,00 a jogos de sala de jantar de
estilo colonial, vendidos por R$ 15 mil, o lugar, que funciona na Avenida Conselheiro Nébias, 395/397, é um convite às compras.
"Aqui é meu shopping-center", empolga-se a dona-de-casa Laurinete Silva da
Conceição. "Compro de tudo aqui. Em que outro lugar eu poderia vestir meus netos e bisnetos gastando pouco?", indaga ela, que vem de Praia Grande,
onde mora, para ver as novidades.
Raridade - Entre os artigos doados para o bazar, está uma máquina de escrever
da década de 30, em perfeito estado, que é utilizada pelos funcionários. "Aqui a gente aproveita tudo", conta a vendedora Cláudia Luz Aguiar.
Ela se considera privilegiada por trabalhar em um bazar, cuja renda é revertida em
favor dos trabalhos da entidade. "É um orgulho fazer parte de toda essa engrenagem. Sei que minha contribuição é pequena, mas é bom ter em mente que
faço o bem".
Cláudia explica que os móveis, à medida que chegam ao Ismênia, são avaliados e, se
necessário, passam por uma restauração, antes de serem postos à venda.
As doações podem ser feitas pessoalmente, no próprio Ismênia, ou combinadas por
telefone. Caminhões da entidade fazem coleta dos artigos doados. Ela é realizada de segunda a sábado, e pode ser agendada através do
Disque-Doação, no número (13) 3232-3095.
Público também tem acesso ao roupeiro, que dispõe de diversas peças
Foto: Patrícia Cruz, publicada com a matéria
Cursos e oficinas são destinados a mulheres gestantes e carentes
Presente desde o início das atividades do Centro Espírita Ismênia de Jesus, a
preocupação com as mulheres se manifesta hoje em dia, através de cursos e oficinas voltadas para gestantes e mulheres carentes, algumas já
convivendo com a prostituição. As atividades fazem parte do programa Família Saudável.
Segundo Gisele Lourenço, as gestantes, em geral até o 7º mês de gravidez, fazem o
próprio enxoval. "Elas levam consigo o que produzirem e, na medida do possível, nós complementamos. Além disso, recebem cesta básica e
vale-transporte durante algum tempo após dar à luz", explicou. "Muitas delas voltam mesmo depois do nascimento do bebê, para os cursos de bordado,
culinária e crochê, entre outros, pois não podem abrir mão dessa ajuda".
Ela conta que, dessa forma, forma-se um ciclo. "Atendemos 15 gestantes e elas são
substituídas por outras. É importante pois, além do aprendizado, essas mulheres podem trocar experiências pessoais", opinou.
Mesmo as mães carentes com filhos pequenos também podem participar dos cursos. Segundo
a psicóloga, uma triagem é feita, e algumas delas passam a fazer parte do programa. "As atividades são realizadas em dias distintos (as gestantes,
às terças, e as demais mulheres, às quintas). Esta é uma casa aberta a todos, onde o amor fala mais alto, independente de cor, sexo ou classe
social, como queria Maria Máximo", resumiu. |