Manchete do jornal santista A Tribuna em 16 de março de 1928
"Horrorosa Catástrophe enluta a Cidade"
"O Monte Serrat, despejando terra e pedras que aluíram tremendamente, sepultou
com inaudita violência centenas de pessoas e arrasou dezenas de casas"
"Aos dez dias do mês de março do anno de mil novecentos e vinte e oito, pelas vinte e
meia horas, na sala das refeições da Administração do hospital da Santa Casa de Santos, presdentes os senhores: Alberto Baccarat, DD. Provedor;
Benjamim de Mendonça, DD. 1º Secretário; George Roseheim, DD. 2º Secretário; Comm. dr. Augusto Marinangeli, DD. Thesoureiro; Major Arthur Alves
Firmino, DD. Mordomo Geral; Senador Antonio da Silva Azevedo Júnior, Carlos Luiz de Affonseca, Flaminio Levy e José da Silva Gomes de Sá,
Consultores; Dr. Roberto Catunda, DD. Diretor Clínico.
Havendo número legal de senhores mesários, o Sr. Provedor declara aberta a sessão e
manda proceder da leitura da acta anterior que, posta em discussão e approvação, é approvada sem debates.
Em seguida o Sr. Provedor diz que o motivo da presente reunião neste logar, foi por
ter sido o nosso Consistório occupado como enfermaria de emergência, devido o doloroso fato que originou a convocação da presente sessão. SS.
profundamente comovido dá informações detalhadas da horrível catastrophe que, pelas cinco horas e pouco da manhã de hoje, veio enlutar a laboriosa
população santista, tendo attingido ao nosso Hospital. Esse sinistro acontecimento foi devido ao desmoronamento duma grande barreira do Monte Serrat,
que destruiu uma boa parte das dependências deste Hospital, como sejam: o antigo necrotério e um outro ainda por terminar; parte da cosinha, sala de
estherelisação, sala de operações, sala do arsenal cirúrgico, com a perda total da ferramenta e apparelhos contidos nestas dependências, duas salas
de curativos, sala de espera do médico interno, dormitório dos clínicos quando de serviço, Laboratório Clínico, o depósito do mesmo que continha
ácidos e muitas drogas, tendo damnificado várias enfermarias mais próximas ao logar sinistro, onde para maior infelicidade temos a lamentar a morte
de dois enfermos além de vários feridos sem gravidades.
No andar térreo ficou completamente soterrada a nossa nova installação de banhos e
duchas, ficando bastante damnificada a barbearia e outras dependências contíguas.
Na parte externa do edifício onde se acha o nosso caminhão automóvel ficou este
soterrado e provavelmente perdido. O estrago que actualmente se pode verificar na ala direita do edifício foi volumoso, não tendo ruído maiormente,
por ser de construção muito sólida, parecendo porém pelo rápido exame feito que esteja completamente inutilisada.
As paredes estão em parte completamente destruídas e outras apresentam fendas que
revelam a perda da sua solidez primitiva.
O volume de terra e pedras desagregadas do monte e accumuladas de encontro às paredes
bem revelam a enormidade do desastre.
A perda sofrida por esta Irmandade é incalculável. Na sua parte material avulta-se por
ter sido attingida fase, onde se guardavam os mais custosos apparelhos de cirurgia, de estherelisação, de anályses clínicas e todas as novas
instalações hydrotherápicas.
Esta pálida descripção que lhes faço, refere-se ao que diz somente ao nosso hospital;
não me posso aprofundar mais pois ainda é prematuro o julgamento da extensão do desastre. Lamentabilíssimo é o que também se vê na travessa ao lado
desta Santa Casa. Das diversas moradias outrora habitadas por gente modesta, mas laboriosa, não se vê mais do que um montão de terra e de pedras
soterrando cadáveres de homens, mulheres e inocentes crianças. Famílias felizes de véspera, hoje estão convertidas em uma massa informe, de carne
humana. A ânsia esperançosa dos abnegados operários, que revolvem a terra sinistra, tem mais de uma vez sido premiada com o encontro de seres ainda
com vida.
Não tenho pleno conhecimento do número total de habitantes da parte attingida, mas por
cálculo que me é dado fazer, orço em mais de uma centena, o número das víctimas. Chamado nas primeiras horas da pavorosa hecatombe, arrepiado pela
sua enormidade, procurei com as forças, que ainda me alentavam, tomar as primeiras providências, já tendo encontrado em plena actividade o Corpo
Municipal de Bombeiros, que poucos momentos depois do desastre chegava ao local. Levei ao conhecimento das autoridades mais próximas, não esquecendo
também de scientificar aos Exmos. Snrs. Drs. Washington Luiz e Júlio Prestes,
respectivamente digníssimos Presidentes da República e do Estado, no que a mão impiedosa do destino transformou a nossa secular Santa Casa. Muito me
satisfiz com o acolhimento espontâneo das autoridades e do povo desta terra.
O Exmo. Sr. Benedicto Pinheiro, DD. Vice Prefeito Municipal em exercício, não tardou a
accorrer ao local do sinistro logo às primeiras horas, agindo em tudo com critério e grande abnegação. Uma das medidas logo tomadas por S. Excia. em
conjunto com esta Provedoria foi a nomeação de uma commissão de engenheiros composta dos senhores Doutores José Luiz Gonçalves de Oliveira, Octávio
Ribeiro de Mendonça, Aristides Bastos Machado e A. Gomide Ribeiro dos Santos, para examinar o prédio desta Santa Casa e ao mesmo tempo verificar o
Monte na parte sugeita a novo desmoronamento, a fim de dizer da sua seguridade e aconselhar as providências necessárias.
Após detido exame por parte desta Comissão, recebemos da mesma o seguinte offício que
aqui é transcripto: Exmos. Snrs. Prefeito Municipal e Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Santos. Os abaixo assignados, nomeados por V. Excias.
para procederem incontinente uma vistoria no prédio deste Hospital da Santa Casa, bastante damnificado com o desmoronamento de uma parte do Morro
adjacente ao hospital verificado hoje pelas cinco horas da manhã, depois de bem examinarem In loco o alcance do desastre são de opinião que a
ala direita no seu extremo posterior apresenta sério e emminente perigo de desmoronamento em virtude da grande quantidade de terra accumulada até a
altura do segundo andar e de innúmeras fendas em diversas paredes occasionadas pelo choque. Em vista disto são parecer que devem ser immediatamente
retirado do telhado daquele trecho da alla para alliviar a carga sobre as paredes em seguida proceder-se a demolição das paredes danificadas. A
urgência com que é solicitado dos peritos o presente parecer não permite maiores esclarecimentos, entretanto deixam concretizada nos termos acima a
sua opinião unânime".
NOVO DESABAMENTO EM 1929 - Poucos sabem, mas exatamente há um ano após a catástrofe
ocorrida em 10 de março de 1928, novo desabamento acontecia, desta feita no dia 16 de fevereiro de 1929, conforme a descrição na ata feita no dia 20
de fevereiro deste ano:
"...COMUNICADO DA PROVEDORIA
O Snr. Vice Provedor em exercício (Dr. J. Carvalhal Filho) diz que novamente temos a
lamentar a queda de parte do Monte Serrat, que no dia 16 deste mês, pelas 15 horas da tarde mais ou menos, ruiu tendo damnificado bastante o nosso
hospital, sendo o nosso prejuízo avultado, visto ter attingido grande parte do prédio do hospital e soterrado completamente a nossa cosinha a vapor
reduzindo as ruínas. Devido às providências anteriormente tomadas, o desastre não tomou maiores proporções, felizmente não temos desastres pessoaes
a lamentar".
Encosta do morro, logo após o deslizamento de 1928, vendo-se no sopé os prédios da
Santa Casa
Foto: Poliantéia Santista, 1996, Ed. Caudex, S.
Vicente/SP
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