12 de novembro de 1943
Quarta sessão da Semana Médico-Social
Continuando a série de conferências da
Semana Médico-Social, no dia 2 de novembro, às 21 horas, no recinto do Consistório, efetuou-se a quarta sessão, que teve grande concorrência.
Fez-se ouvir, em interessante
palestra, o prof. Benedito Montenegro, figura de evidência no campo da medida cirúrgica brasileira.
Presidiu a solenidade, como das outras
vezes, o prof. Clementino Franga, ocupando os demais lugares da mesa os srs. mons. Luiz Gonzaga Rizzo, representando o bispo diocesano; Benedito
Gonçalves, provedor da Santa Casa; prof. Ernesto de Sousa Campos, dr. A. Guilherme Gonçalves, vice-diretor clínico da Santa Casa; dr. Gervásio
Bonavides, prof. Benedito Montenegro e dr. Carlos Moreira Gomes.
Saudação ao
prof. Benedito Montenegro
Em nome da Irmandade da Santa Casa da
Misericórdia, o dr. Carlos Moreira Gomes saudou o prof. Benedito Montenegro, que traçou a biografia do ilustre homem de ciência, desde seus estudos
primários em Jaú.
O prof. Benedito Montenegro
bacharelou-se na Universidade de Pensylvania, nos Estados Unidos, regressando ao Brasil em 1919, quando revalidou seu diploma. Médico da Santa Casa
de S. Paulo, adjunto do dr. Arnaldo de Carvalho e hoje prof. da Faculdade de Medicina da Universidade da capital, fez parte de várias missões
científicas enviadas à Europa, dispondo de distinções honoríficas conferidas pelos Estados Unidos, Argentina, Chile e por outros países.
Foi interessante o discurso com que o
dr. Carlos Moreira Gomes elogiou a personalidade do prof. Benedito Montenegro, acentuando que ele criou verdadeira escola, não se tratasse de um
técnico de forte expressão científica, e de verdadeiro mestre da Medicina Cirúrgica.
A
palestra do prof. Benedito Montenegro
O prof. Benedito Montenegro começou
por agradecer a distinção da Santa Casa de Santos, convidando-o para falar durante a Semana Médico-Social e, como tal, equiparando-o aos grandes
vultos que já ocuparam a tribuna das comemorações locais, citando entre outros o prof. Clementino Fraga. E fez votos no sentido de que a Santa
Casa de Santos, que já conta com quatro séculos de benefícios à população de Santos e dos municípios vizinhos, possa continuar pelo tempo afora sua
tarefa gloriosa de mitigar o sofrimento dos que lhe batem à porta.
Também agradeceu as palavras do dr.
Moreira Gomes e, em seguida, e de improviso, iniciou sua palestra, que versou sobre o tema "O combate à dor", abordando com muito interesse e brilho
esse capítulo da terapêutica médica, apresentando considerações sobre a dor física, principalmente quando infligida pelo escalpelo do cirurgião, e
descrevendo o drama na anestesia, citando que muitos que se empenharam em debelar a dor pagando tributos pesados, não raro com a própria vida.
Parece que uma função sobre-humana
obriga o homem a sofrer a dor, comentou o conferencista, pois o tributo é grave e fatal àqueles que procuram suavizar o sofrimento do seu
semelhante.
O combate à dor física vem de priscas
eras, desde as escavações das cidades assírias, como entre os egípcios e fenícios, e, mais cedo ainda, pois, já do pecado original, o homem fora
estigmatizado pela dor.
Em todos os meios e em todas as épocas
– continua – se empregaram os recursos para combater o sintoma desagradável.
E conta que a influência se vinculou
até aos centros e focos de bruxaria, pois quantos e quantos charlatões se tornaram célebres e erigidos em verdadeiros semi-deuses por haverem
conseguido, a seu modo, dirimir o sofrimento da dor.
Narra o caso de um charlatão, mas
inteligente, o famoso Mesmer, que pretendeu haver descoberto nas propriedades do ímã o remédio para todas doenças. Servindo-se de uma vareta, ele de
fato aliciou grande clientela e fez sucesso na França, pois o doente tocado pela vareta se livrava da dor. O caso teve grande repercussão, não só
entre os leigos, mas em toda sociedade parisiense, afluindo à casa de Mesmer para receber os fluídos benéficos não só a gente do povo, mas os
grandes titulares, condes, duques, príncipes e até reis. Ele também inventou um objeto – chamado a Gamela de Mesmer – que revolucionou o meio
parisiense, tanto que muitos se honravam de possuí-la, vendida que era a 100 luíses.
Mesmer pleiteou que a ciência
reconhecesse os méritos do seu tratamento. Reuniu-se a Academia de Medicina Francesa para estudar o método, mas o resultado foi desfavorável,
provocando essa decisão profundo descontentamento entre os amigos de Mesmer, que fundaram a Sociedade Harmonia, para se antepor à Academia de
medicina de Paris. Depois vieram as lutas, revolução francesa, e, acusado de conivência, Mesmer teve que se transferir para Viena e, posteriormente,
para Constança, onde terminou seus dias.
E como Mesmer, outros surgiram.
Priestley, sacerdote inglês, observando as fermentações da cerveja e estudando as bolhas que se formavam pela fermentação, lançou o mundo dos gases.
Continuando sua interessante
dissertação, o prof. Benedito Montenegro conta como se descobriram as qualidades anestesiantes do óxido de azoto e do éter. Aquele, aplicado
primeiramente em animais inferiores, insensibilizando-os para verificar se eles se revelam no ato operatório. Depois, a experiência foi adotada no
homem. Rickman foi o experimentador, mas a comunidade científica, reunida, repeliu o método. Em Paris, também, desgostoso, Rickman suicidou-se.
Médico de ma cidade dos Estados
Unidos, verificando que certos indivíduos respiravam freqüentemente o éter não sentiam qualquer dor quando, em sus exercícios, caiam,
deliberou operar um amigo, insensibilizando-o com inalações de éter. E foi excelente o resultado. Mas, seu método sofreu contestação. E, desgostoso,
suicidou-se. Três homens, pois não médicos, que tentaram suprimir a dor, morreram.
Depois de referir-se às experiências
mais remotas, desde os tempos dos fenícios, dos métodos usados pelos charlatões e de curiosos, o prof. Montenegro, comentando o advento do óxido de
azoto, do éter, deteve-se na apreciação do uso do clorofórmio, como poder anestésico. E enfileirou considerações de ordem terapêutica, dizendo que,
mesmo o uso do clorofórmio, fora proscrito pela Academia de medicina da Inglaterra. E a própria Igreja condenara o método então proclamado por
Simpson, argumentando, nos casos de maternidade, que a dor surgia como imperativo da vontade divina. A mulher deveria sofrer durante o transe de dar
à luz novo ser. Simpson contrapôs-se à tese da Igreja, proclamando que Deus fora o grande anestesista e Adão o primeiro homem anestesiado...
O conferencista entrou, depois, na
análise da cocaína como elemento anestesiante, sendo o alcalóide descoberto no Peru e não passara despercebido a ilustre viajante que ficara
impressionado com o fato dos incas mascarem constantemente a planta da cocaína.
Reportou-se depois à descoberta e
emprego do éter no combate à dor e à morfina, isolada do ópio por um químico alemão. Falou sobre o químico inglês Hickam, que idealizou a
insensibilização durante a intervenção cirúrgica. Referiu-se depois ao emprego do clorofórmio, da cocaína, inconveniente pela sua intoxicidade, à
intervenção da seringa hipodérmica, ao uso da cocaína e do etileno.
Com referência à terapêutica,
demonstrou as vantagens, em primeiro lugar, da anestesia local, depois da anestesia regional e, finalmente, da anestesia geral.
Mas o cirurgião deve escolher o
caminho a que mais se adaptou para a aplicação do método suavizador ou abolidor do sofrimento da dor, terminou o conferencista.
Encerrando a solenidade, falou o professor Clementino Fraga, que leu um
telegrama enviado pelo sr. Valentim Bouças, agradecendo à Santa Casa a acolhida que teve em Santos. Teve palavras de louvor à conferência
proporcionada pelo professor Benedito Montenegro, que constituiu uma lição completa. Em nome da Santa Casa, agradeceu a magnífica colaboração do
conferencista. |