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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MEDICINA - BIBLIOTECA NM
Santa Casa de Misericórdia (30-J)

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Em 1943, o mais antigo hospital e a primeira Irmandade da Misericórdia do Brasil completou 400 anos de atividade, sendo redigidas e compiladas por Álvaro Augusto Lopes estas Memórias dos Festejos Comemorativos do 4º Centenário da Fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos - Novembro de 1943. A obra de 235 páginas foi impressa na Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, em 1947.

Um exemplar foi preservado na Biblioteca Pública Alberto Sousa, que por sua vez o cedeu a Novo Milênio para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010 (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 153 a 157):

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Santa Casa de Misericórdia de Santos

Memórias dos festejos comemorativos do 4º centenário da fundação do hospital - Novembro de 1943

Alvaro Augusto Lopes

Redação e compilação

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12 de novembro de 1943

Quarta sessão da Semana Médico-Social

Continuando a série de conferências da Semana Médico-Social, no dia 2 de novembro, às 21 horas, no recinto do Consistório, efetuou-se a quarta sessão, que teve grande concorrência.

Fez-se ouvir, em interessante palestra, o prof. Benedito Montenegro, figura de evidência no campo da medida cirúrgica brasileira.

Presidiu a solenidade, como das outras vezes, o prof. Clementino Franga, ocupando os demais lugares da mesa os srs. mons. Luiz Gonzaga Rizzo, representando o bispo diocesano; Benedito Gonçalves, provedor da Santa Casa; prof. Ernesto de Sousa Campos, dr. A. Guilherme Gonçalves, vice-diretor clínico da Santa Casa; dr. Gervásio Bonavides, prof. Benedito Montenegro e dr. Carlos Moreira Gomes.

Saudação ao prof. Benedito Montenegro

Em nome da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, o dr. Carlos Moreira Gomes saudou o prof. Benedito Montenegro, que traçou a biografia do ilustre homem de ciência, desde seus estudos primários em Jaú.

O prof. Benedito Montenegro bacharelou-se na Universidade de Pensylvania, nos Estados Unidos, regressando ao Brasil em 1919, quando revalidou seu diploma. Médico da Santa Casa de S. Paulo, adjunto do dr. Arnaldo de Carvalho e hoje prof. da Faculdade de Medicina da Universidade da capital, fez parte de várias missões científicas enviadas à Europa, dispondo de distinções honoríficas conferidas pelos Estados Unidos, Argentina, Chile e por outros países.

Foi interessante o discurso com que o dr. Carlos Moreira Gomes elogiou a personalidade do prof. Benedito Montenegro, acentuando que ele criou verdadeira escola, não se tratasse de um técnico de forte expressão científica, e de verdadeiro mestre da Medicina Cirúrgica.

A palestra do prof. Benedito Montenegro

O prof. Benedito Montenegro começou por agradecer a distinção da Santa Casa de Santos, convidando-o para falar durante a Semana Médico-Social e, como tal, equiparando-o aos grandes vultos que já ocuparam a tribuna das comemorações locais, citando entre outros o  prof. Clementino Fraga. E fez votos no sentido de que a Santa Casa de Santos, que já conta com quatro séculos de benefícios à população de Santos e dos municípios vizinhos, possa continuar pelo tempo afora sua tarefa gloriosa de mitigar o sofrimento dos que lhe batem à porta.

Também agradeceu as palavras do dr. Moreira Gomes e, em seguida, e de improviso, iniciou sua palestra, que versou sobre o tema "O combate à dor", abordando com muito interesse e brilho esse capítulo da terapêutica médica, apresentando considerações sobre a dor física, principalmente quando infligida pelo escalpelo do cirurgião, e descrevendo o drama na anestesia, citando que muitos que se empenharam em debelar a dor pagando tributos pesados, não raro com a própria vida.

Parece que uma função sobre-humana obriga o homem a sofrer a dor, comentou o conferencista, pois o tributo é grave e fatal àqueles que procuram suavizar o sofrimento do seu semelhante.

O combate à dor física vem de priscas eras, desde as escavações das cidades assírias, como entre os egípcios e fenícios, e, mais cedo ainda, pois, já do pecado original, o homem fora estigmatizado pela dor.

Em todos os meios e em todas as épocas – continua – se empregaram os recursos para combater o sintoma desagradável.

E conta que a influência se vinculou até aos centros e focos de bruxaria, pois quantos e quantos charlatões se tornaram célebres e erigidos em verdadeiros semi-deuses por haverem conseguido, a seu modo, dirimir o sofrimento da dor.

Narra o caso de um charlatão, mas inteligente, o famoso Mesmer, que pretendeu haver descoberto nas propriedades do ímã o remédio para todas doenças. Servindo-se de uma vareta, ele de fato aliciou grande clientela e fez sucesso na França, pois o doente tocado pela vareta se livrava da dor. O caso teve grande repercussão, não só entre os leigos, mas em toda sociedade parisiense, afluindo à casa de Mesmer para receber os fluídos benéficos não só a gente do povo, mas os grandes titulares, condes, duques, príncipes e até reis. Ele também inventou um objeto – chamado a Gamela de Mesmer – que revolucionou o meio parisiense, tanto que muitos se honravam de possuí-la, vendida que era a 100 luíses.

Mesmer pleiteou que a ciência reconhecesse os méritos do seu tratamento. Reuniu-se a Academia de Medicina Francesa para estudar o método, mas o resultado foi desfavorável, provocando essa decisão profundo descontentamento entre os amigos de Mesmer, que fundaram a Sociedade Harmonia, para se antepor à Academia de medicina de Paris. Depois vieram as lutas, revolução francesa, e, acusado de conivência, Mesmer teve que se transferir para Viena e, posteriormente, para Constança, onde terminou seus dias.

E como Mesmer, outros surgiram. Priestley, sacerdote inglês, observando as fermentações da cerveja e estudando as bolhas que se formavam pela fermentação, lançou o mundo dos gases.

Continuando sua interessante dissertação, o prof. Benedito Montenegro conta como se descobriram as qualidades anestesiantes do óxido de azoto e do éter. Aquele, aplicado primeiramente em animais inferiores, insensibilizando-os para verificar se eles se revelam no ato operatório. Depois, a experiência foi adotada no homem. Rickman foi o experimentador, mas a comunidade científica, reunida, repeliu o método. Em Paris, também, desgostoso, Rickman suicidou-se.

Médico de ma cidade dos Estados Unidos, verificando que certos indivíduos respiravam freqüentemente o éter não sentiam qualquer dor  quando, em sus exercícios, caiam, deliberou operar um amigo, insensibilizando-o com inalações de éter. E foi excelente o resultado. Mas, seu método sofreu contestação. E, desgostoso, suicidou-se. Três homens, pois não médicos, que tentaram suprimir a dor, morreram.

Depois de referir-se às experiências mais remotas, desde os tempos dos fenícios, dos métodos usados pelos charlatões e de curiosos, o prof. Montenegro, comentando o advento do óxido de azoto, do éter, deteve-se na apreciação do uso do clorofórmio, como poder anestésico. E enfileirou considerações de ordem terapêutica, dizendo que, mesmo o uso do clorofórmio, fora proscrito pela Academia de medicina da Inglaterra. E a própria Igreja condenara o método então proclamado por Simpson, argumentando, nos casos de maternidade, que a dor surgia como imperativo da vontade divina. A mulher deveria sofrer durante o transe de dar à luz novo ser. Simpson contrapôs-se à tese da Igreja, proclamando que Deus fora o grande anestesista e Adão o primeiro homem anestesiado...

O conferencista entrou, depois, na análise da cocaína como elemento anestesiante, sendo o alcalóide descoberto no Peru e não passara despercebido a ilustre viajante que ficara impressionado com o fato dos incas mascarem constantemente a planta da cocaína.

Reportou-se depois à descoberta e emprego do éter no combate à dor e à morfina, isolada do ópio por um químico alemão. Falou sobre o químico inglês Hickam, que idealizou a insensibilização durante a intervenção cirúrgica. Referiu-se depois ao emprego do clorofórmio, da cocaína, inconveniente pela sua intoxicidade, à intervenção da seringa hipodérmica, ao uso da cocaína e do etileno.

Com referência à terapêutica, demonstrou as vantagens, em primeiro lugar, da anestesia local, depois da anestesia regional e, finalmente, da anestesia geral.

Mas o cirurgião deve escolher o caminho a que mais se adaptou para a aplicação do método suavizador ou abolidor do sofrimento da dor, terminou o conferencista.

Encerrando a solenidade, falou o professor Clementino Fraga, que leu um telegrama enviado pelo sr. Valentim Bouças, agradecendo à Santa Casa a acolhida que teve em Santos. Teve palavras de louvor à conferência proporcionada pelo professor Benedito Montenegro, que constituiu uma lição completa. Em nome da Santa Casa, agradeceu a magnífica colaboração do conferencista.