Breve histórico - O hospital
O hospital da
Santa Casa da Misericórdia foi fundado em 1543, perto do Outeiro de Santa Catarina, junto ao qual Braz Cubas fizera construir os primeiros abrigos
para um porto, a princípio chamado "Porto da Vila de São Vicente", visto que a ele vinham ter as embarcações para o transporte de mercadorias,
evitando a travessia por mar até S. Vicente.
Os navios de alto bordo vinham do exterior, e os pequenos
barcos procedentes dos sítios de Santo Amaro, Bertioga e imediações, fundeavam no novo porto e descarregavam mercadorias, que eram transportadas por
terra, com mais segurança, através de uma estrada aberta por iniciativa de Pascoal Fernandes e Domingos Pires.
Foi a fundação desse primitivo porto que determinou a
necessidade da criação dum hospital, para acudir aos navegantes e canoeiros chegados muitas vezes doentes, após penosa travessia. Gente estranha à
terra, sem um teto para as receber nessas dificuldades, ficava a padecer os maiores sofrimentos, quando aqui aportava.
Disto se apiedou o coração magnânimo de Braz Cubas, que logo
tratou de fundar um estabelecimento de caridade, com a seguinte legenda: "Casa de Deus para os homens, e porta aberta para o mar". Esta divisa
exprime bem os intuitos de Braz Cubas, ao lançar as bases da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, nos moldes das já existentes em Portugal,
desde 1498: socorrer os navegantes que aportavam enfermos, sem encontrar recursos na povoação recém-criada.
Assim, em 1543, surgiu o hospital, talvez em primeiro de
novembro, sob a invocação de "Todos os Santos", segundo conjeturam alguns historiadores, donde mais tarde, por abreviação, se originaria o nome de
"Santos". Faltam documentos fidedignos para se verificar de que maneira funcionou essa instituição pia – precursora de tudo que, neste sentido,
apareceu no Brasil, sendo também a mais antiga da América. Mas é de supor que durante a vida de seu fundador, isto é, até quase o fim do século XVI,
prestou socorros aos necessitados, com a eficiência possível naqueles tempos recuados, época de empirismo científico e reduzidos recursos médicos e
farmacêuticos em toda a colônia incipiente.
Acredita-se que, depois da morte de Braz Cubas, entraram a
declinar a Irmandade e o hospital. Conforme Alberto Sousa, o notável autor de Os Andradas, desde "pelo menos o ano de 1654, não havia mais em Santos
hospital da Misericórdia".
Essa situação de letargia se prolongou até 1730, por vários
motivos, sendo um deles a falta de quem quisesse assumir o encargo de provedor da Irmandade, que exigia do seu titular, além de excessivo trabalho e
dedicação, a expressa obrigação de saldar de seu bolso particular os sucessivos e crescentes déficits verificados durante a gestão.
Esse período de modorra atingiu o próprio hospital primitivo,
que ficou em ruínas, acabando por desaparecer. Em 1730, num dos seus intermitentes gestos de reação, a Irmandade procurou remediar a situação,
transferindo o hospital para o Campo da Misericórdia, na sacristia da igreja da Misericórdia, que ficava onde hoje se localiza a Praça Mauá, esquina
da Rua Riachuelo. Num corredor estreito, foram instalados os doentes, num recinto que, como é evidente, não oferecia condições de conforto aos
inúmeros marítimos chegados a Santos.
Além de apertada a sacristia improvisada em hospital, o prédio
era velho e ameaçava ruir. Por isto, mais tarde, em 1807, o governador Franca e Horta, que foi capitão-general de 1802 a 1811, ao aproveitar o
abandonado Colégio doso Jesuítas, ou Colégio São Miguel, antigo edifício onde funcionou a primeira Alfândega de Santos (Praça da República), para a
localização de várias repartições oficiais, reservou uma parte para os beneficiários da Irmandade da Santa Casa. O governo de então fornecia o
prédio, e a Irmandade custeava os medicamentos necessários.
Em 1811, em nova reação contra o empobrecimento e o desânimo
provocados por déficits constantes da administração financeira, a irmandade assentou trabalhar pela construção dum hospital próprio. As diárias que
tinha de pagar pelos doentes eram cada vez mais altas e urgia uma providência que atenuasse a crise. Tentou-se primeiro a continuação das obras dum
edifício doado à instituição para esse fim e cujos alicerces estavam à espera de prosseguimento.
"O edifício – conta Alberto Sousa – principiou a ser
construído, numa das faces do Campo da Misericórdia – não se sabe precisamente onde – mas ficou inacabado, apenas à altura do primeiro andar, por
não terem as cotizações bastado para a sua terminação".
Não sendo aproveitado o prédio acima, permaneceu a mesma
situação precária, continuando a Misericórdia a internar os seus doentes no hospital do Governo. Em 1º de novembro de 1830, ao se eleger nova Mesa
Administrativa, resolveu-se dar solução imediata ao problema da hospitalização. Foram desenvolvidos grandes esforços nessa direção, e assim, em
outubro do seguinte ano, foi conseguido instalar os doentes num hospital provisório, em propriedade de Antônio José Viana, em local denominado
"Campo da Chácara", hoje Travessa dos Andradas. Ali foram recolhidos 12 enfermos trasladados do hospital do governo.
Era provedor nesse tempo o capitão Antônio Martins dos Santos,
chefe de tradicional família santista, que muito concorreu para a campanha então levada a efeito, para o reerguimento da Irmandade, que certa vez
chegou a contar apenas 9 irmãos em atividade. Esse movimento encontrou bastante apoio, por parte do povo de Santos, tendo sido o dr. Cláudio Luiz da
Costa, ilustre médico aqui residente, um dos seus mais tenazes e vibrantes propugnadores.
Em 4 de novembro de 1832, numa das dependências do hospital
provisório, fundava-se a "Sociedade de Filantropia", destinada a pugnar paralelamente com a Irmandade, para a construção do novo hospital e mantença
da Santa Casa.
Existia em Santos, por essa época, uma sociedade recreativa,
composta de elementos do escol social santense e promotora de freqüentes saraus musicais e dançantes. Esta sociedade cedeu seus salões para a novel
Sociedade Filantrópica ali efetuar suas reuniões, que entrou a trabalhar eficazmente em prol da manutenção da Irmandade da Santa Casa e do seu
hospital, prestando-lhe a maior ajuda possível. Congregando em seus elementos figuras notáveis como os irmãos Antonio Carlos, Martim Francisco e
padre Patrício Ribeiro de Andrada, a "Filantrópica" tinha a originalidade de contar senhoras em seu quadro associativo, fato inédito no país,
naquele tempo.
Essa entidade coletiva muito fez pelo robustecimento das
finanças da Santa Casa, e quando se dissolveu, em 1840, entregou todos os seus haveres a essa instituição de caridade. Desde 1834, a diretoria
da Sociedade Filantrópica encetou uma campanha para a construção imediata do novo hospital. Apesar da oposição de alguns membros de destaque da
Irmandade, inclusive do dr. Cláudio Luiz da costa, venceu a corrente partidária da construção do terceiro hospital da Santa Casa, ao passo que a
corrente contrária propunha que se trasladassem os enfermos para o Convento de Santo Antônio, no Valongo.
Em 2 de julho de 1835, sob a provedoria do irmão Antônio
Martins dos Santos, de acordo com o deliberado pela Irmandade em sessão de 12 de fevereiro do mesmo ano, lançou-se a pedra fundamental do novo
edifício hospitalar,na base do antigo Morro de São Jerônimo (atual Monte Serrate), junto à capela de São Francisco de Paula, que ali fora erigida já
havia 70 anos.
As obras dessa construção foram morosas, a princípio, mas em
1836, tendo-se eleito nova Mesa Administrativa, da qual era provedor o benemérito irmão dr. Cláudio Luiz da Costa, esse empreendimento recebeu novo
impulso e o trabalho infatigável dos novos dirigentes logrou obter o melhor êxito. Assim, em 4 de setembro do mencionado ano de 1836, verifica-se a
solenidade da inauguração do novo hospital.
Essa tocante cerimônia realizou-se, diz Alberto Sousa, com a
pompa relativa á época, sendo os enfermos "conduzidos processionalmente do hospital provisório para o definitivo, carregados pelos piedosos irmãos
os que não podiam andar" – acrescentando ainda que "o vigário da Paróquia recebeu-os evangelicamente à porta da capela, onde ouviram a missa
comemorativa do faustoso acontecimento".
Em 1878, atendendo à necessidade de se ampliar o hospital, já
tornado exíguo devido ao crescimento acelerado da cidade de Santos, foi lançada a pedra basilar de novas dependências, anexas ao mesmo, numa
solenidade que teve a honra de ser presidida por d. Pedro II e ter a presença de d. Teresa Cristina, conselheiro Sinimbu, dr. João Batista Pereira,
presidente da província, barão de Embaré e membros importantes da Irmandade, pessoas gradas e convidados.
Esses acréscimos, no entanto, não foram suficientes para que a
Santa Casa cumprisse cabalmente os seus objetivos, de sorte que em 1896 se deu início a novas construções, obedientes a um plano grandioso e
corajosamente caro para a época.
Esse novo empreendimento, que bem demonstra o zelo dos
diretores da Santa Casa, para que se desenvolvesse em ritmo cada vez mais acentuado, só ficou terminado em 1902, quando era provedor o sr. cel. José
Proost de Sousa, tendo custado mais de novecentos contos de réis, fruto do esforço duma comissão de que também participaram José Caballero, Manoel
José Martins Patusca, Julio Conceição e a Mesa Administrativa, transformando o pequeno hospital primitivo num verdadeiro palácio.
Desde a sua fundação, perto do Outeiro de Santa Catarina, o
hospital está ligado à existência da cidade, acompanhando-lhe as vicissitudes e momentos de prosperidade.
Durante o século passado, ali foram albergados os enfermos da
febre amarela, varíola e outras epidemias que assolavam Santos. Em seu edifício se localizava o antigo necrotério. Antes da construção dum hospital
de isolamento, para ali eram levados os doentes de moléstias contagiosas.
Seu corpo clínico, nesses ominosos
temos, muito fez para debelar esses flagelos que tanto malefício acarretavam ao conceito do porto santista no estrangeiro. Em dezembro de 1907 a
Santa Casa recebeu, já concluído, o Instituto D. Escolástica Rosa, fruto dum legado magnífico oferecido pelo benemérito irmão João Otavio dos
Santos.
Segundo era pensamento do seu
doador, esse Instituto deveria comportar inicialmente 50 internados, havendo a despesa total da sua edificação e montagem somado Cr$ 501.632,39. A
sua manutenção estava assegurada por uma renda mensal proveniente de 58 prédios deixados pelo saudoso extinto. Seu fito era amparar os meninos
pobres em seus primeiros anos de preparo vocacional.
Durante a gripe espanhola que
devastou o país e o mundo, a Santa Casa muito fez para acudir a população afetada, havendo o seu corpo médico trabalhado sem cessar nesses dias
pavorosos, sem exigir a menor remuneração. Foram assinalados os serviços então prestados não só aos santenses, em terra, mas também aos marítimos,
nos navios surtos no porto, inclusive os tripulantes dos vasos de guerra Floriano e Carlos Gomes, que eram socorridos permanentemente a bordo.
A mesma cooperação altruística foi
dada pela Santa Casa, durante o movimento revolucionário de 1924, estabelecendo serviços de pronto-socorro às praças feridas em combate, em prol da
legalidade. Em 1928, sofreu o hospital uma terrível catástrofe, com o desabamento parcial do Monte Serrate, que lhe destruiu algumas enfermarias, o
necrotério e a cozinha, soterrando pessoas moradoras na rua vizinha. Gravemente atingida, nesse desastre, a Santa Casa no entanto não interrompeu as
suas atividades habituais, e teve a ampará-la um espontâneo e grandioso movimento de auxílio, que se estendeu por outras cidades do país.
Verificando o perigo de permanecer o
hospital ao flanco do morro sujeito a erosões e deslocamentos periódicos, e prevendo a necessidade de futuramente se dilatar o mais possível o
âmbito de sua obra de assistência, a direção da Irmandade cogitou em seguida de construir um novo hospital, situado em espaçoso terreno, na
esplanada do antigo bairro do Jabaquara.
A idéia foi acolhida com entusiasmo
e teve o apoio dos poderes públicos, destacando-se o prestígio que lhe deu o então presidente do estado, dr. Julio Prestes, mais tarde eleito irmão
benemérito, que em 1º de abril de 1928 veio pessoalmente a esta cidade presidir a cerimônia do lançamento da primeira pedra do novo edifício
hospitalar. Essas obras, apesar de encetadas com a devida celeridade, tiveram de se paralisar em 1931, por motivos de orem econômica e financeira,
ao sobrevir a crise de 1929 e o movimento revolucionário de 1930.
Felizmente, mais tarde, sob a
provedoria do irmão benemérito sr. Henrique Soler, foram reiniciadas as obras com melhores perspectivas de prossecução ininterrupta.
Graças ao auxílio eficiente e
assíduo que vêm dando os srs. drs. Getúlio Vargas, eminente chefe do governo federal, Fernando Costa, dd. interventor federal, o dr. Antônio Gomide
Ribeiro dos Santos, ilustre prefeito municipal, com o apoio inestimável do dr. Antonio Feliciano da Silva, membro do Conselho Administrativo do
Estado, as obras do majestoso edifício se acham a caminho de próxima e feliz conclusão, com o que a cidade de Santos será dotada dum prédio
hospitalar magnífico, digno do seu adiantamento social e da sua importância econômica e histórica. |