Fotografia atual da
Torre do Carmo em Santos, onde estava localizada a Cruz referida no texto e ilustrações
Imagem publicada com o
texto, página 94
Conclusões
documentação que acabamos de apresentar é rigorosamente segura.
Toda a argumentação de Felix Ferreira sobre a prioridade da
Santa Casa do Rio de Janeiro não tem base: foi gerada na infeliz interpretação de documentos e no exame apressado de outros, como ocorreu com a
carta de Manoel da Nóbrega.
Na verdade, a Santa Casa do Rio de Janeiro não só não é mais
recente do que a de Santos, como, ainda, é menos antiga que as da Bahia e do Espírito Santo.
Mas..., o livro de Felix Ferreira existe e vai perpetuando o
erro histórico. Muitos dos que desejam conhecer a evolução das Misericórdias, em nosso país, contentam-se com esta fonte e por sua vez vão
divulgando, em outros escritos, os dados ali colhidos.
Em 1940 foi editado um livro de caráter oficial para servir
aos atos comemorativos dos centenários de Portugal. Eis que lá ainda figura, com a autoridade de um dos mais notáveis intelectuais brasileiros,
pertencentes ao nosso magistério médico, a afirmação de ser "o Hospital de Misericórdia do Rio de Janeiro, o primeiro do Brasil". É evidente que
"primeiro" aí figura no sentido cronológico e não de qualidade ou de capacidade.
O livro de Felix Ferreira criou raízes que se vão
aprofundando, como estas que se prolongaram até Portugal, contando uma parte da nossa história comum que é a história dos tempos coloniais. Um
interessante caso de reiteração de erro histórico ocorre com a data da fundação da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. É inegável que a
instituição foi estabelecida em 1808. O documento oficial criando essa Faculdade tem a data de 5 de novembro daquele ano.
A carta régia de d. João VI ao governador d. João de Saldanha
da Gama de Melo e Torres, cometendo ao dr. José Corrêa Picanço a missão de promover o ensino médico, na Bahia, é de 18 de fevereiro de 1808. As duas
faculdades, da Bahia e do Rio de Janeiro, foram fundadas no mesmo ano, com a diferença de meses, entre fevereiro e novembro. Estas escolas, logo
após o ato oficial que autorizou sua criação, entraram em funcionamento e têm-se mantido ininterruptamente desde aquela época.
Entretanto, o aniversário de fundação é realizado, no Rio de
Janeiro, todos os anos, e com grande solenidade, na data de 3 de outubro, que assinala apenas uma das nossas múltiplas reformas de ensino. E nem ao
menos essa data é a da primeira reforma, realizada em abril de 1813. As festividades assinalam a reforma de 3 de outubro de 1832, portanto em plena
regência (Lima e Silva, Costa Carvalho, Bráulio Muniz, e referendada pelo senador Nicolau Vergueiro, ministro do Império).
Uma criação de d. João VI é comemorada como sendo obra da
Regência e com o primeiro Império de permeio. Iniciativa do período colonial é apresentada como ocorrida depois da nossa independência. E o mais
interessante é que as cerimônias festivas realizam-se no mesmo salão onde, em lugar de honra, está colocado o vistoso quadro de Araujo Porto Alegre
representando a entrega do decreto de autonomia, feito por Pedro I a Vicente Navarro de Andrade, diretor da casa naquela época: 1826. Este foi
realmente um grande marco, porque deu vida própria às nossas instituições médicas, libertando-as da Junta do Proto Medicato. O decreto tem a data de
9 de setembro de 1826.
Alegam que as comemorações registram a data de 3 de outubro
de 1832, porque nessa reforma a instituição mudou de nome: de Academia para Faculdade. Neste caso, a Escola Nacional de Engenharia seria de criação
recente, pois muito recente é este seu título. Não contaria o tempo em que foi Academia Militar e Escola Politécnica. Da mesma forma não teriam as
Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife de marcar sua origem a partir de 11 de agosto de 1827, porque nesse tempo estas instituições não
tinham a denominação de faculdade.
Em conclusão: A Santa Casa de Misericórdia de Santos é a
primeira confraria desse gênero organizada no Brasil e o seu hospital tem as credenciais de ser o primeiro a se formar em nossa terra.
Há um documento que faz crer na existência, no Brasil, de
Misericórdia sem hospital. Consta de uma consulta ao Conselho Ultramarino, feita pela rainha, sobre um requerimento dos Irmãos da Misericórdia
de Olinda. Está contido no volume de 1673 a 1712, da seção de manuscritos da nossa Biblioteca Nacional. Solicitara a Irmandade a restauração de uma
verba de quinze mil réis que lhe fora descontada no contrato para tratamento dos soldados.
Fazendo esta súplica, acrescentaram mais, os de Olinda, que
revertesse, em favor da sua instituição, "a importância que estava aplicada para o hospital de Itamaracá
porque supposto na Paraíba e Iguarassú havia casa de Misericórdia, não havia nelas Hospital nem se curavam
pobres e todos iam ao de Olinda".
O requerimento teve a data de 21 de maio de 1703 e foi
rejeitado pela soberana após informação do procurador e opinião do Conselho. No mesmo volume das Consultas do Conselho Ultramarino
encontra-se outro processo originado, também, em torno da cobiça do patrimônio de Itamaracá. É de data anterior à do que acabamos de mencionar: 4 de
julho de 1701. Por ele, a Misericórdia da Paraíba queixava-se da "danificação em que se achava a casa e sem
templo, e necessitar de um grande concerto". Não possuindo recursos financeiros para o empreendimento,
sugeria que a Fazenda Real lhe desse "uma esmola" ou a concessão dos "alvarás
dos livramentos crimes; ou quando não pudesse ser, computar-lhes as rendas da Misericórdia do Itamaracá, por ficar mais acomodado o terem-nas
naquela Santa Casa".
Assim, não resta dúvida de que a Misericórdia da Paraíba, em
1701, possuía "casa e templo". O requerimento só foi despachado em 1704, a 13 de agosto, pelo Conselho, e a 19 do mesmo mês pela rainha. Nada há
estranhar que, em 1703, a Paraíba tivesse Misericórdia sem hospital, pois este, em vista da "danificação" em que se achava em 1701, poderia
não mais existir em 1703. Dessa circunstância talvez derivasse o parecer do procurador opondo-se a qualquer contribuição da Fazenda Real, mas
achando "admirável que tendo legítimo conteúdo os bens alheados à casa da Misericórdia de Itamaracá que não
havia poderiam ser reivindicadas e com os seus rendimentos terão os suplicantes com que curar os pobres da sua vila e de Itamaracá e presídio".
Assim o requerimento de Olinda de 1703, embora pleiteando as
rendas de Itamaracá, fala de um hospital; e a decisão do procurador, de 1704, parece indicar que, nesta última vila "nada havia" em 1704. Teria
desaparecido o hospital de Itamaracá naquele período? Atribui-se a esta Irmandade um alvará de licença de 1611 e se "nada havia" em 1704 é porque
temporariamente estaria sem funcionamento. Aliás, é interessante mencionar que em carta de 3 de agosto de 1680 (Consultas do Cons. Ultr. Biblioteca
Nacional). Os oficiais da Cãmara da Capitania de Itamaracá declaravam: ".... mas não haver na dita Ilha mais
que a Igreja matris e quatro moradores".
Aspectos do funcionamento da Santa
Casa de Santos
Na vida de instituições do gênero das Misericórdias aparece,
em determinada época, uma figura empolgante que pela sua ação infatigável e eficiente se projeta, em primeira grandeza, no cenário de suas
atividades.
O personagem dominante, na Misericórdia de Santos, é
Cláudio Luiz da Costa: no Rio de Janeiro agiganta-se José Clemente Pereira; em São Paulo, Franca e Horta coloca-se no primeiro
plano.
Cláudio Luiz da Costa ingressou na instituição santista em
julho de 1832, inscrevendo-se no corpo clínico. Três anos mais tarde assumia a direção geral, ocupando o cargo de provedor.
A administração nessa época era péssima. Acentuava-se a
decadência. Cláudio, postado ao leme, conduziu tão bem a confraria que é considerado o "restaurador da Casa", na classificação de Santos Silva. Sua
figura excepcional foi recentemente focalizada por este clínico santista em oração publicada sob o título Elogio do Médico.
Pugnando pelo reerguimento da pia organização, não se
esqueceu Luiz da Costa de rebuscar-lhe os arquivos. Neste sentido, deixou nos arquivos da Casa volumoso manuscrito. Sobre o marco inicial, fixa-o no
ano de 1543, como frei Gaspar, e admitindo que o falecimento de Braz Cubas tenha ocorrido em 1592, diz que "existiu
a Irmandade e o Hospital da Misericórdia desta Villa, 49 annos sob sua proteção".
Do Compromisso, foi encontrado apenas "um
translado feito por tabelião no ano de 1606". Acrescenta: "Tudo quanto
se passou antes dessa época foi perdido: digo que foi perdido, porque nada aparece escrito. E infalivelmente deveriam haver registros até esse tempo".
Lembrando que os capitães generais, quando tomaram posse dos
cargos, revigoravam o Compromisso com o "cumpra-se", atesta que a data mais remota destas assinaturas é a de novembro de 1592.
O livro mais antigo de admissão de Irmãos que o provedor
encontrou vinha de 1660. O mais velho termo de sessão da Mesa que lhe foi acessível marcava o dia 1º de julho de 1709.
Neste ponto, diz Cláudio da Costa:
"Só dessa época em
diante é que vos posso fazer uma descrição mais minuciosa. Antes dela nada encontrei que me pudesse guiar no exame da administração e próximo à
sua origem".
Já citamos um documento de data anterior (1654), pelo qual os
Irmãos solicitavam a ereção do hospital, obra que não podiam realizar por serem eles (irmãos) todos pobres.
Essa petição atesta o mau estado financeiro da instituição.
Apesar da documentação falha, Cláudio Luiz afirma:
"Fique consignado
para instruir a história dessa Irmandade que ela foi criada junto do Hospital de Caridade, por Braz Cubas no ano de 1543".
Do exame a que procedeu, Cláudio da Costa julga que as
administrações anteriores a 1830 eram "ignorantes, descuidadas, sem zelo, algumas até sem consciência",
de onde resultou "absorver-se esta caridosa Irmandade no esquecimento, no abandono, quase no nada".
Excetua deste descalabro as administrações de 1748-1749 do coronel Antônio Teixeira Lustosa; de 1774-1775 do padre José Luis dos Reis e ação do
governador Antônio José da Franca e Horta, do brigadeiro Manoel Mexia Leite e tenente-coronel José de Carvalho e Silva.
"Estes ilustres
varões, desde o ano de 1802 até o de 1809, fizeram todos os possíveis esforços para restabelecer a Irmandade e conseguiram elevá-la a dar-lhe
lustre, mas ou tolhidas pelo velho Compromisso, ou confiadas no futuro zelo de novos irmãos, não fixaram normas para uma fiscalização regular; não
ordenaram um regime que acautelasse os descuidos do porvir. Esse momento de Glória da Irmandade durou enquanto permaneceu a ação direta da sua
influência".
No histórico da Santa Casa de S. Paulo faremos referência à
produtiva atividade de Franca e Horta em benefício daquela organização pia.
Santos Silva, no seu panegírico, conclui:
"Cláudio Luís da
Costa, senhores, é um batalhador infatigável. Como provedor aumenta a receita do hospital. Reforma os prédios do patrimônio. Promove rendas.
Estuda a legislação das Santas Casas. Reforma o Compromisso. Aceita a contribuição da Sociedade Filantrópica. Melhora o conforto dos doentes.
Ampara os infelizes. Vela pela infância desvalida. Cuida da situação dos insanos. Inaugura em 4 de setembro de 1836, após ingentes esforços e
muitos dissabores, dentro do respeito e da admiração do povo, o novo edifício da Santa
Casa. Depois de Braz Cubas é na história da Santa Casa a maior figura que conheço".
Na Cronologia Paulista (vol. 2 Parte 1ª, pág. 417), é
assim assinalada a inauguração do atual edifício do Monte Serrat:
"Setembro
1836. É solemnemente instalada, no actual edificio, o Hospital da Santa Casa de Misericordia da cidade de Santos. procissionalmente conduzidos os
enfermos até a capella, onde os esperava o Reverendo Parocho, ahi fizeram oração, sendo depois transportados para os seus leitos. A este imponente
acto assistiram as pessoas gradas da então Villa de Santos e grande quantidade de povo.
Hoje completamente reformado, é o edificio
onde funciona esta benemerita instituição de caridade de uma sumptuosidade admiravel, possuindo todos os melhoramentos adequados ao fim a que se
destina".
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