FONS VITAE -
Primorosa tela de autor desconhecido existente na Misericórdia do Porto. Comemora a fundação das Misericórdias portuguesas. Cristo (fonte da vida)
verte o sangue em ampla taça quase cheia. Sobre o rebordo elevam-se a Virgem Maria (fonte da misericórdia) e S. João (fonte de piedade). No primeiro
plano aparecem d. Manoel e sua segunda esposa d. Maria. Ao lado de d. Manoel figuram, pela ordem, os seus filhos d. João (futuro d. João III), d.
Luiz, d. Fernando, d. Afonso (futuro cardeal), d. Henrique (futuro cardeal e rei). Depois vem o arcebispo e Lisboa d. Martinho da Costa e o provedor
da Santa Casa com o livro do Compromisso nas mãos. Junto da rainha, na ala feminina, sucedem-se as suas duas filhas: d. Isabel (futura rainha da
Alemanha, esposa de Carlos V e mãe de Felipe II) e d. Beatriz (futura duquesa de Sabóia). Logo depois é representada d. Leonor (com a gola) -
fundadora da primeira Misericórdia portuguesa, a de Lisboa, e d. Brites (mãe de d. Manoel e de d. Leonor) - infanta que assinou o primeiro
Compromisso juntamente com d. Manoel, d. Leonor e outros. Na volta posterior da taça mostram-se cinco damas da corte. No último plano contam-se os
doze irmãos da mesa
Imagem publicada com o
texto, página 5
Imagem e capitular:
ilustrações na página 7 da obra
PROÊMIO
Influências das Misericórdias na educação médica brasileira
ão acentuada tem sido a influência das Misericórdias, em nosso
país, pela sua atuação benemérita e interferência, na sua administração, de grandes figuras da nossa pátria, que pela história destas instituições
pode-se ter uma vista retrospectiva do Brasil desde os primórdios da sua era colonial.
Na provedoria dessas casas de assistência médica e espiritual
sucederam-se capitães-mores, vice-reis, governadores, ministros de Estado, dignitários da Igreja e outros expoentes da sociedade brasileira nas
profissões liberais, no comércio, na indústria e outros setores da atividade nacional.
No Rio de Janeiro, por exemplo, bastará citar os nomes de
Salvador Correa de Sá e Benevides, Gomes Freire de Andrade, conde de Rezende, marquês de Lavradio, Bernardo Pereira de Vasconcelos, José Clemente
Pereira, marquês do Paraná, marquês de Abrantes, conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcelos, barão de Cotegipe, visconde de Cruzeiro.
Alguns exerceram o cargo por largo período de tempo: José
Clemente Pereira por 16 anos (1838-1854); conselheiro Zacarias, 11 anos (1866-1877); Cotegipe, 6 anos (1883-1889).
A Santa Casa de Misericórdia de Santos assinala o marco
inicial desta próspera cidade do litoral paulista e indica a criação do primeiro hospital do Brasil (1543), provavelmente o segundo das Américas. O
do México, fundado por Cortez, vem de 1524. O de Filadelfia, o mais antigo dos Estados Unidos, data de 1750.
A Santa Casa da Bahia é coeva dos tempos de Tomé de Souza
(1549); a de Olinda proclama a sua data a partir de 1560. Sobre a de Vitória existe controvérsia entre 1545 e 1594. A do Rio de Janeiro vem de 1582
e a da capital do nosso estado é anterior a 1599. O testamento de Isabel Fernandes, de 5 de outubro daquele ano, concede a doação de um mil réis à
Misericórdia que muito provavelmente seria a de São Paulo. Era esta dama moradora da cidade e esposa de Henrique da Cunha, que também deixou um
cruzado à mesma instituição. Nos autos do inventário há um recibo assinado por Jussepe de Camargo que sem dúvida foi irmão e provedor de Santa Casa
de São Paulo.
Seis das Misericórdias brasileiras tiveram, portanto, origem
quinhentista.
É incontestável a benemerência das Misericórdias que -
transplantadas de Portugal para o Brasil - aqui tomaram grande desenvolvimento, difundindo-se por todos os recantos do nosso país.
Começando por fazer obra de assistência aos encarcerados, as
Misericórdias foram evoluindo no sentido de promover a assistência médica gratuita - que é hoje a dominante de sua vasta ação social.
Mas, as Misericórdias não se têm limitado exclusivamente a
este campo de atividade, pois além de outros serviços correlatos, é indiscutível sua influência cultural, principalmente sobre a educação médica.
Poder-se-ia mesmo dizer que as Misericórdias têm sido no
Brasil as escolas práticas de Medicina.
Em seus hospitais, médicos novos forjavam e vão forjando as
suas armas ou as aperfeiçoando no contato direto com os casos clínicos mais diversos.
Ao tempo que São Paulo não possuía Faculdade de Medicina, a
Santa Casa de Misericórdia da metrópole paulistana era a escola médica de São Paulo.
Diplomados no Rio de Janeiro ou na Bahia, os médicos que para
São Paulo afluíam, atraídos pelo intenso progresso do Estado, na Santa Casa de Misericórdia encontravam amplo campo de ação para o exercício da
profissão e desenvolvimento de atividades científicas. Grandes médicos saíram dessa oficina. As mesmas circunstâncias ocorrem nas Misericórdias de
todas as partes do país. A de Santos, neste particular, surge ao lado das de primeira grandeza pelo seu maior período de existência e pujança de sua
organização técnica e financeira.
O contato entre profissionais de todas as especialidades, a
discussão dos casos clínicos, as ligações diretas ou indiretas com as associações de classe, constituem até hoje, nas Misericórdias, fatores de
grande eficiência na instrução e educação médica.
Eis porque admiramos as casas de Misericórdia do Brasil.
Extensa e eficiente como é, na sua faina habitual de cuidar dos enfermos, promovendo indiretamente a prática e o aperfeiçoamento da clínica, esta
não é, ainda, a maior contribuição das Misericórdias em favor da educação médica.
É que elas têm sido em nossa terra o fator principal na
preparação da profissão médica. Nelas se têm abrigado as escolas médicas, desde as primeiras que em nossa terra se implantaram.
Nas primitivas origens do ensino médico no Brasil, esta obra
de cooperação foi compartilhada pelos hospitais militares.
A escola médica da Bahia, fundada em virtude da carta régia
de 18 de fevereiro de 1808, instalou-se de início no Hospital Militar. Ali permaneceu cerca de oito anos. Passou-se, depois, para a Santa Casa de
Misericórdia "por concorrerem aí, para as experiências e operações, enfermos e cadáveres de ambos os sexos e de todas as idades". A nova sede foi
inaugurada com toda a solenidade em março de 1815. Desde essa época, até a hora presente, a Santa Casa de Misericórdia de Salvador tem servido ao
ensino clínico da Faculdade de Medicina da Bahia. É um longo período de bem mais de um século de cooperação inteligente e produtiva.
As mesmas circunstâncias têm ocorrido com a Faculdade
Nacional de Medicina da Universidade do Brasil. Fundada por d. João VI, em 1808, sob o nome de Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica, a Faculdade
Nacional de Medicina começou, também,no Hospital Real Militar. Transferida depois, para a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, neste
nosocômio tem, até agora, mantido quase todos os seus serviços clínicos de ensino.
O exército colonial português, antes da fundação de hospital
próprio, servia-se da Santa Casa do Rio de Janeiro.
Como é sabido, os soldados, vindos da metrópole, após longa
travessia de dois a três meses de viagem, feita sem conforto, chegavam aos nossos portos geralmente enfermos.
Não possuía a colônia hospital oficial. Eram os soldados por
isso recolhidos a casas particulares de moradores abastados. Reclamavam os chefes de família contra esta circunstância. O governo de Lisboa atendeu
a este apelo. Entrou em entendimento com a Santa Casa de Misericórdia para nela recolher os militares. Como compensação, o erário da coroa pagava a
insignificante soma de 200$000, anualmente.
A Faculdade de Medicina de São Paulo, organizada em 1913,
obteve também utilíssima cooperação da Santa Casa de Misericórdia da Capital, em cujo hospital instalaram-se suas clínicas, que até esta data ali
funcionam.
Em Porto Alegre, a Faculdade de Medicina, fundada em 1897,
teve sua origem em um curso de farmácia e um outro de partos, estabelecidos na Santa Casa de Misericórdia daquela capital. Até hoje, é nessa Santa
Casa que se realiza o ensino das cadeiras de clínica.
O mesmo caso ocorre em Belo Horizonte. A Faculdade de
Medicina de Minas Gerais, criada em 1911, estabeleceu, em 1914, contrato com a Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte para funcionamento das
suas clínicas. Muitas das cátedras de Clínica têm, ainda, sua sede no hospital geral daquela Santa Casa.
Bastam estes exemplos para demonstrar quão vultosa tem sido a
contribuição das Misericórdias para a educação médica brasileira.
É, pois, natural que as Misericórdias tenham realizado um
grande esforço, na atual geração, para colocar seus hospitais em condições de funcionamento compatíveis com o vertiginoso progresso da técnica
hospitalar moderna.
A de São Paulo vem reconstruindo modelares edifícios que
beneficiam não só as clínicas como os serviços de ambulatório; a de Santos está ultimando um imenso bloco que brota do chão como rebento mais
vigoroso depois do desastre que sofreu com a queda da barreira do Monte Serrat; a de Belo Horizonte iniciou a edificação do seu novo e monumental
monobloco; a de Juiz de Fora está com seu projeto ultimado; a de Ouro Preto adquiriu uma nova área para sua sede futura.
A Santa Casa de Misericórdia de Santos celebra pois o seu
quarto centenário em uma época que pode ser considerada a era de grandeza das misericórdias brasileiras.
Como as grandes árvores brotam de frágeis e pequeninas
sementes, o Hospital da Irmandade de 1543, implantado no sopé do outeirinho de Santa Catarina, veio crescendo gradualmente até chegar ao grande
edifício que se vem erigindo, na hora atual. Uma reprodução de 1836 nos mostra como ainda era pequena a casa: um sobrado de cinco janelas ao alto, e
porta e quatro janelas ao rés do chão. Unida à igreja, esta constituía quase dois terços do conjunto.
Na reprodução fotográfica de 1881 a Igreja que fora a maior
massa do conjunto, como vimos, quase desaparece oculta pelo volume avantajado do hospital.
E o velho hospital ainda se enfeita com dois corpos laterais
avançados, edificados em estilo mais moderno.
Em 1911 vemos já um prédio de amplas proporções e mais
reduzida aparece a silhueta da Igreja.
Em 1940, mais grandioso é o conjunto mostrando o estado atual
do hospital em funcionamento. Novo e mais rico panorama descortina-se em 1932. Projeta-se o novo hospital em construção, com seu corpo central de
oito pavimentos e dois laterais de quatro.
Agora sessenta vãos de janelas alinham-se em cada andar. Eis
no que resultou a semente lançada por Braz Cubas e nutrida por aquela Irmandade de cem homens de boa fama e sã consciência, tementes a Deus,
cumpridores de seus mandamentos, mansos e humildes.
À egrégia confraria que neste
recanto da América ergueu o primeiro casinholo hospitalar - Casa de Deus para os homens, porta aberta ao mar - e que soube dar-lhe vida e grandeza,
oferecemos a modesta contribuição desta notícia histórica, fruto de pesquisas empreendidas com o intuito de contribuir para elucidação da sua vida
pregressa.
E.S.C.
PORMENORES DO FONS VITAE - Na figura
superior aparecem d. Manoel, seus filhos, o arcebispo de Lisboa, o provedor da Irmandade e alguns mesários da primeira Confraria. Na figura inferior
vêem-se a rainha d. Maria, suas filhas, d. Leonor - fundadora da Misericórdia de Lisboa -, d. Brites, damas da corte e alguns mesários
Imagens publicadas com o
texto, página 13 |