O QUE HÁ DE DIFERENTE
Imagem: arte de Alex Ponciano, publicada com a matéria
Era uma vez prédios que entortavam
Hoje, não mais. Com atuais tecnologias para fundações profundas, elimina-se o risco de inclinação dos edifícios mais novos
Da Redação
Nos
passeios de escuna pela Baía de Santos, o barqueiro costuma exaltar os pontos turísticos. Microfone ao lado do timão, ele cita a Fortaleza da Barra
Grande, a Ilha das Palmas e as praias do Góes, Cheira Limão e do Sangava.
Quando a proa aponta para a orla santista, na altura do Canal 3, o responsável pela embarcação explica que os prédios tortos viraram
cartão-postal.
Aos atentos passageiros – turistas e moradores da região -, ele diz, num tom quase professoral, que ficaram inclinados porque o solo de Santos é o
segundo pior do mundo, perdendo somente par o da Cidade do México.
O esclarecimento deixa alguns ocupantes boquiabertos, e outros com uma dúvida: e os empreendimentos novos com até 40 pavimentos (120 metros de
altura), vizinhos dos prédios inclinados, como conseguem se manter retos? Aí, a pulga saltava para a orelha do barqueiro.
Explica-se: diferentemente da perfuração do solo feita para erguer prédios antigos, que ficaram tortos, as fundações atuais são feitas com
profundidade variando entre 50 e 60 metros, o que dá uma estabilidade maior às edificações e elimina qualquer risco de inclinação.
Graças a um trabalho adequado de sondagem do terreno, as novas fundações vencem facilmente a segunda camada de argila marinha para repousarem na
terceira camada, em alguns casos, sobre fragmentos de rochas (veja ilustração).
Descuido
– E por que, antes, não se tomaram cuidados para se evitar a futura inclinação, à medida que aumentava o adensamento de prédios? Não faltou aviso.
Em 1957, Vitor Melo, professor renomado da Universidade de São Paulo (USP), enviou ofício ao setor de construção civil citando a necessidade de
fundações mais profundas.
Naquela época, os prédios eram erguidos sobre sapatas – blocos de concreto armado construídos diretamente sobre o solo dentro de uma escavação,
que não passavam de quatro metros de profundidade.
O secretário municipal de Infra-estrutura e Edificações, Antonio Carlos Silva Gonçalves, lembra-se de ter visto esse ofício, quando presidia a
Associação de Engenheiros e Arquitetos, entre 1993 e 1997. Segundo ele, portanto,não é de hoje que todo mundo sabe que o solo de Santos é ruim.
"Houve um descuido dos empreendedores. Era de conhecimento do setor. Tínhamos tecnologia na época, como temos atualmente, para prever o que é uma
construção segura". Gonçalves descarta novos prédios inclinados. "Hoje, não tem a menor chance. A menos que (o serviço) seja mal executado".
A maioria dos prédios tortos (quase 100) foram erguidos nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Alguns poucos nos anos 1980. Boa parte está concentrada
entre os canais 3 e 6.
Um deles era o Núncio Malzoni (Boqueirão), com inclinação de 2,3 metros. Os moradores investiram para reaprumá-lo – caso único na Cidade.
Atrás de prédios
tortos, o Cap Ferrat, mais alto de Santos (40 pisos)
Foto: Nirley Sena,
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