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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - DESLIZamentos... (5)
Final de março de 1956: mais calamidade - I

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Terreno sedimentar, com fina capa de solo, quando enfrenta chuva forte e não tem mais cobertura vegetal que fixe o solo... o resultado é um deslizamento de terras, e quem estiver no caminho sofre as conseqüências. Nos morros santistas, ocorreram vários deslizamentos célebres, como o que soterrou um grupo de piratas holandeses (caso excepcionalmente atribuído a um milagre da santa padroeira da Cidade), ainda no século XVII. Outros casos destacados aconteceram em 1928, 1956 e na década de 1980, motivando enfim a realização de um amplo trabalho de contenção das encostas e monitoramento da situação geomórfica nos morros santistas.

Continua a extensa reportagem da quarta-feira, 28 de março de 1956, do jornal santista A Tribuna - ortografia atualizada nesta transcrição:



AS PEQUENINAS VÍTIMAS DA GRANDE TRAGÉDIA - Com a interdição de ontem do Morro do Pacheco, a cidade assistiu a mais um doloroso desfile de centenas de pessoas que se foram juntar aos milhares de deslocados santistas. As ruas ficaram plenas de móveis, roupas e uma infinidade de utensílios domésticos. Todas as casas foram abandonadas. Dezenas de famílias desceram do morro, numa triste procissão sem destino. O espetáculo é profundamente doloroso.
Mas, nessa visão desoladora, não há nada mais penalizador e compungente que a presença das crianças, as pequeninas vítimas da grande tragédia. Muitas, levadas pela aguda intuição infantil, percebem que alguma coisa espantosa está para acontecer. E, chorando, vão arrumando seus brinquedos, suas bonecas, suas pequeninas ilusões materiais. Ajudam a carregar objetos leves e entram na fila de adultos, que serpenteia pelo morro abaixo como enormes e móveis pontos de interrogação, diluídos, por um momento, pelas encostas dos montes. Algumas, na infinita inocência de suas idades, encontram nessa movimentação estranha um motivo novo de alegria. Acham graça de tudo e crivam de perguntas seus pais desesperados.
Durante a tarde de ontem, as crianças foram o ponto culminante do doloroso espetáculo da Rua Visconde do Embaré. Eram freqüentes as cenas como essas, fixadas pela objetiva de José Dias Herrera. Na foto de cima, a garotinha espera, sobre a mesa atirada na rua, a volta de seus pais que sobem e descem o morro, desocupando a casa. Em baixo, a menininha de olhos grandes, abraçando suas duas bonecas, é uma pergunta mansamente dolorosa para o destino e para o futuro. (Reportagem na última página)
Fotos e legenda publicadas na primeira página do jornal A Tribuna de 28/3/1956


Imagem: reprodução da última página do jornal A Tribuna de 28/3/1956

Calamidade pública o problema social que a cidade vive

Aumenta o número de famílias desabrigadas, com a interdição de novas áreas perigosas - Centenas de pessoas espontaneamente abandonaram os morros - O governo federal não pode ficar alheio ao flagelo social de Santos - Conferenciam com o governador o prefeito e vários vereadores municipais








ÊXODO DA POPULAÇÃO DO MORRO DO PACHECO -  O Morro do Pacheco foi declarado, pelos técnicos, em situação de perigo. Constataram-se fendas em vários trechos e as águas pluviais, até então acumuladas, infiltraram-se por essas fisgas, solapando as camadas sólidas. Imediatamente, as autoridades intimaram a população daquele morro a abandonar as suas habitações. A evacuação do Morro do Pacheco começou pela manhã. Segundo nos informou velho morador, lá existem cerca de 800 chalés, estimando-se em 5.000 a sua população. É um dos morros mais habitados da cidade. A maioria atendeu à intimação. Muitos recalcitraram, não querendo abandonar os lares de tantos anos, indiferentes a qualquer ordem de argumentos. Curioso o espetáculo. Homens, mulheres e crianças carregando móveis e outros apetrechos domésticos em esquisita procissão pelo morro abaixo. Muitos apenas carregaram os pertences mais úteis, porém outros levaram tudo, até gaiolas com pássaros. Na Rua Senador Cristiano Ottoni enfileiram-se os caminhões oficiais e particulares para o serviço de mudança. A maioria foi encaminhada para o armazém XXII, da Cia. Docas, enquanto vários outros retirantes preferiram acumular-se em casas de parentes e amigos. As fotografias, de José Dias Herrera, mostram, ao vivo, sugestivos aspectos da evacuação do Morro do Pacheco, considerado perigoso pelos técnicos.
Fotos e legenda publicadas com a matéria

Ainda sob o estarrecimento e a profunda emoção que esta segunda tragédia provocou na população santista, somente ontem a cidade pôde avaliar, em toda a sua extensão, o espantoso alcance dos violentos estragos causados pelas chuvaradas de sábado e domingo. Santos se apresenta inteiramente transformada. As ruas cobertas de lama pelas fortes enxurradas, os canais de saneamento, as calçadas, os paralelepípedos, o asfalto, os jardins da praia, tudo fortemente avariado e parcialmente destruído, em muitos lugares, pela enchente minaz, pela fúria do aguaceiro, pelos desabamentos, pelas invasões do mar.

Mas, passados os primeiros instantes de estupefação, de luto, dor e lágrimas, o maior problema criado pela tragédia começa a tomar vulto e a assumir gigantescas proporções. Os habitantes dos morros estão abandonando suas casas, uns espontaneamente, outros por ordem das autoridades encarregadas das interdições.

A cada hora que passa, aumenta assustadoramente o número de deslocados, de famílias sem teto, sem haveres e sem destino certo. As autoridades estaduais e municipais trabalham ativamente em busca de uma solução que possa resolver, ao menos temporariamente, o problema de abrigo e, mais tarde, das habitações para esses milhares de pessoas que a fúria dos elementos flagelou.

O problema social - Estamos diante de um dos mais sérios problemas sociais do Brasil. A população dos morros santistas aproxima-se de vinte e cinco mil pessoas. É várias vezes maior que muitas populações de grandes cidades do interior. Os especialistas do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado, que já se encontram em nossa cidade, por ordem do governador paulista, fazendo um estudo geológico dos morros, dentro de quinze dias darão a palavra final sobre todas as áreas que deverão ser definitivamente interditadas. Evidentemente, nem toda a população será deslocada. Mas, espera-se que o número final registrará várias centenas de famílias, milhares e milhares de pessoas.

Toda essa gente, enquanto se abrigar provisoriamente sob a proteção do Estado, terá que ser assistida e alimentada. Mais tarde terá que ser fixada em novas habitações. As medidas, capazes de satisfazer as exigências de tão imenso problema, ultrapassam os recursos da solidariedade do povo, das verbas municipais, das reservas estaduais.

Temos que reconhecer, forçosamente, que o problema social de Santos, com essa nova situação, chegou à calamidade pública, isto é, passa a reclamar a imediata e ampla intervenção do governo federal. Não exageramos ao afirmar que Santos vive, presentemente, um dos mais sérios problemas sociais do Brasil. Durante o dia de ontem todos os morros apresentaram um espetáculo só: enormes filas humanas descendo as encostas, transportando móveis e roupas. Abandono em massa das habitações suspensas. O número de novos deslocados fugiu ao controle do Conselho Municipal de Assistência, mas é certo que já ultrapassou a três mil. E o êxodo prosseguirá nesses próximos dias.

O Congresso Federal já não mais pode manter-se alheio à brutal realidade do problema santista, que, indiscutivelmente, é de calamidade pública. Por este motivo, em obediência ao previsto pelo texto constitucional brasileiro, o governo da União não mais pode adiar sua intervenção direta nos socorros às centenas de vítimas desse grande flagelo social.

Interditado o Morro do Pacheco - O Morro do Pacheco, com face para a Rua Visconde do Embaré, foi interditado, ontem, no espaço compreendido entre as ruas Cristiano Otoni e Caiubi. O estado de suas encostas é ameaçador. Na tarde de ontem, verificaram-se alguns pequenos deslizamentos de terra, sem conseqüências graves. Entretanto, toda a encosta está convertida numa mole massa de barro. De diversos pontos, não obstante as chuvas haverem cessado há dois dias, continua minando água permanentemente. A possibilidade de outras chuvas coloca o Morro do Pacheco em condições alarmantes. Por certo, não resistirá. Diante disto a Prefeitura Municipal ordenou, ontem, sua interdição.

Mais de cinqüenta casas foram evacuadas. Centenas e centenas de pessoas juntaram-se ao já elevado número de deslocados. Durante a tarde de ontem foram realizadas as mudanças. Espetáculo emocionante. As ruas adjacentes ficaram repletas de móveis, roupas, utensílios domésticos. Homens, mulheres e crianças. Uma dolorosa procissão sem destino.

Ilha Barnabé - Na reunião, ontem havida na Prefeitura Municipal, da qual damos, mais adiante, alguns informes detalhados, o dr. José Berenguer, inspetor da Cia. Docas de Santos, informou ao prefeito municipal que nos morros existentes naquela ilha verificaram-se quinze desabamentos, durante as chuvas de sábado e domingo.

O dr. José Berenguer afirmou não ter havido nenhum prejuízo, mas trazia aquela informação para que se tivesse uma idéia mais exata sobre a violência das chuvas, uma vez que, na ilha, todos os morros são, há muitos anos, cuidadosamente drenados pela Companhia Docas, consolidados, impermeabilizados com piche e concreto. Apesar de todos esses cuidados preventivos, tomados dentro de rigorosa orientação técnica, todos os morros sofreram desabamentos.



Comunicado publicado junto com a matéria, em A Tribuna de 28/3/1956

Serviço de Água de Santos e Cubatão (S.A.S.C.)

COMUNICADO

Para conhecimento e tranqüilidade de toda a população de Santos e Cubatão, este Serviço informa que a água distribuída através de sua rede é perfeitamente esterilizada.

Em vista, porém, das últimas ocorrências, como medida preventiva, foi, desde ontem, intensificada a esterilização de água, o que vem acarretando uma alteração INOFENSIVA em seu paladar.

MEDIDA DE PRECAUÇÃO

Aos consumidores com reservatórios subterrâneos, cuja tampa de inspeção baixa permitiu a invasão de águas pluviais em seu interior, este Serviço aconselha as seguintes medidas:

1) Esgotar totalmente o reservatório;

2) Lavar as paredes internas do mesmo com uma solução diluída de "água de lavadeira", na proporção de 1 (um) litro para 20 (vinte) litros de água;

3) Reencher o reservatório, diluindo "água de lavadeira" na proporção de 1 (um) litro para cada 10.000 (dez mil) litros de capacidade do reservatório;

4) As medidas determinadas nos itens anteriores não exigem repetição.

OBSERVAÇÃO - Não se preocupar se a água apresentar um paladar pronunciado de cloro, pois, apenas, indicará a presença benéfica do esterilizante.

PERIGO

Em vista do perigo que representam para as condições sanitárias da rede as bombas de sucção ligadas diretamente, este Serviço informa que intensificou a fiscalização sobre tais irregularidades.

Aos infratores será suspenso o fornecimento de água.

Santos, 28 de março de 1956.

A Superintendência

O tempo

Informa o Serviço de Meteorologia que o tempo permanecerá, em geral, instável, ainda sujeito a chuvas e trovoadas, no Litoral e Serra, com melhoria acentuada no decorrer do período. Temperatura elevada de dia e estável à noite. Ventos de Norte a Leste, frescos. Temperatura em Santos, ontem: máxima, 27,6; mínima, 22,9.

Urgência para o processo sobre os esgotos de Santos

S. PAULO, 27 (Da sucursal) - Em despacho ao titular da pasta da Fazenda, o governador do Estado recomendou urgência no processo referente aos esgotos de Santos.

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