FENÔMENO
Mar na região fica mais quente e intriga cientistas
Água está 2 graus acima da média em todo o Litoral Paulista. Já Ubatuba deve perder 45 t de mariscos, 50% da sua produção anual
Uma anomalia na temperatura do Atlântico Sul está deixando suas águas mais quentes. O reflexo desse aumento já se estendeu até a costa brasileira e, consequentemente, ao Litoral de São Paulo, onde a
água está 2 graus acima da média. Na Baixada e no Litoral Norte, regiões em que a temperatura do mar neste período do ano deveria ser em torno de 24 graus, chegou a 26. Especialistas já estudam o fenômeno e buscam respostas.
Fenômeno pode ter várias causas: aquecimento global, maior atividade solar, ou, ainda, ser resultado da modificação do regime dos ventos
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
CLIMA
Mar do litoral de SP está mais quente
Aquecimento do Atlântico Sul foi comprovado pelo CPTEC/Inpe, que está observando o fenômeno e suas consequências
Na Baixada Santista e no Litoral Norte a temperatura da água chegou a 26 graus, dois acima do esperado para este período do ano
Andrea Rifer
Da Redação
Num ponto os pesquisadores concordam: há uma anomalia na temperatura do Atlântico Sul, que está acima da média. O reflexo desse aumento já se estendeu até a costa
brasileira e, consequentemente, ao litoral de São Paulo, onde a água está 2 graus mais quente.
Na Baixada Santista e no Litoral Norte, regiões em que a temperatura do mar neste período do ano deveria ser em torno de 24 graus, chegou a 26.
O que ainda não se tem certeza é até quando esse fenômeno, que teve início no Atlântico há cerca de três meses e chegou na costa em janeiro, deve durar. Outras dúvidas são quanto aos reais impactos dessa anomalia (principalmente na atmosfera e na
fauna marinha) e o que justifica tanto calor armazenado.
Algumas dessas perguntas (pelo menos as que dizem respeito ao clima) podem começar a ser respondidas na próxima semana, quando acontece a reunião climática mensal do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe), de Cachoeira
Paulista, onde já há especialistas estudando os fatores.
Como há muita gente observando o fenômeno, a expectativa é que o tema domine parte das discussões. Além do CPTEC/Inpe, pesquisadores de outras entidades também tentam desvendar o mistério. Especulações não faltam. Pode ser um processo natural,
reflexo do aquecimento global ou da maior atividade solar desde o início do ano passado, ou ainda resultado da modificação do regime dos ventos.
Segundo o pesquisador e professor Ricardo de Camargo, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP), esse é um assunto que está sendo investigado de maneira insistente, uma espécie de "coqueluche científica".
No entanto, mesmo com a quantidade de dados disponíveis, ainda é difícil fazer afirmações. "A gente tem conhecimento sobre os fenômenos, mas ainda não sabe direito como eles se combinam", resume. "A natureza não lê os livros como a gente".
Bacharel em Física, mestre em Oceanografia e doutor de Meteorologia pela USP, Camargo não descarta a possibilidade de essa anomalia estar "nos mostrando algo novo".
Mesmo com tantas dúvidas, o fato é que as primeiras consequências da elevação da temperatura do mar já foram sentidas na costa e no continente. Entre elas, as frequentes tempestades em São Paulo, e o regime reduzido de chuvas na Baixada Santista
entre o final de janeiro e o início de fevereiro (nos dois casos houve influência de outros fatores associados) e a morte de mariscos no Litoral Norte (ver matérias).
Impactos |
Chuvas em excesso na capital paulista e morte dos mariscos no Litoral Norte podem ser os primeiros efeitos do aquecimento do oceano, segundo especialistas |
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Oceano x atmosfera - O oceanógrafo André Belém, que é especialista em clima, aposta na maior atividade solar desde o ano passado como causa do aquecimento do Atlântico.
Ao mesmo tempo, com a perda da capacidade de circulação de calor pelo oceano (efeito da mudança climática global), ele fica retido nas regiões intertropicais e, no verão, atua aumentando a umidade e dissipando esse calor na atmosfera, que se torna
mais quente.
Logo, um dos motivos para dias tão escaldantes é também o fato de o mar estar retendo mais calor.
Produção de mariscos pode cair pela metade em Ubatuba, o que representaria um prejuízo de R$ 300 mil
Foto: Davi Ribeiro, publicada com a matéria
Mexilhões estão morrendo em Ubatuba
O número é alarmante. Ubatuba, no Litoral Norte, deve perder 50% de sua produção de mariscos este ano. A projeção é da Secretaria Municipal de Agricultura, Pesca e Abastecimento.
A cidade é o maior produtor de mexilhão do Estado. São 90 toneladas por ano, que representam cerca de R$ 500 mil para as 70 famílias que vivem do cultivo. No entanto, por causa da temperatura elevada do mar, os mexilhões estão morrendo.
Segundo a secretária de Agricultura, Pesa e Abastecimento de Ubatuba, Valéria Gelli, o mexilhão suporta uma ampla variação de temperatura. Mas quando a água se aproxima de 30 graus, "ele desova e fica muito sensível". O problema não se limita ao
mar mais quente, mas também ao período longo de temperatura elevada.
Traduzido em cifras, o aquecimento do mar pode representar, ainda conforme Valéria, R$ 300 mil de prejuízo em 2010.
Sardinha - Para o pesquisador do Instituto de Pesca de Santos, Acácio Ribeiro Gomes Tomás, com o aquecimento das águas a tendência é que os recursos marinhos diminuam. Isso porque a temperatura mais elevada pode influenciar na alimentação
das espécies.
Numa delas, Tomás já arrisca até um palpite. Para ele o estoque da sardinha, que em 2009 passou por processo de recuperação, deve cair novamente este ano.
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50 por cento da produção de mexilhões é o prejuízo estimado pela Prefeitura de Ubatuba |
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Previsões - Segundo o professor doutor do Instituto Oceanográfico (IO/USP), Alexandre Turra, ainda não há comprovação do efeito desse aquecimento. Por enquanto o que existe é
apenas previsão das consequências. "A curto prazo, o efeito mais direto é a morte de espécies pouco tolerantes ao calor", como os moluscos, por exemplo.
Mas ainda há outras possibilidades. O branqueamento dos corais, que tem relação direta com o aquecimento da água, é uma delas. Se o branqueamento for curto, o coral consegue viver, mas se for prolongado, morre".
Espécies que gostam de água mais gelada podem morrer em alguns locais e sobreviver em outros, observa Turra. A reprodução de alguns organismos também pode ser alterada.
Para a oceanógrafa e professora do curso de Oceanografia do Unimonte, Maria Fernanda Palanch Hans, um dos reflexos do excesso de calor acumulado no oceano pode ser o crescimento das algas.
O resultado dessa proliferação, seguida da morte e da decomposição das algas, diminui a quantidade de oxigênio no mar, o que implica na "perda da qualidade da água" e pode acabar desequilibrando a alimentação das espécies.
Apesar dessas possibilidades, por se tratar de verão, ela considera, pelo menos por enquanto, normal o que está ocorrendo.
DILATAÇÃO - O aumento do nível do mar hoje é de seis milímetros por ano. Até início de 2009, a velocidade de subida era 4 milímetros ao ano. O número maior é um dos resultados do aquecimento do
oceano. Com a retenção de mais calor, a água fica dilatada
Foto publicada com a matéria
Temperatura elevada influencia chuvas
O regime de chuvas também pode ter sido afetado pelo aquecimento do mar. Somado ao El Niño, presente no Pacífico, provocou temporais diários, principalmente em São Paulo.
A lógica é até simples: se o mar está mais quente, há mais evaporação na atmosfera e, consequentemente, mais chuva.
"Muito da umidade de janeiro teve o componente da Amazônia (que influencia nas chuvas do sudeste), mas também teve influência do oceano por conta da água mais quente", define Ricardo de Camargo, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas (IAG/USP).
Mas o que explica tantas tempestades na capital paulista, distante apenas alguns quilômetros da Baixada Santista, e mais de dez dias seguidos sem chuvas (voltou a chover apenas na terça-feira) em Santos?
A combinação dos fatores (oceano e atmosfera mais quentes) acabou intensificando "o transporte do vapor continente adentro", pondera Camargo. Assim, "as cidades que estão bem perto da borda podem não estar sentindo a influência direta desse vapor".
O oceanógrafo André Belém também tem uma explicação para o fenômeno: "O processo de evaporação foi tão intenso que a umidade subiu a níveis muito altos, até começar a condensar na forma de núcleos. Consequentemente, São Paulo que é uma região de
microclima sofreu com isso".
O resultado foi negativo na vida do paulistano que precisou enfrentar quase 50 dias seguidos de temporais e alagamentos. |