Na charge de Dudu Valladares, aspectos do carnaval santista em 1903
Imagem: revista Santos Illustrado, publicada em Santos em 2 de março de 1903 (Ano
1, nº 9)
Imprensa
O primeiro jornal de Santos foi a Revista Comercial,
editado pelo médico hamburguês (naturalizado brasileiro) dr. Guilherme Delius; começou a circular em setembro de 1849. Essa folha tipográfica,
essencialmente comercial, como se depreende do nome, mostrou-se sempre avessa às coisas de Momo; porém, como combatia, com veemência, os desmandos
do entrudo, era natural que apoiasse a iniciativa da Sociedade Carnavalesca, que pugnava precisamente por um carnaval artístico, expurgado das
imundícias entrudescas. Entretanto, a revista do dr. Delius nem sequer registrou a fundação da Santista...
Em oposição à apatia da Revista, o jornal dos irmãos Azevedo Marques - que, com
o nome de O Comercial, principiou a ser publicado em 16 de agosto de 1857 - foi, durante toda a sua existência, infelizmente curta (parou em
1860), defensor exaltado da Sociedade Carnavalesca Santista. Suas páginas tinham sempre espaço e disposição para louvar e incentivar tudo que
representasse progresso para Santos, incluindo o nascente carnaval, do qual se fez paladino.
Vejam este artigo, provavelmente de autoria do seu diretor, o intelectual Roberto
Maria de Azevedo Marques, que, como o irmão João Mariano de Azevedo Marques, foi sempre entusiasta dos folguedos momísticos:
"Santistas! Acha-se batendo às vossas portas, acenando-vos com todas as suas loucuras,
seu entusiasmo febricitante, seus bailes de máscaras, seus passeios pelas ruas, seus mil disfarces, aventuras, logros, emoções, risadas, o velho
carnaval folgazão e patusco!
"Velho no nome, o carnaval é moderno e jovem no aspecto com que ora figura no número
das festas tradicionais do povo. Remoçado, deixando as velhas armas - os limões-de-cheiro, as seringas e a feia alcunha de entrudo,
com que o denominava outrora o vulgo, os seus trajes de hoje são os mais suntuosos, como os mais burlescos; as suas armas, flores e confeitos; a sua
curta vida, toda de passeios pelas ruas e de danças nos teatros públicos, e sua cara, receosa de corar a tantas loucuras, coberta de uma máscara!
"O carnaval, tal qual o compreendemos e acabamos de descrever em duas palavras, é,
meus amigos, um divertimento inocente, curioso, atrativo e até poético! Sim, poético, pois ao lado do índio bravio, na sua quase completa nudez, se
apenas adornado de ligeiros enfeites das mais belas penas e munido dos inseparáveis arco e flechas, vedes o valente paladim da Idade Média vestido
de ferro dos pés à cabeça e armado de ponto em branco; aqui, um personagem histórico no todo do seu porte e na perfeita verdade dos seus trajes;
ali, um semideus da Fábula; acolá, finalmente, uma grotesca e ridícula caricatura de algum original conhecido ou simples fruto de uma fantasia
feliz. É uma galeria variada e interessante, uma coleção de grupos os mais vistosos.
"Eia, pois, habitantes de Santos, e principalmente rapazes, mãos à obra! Concorrei
pressurosos ao carnaval que se aproxima, mandai aprontar vossos costumes, contanto, porém, que todos sejam a caráter e representativos de figurinos
de bom gosto; gastai do vosso dinheiro o que puderdes dispor; preparai-vos para fazer loucuras, mas loucuras lícitas e inofensivas, porquanto outra
vez vos dizemos - o carnaval brada em altas vozes por vosso concurso, convida-vos para partilhardes as suas alegrias, acena-vos com as suas vestes
de mil cores e suas gargalhadas sonoras!"
Essas candentes expressões tiveram o condão de contagiar a atmosfera local, onde já
"reinava crescente entusiasmo, no espírito dos habitantes, cujo único assunto passou a ser o seu primeiro carnaval
espirituoso e civilizado".
E prosseguia informando o semanário dos irmãos Azevedo Marques:
"Nas lojas dos alfaiates e nas casas das costureiras preparavam-se ricas vestimentas; em todas as casas familiares
fabricavam-se grinaldas, confeitos, limões-de-cera, porém cheios de flores. As carruagens eram submetidas a limpeza e pintura, os arreios
sofriam esfregações nos seus metais. Os foliões que não possuíam montaria própria, alugavam-nas ao sr. João Mariano de Campos, dono da cocheira e
estrebaria da Rua Áurea [(General Câmara)], nº 46, ao preço de 3$000 [três mil réis], por tarde de passeio. Uma loja da Rua Antonina (atual trecho
da Rua 15 de Novembro, entre as ruas Frei Gaspar e do Comércio) fizera vir da Corte, que as importava de Paris, "lindas máscaras de arame, com
molas, de massa, com barbas ou sem elas, e meias-máscaras (loup), de cetim de cores à veneziana, para vender mais baratas do que em qualquer
outra parte".
O arrendatário do Teatro (que em novembro de 1859 tornar-se-ia seu proprietário),
Domingos Martins de Souza, anunciava bailes mascarados domingo e terça-feira gorda para o público (o de segunda-feira era exclusivamente para os
sócios da Carnavalesca), onde poderiam ser encontrados, para se alugar, trajes e máscaras.
Na edição do sábado gordo, O Comercial repetiu o programa oficial da Sociedade
Carnavalesca Santista e rematou-o com estas trovas:
Avante! Avante, rapazes,
Não vos deixeis ficar mal;
Com pompa, rico cortejo,
Eis chegado o carnaval!
Veio, enfim, dessa Veneza
O velho entrudo abolir;
Veio, enfim, a vós, santistas,
Seus prazeres repartir!
Com fito de retornar
à nossa plaga aportou;
Ao velho entrudo venceu
E seu lábaro plantou!
E que prazer não se sente:
Em vez dessas laranjinhas
Receber lindos bouquets
De delicadas mãozinhas!
Belas máscaras alegóricas
Ostentam luxo e riqueza.
Aqui, vemos um conde
Da antiga corte francesa;
Acolá, vai a galope
Um cavaleiro romano;
Além, em atitude bélica,
Vê-se um gentil troiano!
Finalmente o Carnaval
Nos traz tudo à memória
Dos tempos do cavalheirismo,
De feitos, nobreza e glória!
E vós, ó belas santistas,
Da natureza os primores,
Ao povo carnavalesco,
Preparai coroas e flores.
Eia!... Avante, rapazes!
Não vos deixeis ficar mal,
Que às vossas portas já bate
O poético carnaval".
Numa época em que os trabalhadores, assalariados ou servis, desconheciam horários e
eram obrigados a labutar de sol a sol, inclusive aos domingos e feriados, não é de estranhar que a diretoria da Sociedade Carnavalesca Santista
fizesse pela imprensa este apelo:
"Para maior concorrência ao congresso carnavalesco e em honra aos festejos dos
respectivos dias, roga-se aos senhores negociantes desta praça hajam de fechar, nas tardes de domingo e terça-feira da semana próxima, as suas casas
de negócio, concedendo permissão a seus caixeiros de tomarem parte nos divertimentos... isto sendo um imenso favor que os senhores negociantes
concedem aos seus caixeiros é ao mesmo tempo uma prova que dão ao congresso carnavalesco, de deferência que este lhes merece e do apreço que dão a
seus folguedos. - O Diretório". |