Santos, Alemães e o Cemitério Protestante: Colônias estrangeiras e Patrimônio cultural
Haroldo Leitão Camargo[1]
RESUMO:
Os primeiros imigrantes germânicos em Santos: dos primeiros anos após a Independência à primeira década do 2o reinado. Mercadores,
trabalhadores, e a sua inserção social numa sociedade escravista. A construção da colônia alemã por meio de estruturas simbólicas. O Cemitério
Protestante, também conhecido como Cemitério dos Alemães primeira representação de identidade dessa “colônia” urbana em Santos. As edificações e
as respectivas instituições de origem estrangeira, no caso, aquelas das colônias, remanescentes ou desaparecidas, na medida em que foram
articuladas para atender necessidades locais e se inserem na paisagem urbana, também são, da mesma forma que outros assim considerados ou
classificados, bens do patrimônio histórico ou cultural local.
ABSTRACT: The first group of german immigrants in Santos, an harbour village in São Paulo Province (todays' São Paulo State), in
earlier times of Brazilian's monarchy and independence from Portugal.Their settlement and social insertion among masters and slaves. Protestants'
Cemetery, the also called Germans' Cemetery, as a simbolical, and the very first, structure of that urban colony. Therefore, in such case,
buildings and immigrants' institutions, since they are built for local needs, may be considered, as any other local, historical or cultural,
heritage item.
Introdução
O artigo que se segue é uma síntese, muito reduzida, dos dois primeiros capítulos de minha tese de
doutoramento: A colônia alemã de Santos e a construção do "perigo alemão": da formação ao expurgo (1822-1943). Os capítulos
originais, "Os primeiros germânicos em Santos" e "As estruturas simbólicas da colônia", aparecem aqui fundidos, adaptados e simplificados para
esse suporte que é a Revista Eletrônica. Tanto a linguagem utilizada, quanto o excessivo número de notas de rodapé, referências bibliográficas e
anexos documentais, tornam inadequado o texto para os fins a que aqui se destinam, não obstante, tudo isso ter sido necessário para o trabalho e a
sua destinação primeira, quando da sua apresentação em 1996.
Mas há outras considerações a fazer que dizem respeito ao conteúdo. A idéia do tema da tese surgiu quando eu ainda era historiador no Condephaat,
órgão estadual responsável pelo patrimônio histórico de São Paulo. Inicialmente, tratava-se da instrução do processo de um casarão em São Vicente,
a Casa do Barão, que pertencera a uma família alemã até 1943. A despeito do interesse pelo imóvel enquanto patrimônio arquitetônico, de pedra e
cal, e de tê-lo efetivamente realizado, o estudo revelou, ao menos para mim, aspectos absolutamente desconhecidos referentes à presença alemã em
Santos – São Vicente figurava apenas como domicílio, sem maiores vínculos com as atividades comerciais – e a necessidade de melhor compreendê-los,
particularmente a sua expulsão de Santos e de todo o litoral paulista. Os acontecimentos durante as duas Guerras, o pangermanismo e o nazismo,
assim como os problemas de rivalidades comerciais, de resto visíveis nesses períodos em Santos, não me pareceram adequados e suficientes para o
entendimento do problema, cuja infra-estrutura se constituiu efetivamente em razão das singularidades das colônias alemãs homogêneas,
principalmente no sul do país. Assim, retroagi até a década da independência, na tentativa de reconstituir a colônia urbana dos alemães em Santos,
perdendo-se toda e qualquer perspectiva de um trabalho voltado para o patrimônio, no sentido mais restrito do conceito, ou seja, de remanescentes
edificados.
O que proponho aqui é refazer o caminho ao inverso. Ao invés de deter-me apenas em questões de identidade nacional, étnico-culturais ou abordar
mais enfaticamente situações permeadas por ideologias políticas, tomar os primeiros tempos da formação da colônia e rememorar historicamente bens
patrimoniais desaparecidos, particularmente evocando o primeiro deles, o Cemitério Alemão que ao fim e ao cabo foi, em Santos, o cemitério dos
protestantes. Aos leitores interessados por assuntos históricos correlatos, aqui descartados e que não abordarei, convido à leitura de um outro
artigo meu, "A construção do Perigo Alemão", na Revista Eletrônica Históriae-história,
www.historiahistoria.com.br, entre os links da
revista Patrimônio: Lazer & Turismo.
Os primeiros germânicos em Santos: sociedade e inserção social
"O estrangeiro está próximo na medida em que sentimos traços comuns de natureza social, nacional, ocupacional
ou genericamente humana, entre ele e nós. Está distante na medida em que estes traços comuns se estendem para além dele ou para além de nós, e
nos ligam apenas porque ligam muitíssimas pessoas".
Georg Simmel, "O Estrangeiro".
Ao rememorar, nas últimas décadas do século XIX, a antiga população santista,
Garcia Redondo[2] dizia, predominarem "... dez ou doze famílias paulistas, muito aparentadas entre si (...)
a colônia portuguesa, alguns alemães e raros indivíduos de outras nacionalidades". Em sua percepção, a cidade que lhe era contemporânea
naqueles anos que antecedem de pouco a Abolição e a República, já se afastava consideravelmente dos tempos em que "o largo da Cadeia Nova era
um banhado, onde se matavam narcejas a tiro a qualquer hora do dia” e “o da Coroação não passava de um monturo infecto e nojento onde os
tropeiros, que então conduziam o açúcar do interior da província para Santos, às costas de burros, arremessavam o capim que lhes servia para
forrar os jacás onde traziam sacos de açúcar" e "nos dias de sol (...) as ruas da cidade cobriam-se de couros sobre os quais os negociantes
mandavam estender o açúcar para secar...".
Essas memórias, no entanto, são permeadas por alguns preconceitos, pois, não atribuem qualquer importância à população não pertencente àqueles
grupos nacionais estrangeiros e às famílias paulistas dizendo em adendo, "o resto era a arraia miúda...". Por outro lado, manifesta-se o
articulista por meio de uma certa "ideologia de progresso" característica da camada social a que pertencia. O autor era engenheiro, de origem
portuguesa, responsável pela construção do teatro Guarany, do qual hoje em Santos, mantém-se apenas os escombros, desaparecido pela indiferença e
o desprezo que lhe votaram. Desprezo que, em outra circunstância, também é perceptível em Garcia Redondo pelas formas de vida no passado, onde
efetivamente faltavam meios, posturas municipais eficazes, para ordenar o comportamento, coibir hábitos e manter condições sanitárias adequadas
nos espaços públicos. Mas, ao mesmo tempo em que os critica, atribuiria às cargas de açúcar destinadas ao porto e ao tipo de transporte, traço ou
sinônimo de atraso. Todavia, é de fato a incipiente industrialização em torno dessa mercadoria e sua exportação, naqueles ritmos e com aquela
feição, que principia a se estabelecer um substrato para a exploração e comercialização do café, bem sucedidas, na Província de São Paulo.
Evidentemente, o relato é memória, não é história, ainda que a discussão e a interpretação das memórias sejam fator para a construção de história.
Contudo, para que passado voltaria os olhos, o nosso memorialista? Não seria remoto, embora as diferenças que nota, "os costumes eram outros",
lhe pareçam tão grandes que parecem evocar a noite dos tempos. Nada que ultrapasse além de 37 anos. Se, escrevia na última década da monarquia,
referia-se quando muito, aos últimos anos do 1o. Reinado, ao período Regencial e, com alguma largueza, aos primeiros anos do 2o Reinado. De 1828 a
1850.
É oportuno em primeiro lugar, não absorver o discurso de Garcia Redondo como o retrato histórico e fiel da população local – embora sinótico – e,
não aceitar essa invisibilidade e falta de importância da arraia miúda. Comecemos então, pelo resto.
Havia em primeiro lugar, entre os habitantes, os escravizados. Deixando de lado o gênero e as respectivas faixas etárias, africanos e crioulos ou
ladinos, os últimos, nascidos no Brasil. Além da tradicional divisão em escravos do eito e domésticos, aqueles chamados do ganho, treinados
e dotados de habilidades artesanais, mecânicas, jornaleiros ou tarefeiros que, alugados para alguns indivíduos ou famílias, deveriam remeter o
soldo para o senhor. Legalmente, todos sem exceção, eram reconhecidos como semoventes, o mesmo estatuto jurídico que identificava os
animais domésticos, o gado, por exemplo. Se eram ou não bem tratados, dependeria dos humores de seus proprietários. A verdade é que, bem ou mal
tratados, como semoventes, legal e socialmente, seu próprio corpo não lhes pertencia.
Entretanto, em função desse caráter de pertença, é até possível que nosso engenheiro não os incluísse sequer entre a arraia miúda. Talvez, o que
permanece como suposição, se referisse apenas aos libertos e à população não-proprietária de mestiços e brancos que simplesmente vivia do seu
trabalho e não tinha outras posses que não alguns trastes, a vestimenta e instrumentos para o seu trabalho. Aliás, como se pode identificar nos
recenseamentos em diversos lares, ou fogos como figuram nos documentos, atividades apreendidas como: vive das suas quitandas; vive das suas ervas
(medicinais); de pescarias, eventualmente das suas costuras, etc. Além desses indivíduos, domiciliados e, em cuja companhia figuram com muita
freqüência, os agregados – que também se pode identificar em outros estratos sociais superiores – há um número considerável de "flutuantes" não
recenseados e que tende a aumentar sempre em relação à importância local na 2ª metade do século XIX, do porto, em particular. Marujos ou
marinheiros, embarcadiços, tropeiros e como desdobramento, a existência de uma singela estrutura de serviços, precária, adequada apenas àquele
público, de tavernas com serviços de alimentação e hospedagem que nada têm em comum com hotéis e restaurantes como os conhecemos.
Sob esse aspecto, hospedagem e em particular a alimentação, em Santos como na maioria das cidades brasileiras na primeira metade do século XIX,
não deve causar muita estranheza, nem seria absurda a caça às narcejas citada por Garcia Redondo. Não se pode dividir com muita clareza, naquele
tempo, a caça por simples prazer ou proeza, da necessidade efetiva de encontrar com o que se alimentar. Durante a viagem de Saint-Hillaire a São
Paulo, seu criado providenciava "as refeições" abatendo pequenos animais no entorno da Hospedaria do Bexiga, no atual bairro da Bela Vista. Apesar
disso, em razão do transporte por meio dos navios a vapor, ainda muito antes da Inglesa, as preferências dos paulistanos e provinciais do
interior, por essa modalidade de viagens em demanda ao Rio de Janeiro principalmente, ao invés das terríveis viagens terrestres, pode ter
contribuído para existir público flutuante de diferente perfil, como estímulo mais precoce em Santos, do que na capital, para o aparecimento dos
negócios de alimentação e hospedagem.
E as famílias paulistas? Seria oportuno desenhar um pouco melhor os seus contornos sociais, abandonando a identidade que as faz descenderem dos
pais fundadores, caciques indígenas e bandeirantes. Até é possível que assim fosse, não obstante, a ênfase no nascimento e vínculos de sangue,
tradição construída em torno da idéia de aristocracia da Terra, de eupátridas, bem nascidos, pouco esclarece o seu perfil enquanto camada social.
Na verdade, o perfil se fez mais recentemente e forjou-se por meio de processos de acumulação de capitais, formas de investimentos e da sua
respectiva inserção no mercado internacional, com as peculiaridades históricas que lhe dizem respeito. Paradoxalmente, serão justamente esses
novos contornos que impulsionarão a revisão do passado, para justificar sua posição social e nobilitar as estirpes que se fizeram burguesas, por
meio de genealogias re-visitadas, dourando heroísmos e brasões.
A existência daquelas famílias paulistas não deve ser entendida apenas, nos seus elementos constitutivos e sociais como manifestação autônoma de
singularidade local. Ela é em grande parte, o resultado de uma política metropolitana de estímulos, na segunda metade do século XVIII, para o
povoamento e sedentarização na Capitania de São Paulo. A região tinha ocupação rala, o que despertava os temores de invasões e ataques de
"castelhanos" e, era paupérrima. Exceto pequenos burgos, em sua quase totalidade vilas diminutas e pouco importantes, nada mais havia senão o
sertão, índios de arco e flecha – em oposição aos mansos – e sítios volantes, transitórios, de indivíduos seminômades. Num total estimado de 300
mil habitantes, incluindo o atual Estado do Paraná a capital, São Paulo, fora feita rapidamente cidade em 1708, não por sua importância, mas para
poder abrigar o primeiro bispo. As constituições eclesiásticas impediam a instalação dessa autoridade religiosa que não fosse em cidades.
Ora, Santos era o que lhe remetia o interior da Capitania, exceto o sal armazenado, monopólio da Coroa e que era distribuído para o interior. Do
interior viriam índios escravizados; trigo do planalto e mais uns poucos gêneros que também poderiam vir do próprio litoral. Porto quase sem
movimento de navios ou naus, sem ligações diretas com o exterior, dependendo do porto do Rio de Janeiro ou simples ponto de passagem. Também não
havia muito a importar em razão dos índices de pobreza, resultado da ausência de produção de gêneros com alta aceitação nos mercados metropolitano
e europeu.
Esse quadro levará a extinção administrativa da própria Capitania de São Paulo. Restabelecida em 1765, datam daí as medidas para provê-la como
produtora e inseri-la no mercado exportador. O ouro obtido das expedições a Goiás e Cuiabá fará então a fortuna de algumas famílias extensas
paulistas. Não o ouro entesourado, mas aplicado nos investimentos em terras, escravos e no plantio de cana em grandes propriedades. Isso
propiciará a sedentarização, rendimentos pagos em forma de impostos, homens para o ofício de armas e importação de gêneros. Na medida em que se
conseguia riqueza, ainda muito relativa, com a exportação de açúcar, seco, encaixotado e despachado pelo porto de Santos, mas ainda dependência do
seu homônimo no Rio de Janeiro, lentamente, as transformações ocorreriam.
De forma sinótica, constituiu-se um sistema familiar, sedimentado em costumes, práticas e interesses materiais. As relações de
parentesco e os casamentos ligam os que produzem o açúcar no interior, no chamado Quadrilátero[3] , a Santos,
com os responsáveis pela sua comercialização, que o porto e as ligações mais fáceis com o Rio de Janeiro, obviamente propiciavam. Como todas as
sinopses perdem-se relações muito mais complexas, pois os comerciantes santistas também eram proprietários de terras e produtores de alguns
gêneros na própria região litorânea, ou até no interior próximo. De qualquer forma, o que se procura acentuar aqui é apenas um aspecto dominante.
Pois bem, os paulistas casavam-se entre iguais, portanto, a característica de formação dessa elite dominante é de casamentos endogâmicos, entre
familiares, mesmo porque os estoques de mulheres, em circunstâncias matrimoniais, eram relativamente reduzidos. Interesses múltiplos como o dote –
que irá desaparecer ainda no século XIX – a manutenção do patrimônio sem dividi-lo, o que aconteceria com os casamentos exogâmicos, o controle do
poder político local e regional, estão na base daquilo que se falou. Assim, não são estranhos os casamentos entre primos, às vezes de primeiro
grau e, não raramente, tios com sobrinhas. Ou até de viúvas que desposam em segundas núpcias, o próprio cunhado. As eventuais diferenças de idade
são comuns, pois se espera que os homens, já maduros e entrados nos quarenta, tendo sido capazes de acumular capitais, propiciem a mulheres muito
mais jovens, e das quais se esperam filhos, uniões materialmente estáveis e prósperas para a prole que deve sucedê-los.
Um outro aspecto desse “sistema” é o costume, que não é local, mas consagrado em todo Brasil, da inserção nas elites, de portugueses de origem que
se casam em famílias já brasileiras, – considerando aspectos culturais de integração – com mulheres igualmente brasileiras, que por sua vez, são
filhas de brasileiras com pais de origem portuguesa. É fato também bastante conhecido que os caixeiros lusos, interessados em negócios e casas
comerciais, venham a desposar as filhas do patrão, esse último, geralmente, também português de origem. Mais interessante do que citar documentos
é observar essas peculiaridades por meio da literatura nacional no século XX. E, não é impossível que esses traços também venham, em outras
circunstâncias, a manifestar-se acolhendo em casamento estrangeiros de outras origens, com mulheres brasileiras nessas famílias, entre as quais,
as de grossos cabedais.
Mas enfim, antes de nos determos nos outros estrangeiros, em que medida são assim, também estrangeiros, os portugueses? Senão, como admitir uma
colônia portuguesa, um grupo extra-nacional aparentemente homogêneo que poderia sugerir a denominação colônia? Desde quando são estrangeiros? Até
a independência, e sob o ponto de vista jurídico-político, tais diferenças não se colocariam. Nascidos no Brasil ou em Portugal, sob o Antigo
Regime, todos eram súditos do rei. Claro que o estatuto legal não tem, necessariamente, correspondência com a realidade social. Sob esse aspecto,
a dicotomia binária de origem ou proveniência, do Reino/da Terra, é uma contraposição cujo significado transcende a qualificação de gêneros ou
mercadorias, mas é campo para reflexão das diferenças e das hierarquias sociais entre indivíduos, uns e outros. Evidentemente, o que se diz aqui
de forma generalizada, não capta a realidade histórica nos seus aspectos singulares, enquanto dimensões espaço-temporais múltiplas, e por vezes,
contraditórias.
Fica assentado que após a independência e com a grande nacionalização, que ofereceu aos estrangeiros aqui residentes a possibilidade de se
tornarem brasileiros, estrangeiros e imigrantes são entendidos pelo estatuto jurídico político, num quadro delineado pelo Estado Nacional. Por
outro lado, em contraponto, são brasileiros aqueles que aqui nascidos tem direito de solo, independente das origens dos pais.
Aparentemente tudo muito simples se, para alguns estados, como a Alemanha unificada, não vigorasse diferentemente o direito de sangue, ou da
origem das estirpes parentais. Ou seja, nessas circunstâncias como de fato ocorreu entre o Brasil e a Alemanha as situações de conflito se
multiplicaram desde finais do século XIX e se arrastaram, não sem confrontos, durante os primeiros quarenta e cinco anos do século XX. Isso, para
não lembrar também, que na primeira metade do século XIX, no caso de propriedades e heranças dos nacionais de quase todos os países europeus, e
sua respectiva transmissão, invocavam-se direitos de extraterritorialidade e os respectivos processos ficavam afetos aos cônsules locais dos
países estrangeiros. Não é, portanto, uma banalidade para a explicação histórica, um mero viés legalista, o estatuto jurídico-político dos estados
nacionais para a compreensão da situação do imigrante estrangeiro e seus descendentes.
Apesar disso, é mais complicado o entendimento quando a questão do estrangeiro imigrante tem por foco aspectos lingüísticos, religiosos e raciais,
com suas implicações e desdobramentos, para citar apenas os mais importantes. O contexto étnico-cultural. E por étnico, como também considera
Claude Levy-Strauss, nada mais há do que um eufemismo em vigência desde o fim da 2ª. Guerra Mundial, para designar raça.
O contexto citado pode ser compreendido por meio da assimilação, que teria o significado de dissolução ou desaparição de particularidades num todo
étnico-cultural nacional dado; aculturação, um processo de inteiração dialética entre novos traços aportados e a absorção daqueles originais
encontrados no local, dando origem a uma nova realidade, uma síntese; ou simplesmente integração, mais uma estratégia para a interpretação, do que
conceito. Fluida e plástica, aplicável a clivagens múltiplas, em circunstâncias particulares, sem aspiração de totalizações. Essa última
perspectiva é aqui a mais adequada, pois se pode haver conflitos entre estados por razões de direito de solo e de sangue, torna-se infinitamente
mais complicada a sua simultaneidade combinada com aspectos étnico-culturais.
Evidentemente, todos os problemas evocados, exceto de forma muito residual seriam aplicáveis aos portugueses, ou até mesmo a espanhóis, o que
considerando a composição étnica de contingentes estrangeiros em Santos em quase um século, não é irrelevante. Já é bastante sabido que a partir
da 2a geração, os descendentes de ibéricos seja qual for sua proveniência regional, são completamente assimilados, com raríssimas, e que podem
tornar-se também, curiosas exceções.
Ora, resta entender, o que é uma colônia? Termo consagrado pelo uso comum que, no entanto, é despido de qualquer precisão, não é transparente, nem
do vocabulário usual pode ser elevado à categoria de modelo como, aliás, todas as outras palavras nessas circunstâncias. Tanto ele pode designar
colônias agrícolas de povoamento de estrangeiros quanto, colônias (também agrícolas) penais... Sob essa perspectiva é um agrupamento de iguais:
numa todos são estrangeiros, idealmente da mesma origem, noutra são indivíduos geralmente do mesmo sexo, todos condenados. É possível ainda,
encontrá-las entre os portadores de doenças transmissíveis ou até, como designação laboratorial dos organismos responsáveis por elas. Colônia soa
então como agrupamentos de iguais segregados. Segregação auto-imposta por inúmeros motivos e assumida entre iguais ou, obrigada por coerção de
natureza sanitária ou penal, que os iguala.
Daí decorre uma profunda contradição, pois as colônias dos estrangeiros imigrados, evocam uma homogeneidade para os que as observam de fora que,
no entanto, é aparente. Quando vistas internamente, essas comunidades revelam profundas diferenças. São microcosmos sociais com antagonismos e
conflitos onde seus segmentos internos relacionam-se de forma desigual, mais ou menos intensamente, assimetricamente, com a sociedade local nas
quais se inserem.
Finalmente, das colônias de povoamento de imigrantes estrangeiros no Brasil, era possível – e em alguns casos ainda é – visualizar suas
particularidades e diferenças do ambiente humano no entorno, por meio do contraste de traços étnico-culturais que, além das óbvias diferenças
raciais, envolveriam também a arquitetura, sua morfologia e disposição espacial; os hábitos alimentares; de sociabilidade e, as práticas
religiosas. Além de a colonização basear-se na posse e exploração de pequenas propriedades. De tal forma que se poderia dizer, sem contradizer os
contrastes sociais internos admitidos, que são homogêneas, principalmente porque os seus componentes étnicos também o são apenas enquanto tal.
De maneira quase que totalmente oposta, as colônias urbanas não são concentrações isoladas e apresentariam características mais
acentuadamente heterogêneas, apesar da percepção de traços étnicos e lingüísticos de indivíduos – assinalados por observações pontuais – e, a sua
identidade só se daria efetivamente, ou poderia ser apreendida, por meio de estruturas simbólicas como igrejas, escolas, associações beneficentes
e hospitais, ou clubes de esportes e lazer. Excluo aqui os agrupamentos comunitários de moradia e trabalho, em espaços urbanos específicos, que
são posteriores e característicos da industrialização. Nessa perspectiva, o fenômeno não é ocorrência sistemática na sociedade pré-industrial,
onde se inserem os alemães e os demais imigrantes que se estabeleceram em Santos, formando as primeiras colônias urbanas. Se as relações de seus
membros com os países de origem dão-se por meio dos consulados[4], sua coesão enquanto grupo não nacional, só
se constrói e alcança efetivo reconhecimento ou visibilidade social, por meio daquelas instituições ou estruturas simbólicas locais,
materializadas concretamente em espaços edificados.
O que pode efetivamente ser observado é que o período do seu primeiro estabelecimento, a primeira metade do século XIX, ao menos em Santos, não
apresentará situações conflituosas como aquelas que irão se verificar com a autoconsciência nacional alemã crescente nos fins daquele século, em
confronto com outro desenho de nacionalismo brasileiro – pressuposição de que é variável e responde sempre a necessidades sociais distintas
conforme o tempo – e em conjunção com os conflitos imperialistas que se alimentam além do prestígio, das rivalidades comerciais européias. Talvez
isso explique, com todas as dificuldades, uma acomodação maior aos padrões tradicionais da sociedade local da "colônia" dos primeiros tempos. Como
ela se formou?
Idealmente, há independente da região de origem[5], dois grupos bastante distintos de
germânicos em Santos. Um que se identifica com aqueles de grossos cabedais, povo graúdo. Outro que poderíamos chamar povo miúdo. Denominação
estratégica, sem qualquer pretensão literária arcaizante, mas que procura evocar uma formação social ainda tradicional, sem contornos de classes
mais claramente definíveis no universo capitalista.
Assim, fixados idealmente e despojados de sua complexidade interna, poderíamos considerar no primeiro grupo os comerciantes ou negociantes e, os
profissionais liberais. Nesse caso, além de profissões tradicionalmente conhecidas, não são levados em conta, necessariamente, índices de fortuna,
mas, sobretudo, a sua inserção em situações de prestígio local em conexão com a elite ou os graúdos da terra. São os que atraídos pelas
possibilidades de mercado e oportunidades de negócios, vêm estabelecer-se em Santos por seus próprios meios ou através de empresas comerciais e
instituições que solicitam sua participação para o desempenho em serviços.
Historicamente, portanto, não se trata de contingentes de imigrantes convencionais desembarcados em levas constituídas de núcleos familiares, mas
atraídos pela presença da Corte no Rio de Janeiro desde 1808 e as repercussões com a abertura dos portos. De um lado, há a presença de
representantes diplomáticos, comerciantes e, em razão do grande contingente de cortesãos, o aparecimento de mercadorias, serviços, níveis e tipos
de consumo, anteriormente desconhecidos. E, a partir de 1815, com a paz na Europa, o número de estrangeiros na Corte aumentou e diversificou-se.
Na verdade, os pólos de atração, além do Rio de Janeiro, foram os dois outros maiores centros urbanos: Salvador e Recife. Atração por Santos e de
resto, pela Província de São Paulo, ainda é nesse período um fenômeno periférico. A situação mudará radicalmente, apenas no último quartel do
século XIX.
Nessas circunstâncias, um dos primeiros comerciantes germânicos e de importância significativa a estabelecer-se em Santos é
Friedrich Fomm. Diretor-gerente da firma Viúva Aguiar Filhos & Cia., casou-se com Bárbara da Costa Aguiar em 1824, uma das filhas do coronel João
Xavier da Costa Aguiar. Fomm era renano (embora de nacionalidade prussiana com a cessão dessa província à Prússia em 1815) nascido entre os anos
de 1790 e 1793 em Elberfeld[6]. A Renânia natal de Fomm era área de vanguarda no contexto do processo de
industrialização das regiões alemãs, com a produção de têxteis e ferramentas, tornando-se comuns e necessários os representantes junto às casas de
exportação. Muito ligada ao ocidente europeu, em particular à Inglaterra que também desempenhou papel essencial, primitivamente, na exportação de
maquinário e técnicos para a região. Nascido de uma família burguesa que lhe proporcionou boa educação, as atividades empresariais de Fomm
iniciaram-se em Londres e, é provável que sua vinda para o Brasil tenha se configurado como uma possibilidade a partir dos contatos londrinos.
É também com uma das filhas de João Xavier da Costa Aguiar, Genebra, que irá casar-se em 1826 um outro germânico, Karl Heinrich Melchert, ainda
que não venha a radicar-se em Santos. Mais relevante é, no entanto, o fato de o primeiro casamento das mulheres da família Costa Aguiar ter se
realizado com a personagem que parece renovar o sistema, o "inglês" William Whitacker. Guilherme, o inglês, como é conhecido em Santos e
denominado nos Cadernos de Assentos Particulares do sogro. Numa das primeiras referências que se obtém de Whitacker, vindo de Portsmouth de
passagem pelo Rio e com destino a Santos em 1814, no Registro de Estrangeiros, ele se declara comerciante, no entanto, nascido em Cork na Irlanda.
Whitacker é também vice-cônsul da Inglaterra desde 1815, enquanto Fomm era cônsul das cidades hanseáticas em Santos. Embora integrados à sociedade
local, ou até por essas razões, são os representantes dos interesses estrangeiros na Praça. É oportuno, no entanto, salientar que esses cargos
ordinariamente atribuídos a comerciantes locais afluentes, não teriam a dimensão de postos diplomáticos tais como os concebemos. E por outro lado,
não seria possível ainda na primeira metade do século XIX, chamar os representantes lotados no Rio de Janeiro de diplomatas de carreira como
faríamos atualmente. Essas funções diplomáticas eram desempenhadas tradicionalmente apenas por aristocratas de origem. Mas aristocratas não tinham
carreira profissional, mas funções que além dessa, incluíam também os altos postos militares e eclesiásticos.
Comerciantes de grandes firmas e afluentes localmente serão, por sua vez, os ocupantes dos consulados. Essa é uma tradição que se consolida com
Theodor Wille desde 1844, cônsul da Prússia. Wille foi o fundador da casa homônima em Santos e os seus diretores, cônsules prussianos, depois
alemães com a Unificação, mantém-se nesse posto até a altura da 2ª. Guerra Mundial, sempre ocupando esse cargo. Wille teria vindo para o Brasil em
1838 e, no Rio de Janeiro, trabalhou em diversas empresas germânicas. Posteriormente constituiu a matriz de Santos que terá, por sua vez, filiais
em São Paulo e no Rio. Em 1847 retorna para a Alemanha radicando-se em Kiel, fundando posteriormente em Hamburg firma também homônima à santista.
Solteiro e sem filhos, seus sucessores assumem o papel de herdeiros na firma da Baixada e na representação consular. São os casos de Heinrich
Wilhelm Alardus e Leopold Diederichsen, em 1847 e 1853, respectivamente.
O último nome é o mais importante para os fins que nos ocupam. Alardus morreu sem descendentes, no entanto, Diederichsen apresenta os mesmos
padrões de integração com as famílias locais. Casado com Francisca da Costa Aguiar de Andrada, tornou-se parte do clã mais influente dentro da
Cidade e cuja notoriedade, ultrapassa de muito em prestígio os limites de Santos e da Província. O casamento torna-o também concunhado do barão de
Penedo e, cunhado do barão de Aguiar Andrada. Por outro lado, em se tratando de uma Costa Aguiar ligou-se ele também, em contraparentesco, com
Fomm, Melchert e Whitacker.
Há inúmeros outros nomes germânicos nesse estrato ou em condições semelhantes como os irmãos Backhäuser que originalmente, nas listas de
habitantes, figuram como "agregados" de Fomm. Outros comerciantes como Wedekind ou, profissionais liberais como o médico von der Meden e Wilhelm
Delius que, advogado de origem, foi o fundador da Revista Commercial, tradutor juramentado, professor, além de tesoureiro da Misericórdia
de Santos. Característica de afluência política local, entre os membros da Santa Casa na segunda metade do século, encontram-se também alemães
entre os mordomos e mesários. Um reparo importante é aqui ser levada em consideração, mais uma vez, não apenas os níveis de fortuna, mas a
afluência social.
Resta finalmente, considerar esses Costa Aguiar e as suas alianças. João Xavier originário de vila no bispado de Coimbra teria vindo para o Brasil
em companhia da mãe e dois irmãos. Capitão de Milícias foi também o primeiro administrador em Santos das duas linhas de correio criadas na vila em
1798 e, que a ligavam ao Rio e São Paulo. Além de comerciante envolvido no trato de embarques de açúcar, era proprietário e agricultor de diversos
sítios locais como o Cabuçú, Curral, Trindade e Monte Cabrão. No Cabuçú, talvez o mais importante, cultivava arroz, cana (principalmente para a
produção de cachaça) e mandioca, empregando aí 30 escravos. Na lista da população de 1822, a viúva Aguiar é senhora de 55 escravos declarados,
indicador de considerável fortuna para os índices da época. Na verdade, a afluência de Aguiar deve-se muito ao seu casamento, realizado em Itu – a
mais rica área açucareira do Quadrilátero – com a brasileira, Ana Joaquina, de família abastada, os Barros Penteado, cuja fortuna se fizera das
minas.
Uma parte dos estrangeiros, portanto, vincula-se ao sistema e tende a perpetuar as elites paulistas que, após a independência, e em alguns casos
com títulos nobiliárquicos, usufruíram também de considerável poder político. Essa consideração, exceto os aspectos relacionados ao beneficiamento
para-industrial de mercadorias e o comércio portuário, não apresenta qualquer singularidade digna de nota em Santos no período. Antes, confirma a
profunda integração com o interior da Província por meio de laços familiares e interesses. Logo, não são apenas as famílias paulistas locais muito
aparentadas entre si, mas as relações de parentesco atingem território muito mais amplo.
Um outro tipo de imigrante, que formou em Santos o povo "miúdo" (sem qualquer similaridade com a arraia miúda de Garcia Redondo) constitui-se nas
suas linhas mais gerais daqueles contingentes familiares que desde o decreto do Rei em 1820 "abria" o Brasil para os europeus que o quisessem
povoar. Contingentes teoricamente organizados, embora a organização seja no mínimo questionável, atendendo ou não a políticas, não há ao menos na
primeira metade do século XIX nenhum fluxo efetivamente destinado a Santos e ao litoral paulista, com a única e rara exceção de alguns alemães
para o trabalho de ligação do litoral com o Planalto, em Cubatão.
O assentamento local desse estrato social apresenta algumas similaridades com a dos alemães estabelecidos em Rio Claro e que para
lá não se destinavam, mas eram egressos da fazenda Ibicaba, onde se verificaram as tentativas de implantação do regime de parceria do senador
Vergueiro[7]. A maioria dos imigrados que se declarava agricultor no local de partida tinha, não obstante,
pouca familiaridade com o trabalho da terra e era constituída efetivamente de pequenos artesões urbanos. Assim os germânicos miúdos em Santos, são
na maioria desgarrados de algum outro projeto e que não os destinava necessariamente para o local onde acabaram por se radicar.
Data do final do Primeiro Reinado, entre os anos de 1828 e 1829, a vinda de imigrantes que iriam povoar o sertão de Santo Amaro,
hoje cidade conurbada à capital de São Paulo, com a constituição da colônia daquele mesmo nome e Itapecerica da Serra, o primeiro estabelecimento
desses alemães em Santos. É possível também, nessa e em outras circunstâncias, terem sido atraídos pelos graúdos que demandavam braços para alguns
empreendimentos locais. Evento bem estudado e documentado, inclusive com as listas dos viajantes e respectivos navios[8].
Além dessas levas e da referência ao Cubatão, também não é possível descartar que alguns indivíduos ou famílias, inicialmente destinados às
colônias do Sul, de Santa Catarina e São Pedro, também tivessem vindo estabelecer-se na vila do litoral paulista.
Todavia, exceto as eventuais características étnico-culturais, lingüísticas e religiosas, as diferenças entre
os dois grupos são muito profundas. Se viajar era penoso para todos, para alguns ainda era muito pior e, as condições de recepção encontradas no
Brasil são decepcionantes. Não é possível omitir que desses imigrantes, ainda que não totalmente sem posses, nada se esperava que não fosse
executar trabalho atribuído aos escravos. Assim: "Desembarcavam e eram recolhidos à Armação (Rio de Janeiro). O alojamento seria pouca coisa
superior a um valongo (no Rio, depósito de escravos chegados da África). Grande parte dos imigrantes dormia nos pátios sobre esteiras. Depois eram
reembarcados com destino a Santos. À chamada, nem todos compareciam; alguns como anota o encarregado, desertaram nesta Praça..."[9].
Quanto à recepção em Santos as impressões dos imigrantes não são melhores, como vemos em Davatz colono suíço-germânico destinado à fazenda Ibicaba,
pois, ficaram encarcerados no "... pátio (que antes se destinaria a escravos) enorme cercado pelo porto, de outro por muros e casas com portas
bem aferrolhadas e guardadas por sentinelas armadas".[10]
Quanto ao que se falara anteriormente, o estabelecimento errático em Santos é fruto dessa total ausência de logística para a
recepção e de políticas claras de assentamento como se lê nas deliberações do Conselho Provincial em fevereiro de 1829: "... não só os colonos
que existem nessa Cidade e na Aldeia de Itapecerica, como os que não poderem se acomodar na vila de Santos, sejam mandados para o lugar indicado,
demarcando-se as datas, que devem pertencer a cada uma das famílias de um e outro lado do ribeirão de Itaquaquecetuba"[11].
Tudo indica que os estabelecidos em Santos por sua própria conta, poupavam às autoridades maiores preocupações...
Some-se às dificuldades dos imigrantes a hostilidade da população paulista, inclusive as autoridades, que os consideravam preguiçosos mandriões,
dados costumeiramente a arruaças e bebedeiras, quando não eram alcoólatras contumazes. Comportamento que não se coaduna muito com a auto-imagem
que os brasileiros fazem de si mesmos. Hostilidade, no entanto, que depois se tornará pontual e não sistemática.
Quanto ao seu estabelecimento em Santos recorri aos maços de populações locais da Província. As dificuldades para localizá-los,
no entanto, identificando-os pela onomástica são extremamente penosas, pois, ora os nomes estão completamente estropiados, ora aportuguesados de
forma tal que, Kühnen (cuja viúva motivou a denominação Alemoa), por exemplo, transfigurou-se na escrituração dos funcionários em Adão da Cunha
ou, Adão João da Cunha! Enquanto Jacob Emmerich pode ser identificado ora como enteado, ora como criado ou até agregado do primeiro, chamando-se
simplesmente Adão Diogo! De qualquer forma, aquilo que soa para nós um absurdo divertido dá bem a medida do estranhamento cultural entre os
receptores e as tentativas possíveis de aproximação, além de algumas outras pérolas hilariantes de outra natureza.[12]
Os limites do artigo não permitem maior detalhamento desse grupo, o que não significa que tivesse menos importância. Mas, entre as diferenças com
os graúdos, os casamentos de início, não se fazem com mulheres de famílias brasileiras, mas dentro da própria comunidade de imigrados. É o que
acontecerá com o segundo casamento de Kühnen e também com Jacob Emmerich. Casamentos entre iguais, o que independentemente de aspectos raciais,
culturais e religiosos tem na verdade, um cunho mais acentuadamente social. Com o surgimento de estratos médios locais, o que vai se delineando em
fins do século XIX, a situação tende a alterar-se, invertendo-se em relação aos dois grupos.
O que importa salientar desse estrato é o fato de tornarem digno o trabalho livre, contribuindo para abater o preconceito contra certas atividades
com o envolvimento direto de todo um grupo familiar. Além de propiciarem inovações ou o desempenho de atividades anteriormente inexistentes. Se
Emmerich é responsável por serviços e pela construção de carros para transporte de cargas e passageiros – distintos dos velhos carros de bois com
rodas fixas – a família Palm manterá um hotel em Santos e depois em São Paulo, enquanto com a família Troost, no Hospital da Misericórdia, Luís
Troost é enfermeiro-mor, Claudina Troost é enfermeira e Maria Luísa Troost é cozinheira! Esses últimos eram serviços destinados aos escravos ou
desclassificados, pois eram considerados socialmente degradantes na medida em que punham os indivíduos em contato com a sujeira e com homens
doentes. Excluída a doença e os doentes, atender para fins de hospedagem e servir alimentação preparada aos clientes é tarefa que envolve toda a
família como entre os Palm. Não é absolutamente fortuito que, em todos os lugares do Brasil, inclusive Santos, esses empreendimentos e serviços
terem se iniciado por meio de estrangeiros. Mais freqüentemente italianos, franceses e alemães são os responsáveis, em razão dos preconceitos
relacionados a esse tipo de trabalho, além do conhecimento e prática, adquiridos nos países de origem. E, ainda que essas famílias também pudessem
ser proprietárias de escravos – disso não escapam os graúdos e os miúdos que prosperam como Kühnen e Emmerich – o fato de pais e filhos
compartilharem do trabalho manual, lhes confere uma outra dimensão social, distinta do comportamento escravista tradicional.
Por outro lado, deve-se aos graúdos, a Fomm em particular, alguns empreendimentos extremamente importantes para o dinamismo da
economia comercial santista. O primeiro deles é procurar ultrapassar a subordinação do porto de Santos ao Rio de Janeiro, pois o açúcar paulista
era remetido para o Rio e de lá exportado. Cito apenas aquela que seria a primeira tentativa conhecida, um marco importante, quando logo após seu
casamento em 1824, ele fretou o barco inglês Forager carregando-o com açúcar destinado à Inglaterra e, vendido o carregamento, "...
fretou em Liverpool o brigue inglês Ellen, que carregou com fazendas, secos e outros gêneros..."[13]
regressando a Santos em fevereiro de 1825. Na década seguinte passariam a tomar outras proporções o comércio direto entre o porto paulista, Europa
e Estados Unidos. Ligações e relações que sedimentadas, serão fundamentais para o futuro comércio do café. Além disso, deve-se a Fomm associado a
Whitacker a montagem de uma estufa para a secagem de açúcar que chegava a Santos sem condições comerciais de embarque, além de máquina movida a
vapor para a produção de cal, que localmente ainda se produzia queimado nas ostreiras.
Se o panorama de Garcia Redondo parece assinalar um salto da tradição para o progresso, há algumas etapas que demonstram
modificações, que embora lentas, criaram condições efetivas para maiores transformações. Quanto às tropas de mulas e o transporte de mercadorias,
por ausência de outros meios, sua circulação no perímetro urbano para alcançar o porto natural equipado de pontes e trapiches, sem dúvida deveria
causar transtornos consideráveis. Kidder, um viajante americano, nos fala de tropas com quinhentos animais que desciam a Serra e do movimento
constante de bestas e mercadorias em Santos[14], e por mais arcaico e anti-higiênico que fosse o meio de
transporte, isso revela uma atividade crescente da economia, integrada à sua comercialização portuária.
Com relação ao assentamento dos imigrantes alemães em Santos, ao contrário da demonização que posteriormente se fará deles, – com as advertências
do Perigo Alemão – já em fins do século XIX e, principalmente, no século XX por motivos conhecidos, eles independentemente do seu estrato social,
na primeira metade do século XIX, parecem bem integrados localmente. O que é preciso rematar, no entanto, é que se há aptidões técnicas dos
estrangeiros, existia em certas áreas no Brasil, Santos e São Paulo incluídas, a despeito da grossa escravaria, demanda de transformações que
integrassem o país, ainda que periférico, às áreas centrais. Os estrangeiros alteram em parte a rotina, os procedimentos sempre usuais apoiados no
braço escravo, conferindo também uma dimensão nova ao trabalho. Entretanto, nada aponta para alguma característica excepcional que não se
assentasse em dimensões mais avançadas do capitalismo já preconizadas pelas políticas ilustradas luso-brasileiras do século XVIII.
Falou-se, contudo, em estruturas simbólicas das "colônias" estrangeiras. É o que veremos no próximo tópico, destacando a primeira delas, o
Cemitério Alemão, que não tem qualquer viés de celebração necrófila, porque se em cemitério há os mortos, ele diz respeito às crenças religiosas,
à sociedade e, portanto, aos homens vivos.
As estruturas simbólicas da "colônia": o Cemitério Alemão de Santos
"Toda a modificação de um costume que se realiza de algum modo sob o patrocínio de poderes
supra-sensíveis pode afetar os interesses de espíritos e deuses. Assim, a religião multiplica inseguranças e inibições naturais em todo agente
inovador: o sagrado é especificamente invariável"
Max Weber. Economia e Sociedade. Volume I.
O Cemitério não é, entre as estruturas simbólicas da colônia alemã de Santos, a mais importante, há
outras mais significativas. Por outro lado, se inicialmente o que se requeria era um cemitério protestante, desde que não havia necrópoles
públicas nas cidades brasileiras, é o primeiro espaço identificado com os alemães. De resto é o que farão eles e, a própria população local.
Falar das outras instituições não é muito fácil. Simplesmente desapareceram pelo processo de
arresto dos bens alemães e a sua incorporação ao Estado após a declaração de Guerra em agosto de 1942. Com o "expurgo" em 1943, exceção feita à
igreja luterana, tornam-se quando muito, remanescentes de um certo tipo de arqueologia documental histórica, expulsas que foram da memória local.
O prédio da igreja na avenida Francisco Glicério é, entretanto, dos mais recentes.
A agremiação mais importante foi na verdade um clube que se fundou em Santos que coincide aproximadamente com a fundação do Clube XV. No contexto
brasileiro, o Germania santista foi o terceiro criado, em 1865, (ou, segundo alguns em fins de 1866) antecedido apenas pelo de Porto Alegre em
1855, e o carioca ainda nos tempos do Reino Unido, em 1821. O homônimo paulistano data de 1868. Atestando a importância comercial crescente da
Praça, desde que o modelo do clube é calcado naquele do Rio de Janeiro e os sócios são principalmente mercadores, o Germania-Santos inaugurou sua
nova sede social, vinte anos depois, em março de 1885. Prédio, mobiliário e todos os documentos foram completamente consumidos pelo incêndio
ateado em 1917, acontecimento decorrente da 1ª. Guerra Mundial. Reinstalado na avenida Conselheiro Nébias, com a rua Marechal Pego Júnior,
desapareceu definitivamente em 1942. Embora não pretenda referir-me aqui a essas instituições, a situação é representativa das dificuldades para
delas tratar historicamente. Tanto como o apagamento da memória a que se aludira.
Quanto ao Cemitério, sua desaparição não foi fruto de acontecimentos catastróficos ou violentos. Pelo contrário, já desativado, foi vendido em
1937 para a Companhia Docas. Curiosamente, naquela data, a imprensa se referia a ele como Cemitério dos Ingleses, o que indicaria um deslizamento
da denominação popular, mas não oficial – a solicitação para a sua instalação fala em protestantes – de Cemitério dos Alemães. É o que podemos
verificar nas reminiscências de Robert Avé-Lallemant. Seu livro, Viagens ao Sul do Brasil que entre outras coisas, narra a breve estada do médico
em Santos no ano de 1858.
Como todos os viajantes, homem de passagem, flutuante, não entra em minúcias que não sejam aquelas que lhe
dizem mais de perto profissionalmente: alusões à higiene e saúde locais. Facilitava-lhe a estadia um dos poucos médicos da cidade, o doutor von
der Meden em casa de quem se hospedara e Gustav Wedekind, comerciante e vice-cônsul das cidades hanseáticas. Apesar da pequenez da cidade de
aproximadamente sete mil habitantes naquela época, o viajante se pergunta como encontrar na tessitura urbana, um marco que identificasse a
presença da comunidade. A única apontada, e que o viajante sarcasticamente registra como "monumento de vida alemã", é o Cemitério!
Referência e situação que não se coadunam com suas concepções de "estímulo mútuo" e "vida familiar alemã"[15].
Finalmente remata: "Enquanto, porém, for essa a única vida alemã em comum, desejo aos meus amigos alemães de Santos que agora passem ao largo
do Céstio e que mais tarde desçam para o Orco em terra alemã...".[16]
Apesar de sua familiaridade com a vida brasileira, e apesar de médico, o viajante não considera as enormes dificuldades para o cumprimento dos
ritos de iniciação e de passagem sacralizados e, a efetiva discriminação que pesam sobre os protestantes. Não deveria causar estranhamento aquele
cemitério particular. Aliás, no Brasil, em razão das peculiaridades confessionais do Estado monárquico, oficialmente católico, esses cemitérios,
ainda que referentes a estrangeiros foram marcos construídos no espaço em decorrência do processo histórico brasileiro.
Nesse sentido devem ser entendidos como brasileiros todos os cemitérios aparecidos nessas circunstâncias,
desde aquele que presumivelmente foi o primeiro, o cemitério inglês da Gamboa no Rio de Janeiro, assim como brasileira a primeira construção da
Igreja da Inglaterra também no Rio. As peculiaridades nesse caso, ainda que os ingleses tivessem enorme poder de barganha com – a quase imposição
– o tratado comercial de 1810, interditou a sua igreja de possuir signos exteriores de construção destinada ao culto, proibindo a presença de
campanário e sinos. Restrições ferozes, mas de outro lado é preciso reconhecer que a liberdade do culto católico na Inglaterra, data também do
século XIX... Pouco ou nada a ver com os países alemães onde, se predominavam os luteranos, a minoria católica era extraordinariamente expressiva
em número e, os conflitos, até por que os havia, eram em razão da trágica experiência das guerras de religião, melhor administrados[17].
Até mesmo na convivência num mesmo lugar para o culto entre confissões diferentes, em antecipações que hoje chamaríamos ecumênicas, nós vemos as
possibilidades de compartilhar do mesmo prédio: "Quis eu no começo da Colônia fazer uma igreja comum para todos os cultos cristãos. Oh! Que
horror! Gritaram os pseudocatólicos. Eu alegava que em toda a Germânia, onde predominava o calvinismo (sic) era permitido ao sacerdote católico
celebrar para os da sua crença nas mesmas igrejas...".[18]
A citação referente à criação de Petrópolis, que data de 1843 e, a despeito da inexplicável predominância calvinista na Alemanha, não se restringe
a identificar apenas a intolerância católica brasileira. Mostra diferenças de atitudes entre protestantes – de uma ou várias confissões – segundo
sua origem. É exemplar para a reflexão que as confissões protestantes ou evangélicas – refiro-me às reformadas, originárias historicamente desse
movimento, não a fenômenos contemporâneos mais recentes – quaisquer sejam suas denominações, são dotadas de uma grande variabilidade de
comportamentos e práticas, dependendo das circunstâncias sociais e históricas e do lugar a que se referem. Também é igualmente e, ao contrário do
que se poderia pretender ou imaginar, algo que se aplica ao catolicismo. Práticas e características católicas, apesar de uma unidade mais aparente
do que real, são profundamente diversificadas, não apenas temporalmente, mas intimamente relacionadas ao espaço social onde se constitui a
Instituição. Conseqüentemente, categorias genéricas tais como protestantes ou católicos, nada podem esclarecer, que não seja genericamente, são
abstrações.
Assim, além da indissolubilidade de laços entre a religião e o Estado brasileiro, o que implica atividades cartorárias executadas pela Igreja, os
ritos de nascimento, casamento e morte eram documentados apenas para os católicos. Até o processo eleitoral, sem entrar no mérito de sua
existência e eficácia, era muitas vezes presidido pelo pároco local e se iniciava com o canto de invocação ao Espírito Santo, assim como os
juramentos se faziam sobre os Santos Evangelhos (reconhecidos pela autoridade eclesiástica). Embora a primeira constituição monárquica, outorgada,
também "outorgasse" liberdade de culto religioso, ser acatólico como dizia o documento, significava ser excluído, na prática, de cidadania. Ou
seja, protestantes, não tinham nascimento legalmente reconhecido, não casavam, nem poderiam morrer e ser enterrados legalmente... Em outras
palavras, independentemente da fortuna, não teriam nem, onde poder cair mortos...
Em suma, cemitérios públicos não há. E os católicos são enterrados nas igrejas ou até em capelas particulares. De qualquer
forma, as igrejas, da mesma forma que os cemitérios posteriormente, conservam e indicam na disposição espacial dos corpos enterrados a importância
e o apreço que o indivíduo e sua família têm, junto à comunidade. Paradoxalmente, cabem todos na igreja ou até no adro[19],
mas a hierarquia social se mantém em função do espaço ocupado.
Na antiga igreja matriz de Santos, vendida, demolida e substituída por "nova e de gosto
moderno"[20], surpreendemos os funerais de Maria de três meses, uma das filhas de Costa Aguiar em 1789:
“... foi enterrada na Matriz acompanhada de todas as comunidades regulares e de todo o Clero desta vila, e das Irmandades do Santíssimo
Sacramento, Passos e Rosário, de que Eu e minha Mulher somos irmãos..." [21] . Nela, cujo orago era Nossa
Senhora do Rosário, também foi posteriormente inumado no altar-mor, o padrinho da criança morta, o padre Patrício de Andrada. Mesmo a quatro
supliciados nas extremidades das vergas de uma embarcação em 1821, pela revolta do primeiro batalhão dos caçadores, liderada pelo Chaguinhas e
enforcado em São Paulo, é concedido espaço para o enterramento junto à Matriz. Também na capela de Jesus Maria e José ou, capela do Terço,
infelizmente também desaparecida pelo progresso, no ato de traslado dos despojos com a demolição, identificaram-se além dos restos de vinte e três
indivíduos livres, vinte e um escravizados[22]. Não seriam, porém, todos os escravos enterrados em capelas.
Havia ainda um cemitério, o Quintal de Santo Antonio, anexo ao Convento do Valongo, lamentavelmente também desaparecido a marretadas, e onde eram
jogados os corpos dos desclassificados. Seu equivalente em São Paulo corresponderia ao cemitério dos Aflitos, próximo, ou quase anexo, ao Morro da
Forca.
Uma última modalidade de inumação se fazia nos conventos e particularmente entre as irmandades dos Terceiros[23].
Eram essas as formas aceitáveis no século XIX para os adeptos das idéias novas, mais conformes com a noção de saúde pública, que se contrapunham
aos enterros nas igrejas com as emanações dos restos e os perigos de contágio para os assistentes do culto. Algumas Ordens "... tinham jazigos
mais decentes, anexos às respectivas igrejas, mas fora de seus recintos; que consistiam em filas superpostas de carneiros, feitos dentro de
grossas paredes, os quais depois de depositados os cadáveres eram hermeticamente fechados com tijolos e cal".[24]
São esses os hábitos ainda vigentes até meados do século XIX. Com a prática no Brasil de um catolicismo doméstico, diferente daquele mais
marcadamente comunitário em alguns países europeus. Os hábitos e tradições brasileiras são sobrevivências medievais articuladas às concepções
barrocas e tridentinas – a decoração parietal de azulejos (mais uma vez, desaparecida) dos terceiros de São Francisco, anexa à recentemente
fantasiada igreja do Valongo, mostrava Lutero esmagado por carro representando a Igreja – e aos séculos de vigência do poder inquisitorial, que só
existiriam ainda pontual e residualmente, mesmo em países latinos e católicos.
Protestantes então, são acatólicos, os dissidentes da Igreja, os apartados, cujas palavras nos falam de negação e da separação, de exclusão enfim.
Mas não se trata apenas de discurso, são palavras que se concretizam em ações discriminatórias cerceando o direito de ser, de existir em
plenitude, ou até morrer, legalmente. Uma curiosa sociedade que tão complacentemente recebia, distribuía e ordenava hierarquicamente os senhores,
escravos e supliciados na morte revelava-se absolutamente intolerante, intransigentemente incapaz de acolher também na morte, o estrangeiro
dissidente.
Mas, como foram criados os cemitérios públicos? A despeito do caráter discriminatório contra os acatólicos há tentativas políticas de resolver o
problema. Por razões sanitárias que impediriam os enterramentos em igrejas e para inumar corpos sem distinção de culto. A legislação já
preconizava isso em lei desde 1828. Mais uma vez, quatro anos depois, em 1832, um aviso reitera o direito e a necessidade de que as Câmaras
Municipais criassem cemitérios e, nessa última data, se estabelece igualmente distinção entre cemitérios particulares, como os dos conventos e
irmandades, dos públicos que viessem a ser criados pelas municipalidades. A questão para os legisladores não seria proibir cemitérios
particulares, mas impedir com a criação de cemitérios públicos, o enterramento nas igrejas, por insalubre e até discriminatório, como se falou.
Há, entretanto, dois aspectos que aí intervém. O primeiro seria a ruptura de um costume arraigado, uma tradição que se relacionava ao sagrado,
como lembra a epígrafe desse segmento. Em razão disso não seriam pequenas as resistências. Aliás, nesse caso, creio que é possível aventar uma
explicação. Em contraponto aos problemas sanitários, inumados os corpos e, cumprido o luto, poderia haver um profundo conforto psíquico das
famílias enlutadas. Nas igrejas, os mortos eram entregues aos santos, ou seja, tinham quem velasse por eles e os impedissem de se imiscuir nos
assuntos dos vivos. Não é muito estranhável que sob esse ponto de vista não tenha havido e se desenvolvido no passado brasileiro, esse imaginário
gótico, como é característico em países nórdicos e protestantes, de fantasmas e almas penadas assombrando os vivos. Traços que parecem surgir
entre nós, ou culturalmente importados, ou associados aos cemitérios e a outras práticas de inumação que se criaram, e que foram progressivamente
se dessacralizando.
O segundo, tem um perfil mais consistentemente palpável: a maioria das Câmaras, a de Santos incluída, não tinha condições para
arcar com a empreitada, além de sua manutenção posterior. Na verdade, para cumprir uma nova lei, a de 1850[25]
que proibia terminantemente o enterro nos templos, em Santos e com auxílio provincial, será criado o Cemitério Público do Paquetá. Na verdade,
além da escolha do terreno e dos custos, as posturas municipais também deviam se adequar à lei maior e, por sua vez, proibir os enterros nas
igrejas. E tudo corre muito lentamente, o Paquetá irá funcionar somente a partir de 1855. O que não deve causar qualquer estranhamento: o
cemitério da Consolação, na capital da Província, ficará adequado para as funções apenas em 1858. Há ainda algumas dificuldades adicionais, essas
com a mão de obra. Em São Paulo, cujos Registros Gerais da Câmara no século XIX tive oportunidade de estudar com alguma minúcia, tudo leva a crer
que os primeiros "funcionários públicos" destacados para diversas obras, das quais também não é possível descartar por completo o cemitério, eram
constituídos por sentenciados no cumprimento das suas respectivas penas...
Quanto ao cemitério alemão de Santos, ele irá surgir como uma empresa e iniciativa particular em petição encaminhada à Câmara em 1844. Os termos
exatos da mesma são desconhecidos, pois nada foi encontrado no Livro de Registros daquele ano. É possível, porém, nos Livros de Atas, apreciar a
solicitação, em arrepiante linguagem (dis)funcional:
"... de Frederico Fomm por si e a pedido de todos os protestantes existentes nesta cidade,
pedindo para erigerem (sic) a sua custa (sic) um cemitério onde possa (sic) ser interrados (sic) os cadáveres dos que finassem e não pertencerem
(sic) ao grêmio da Igreja Católica Romana (...) Declaro que a petição indica o local no enterro (sic) pertencente a (sic) Vila Nova..."[26]
Quase dois anos, no entanto, separaram a solicitação das primeiras datas de inumação em 1846. Embora
o espaço de tempo configure inusitada lentidão, a verdade é outra. O enorme prestígio local de Fomm, assim como do grupo que ele representava,
além dos alemães, ingleses e uns poucos americanos, ligados ao comércio exportador e ao estrato social mais elevado, impôs uma resolução mais
rápida que o usual. Além disso, como fica consignado na petição, não há custos para a Câmara, o cemitério seria construído por particulares e
havia o terreno na Vila Nova, distante do núcleo urbano, mais povoado. É bastante provável que o terreno correspondesse a uma parte muito pequena
das terras, onde Fomm tinha implantado o empreendimento malogrado de uma usina de açúcar, com acesso direto para o Estuário, e que ele pretendeu
explorar com mão de obra livre constituída por imigrantes predominantemente alemães, conforme nos diz Miranda Azevedo, em texto já citado
anteriormente.
Enfim, o cemitério protestante, só terá seu regulamento administrativo em agosto de 1846, indicando pelas
primeiras datas de inumação, o seu uso, antes da eventual conclusão de obras e da efetiva organização. Sabe-se também que o terreno original
deveria ser muito pequeno, pois sua viúva Bárbara Fomm, três anos após a morte de Friedrich em 1850, fez a doação de "dez braças de terrenos
contíguo ao já pertencente"[27] ao cemitério. Acréscimo de 22 metros, cuja referência não se sabe se é apenas
aplicável à testada, ou à área. Apesar disso, as dimensões eram exíguas para os imensos padrões atuais. Em 1878, a publicação de mapa de Santos[28],
reproduz no espaço urbano, entre as ruas Sete de Setembro e Bittencourt, a necrópole na Vila Nova, margeando com um dos seus lados o Estuário e,
paralela ao Cemitério Público. Suas minúsculas dimensões de 738 metros quadrados seriam absolutamente insuficientes para absorver, não apenas o
número dos óbitos decorrentes do crescimento provável da população protestante, mas principalmente, da população flutuante, os marítimos dessa
confissão, principalmente. Mormente se levarmos em conta as epidemias que os dizimavam, das quais, em alguns casos, eles mesmos eram os vetores
involuntários.
A abordagem sobre o cemitério, quando a fiz, levou-me a considerar exclusivamente
os germânicos lá inumados. A lista[29], provavelmente a transcrição feita quando houve o traslado dos restos,
desde que se apresenta datilografada, embora importante, é absolutamente lacunar, particularmente quanto às razões dos óbitos. Às vezes, também
quanto à origem dos mortos. Dessa maneira, o que fiz, foi de fato um recorte, e não um estudo sistemático do cemitério. Interessava-me entender as
razões de a necrópole dos protestantes ter em memórias escritas, que por sua vez, reproduziam a percepção e a memória dos locais, inclusive dos
próprios germânicos, a denominação nacional de Cemitério dos Alemães.
Disso decorreu uma constatação importante para fundamentar a denominação. Entre os primeiros inumados, há uma criança de quase dois anos
completos, Nelson Heinrich, (cujo sobrenome talvez, se anteponha aqui ao nome) textualmente, de confissão católica. Sua procedência ou origem, não
é assinalada e, se não é certo, não é improvável que tenha nascido em Santos. Por outro lado, verificando a lista dos habitantes de Cidade em
1846, encontramos entre os moradores, Pedro Nelson e Maria Schneider que, tudo indica, serem os pais de uma menina inumada em 1848, Hanne Carolina
(sic) Nelson, também católica, mas de procedência não assinalada. Mais uma vez, nos anos de 49 e 50, repetem-se as inumações de duas outras
crianças católicas, sem determinar suas origens.
Ora, é impossível saber porque não teriam sido enterradas em igrejas. Mas é possível pensar que os
enterramentos dependiam da filiação a uma das irmandades existentes em Santos, como em qualquer outro sítio brasileiro. Por outro lado, enterros
envolviam, e ainda envolvem, custos com os quais muitas famílias poderiam não ter condições de arcar. E, ainda que a maioria da população vivesse
muito modestamente, as atitudes em relação à morte, muito distintas das contemporâneas, e os gastos com as pompas fúnebres eram consideráveis.
Enfim, todos sem distinção, pertenciam a alguma irmandade. Tanto que os escravos também tinham suas irmandades, a do Rosário, como também os
homens pardos se agrupavam na irmandade de Nossa Sra. da Boa Morte, com suas respectivas igrejas. E, são as irmandades que custeiam os enterros
dos seus associados. Nesse caso, não bastaria apenas ser católico, seria necessário pertencer a uma delas. Ou, simplesmente as mortes poderiam ser
tão repentinas, que não havia com dar respostas à altura das providências, sendo gravadas pelos altos custos.
Pois bem, por aproximadamente dez anos, antes da existência do Paquetá, o Cemitério dos
Protestantes, ainda que particular, talvez fosse uma das únicas possibilidades para os enterramentos entre os estrangeiros – ou filhos de
estrangeiros eventualmente nascidos em Santos – e não apenas os originários das confissões reformadas. Portanto, a tolerância dos protestantes
germânicos em relação aos católicos da mesma origem pode efetivamente ser comprovada, não é mera retórica ou discurso.
Antes da fundação do Germania-Santos, em número maior que ingleses e uns poucos americanos, tudo indicaria que o Cemitério dos Protestantes,
denominação oficial, era no imaginário de germânicos e santistas, de fato, o Cemitério dos Alemães. Ao menos durante um lapso de tempo. Depois se
transformou em Cemitério dos Ingleses ou até, Cemitério dos Estrangeiros, mas isso já é outra coisa.
Colônias estrangeiras e Patrimônio
No âmbito daquilo que reconhecemos como colônias estrangeiras em Santos,
poderíamos tomar como exemplo a que também foi citada por Garcia Redondo, a portuguesa, para aferir e identificar a autoconsciência do
estrangeiro. E, como se falou de estruturas simbólicas, podemos nos perguntar por meio do quê, se faz concretamente a intermediação ou, se
manifesta essa autoconsciência. No caso dos portugueses creio que é possível apontar para a Beneficência Portuguesa, ou como se designava, o
Hospital Português. Claro que se trata do primeiro edifício, na Vila Nova, próximo do Paquetá e do próprio Cemitério Alemão.
Em se tratando dos portugueses poderia soar inusitado, na medida em que as Misericórdias que têm por modelo a de Lisboa, são
talvez, as mais veneráveis instituições assistenciais e hospitalares. Todavia, elas, e a que se consideraria a mais antiga no Brasil, a Santa Casa
de Santos, foram apropriadas num processo mais que secular, no tecido histórico brasileiro. Após a independência, essa é uma Instituição com
profundos vínculos locais, não é mais portuguesa. A Beneficência, por sua vez, surgiu como meio de satisfazer necessidades dos imigrantes, que já
não mais se confundem com o estatuto jurídico-político brasileiro. Independente da etnia, língua, religião e costumes quase iguais ou, muito
semelhantes, entre brasileiros e portugueses, algo sempre irá indicar, – até os falares – para eles e para os outros, que são estrangeiros. Assim,
esse Hospital, tem a eficácia de um símbolo da terra de origem e dos seus imigrantes. Mas, embora de fundação estrangeira, atendia a necessidades
dos homens, daquele espaço e daquele tempo, no sítio em que foi criado. Traduz uma relação dialética entre as origens dos seus criadores e a
própria cidade. Como tal, a ela pertence. Não é, entranhadamente, território estrangeiro como os consulados, as missões e as embaixadas. E ainda
essas, na suas características morfológicas, estão circunscritas e condicionadas localmente, onde quer que se situem[30].
A Beneficência é parte integrante do processo histórico santista e como tal, um bem do seu patrimônio cultural. Seja pela sua bela edificação
atual no Canal 2, como pelas relações que entreteve e entretém com a comunidade dos imigrantes e seus descendentes, assim como pelas relações, num
âmbito mais amplo, com a sociedade em Santos.
Até agora, não há grandes dificuldades para o entendimento: trata-se de estrangeiro, mas muito próximo e, de patrimônio edificado tangível –
esperemos que assim permaneça – e não, daqueles que também estrangeiros, são ao contrário distantes e, cujos bens patrimoniais desapareceram das
vistas, com proprietários expulsos e varridos da memória. Mas, também no caso deles, a relação com o espaço num determinado tempo dado, os bens
patrimoniais à cidade pertenciam. Faziam parte de sua história como esse cemitério, que só pôde existir em razão das peculiaridades dos seus
fundadores, articuladas às singularidades locais e às ordenações legais brasileiras em tempos da monarquia.
É certo que ao se falar de cemitérios podemos imediatamente invocar até visitas guiadas para conhecer a arte tumular. Impossível falar disso no
caso dos cemitérios protestantes, que com algumas poucas exceções têm como marcos apenas lápides e inscrições, e no mais, formas simbólicas e
evocativas – dependendo da confissão – de figuras arquitetônicas destituídas das suas funções estruturais precípuas. Mas, nessas condições, quer
sejam ainda existentes ou tenham desaparecido, todos eles têm história. Conseqüentemente, bens patrimoniais não são apenas os visíveis, de pedra e
cal. E, independente da arqueologia histórica convencional, cuja contribuição é fundamental para o conhecimento, ainda há documentação que, vindo
à luz, reinterpretada, pode reavivar a memória e justificar os vínculos dos bens patrimoniais e dos alemães com a cidade.
Como já havia aludido, há outras instituições também desaparecidas ou apropriadas para outros fins. È o caso, além do Germania, da Associação de
Tiro, a Schützen-Verein, conhecida como clube do Bugre, em São Vicente desde 1886. Finalmente, sem citar as instituições de menos importância, a
Deutsche Schule-Santos, Escola Alemã de Santos, semelhante a sua congênere paulistana, o atual Colégio Visconde de Porto Seguro. Infelizmente,
nenhum dos dois edifícios onde a Escola funcionou desde 1903, subsistiu.
De um lado é possível reconhecer que efetivamente com a 2ª. Guerra e o engajamento militar do Brasil e, sobretudo, com o temor e repúdio ao
nazismo, se tenham dispersado os proprietários, ocupado edifícios e, tudo tenha submergido em esquecimento. De ambos os lados, a memória tornou-se
penosa. Mas há, além disso, um elemento subjacente à escolha dos bens patrimoniais que é um certo conceito passadista de história, amparado num
nacionalismo militante, que tende a rejeitar o "estrangeiro" como espúrio. Consideração absolutamente vesga, na medida em que é o meio onde se
implantam essas instituições e edificações, que as solicita.
Num outro espectro, corolário desse nacionalismo, se manifesta esse mesmo conceito conservador, como o vetor da história oficial. Ao contrário do
que se poderia imaginar ele também pode conviver internalizado junto a concepções sofisticadas de preservação e reabilitação, mas não tão
ponderadas nas disposições para o uso dos bens preservados.
Quando da solicitação para o tombamento da Fortaleza da Barra Grande na ilha de Santo Amaro é possível constatar no parecer, já
bastante antigo, que a despeito de ser favorável ao tombamento, Lúcio Costa nada tinha a opor quanto à instalação de um Yacht Club no local
porque, acrescenta, o Forte "não está vinculado a nenhum fato particular de relevância histórica"[31]. Então,
fica implícito, que há nos tombamentos, dois tipos de espaços. Conseqüentemente um deles é sagrado em razão de grandes acontecimentos, destinado a
museificação nacional ou regional, vedado, portanto, a qualquer outra ocupação menos "nobre", com o quê, é impossível concordar. Por outro lado,
poder-se-á objetar que o parecer envelheceu, e essa não é mais a concepção vigente. Indiscutivelmente, o discurso mudou. Quanto às práticas, é
discutível. Do núcleo das concepções nada mudou, menos ainda, quanto às repercussões desse mesmo núcleo de pensamento em outras instâncias que,
diga-se, é a manifestação de saber técnico de sabor ideológico.
O problema real, em decorrência, é o fato dessa concepção cristalizada de espaço de viés quase religioso, ao distinguir o profano do sagrado,
apreendido nessa infra-estrutura processual de classificação de "fatos de relevância histórica", tornando-o altar de celebrações oficiais da
nacionalidade, converter tudo mais, hierarquicamente, no resto. E em adição, excluir "o estrangeiro" que não está, nem mesmo entre o resto. Não é
preciso dizer que esse conceito de "nacional" – ao que se segue nessa mesma linha o "regional" – elimina o "estrangeiro", como o estranho àquilo
que é legítimo. Primeiramente o faz com os homens, depois com coisas, entre as quais, as de pedra e cal. Simplesmente nega-lhes a história. Ele, o
"estrangeiro", e suas coisas aparecem apenas como curiosidade, no rodapé das efemérides nacionais ou regionais. E, entre suas coisas, aqui de
forma restrita, estão suas crenças religiosas e respectivas edificações. Ora, se estou voltado para o conceito do nacional apoiado naquela
perspectiva historiográfica conservadora, nada mais posso ver senão os exemplares construídos das igrejas católicas, não existem sequer as
protestantes e ortodoxas que também são cristãs, ou os centros espíritas, os terreiros, etc. Por serem ainda mais "estrangeiras" menos visíveis
seriam as sinagogas, as mesquitas, etc. Estranhamente, prevaleceria o espírito da Constituição monárquica de 1824, na vigência da última, e
relativamente recente, Constituição republicana de 1988.
Há um outro aspecto ainda, no que tange a esse paradigma conceitual de patrimônio que, no mais das vezes, é o modelo, para a construção e
institucionalização de órgãos estaduais e municipais congêneres. Nele se apoiando, às vezes, apressada e acriticamente, enquanto oportunamente se
descentralizam e se tornam regionais esses órgãos, paradoxalmente tornam-se, apesar de novos, portadores de preconceitos por meio de velhas
idéias. Que não são más por serem velhas, mas inadequadas. Em suma, é o novo e os equipamentos são high tech, convivendo com um conceito de
história que coleciona fatos e personagens congelados, acima do bem e do mal, aureolados da pátina do tempo.
Finalmente, isso também distorce e estimula as aspirações de reprodução desses mesmos objetivos, dos grandes eventos, em instâncias regionais,
perpetuando um processo de re-construção e re-invenção historiográfica, da mesma mitologia de grandes feitos por meio de heróis locais – e por
extensão da modesta contribuição dos bens patrimoniais – para alçá-los às alturas do panteão oficial ou, em circunstâncias materiais, com móveis e
imóveis, construídos como exemplares dignos de comparação com o melhor barroco...
Equívoco que poderia ser resolvido absorvendo, de fato, o conceito de que todos os indivíduos vivem e fazem história, sem necessariamente serem
heróis e praticar grandes feitos. No caso dos estrangeiros, numa referência restrita apenas ao século XIX, o que poderia ser mais importante que a
valorização do trabalho livre numa sociedade escravista?
[1]Haroldo L.
Camargo é doutor em História Social (A colônia alemã de Santos e as dimensões do perigo alemão. Da formação ao expurgo: 1822-1943).
Professor de História do Brasil; Cultura; Arte; Patrimônio e Turismo. Chefe de Depto.; Coordenador e Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
(1975-2001). Apresentador e Pesquisador da Divisão de Educação da TV Cultura/SP (1972-1975). Historiador do Condephaat/ SCESP (1982-1996). Autor
de "Fundamentos Multidisciplinares do Turismo: História" Senac/SP, 2001 e Patrimônio Histórico e Cultural. Ed. Aleph/SP, 2003 (2a. edição ).
[2] "A cidade de Santos – rápida vista retrospectiva", p. 136-141, in Almanach Litterario
de São Paulo para o anno de 1885. Publicado por José Maria Lisboa. 8o. anno. São Paulo: Typographia da Provincia de São Paulo. Todos os outros
fragmentos, nesse contexto, em itálico e aspas, foram citados do mesmo texto.
[3] Corresponde aproximadamente à figura geométrica inscrita por Sorocaba/Piracicaba;
Mogi-Guaçú/Jundiaí.
[4] São vários os consulados germânicos em Santos. As razões se esclarecem na nota
subseqüente.
[5] A proclamação do Império Alemão em 1871 que consolidou a Unificação teve por antecessores,
39 estados germânicos que se originaram do Congresso de Viena, em 1815. Os Registros de Estrangeiros no Brasil revelam que os germânicos
declaram-se prussianos, hamburgueses, bávaros, badenses, etc. Uns poucos se declaram simplesmente alemães. Essa denominação, germânicos, não é
aqui aplicada aos indivíduos de origem suíça por haver nacionalidade definida, nem aos germanófonos do Império Austríaco pelos mesmos motivos.
[6] Como cidade, hoje é inexistente. Conurbada desde 1929 corresponde atualmente a Wuppertal,
na bacia do Ruhr.
[7] A observação é de Sérgio Buarque de Holanda, em prefácio às Memórias de Davatz, ao
identificar a onomástica germânica dos construtores de carros, por intermédio do Almanaque de São João do Rio Claro.
[8] Zenha, Edmundo. "A colônia alemã de Santo Amaro; sua instalação em 1828".
[9] Zenha, cit. p. 09.
[10] Davatz, cit. p. 39.
[11] Idem, p. 30.
[12] As dificuldades funcionais não se restringem aos nomes estrangeiros. Eis o que
registra, por exemplo, José Pedro Galvão de Moura Lacerda no mapa de quarteirão do Cubatão em 1836: "Em um total de 21 fogos, porém ilegível, as
folhas estão borradas, ou seja, o cretino do inspetor deste quarteirão escreveu uma primeira lista de forma errada e fez outra, só que o problema
é que o estúpido fez a segunda via em cima da primeira, ficando as duas ilegíveis".
[13] Miranda de Azevedo. "Frederico Fomm". Almanach Litterario 1880. Cit. p. 85
[14] Fomm também seria o responsável pelos planos de ligação ferroviária entre o Porto e o
Planalto, não executados. Louvado como precursor frustrado, na verdade, alguns estudiosos da matéria sugerem que o plano seria inexeqüível.
[15] Cit. p. 324.
[16] P. 325.
[17] Handelmann, H. Tomo 2, p. 353: "A raça de língua alemã (...) que o Brasil de
preferência procura atrair, professa aproximadamente em iguais partes, o rito católico e o evangélico; na pátria, essa raça sustentou um guerra de
séculos, para obter a paridade legal de ambas essas religiões, e aprendeu a respeitá-la, e não poderá sentir-se disposta a reviver ainda, seja
onde for, semelhantes lutas..."
[18] Apud Ribeiro, Boanerges. Cit. p. 94.
[19] No adro da Matriz o vigário da Vila, por faculdade do bispo diocesano, manda assentar
marcos de pedra separando o sagrado do profano, benzendo-o na forma estipulada pelo Ritual Romano.
[20] De estilo neogótico e do mesmo construtor da Sé em S. Paulo, cuja Sé Velha foi
igualmente demolida. Esperemos que não se queira demolir a atual Catedral e construir-se uma outra, de gosto ainda mais moderno...
[21] "Cadernos de Assentos", p. 202.
[22] Costa e Silva Sobrinho.
[23] Ordens primeiras: conventos masculinos. Segundas: conventos femininos. Terceiras ou
Irmandades (Carmo, S. Francisco, etc.): filiados são irmãos leigos de ambos os sexos.
[24] Vieira Bueno, Francisco de Assis. Cit. p. 37. Para melhor visualizar, recorrer às
gravuras de Debret, Viagem Pitoresca...: Tomo III. V. III. Prancha 28. Do mesmo autor podem ser vistos os pavimentos das igrejas, em
madeira e numerados. Os pavimentos atuais nas velhas igrejas, de tábuas corridas, ladrilhos ou outros materiais duros, são mais recentes,
posteriores à proibição dos enterramentos. Poucas igrejas conservariam os pavimentos originais em madeira e campas numeradas, como pude observar
em Tiradentes/MG.
[25] Lei 583, 16 de março de 1850.
[26] Livro no. 5. Atas: 1840-1847, p. 159-159 A
[27] Transcrição da Escritura de Compra e Venda do Cemitério dos Estrangeiros. 6o. Cartório
de Notas de Santos. 27/10/1993.
[28] Publicado por Jules Martin, Editor/SP. Mappa da Cidade de Santos e S. Vicente. Seus
Edifícios Públicos. Hotéis. Linhas Ferreas e de Bonds. Igrejas. Passeios. Reproduzido 1978, Condephaat/Cidades Históricas nº.6.
[29] Liste der Verstorben. Arquivo da Imigração Alemã/SP.
[30]
O exemplo mais flagrante disso é o edifício da embaixada brasileira em Roma: o Palazzo Doria Pamphili em Roma, um magnífico exemplar, no contexto
do urbanismo, arquitetura e escultura, do barroco romano, da Piazza Navona. Do Brasil, distingue-se apenas a bandeira hasteada no mastro.
[31] Pessôa, José (org.). Lúcio Costa: Documentos de Trabalho. 2a edição. Rio de Janeiro:
Iphan, 2004. Cit. p. 96. Parecer DET: 21/09/1950.
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