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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas - Valongo - BIBLIOTECA NM
Igreja do Valongo, por frei Basilio Röwer (4)

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Em livro impresso em 1955, intitulado O Convento de Sto. Antonio do Valongo, o frei Basilio Röwer OFM conta a centenária história desse convento, com prefácio de Cyro Carneiro.

Confeccionado por L. Niccolini S/A Indústria Gráfica, de São Paulo, foi uma "Edição especial de dois mil exemplares, com autorização do autor, para venda em benefício das obras de restauração do Convento de Santo Antonio do Valongo da Cidade de Santos".

Esta é a íntegra dessa obra de 120 páginas (exemplar no acervo do pesquisador de História e professor Francisco Carballa - ortografia atualizada nesta transcrição):

[...]


A imagem da "Justiça Divina"

Foto e legenda publicadas com o texto


Histórico (...)

O século XVIII

Muito escassa, quase nula, é a documentação referente ao Convento de Sto. Antônio de Santos, que nos dissesse alguma coisa sobre a sua história no século XVIII. E era, entretanto, o século em que a Província franciscana da Imaculada Conceição, afora algumas sombras nos primeiros decênios, chegou a seu maior grau de florescência.

Além disso, continuavam ainda neste século as bandeiras e entradas, com que os paulistas escreveram na sua história páginas de incomparável heroísmo.

Todas estas coisas deviam influir sobre a vida nos conventos e produzir fatos e acontecimentos que hoje desejaríamos conhecer.

Mas os documentos se calam. Sendo isto assim, parece-nos lícito aplicar o dito da gíria: "nenhuma notícia, boa notícia". A vida do Convento do Valongo corria nos moldes de costume: culto divino, administração dos Sacramentos, pregação, missões volantes pelos arredores.

Os poucos fatos de que em particular conseguimos notícia em nossas investigações passamos já a referir.

Ligeiro atrito com a Ordem Terceira

Durante cinqüenta anos, depois de sua fundação, a Ordem Terceira da Penitência de Santos realizava seus atos no convento e na igreja deste. Depois, porém, de concluída a capela lateral própria e benta em 24 de março de 1691, passaram a celebrar nela as suas solenidades.

Naquele tempo de fervor, os Terceiros dos nossos conventos entregavam-se a muitos exercícios de penitência e piedade em comum e a este fim tinham geralmente ao lado de sua capela a chamada "casa de exercícios", além de outras dependências.

É o que também os Terceiros de Santos desejavam ter. Resolveram, pois, construir, na área doada pelos frades e ainda desocupada, o claustro quadrangular, com arcos em baixo e dependências em cima, como ainda hoje se pode ver [43].

Foi esta construção que provocou ligeiro atrito com os frades, em 1712. De nossa parte pensamos que para a desinteligência contribuiu também a animosidade que desde princípios do século se notava entre portugueses e brasileiros, e que perturbava a boa harmonia não só entre os cidadãos, mas também nos conventos e entre frades e terceiros [44].

Existia no coro da igreja conventual, muito maior do que o atual, uma janela, que dava para a área dos Terceiros, a única por onde penetrava luz do lado [45]. Com a construção, a janela ficaria inutilizada. Por este motivo protestaram os religiosos, mas os Terceiros não cediam. Resultado: um belo dia os Terceiros fecharam a sua capela, tiraram os paramentos e mais coisas pertencentes a ela, depositando tudo no Convento do Carmo. Era o rompimento.

Nesta altura interveio o mestre de campo, governador da Praça. Com boas palavras conseguiu apaziguar os espíritos exaltados, houve mútuo entendimento e restabeleceu-se a harmonia entre as duas corporações.

O governador julgou ter feito obra tão importante que seu ato merecia ser levado ao conhecimento do rei. Fê-lo e recebeu carta de aprovação de seu procedimento, mas "sem prejuízo dos meios ordinários que ambas as partes quisessem usar" [46].

Em 1º de novembro de 1729, o Definitório Provincial deu o seu formal consentimento para a planejada construção [47].

Frei Antônio do Extremo

De frei Antônio do Extremo nos ocupamos na monografia sobre o Convento de S. Francisco de S. Paulo. Queremos apenas lembrar aqui que também Santos foi teatro de seus apostólicos labores.

Depois de frei Antônio missionar em Goiás e Mato Grosso, percorrendo as distâncias sempre com perigo de vida, dirigiu-se por terra e, andando a pé, à Colônia de Sacramento pregando missões nos povoados por onde passava.

Também a volta quis fazer por terra, para novamente visitar as localidades missionadas na ida. Foi assim que chegou a Santos na quaresma de 1752. Como de costume abriu logo a missão, trabalhou, suou, mas os frutos não corresponderam a seus esforços. "Foi para mim - escreve ele - a freguesia mais desabrida e infrutuosa" [48].

Talvez se devesse o insucesso ao grande movimento do porto. Mas seja como for, o Convento do Valongo teve a honra de hospedar o maior missionário que a nossa Província produziu [49].

Reconstrução do convento

Na Congregação Intermédia de 24 de março de 1798 tinha sido eleito Guardião do Convento de Sto. Antônio do Valongo frei Joaquim da SS. Trindade. Fizera o noviciado em Macacú no tempo áureo da Província, sendo da turma de frei Francisco de S. Carlos e de frei Francisco Solano. Era, pois, religioso da velha têmpera.

Empreendeu frei Joaquim a reconstrução do convento, que se tornara necessária. Num ano e seis meses, o quanto durou a sua guardiania, conseguiu "edificar quadra e meia", quer dizer, um lanço todo e mais a metade do outro. Os superiores premiaram esta atividade no Capítulo de 1799, levando-lhe em conta uma guardiania. Quer isto dizer que para ser eleito para cargo superior, em lugar de três vezes bastaria ter servido de Guardião só duas vezes.

Depois de um ano e meses de interrupção, foi eleito novamente para o mesmo cargo, na Congregação Intermédia de 28 de março de 1801, o que autoriza a crer que seu imediato antecessor, frei João de Sta. Genoveva Rocha, nada fizera para continuar as obras. Os superiores também esta vez tiveram a satisfação de ver a frei Joaquim trabalhar infatigavelmente para concluir as obras. Restaurou, pois, todo o convento e em seguida passou para a torre da igreja, de modo que deixou tudo restaurado quando, no Capítulo de 2 de outubro de 1802, foi eleito Definidor de Mesa [50].

Não existindo, além das ligeiras indicações contidas no Registro dos Religiosos, outros documentos acerca da obra realizada por frei Joaquim, é difícil dizer hoje com precisão em que ela consistiu. De todo excluída fica uma total reconstrução do convento e igreja; o curto espaço de tempo de duas guardianias, isto é, de três anos, não o permitiria. Quanto ao convento, tratava-se, contudo, de obra vultosa, como ficou patente pelos muitos alicerces que foram descobertos no chão quando, em 1936, se procedeu às reformas ainda não de todo concluídas. Somos, pois, de opinião que a reconstrução de frei Joaquim foi uma restauração mais ou menos completa do interior, ficando intactas as paredes mestras.

No que diz respeito à igreja, a julgar pelo estado em que ela se achava até a reforma recente, pensamos que a obra de frei Joaquim foi somente a renovação do telhado do corpo da igreja. Opinamos assim porque, estando a parede lateral, lado da Epístola, enormemente fora do prumo, o teto acompanhava este defeito prova de que foi colocado depois de 1640, pois não é de supor existisse tal defeito desde a fundação. E como não há notícia de outra restauração, atribuímos a frei Joaquim a renovação do telhado do corpo da igreja.

Além disso, é provável que tenha o dito Guardião removido a Capela de S. Benedito, que já não existe, e aumentado o número dos altares que na fundação só eram três.

Não queremos deixar de salientar o curto espaço em que se fizeram tão grandes obras. O Guardião não as podia realizar sem o concurso generoso do povo santista, que mais uma vez patenteou sua estima aos franciscanos e a devoção ao glorioso taumaturgo Sto. Antônio.

Trabalhos de menor vulto - para concluirmos o capítulo das restaurações - foram executados de 1819 a 1822. De frei Antônio do Menino Jesus, eleito na Congregação Intermédia, de 23 de outubro de 1819, consta que "fez serviços extraordinários na guardiania de Santos" e que por este motivo teve o privilégio de uma guardiania [51].

Seu sucessor, frei João de Sto. Aleixo, pôs novo madeiramento e forrou toda a capela-mor, com esmolas que para isso recebeu do capitão João Batista da Silva Passos [52].


[43] Não há nenhuma outra Ordem Terceira na nossa Província que tenha concebido a bela idéia de, na forma como o fez a de Santos, construir as suas dependências.

[44] Cfr. frei Basílio, O Convento, pág. 93 ss.

[45] Dentro da igreja conventual não há mais vestígio dessa janela, mas do lado da Ordem ainda aparece a esquadria de pedra.

[46] Docs. interes., vol. XVI.

[47] Livros termos, O.T.Santos, fls. ilegível.

[48] Frei Antônio do Extremo. Carta.

[49] Frei Antônio do Extremo entrou na Ordem, sendo padre secular em Minas, pelo ano de 1730. Depois da profissão exerceu o cargo de comissário junto à Penitência do Rio até 1740, quando foi destinado às missões, sendo o seu primeiro campo de trabalho o interior de Goiás. Daí voltou a Minas, mas tornou a Goiás, indo pelo sertão, povoado de bororos bravos e ferozes, até chegar a Cuiabá e depois a Mato Grosso, viajando sempre a pé e sempre pregando missão nas localidades. Quando lhe perguntavam como se sustentava, respondia que Deus nunca lhe faltara com o sustento, e ele levava consigo apenas um prato de farinha e um pedaço de carne de porco.

Na viagem de volta de Mato Grosso a Cuiabá, sofreu um grande susto, sendo um dia surpreendido na mata por uma vara de porcos selvagens. Ele mesmo confessou que nesta ocasião "ficou sem sangue", mas rezando o "Si quaeris" a Sto. Antônio, os porcos foram-se, ficando ele com o prejuízo somente de um deles lhe meter os dentes na caixa de rapé.

Ao chegar a Cuiabá, frei Antônio caiu doente. Depois de restabelecido, reiniciou as missões e era tanta a veneração que o povo lhe tinha que, ao subir ao púlpito, lhe tiravam retalhos do manto, à guisa de relíquias.

Em março de 1751 voltou a S. Paulo. Não se deteve ali, mas empreendeu outra viagem de missões através das regiões do Sul, passando por Sorocaba e Curitiba, até chegar à Colônia do Sacramento. Dali regressou tomando rumo outra vez por terra, no intuito de visitar as povoações missionadas na ida. Chegou a São Paulo em meio da quaresma de 1752 e em 1º de junho - assim escreve o síndico Manuel Soares - ia abrir uma missão na cidade, para em seguida estender-se pelo bispado. Não consta se pôde realizar todo o seu plano, pois veio a falecer em fevereiro de 1753, no Convento de S. Paulo.

Acrescentemos a isso algumas particularidades. Nas viagens, sempre feitas a pé, só calçava alpercatas, isto é, solas de couro de boi, ligadas aos pés por meio de correias. Sobre o corpo trazia, bem amarrado, um sertum de baeta azul (colete), uma túnica leve, um hábito cinzento e manto. Este só tirava ao iniciar suas práticas no púlpito, que duravam, às vezes, quatro horas. Em lugar de chapéu, para se proteger contra o sol e também beber água, colocava uma cuia, cobrindo-a com o capuz. O seu breviário, pendurado a tiracolo, com uma caixa de rapé de folha e o bastão de peregrino na mão, era tudo que levava consigo. A sua fiel companheira era uma cachorrinha que instintivamente lhe avisava a presença de uma fera ou de cobra venenosa. Perdeu-a nos campos do Rio Grande, onde ela morreu.

Frei Antônio do Extremo foi um dos mais ousados evangelizadores dos nossos sertões nas capitanias do SUl. É realmente estupendo o que este franciscano pôde aturar nas longas viagens sem guia e perdendo-se na vastidão dos campos, como aconteceu duas vezes em sua viagem à Colônia do Sacramento, faltando-lhe ao mesmo tempo o alimento. Mas grande foi o lucro na seara do Senhor.

Frei Antônio do Extremo era varão de acrisolada virtude. Sem isso não conservaria a "fortaleza notável sem turbação no espírito e com uma grande confiança na providência divina", como em sua carta confessa. Falsos amigos queriam persuadi-lo de largar a vida de missionário e não voltar para o convento, "porém a todos respondia que mais queria morrer entre esses perigos que viver fugitivo". Estando doente, em Cuiabá, encheu-se a casa de formigas que acompanhavam o padre por onde andava e lhe subiam pelo corpo, procurando a grande ferida que tinha. Admirando-se disso o síndico, respondeu: "Irmão, não faça caso, que isto são os demônios que me perseguem".

Estando para partir da Colônia do Sacramento, teve notícia de que o gentio fizera uma sortida nas vizinhanças de Montevidéu, por onde tinha de passar, que no caminho os tigres haviam morto "hum homê e hum moleque" e que dos três soldados que deviam pedir socorro, um morreu afogado. "Enfim, outras muitas dificuldades se me opuseram - escreve - todas elas venci com lhes não ter medo".

Depois de voltar a S. Paulo, encontrou aí o melhor agasalho. Mas queixava-se da afabilidade e dos mimos da parte dos parentes, que todos eram fervorosos católicos. Por este motivo desejava empreender novas excursões, pois - dizia - "será loucura deixar perder as asperezas dos sertonis com as delícias dos povoados, e por isso desejo a minha retirada; porque não quero ser vencido de quem já fui vencedor". Linguagem digna de um perfeito religioso.

Não se realizou plenamente o desejo do santo missionário, Deus já lhe quis dar a recompensa de tantos labores. Em fevereiro de 1753 frei Antonio falecia no Convento de S. Francisco de Paulo, e nele foi enterrado.

Os seus venerandos ossos misturaram-se com o barro da taipa que impiedosas picaretadas deitaram abaixo na demolição do histórico convento. Frei Basílio - Páginas de História Franciscana no Brasil - pg. 120 ss.

[50] Reg. Rel. bras., fls.76.

[51] Livro eleições, I, fls. 128. Reg. Rel. europ., II, fls. 51. Frei Diogo, Elenco, nº 740.

[52] Frei Diogo, Elenco, nº 786.


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