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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas - Valongo - BIBLIOTECA NM
Igreja do Valongo, por frei Basilio Röwer (3)

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Em livro impresso em 1955, intitulado O Convento de Sto. Antonio do Valongo, o frei Basilio Röwer OFM conta a centenária história desse convento, com prefácio de Cyro Carneiro.

Confeccionado por L. Niccolini S/A Indústria Gráfica, de São Paulo, foi uma "Edição especial de dois mil exemplares, com autorização do autor, para venda em benefício das obras de restauração do Convento de Santo Antonio do Valongo da Cidade de Santos".

Esta é a íntegra dessa obra de 120 páginas (exemplar no acervo do pesquisador de História e professor Francisco Carballa - ortografia atualizada nesta transcrição):

[...]


Azulejo representando a morte de Santo Antonio

Foto e legenda publicadas com o texto


Histórico (...)

Fundação da Ordem Terceira

Onde os franciscanos se estabelecem, um de seus primeiros cuidados é fundar a Ordem Terceira da Penitência. Assim fazem hoje, assim faziam os frades nossos antepassados. É porque a terceira Instituição de S. Francisco é, na opinião da Igreja, um meio excelente para cultivar o espírito cristão; e a experiência tem mostrado que assim é de fato.

Pois bem, estando os frades fundadores do Convento de Santos já recolhidos na residência provisória, deram princípio também à Ordem Terceira. Mas, como não estamos a escrever o histórico dela, limitamo-nos a passar para estas páginas o que diz a seu respeito o velho documento que já diversas vezes citamos e que felizmente conseguimos decifrar quase todo.

"No mesmo ano da fundação deste convento teve a venerável ordem 3ª seu princípio porque dos livros dela consta que o padre pregador fr. Francisco de Coimbra como comissário lançou o hábito a algumas pessoas aos 20 dias do mês de outubro de 1641, e como isto era princípio, faziam seus exercícios no Capítulo do Claustro que hoje é sacristia, só o tomar o hábito e professar era na capela-mor por serem atos mais solenes. Nesta forma estiveram desde o sobredito ano até o ano de 1689 e como a venerável ordem 3ª se fosse aumentando e crescendo o número dos Irmãos 3ºs. pediram estes licença aos prelados maiores para fundarem capela própria, que benignamente lhes concederam toda a terra que eles pudessem ocupar com suas obras".

"Deu-se princípio a esta capela no ano de 1689, dia em que ao certo não consta. Era ministro provincial o p. mestre Eusébio da Expectação [23] e era segunda vez canonicamente eleito que a primeira vez foi ministro provincial por especial Breve de Sua Santidade quando esta Província se separou da Província da Bahia, que foi no ano de 1678. No ano de 1691 a 24 de março benzeu esta capela o p. mestre fr. Agostinho da Conceição, ex-provincial, e então custódio atual e visitador geral e disse missa nesta capela solenemente".

"Vivem os Irmãos 3ºs. com notável união com os religiosos: são regidos pelo comissário que lhes dá o prelado maior e com ele assistem aos ofícios divinos e todos os mais atos públicos da Religião e fazem seus exercícios espirituais, como tomar disciplina, quarto de oração mental ao mesmo tempo que os religiosos naquelas vezes que lhes é permitido e os mais exercícios fazem com o seu comissário particularmente [24].

Destas palavras, altamente elogiosas para os primitivos Terceiros franciscanos de Santos, se infere que florescia durante longos anos a observância dos Estatutos Gerais da Ordem Terceira, adotados no reino de Portugal, e que em rigor sobrepujavam a própria Regra ditada por S. Francisco e aprovada pelos papas.

O servo de Deus frei Gregório da Conceição

Nas localidades em que os franciscanos fundaram os seus conventos e por toda a parte onde os levava o seu ministério, desde que iniciaram a sua expansão pelas costas do Brasil, eram sempre os queridos do povo. Não era só o hábito de pobres de Cristo que atraía; era principalmente a vida de penitência e de zelo pelas almas. Além disso, não raro existiam entre eles religiosos cuja extraordinária santidade Deus testemunhava com dons especiais.

Também o Convento de Sto. Antônio do Valongo teve a felicidade de possuir na comunidade, desde a fundação e durante longos anos, uma dessas almas privilegiadas. É o servo de Deus frei Gregório da Conceição. Referem-se a ele os alfarrábios do antigo arquivo da Província e frei Apolinário da Conceição lhe dedica algumas páginas em seu Epítome [25] e no seu livro Pequenos na Terra, Grandes no Céu [26].

Faltaria, pois, uma página neste esboço histórico do Convento de Sto. Antônio de Santos se deixássemos de dizer, embora sumariamente, qual foi a vida deste servo de Deus.

Português de nascença, frei Gregório serviu como soldado tanto em sua terra natal como no Brasil, na restauração de Pernambuco. Da Bahia passou-se para o Rio de Janeiro, "deixando a milícia do rei da terra, para seguir a mais nobre milícia, qual é a do Rei do Céu, e se alistou debaixo das bandeiras do nosso santo Patriarca, tomando o nosso santo estado no Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, aos 4 de agosto de 1640".

Depois de professo, foi transferido para Santos, que Deus lhe destinara para ser o teatro de suas heróicas virtudes e o candeeiro para nele deixar brilhar a sua luz diante dos homens.

Ocupava-se comumente na coleta das esmolas. Nas suas jornadas ia freqüentemente descalço de todo e não usava de chapéu por maior que fosse o rigor do sol. Nas casas que lhe ofereciam hospedagem, não rejeitava a cama mas deitava-se no chão ou sobre uma esteira. Quando chegava a alguma casa todo molhado e dava o hábito para enxugar, os seculares observavam-no pelo buraco da fechadura e viam, então, o seu corpo superior todo coberto de cilícios.

Retornando ao convento, frei Gregório passava horas a fio de joelhos em devota oração, corria a Via-Sacra, ajudava o maior número possível de missas ou, conforme se fazia necessário, ajudava na portaria e na cozinha, no refeitório e na horta.

Freqüentemente vinham os seculares ao convento para consultar o religioso sobre negócios ou viagens que pretendiam fazer e confessavam que, seguindo os seus conselhos, eram sempre bem sucedidos.

Não faltam tampouco fatos extraordinários atribuídos a frei Gregório. Um dia ofereceram-lhe de esmola um boi, mas tão bravo que todos o temiam. O frade chamou-o em nome de Sto. Antônio e o animal veio mansamente, deixou que se lhe lançasse a corda e sem relutância seguiu até o Convento.

Em outra ocasião, e foi também no distrito da cidade de S. Paulo, foi chamado a uma casa onde os pais choravam a morte de seu filhinho. Frei Gregório passou toda a noite em oração e na manhã seguinte entregou a criança viva aos pais, dizendo que ela dormira.

Um caso interessante deu-se em Santos. Era véspera de S. Francisco, dia de jejum. Frei Gregório saiu do Valongo em busca de peixe. Chegando ao lugar das pescarias, achou os pescadores aborrecidos e soube então que em todos os lanços que fizeram só colheram lixo nas redes. A pedido, porém, do servo de Deus e pelo respeito que lhe tinham, lançaram de novo a rede e esta vez foram felizes, pois apanharam tantos peixes que encheram os dois cestos de frei Gregório. Este disse então aos pescadores que primeiro tirassem para o seu jantar, o que, porém, não quiseram fazer, na esperança, naturalmente, de terem outro lanço abundante. Arrependeram-se logo, pois, lançando outra vez a rede, nada apanharam e frei Gregório já se achava em caminho para o convento.

Frei Gregório morreu no convento de Santos em 1704, com noventa anos de idade e sessenta e quatro de religião franciscana, confortado com todos os Sacramentos. Espalhando-se a notícia do seu falecimento, enorme multidão de povo, entre os quais o governador da Praça, compareceu no convento. Todos desejavam possuir qualquer coisa do servo de Deus ou tocar no corpo os objetos que traziam.

Foi preciso vestir o corpo duas vezes e por isso o Guardião mandou fechar as portas e deu sepultura ao corpo. Disto não gostou o povo e como nada podia fazer, deu largas ao seu descontentamento, alcunhando o Guardião, trocando o seu nome de frei Maurício para frei Maligno. Compreende-se a atitude do povo, tão familiarizado com o humilde Irmão, que durante mais de sessenta anos, perambulando pelas ruas da vila, lhe dera o exemplo de um discípulo fiel de S. Francisco.

Refere ainda frei Apolinário da Conceição que o cordão do santo frade, aplicado a pessoas em perigo de morte ou a senhoras em partos difíceis, operava prodígios.

O custódio frei João Batista

Os anos da fundação e dos primeiros progressos do Convento de Sto. Antonio de Santos coincidem com as guerras que em Pernambuco se travavam com os holandeses. Aos custódios só era possível visitar os conventos da Bahia para o Sul.

Quando, em fevereiro de 1649, chegou o Breve da independência da Custódia do Brasil da Província de Portugal, veio nele nomeado prelado o Guardião do Convento da Bahia, frei João Batista, que celebrou Capítulo custodial aos 24 do mesmo mês de fevereiro.

Frei João ilustrou o seu tempo com o esplendor de suas virtudes e sofreu os mais cruéis reveses. Em 1636 acompanhou a expedição contra os holandeses, caiu preso e foi conduzido, numa viagem de sete meses, à Holanda. Absolvido, dirigiu-se primeiro a Lisboa. Logo em seguida tentou tornar para o Brasil, mas o seu navio foi capturado pelos mouros, que o levaram para Argel. No cativeiro, que durou alguns anos, confortava os cristãos presos com a sua palavra e a administração dos Sacramentos, dizendo-lhes missas todos os dias. Sendo resgatado pelos religiosos Mercedários, que o rei Felipe mandara com redenções, empreendeu a viagem para o Brasil [27].

Depois de celebrar, na qualidade de custódio, o sobredito Capítulo em 24 de fevereiro de 1649, quis visitar os conventos de sua jurisdição. Não o pôde fazer, porém, nas partes de Pernambuco, que só em 1654 ficou livre dos holandeses. Dirigiu-se, por isso, para o Sul e, para fugir aos perigos do mar infestado pelos inimigos, seguiu por terra. Refere Jaboatão [28] que o custódio, tendo já setenta anos de idade, recusou o servir-se, nem por pouco tempo, de um animal, mas fez todo o trajeto a pé, desde a Bahia até Santos.

Chegou ao Valongo em fins de dezembro de 1649 ou princípio de janeiro do ano seguinte, mas todo exausto, mais morto do que vivo. O seu corpo extenuado não resistiu a tantas fadigas e aos 13 de janeiro faleceu na paz do Senhor.

Eis como foi que o Convento de Santos teve a honra de possuir os despojos mortais do primeiro custódio independente dos franciscanos no Brasil, homem de acrisolada virtude, benemérito da Ordem, da Igreja e, não em último lugar, da Pátria, que jamais deveria esquecer-se desses varões que tão eficazmente colaboraram para a conservação de sua unidade territorial numa época em que estava a pique de uma grande parte se tornar solo estrangeiro.

Um incidente desagradável

Desde os primeiros anos do século XVII, graves acontecimentos político-religiosos perturbaram profundamente a paz na então vila de S. Paulo. Eram as dissensões entre os jesuítas e a população, por causa da liberdade dos índios e de muitas outras queixas que o povo apresentava contra os ditos padres. Culminaram as desavenças na expulsão, em setembro de 1640, dos jesuítas de suas residências de S. Paulo, Santos e S. Vicente e de suas aldeias.

Fervilhava esta delicada questão quando os franciscanos se estabeleceram nas vilas de S. Paulo e Santos. Nesta situação, seria de admirar não fossem também eles atingidos por ela. Basta lembrar que ao mesmo tempo que os padres da Companhia foram expulsos, os franciscanos tiveram benévolo acolhimento e encontraram todas as facilidades para se estabelecer. Isto devia ofender melindres. O Superior de S. Paulo foi realmente falsamente acusado pelos jesuítas e teve de defender-se, o que retardou a construção do Convento de S. Francisco [29].

Mas as sombras projetaram-se outrossim sobre o convento em construção de Santos, porquanto o interdito lançado em 1645 pelo administrador eclesiástico, Antônio Martins Loureiro, atingia também esta localidade.

Os franciscanos (como tampouco as outras igrejas) não respeitaram o interdito, fundando-se em decretos pontifícios e outras razões. Tendo assim passado cinco anos, eis que de repente o dito administrador, a requerimento dos padres da Companhia, procedeu contra os nossos religiosos de S. Paulo e Santos com censuras e excomunhões. Os frades apelaram. Mas o administrador, em lugar de julgar a apelação, como era seu dever, remeteu os embargos a Roma. Interveio, então, o rei d. João, depois de ouvir o procurador da Coroa, que em termos veementes profligou o procedimento contra os franciscanos, tachando-o "pior do que a opressão holandesa".

Os nossos tiveram sentença favorável em 14 de maio de 1650 e mais uma ordem régia em seu favor em 3 de março de 1651, de que foram intimados os jesuítas, que se submeteram.

Os padres da Companhia foram restituídos a suas residências (não às aldeias de el-rei) depois da célebre escritura de composição de 1653, contendo sete condições.

Com isto, estabeleceu-se a paz e os nossos religiosos de Santos puderam sem molestações prosseguir no desempenho de seus ministérios no convento já de todo acabado.

A viagem de frei José de Sto. Antônio

Ao esboçar a história do Convento de S. Paulo, desenhamos o perfil do virtuoso Irmão leigo frei José de Sto. Antônio. A sua estada no Sul do País teve edificante epílogo. Não foi, porém, em S. Paulo, mas sim em Santos. Por este motivo não o noticiamos, para dar ao leitor o prazer de conhecê-lo quando a ordem cronológica permitisse inseri-lo na história do Convento de Sto. Antônio do Valongo. Ei-lo.

Depois da restauração de Pernambuco, em 1654, obteve o Irmão diversas vezes licença para voltar para Olinda, sendo sempre impedido pelo povo e a própria Câmara de S. Paulo, que todos desejavam conservar na vila esta jóia de virtude.

Quando em 1660 o provincial frei Antônio dos Mártires esteve em S. Paulo, concedeu-lhe de novo a licença pedida e mais uma vez foi frustrada pelo povo e os oficiais da Câmara. Todavia, depois de decorridos três meses e tendo notícia da partida de uma embarcação de Santos para o Rio de Janeiro, o prelado despachou-o ocultamente com um companheiro.

Os dois religiosos saíram de S. Paulo à noite e quando, no outro dia, avistaram do alto da serra um navio que já ia saindo do porto, frei José disse ao companheiro: "Lá vai o navio em que havemos de ir". Ao que respondeu o outro: "Pois que imos buscar em baixo se não temos embarcação?" Frei José retorquiu: "Tem fé, Irmão, que nele havemos de ir se Deus quiser".

Ao chegarem à vila de Santos, foram primeiro a Sto. Antônio do Valongo apresentar-se ao Guardião e pedir-lhe a santa bênção, como é de praxe. Depois frei José foi vila a dentro despedir-se de algumas pessoas, pois também em Santos era conhecido e venerado pelo povo. Estando nesta ocupação, deram-lhe a notícia de que o navio voltara e lançava âncora na barra grande. Frei José, então, sem detença, meteu-se com o companheiro numa canoa e embarcou; o navio fez-se a vela imediatamente.

Os oficiais da Câmara de S. Paulo, entretanto, não se conformaram com a partida de frei José. Com o fito de reconduzi-lo, armaram-se, desceram a serra e foram ao seu encalço. Juntou-se-lhes o povo de Santos, talvez para roubar o frade para sua vila. Mas já era tarde, o navio já entrara no alto mar.

Que bela demonstração de apreço, de amizade e veneração ao humilde filho de S. Francisco! [30].

A pobreza dos frades, a ordinária, os peditórios

Os religiosos franciscanos, nossos antepassados na Província, viviam sempre na mais estreita pobreza, de acordo com a Regra do Seráfico Patriarca e a reforma de S. Pedro de Alcântara. Sustentavam-se os frades só com a mendicância, sendo até proibido aceitar uma esmola pela missa, que somente em 1700 foram autorizados a receber uma vez por semana, para fazer face às despesas pelo vestuário e reparação dos conventos [31].

Esta situação material precária lhes dava liberdade de ação, fomentava o espírito de sacrifício necessário ao missionário e produziu a popularidade de que os franciscanos sempre gozavam.

Para aliviar de algum modo o rigor da pobreza, os franciscanos aceitavam com gratidão esmolas fixas, com que o rei de Portugal socorria os conventos.

Quando, em 1677, a nossa Província, sob o título de Imaculada Conceição, ficou independente e autônoma, o primeiro visitador frei Cristovão da Madre de Deus Luz, vendo a extrema pobreza em que viviam os confrades de Santos e as necessidades que passavam, pediu ao soberano quisesse socorrê-los com uma esmola ordinária para a compra de cera, azeite, vinho e farinha de trigo, alegando também o muito que faziam na cura das almas.

Por Provisão de 22 de fevereiro de 1677, d. Sebastião concedeu a ânua de 40$000, "visto o serviço de Deus, em que se ocupam naquelas partes", e mandou que fossem pagos "depois de pagos os filhos da folha da Capitania de Santos" [32].

Acontecia, porém, que se não realizava o dito pagamento por falta de suficiente rendimento, pelo que o rei, a instâncias dos religiosos, ordenou, em 1690, que o dito pagamento fosse feito nos dízimos do Rio de Janeiro, pagos os filhos da folha [33].

Desde 1677, pois, o Convento de Sto. Antônio do Valongo gozou, como quase todos os outros conventos, da munificência do rei, recebendo todos os anos a esmola de 40$000, que posteriormente foi aumentada para 60$000, conforme se lê na Relação remetida à Metrópole em 1765 [34], e era com a obrigação de um religioso dizer missa na Fortaleza da Barra Grande.

Mas a ordinária era apenas um pequeno adjutório. Na dita Relação o prelado informava o governo que os religiosos nos diversos conventos da Província experimentavam muitas faltas e nunca sobras e que dependiam da caridade dos benfeitores que nem sempre era exercida [35].

Com justa razão podia-se dizer isto do Convento de Santos. As esmolas, que tinham sido tão abundantes na fundação do convento, nesse tempo (1765) não bastavam para a sustentação da comunidade, que constava de 12 sacerdotes, 8 coristas e 4 Irmãos leigos [36].

À vista disso, o Capítulo de 28 de fevereiro de 1764 procurou dar remédio. Estabeleceu que os esmoleres do Valongo estendessem o seu peditório além do distrito de Mogi das Cruzes até a freguesia de Jundiaí, proibindo ao mesmo temo que de outros conventos lá fossem esmolar [37].

Setenta anos depois, para dizermos de uma vez o que achamos acerca dos peditórios, o distrito das esmolas foi acrescido por toda a zona de S. Paulo, em conseqüência da entrega do Convento de S. Francisco para uso interino do curso jurídico. Determinou o Definitório (10-9-1834) que houvesse em S. Paulo um síndico e que aplicasse as esmolas do distrito naquele Convento às duas Casas de Santos e Itanhaém [38].

Para aliviar a pobreza dos frades contribuía também muito o legado que, segundo consta do recenseamento de 1798, fez a Sto. Antônio do Valongo o tenente-general Manuel Gonçalves, e que consistia em 12 bois, anualmente.

Como as esmolas que os franciscanos tiravam eram geralmente mantimentos e gado, o leitor compreenderá que o ofício de esmoler não era dos mais agradáveis. Isto já sabia o seráfico Fundador quando, na Regra, deixou recomendado que os Irmãos não devem envergonhar-se de pedir esmola de porta em porta, "porque o Senhor se fez pobre neste mundo".

Os Superiores, por sua vez, costumavam dar uma pequena recompensa aos sacerdotes que durante alguns anos exercessem o árduo ofício. No Capítulo de 1796, frei Antônio do Nascimento Pádua recebeu o privilégio de uma guardiania "em atenção ao seu comportamento, e boa esmola, que trouxe para o Convento de Santos, tirada em tão breve tempo" [39].

Seria interessante se hoje soubéssemos qual o caminho por onda andavam estes esmoleres, dirigindo-se de Santos aos respectivos distritos. Consta apenas que, se eram sacerdotes, ao mesmo tempo que recebiam o sustento material para seu convento, distribuíam o pão espiritual aos moradores com pregações e administração dos Sacramentos.

A ação missionária

No último quartel do século XVII, o Convento de Sto. Antônio do Valongo foi, junto com os conventos franciscanos vizinhos, um foco donde irradiava o trabalho missionário por toda a Capitania.

Se se tratar  de citar nomes de missionários que naquela época andavam pela então Capitania de Itanhaém, os documentos referem apenas os de dois, fr. Manuel das Chagas e frei Bartolomeu do Amparo. É porque os franciscanos pouco cuidavam de deixar, em relatórios, a lembrança do fruto de seus trabalhos e muito menos o nome do operário evangélico.

O dito frei Manuel, que anteriormente esteve missionando nas partes do Rio de Janeiro, percorreu, desde 1681, toda a zona de Santos a Ubatuba e veio a falecer na barra da Guanabara, em conseqüência de suas fadigas.

Frei Bartolomeu teve por campo de seu labor as vilas de Paranaguá.

"Cada qual destes missionários mostrou grande espírito, na sua missão, confessando e pregando continuamente, e a que faziam mais afastada do Convento crescia mais o trabalho pela muita gente, que concorria, ajudando-os Deus com tão grande esforço, que estando confessando fr. Bartolomeu do Amparo de noite, e de dia perto de dois meses, sendo só, fazendo todo o povo confissões gerais, e pregando atualmente pode vencer todo este trabalho" [40].

Felizmente, tendo embora caído no olvido o nome desses bons operários na vinha do Senhor, o Tombo Geral da Província conservou um documento importantíssimo que dá notícias gerais sobre as missões volantes franciscanas nas regiões do Sul nos últimos decênios do século XVII [41].

Trata-se da resposta que deu o nosso provincial frei Antônio do Vencimento Sá (1691 a 94) numa reunião dos prelados das diversas Ordens religiosas, adrede convocada pelo governador Antônio Pais de Sande e motivada pelas queixas que tinham chegado ao conhecimento do rei sobre a falta de missionários nas partes do Sul e o modo de missionar.

Em onze parágrafos propôs o governador os pontos sobre os quais pedia S. M. se manifestassem os prelados. Respondeu o nosso provincial a todos e a sua resposta resultou em esplêndida apologia do trabalho missionário dos franciscanos [42].

Resulta da dita resposta que o Convento de Santos tomava parte ativa na grande obras das missões, dispondo de "línguas" que pudessem ensinar, pregar e administrar os Sacramentos a todos, senhores e escravos, brancos e índios, nas vizinhanças e nas mais remotas regiões.

Quantos missionários ter-se-ão recolhido ao Valongo para, depois de viagens e trabalhos exaustivos na Baixada, desde Ubatuba até Paranaguá, na serra ou no planalto, retemperar as suas forças, cuidar de suas feridas, curar as suas maleitas e descansar o espírito. Não há documento que no-lo diga, mas era a conseqüência inevitável das jornadas e trabalhos fatigantes.


[23] A Ordem Terceira de Santos guarda o termo, de 3 de janeiro de 1689, de licença para a construção da capela e mais dependências e de concessão de terrenos, como autógrafo de frei Eusébio da Expectação, Livro Termos, 1689, fls. 1ª.

[24] Memória da Fundação do Conv. Santos. Cfr. Resumo Notícias Conv. Santos.

[25] Frei Apolinário, Epítome, § 18.

[26] Frei Apolinário, i, t. I, pág. 568.

[27] Jaboatão, Novo Orbe, parte I, vol. I, pág. 240; parte II, vol. II, pág. 517.

[28] Idem, op. cit., parte II, vol. II, pág. 519.

[29] Tombo G., I, fls. 52 a 70.

[30] Frei Apolinário, Pequenos, I, pág. 570. Jaboatão, Novo Orbe, parte I, vol. II, pág. 348. Chegando frei José a Olinda, depois de 27 anos de ausência, descobriu o dinheiro enterrado, distribuiu o que era dele aos pobres e o mais devolveu aos legítimos donos. "Frei José de Sto. Antônio era natural de Ponte de Lima, estabeleceu-se como mercador em Olinda, mas deixou esta cidade na invasão holandesa. Estando em Vitória, fez-se franciscano naquele convento, em 1633, e, tendo ficado aí alguns anos depois da profissão, foi mandado para o Rio de Janeiro, onde embarcou, aos 18 de dezembro de 1639, para Santos e S. Paulo.

No convento de S. Paulo, desempenhou frei José o ofício de porteiro durante todo o tempo que lá esteve. Nesta ocupação pôde dar largas à sua caridade. Eram os pobres que, como de costume, procuravam a portaria, os seus prediletos. Negando-se a si a comida ou juntando o que podia no refeitório, repartia-lhes o alimento, e quando na doença lhe preparavam um prato melhor, pedia que o dessem a quem era mais pobre do que ele. Acontecendo, porém, não ter nada para dar, consolava os pedintes com amorosas palavras.

Além de socorrê-la com alimento, procurava frei José aliviar a pobreza com roupas. A um pedia algodão, a outro o trabalho de fiar ou pano feito para socorrer os que apareciam nus ou maltrapilhos. Os cronistas contam o caso seguinte: certo morador chegou-se ao porteiro, pedindo que rezasse para encontrar o único escravo, que fugira. Ao que replicou o religioso: "e quantas arrobas de algodão há de mandar fiar para meus pobres?" O homem respondeu que não tinha por quem o mandasse fazer. Tornou frei José dizendo que bem podia mandar fiar até cinco. Ao que o outro assentiu, não sem repetir o pedido acerca do preto fugido. "Se é esta toda a dúvida, disse então frei José, vá aqui pela cerca do convento, e quando chegar lá junto à porta do carro, repare, que poderá ser que o ache aí". O homem foi, encontrou o escravo e tornando à portaria, prometeu mandar fiar não cinco, mas quantas arrobas de algodão frei José quisesse.

Entre os pobres achava-se um dia uma menina cega de nascença. O servo de Deus ficou todo enternecido e recorreu a Deus para dar-lhe a vista. Foi ao altar-mor, tirou uma rosa e aplicou-a aos olhos da cega, cujos olhos imediatamente se abriram. Vindo depois o pai para agradecer, frei José disse que fosse dar graças ao SS. Sacramento, autor do milagre.

A missão de franciscano é missão de paz. Pisando os vestígios do seráfico S. Francisco, o piedoso religioso empenhava-se todo no compor discórdias onde as encontrasse. Ora, havia na vizinhança da vila duas famílias de destaque, inimigas uma da outra, que mutuamente se arruinavam pelas vinganças. Nada conseguiram, para harmonizá-las, algumas pessoas das principais e de autoridade. Lembraram-se, então, de recorrer ao humilde frei José e este o conseguiu, como os discípulos de Francisco conseguiram fazer a paz entre o bispo e o podestá de Assis.

Caridoso, para com os outros, para si frei José era homem de constante oração, penitência e mortificação, um modelo de virtudes. "Assim cresceu de tal sorte a sua fama - escreve Jaboatão - que era buscado de todos para as suas necessidades e já se lhe não chamava por outro nome mais do que o de frei José, o Santinho".

"Diversas vezes tentaram os superiores remover a frei José, a seu próprio pedido, para o convento de Olinda, mas não o conseguiram pela oposição que faziam a Câmara e o povo, até que afinal o provincial o despediu à noite e ocultamente e foi no ano de 1660". Frei Basílio - Páginas de História Franciscana no Brasil - Pg. 110 ss.

[31] Tombo G., I, fls. 125 v.

[32] Ord. reg., fls. 2, Tombo G., I, fls. 7 v.

[33] Ord. reg., fls. 2v. Tombo G., I, fls. 35v.

[34] Rev. Inst. Hist. Brasº., t. 65, 1902, parte I, pág. 132.

[35] Tombo G., II, fls. 208.

[36] Rev. Inst. Hist. Brasº., t. 65, 1902, parte I, pág. 132.

[37] Tombo G., II, fls. 206 v.

[38] Livro eleições, I, fls. 162v.

[39] Tombo G., III, fls. 134. Livro eleições, I, fls. 30 v. O religioso sacerdote frei Francisco da Maternidade esmolou durante 14 anos na baixada fluminense, no distrito de Iriri e Magé e recebeu também o privilégio de uma guardiania. Livro eleições, I, fls. 128. O mesmo privilégio obteve frei João de Sta. Clara Pinto, por ter sido esmoler durante uns 30 anos. Livro eleições, I, fls. 30 v.

[40]. Tombo G. I, fls. 3-v, 86.

[41]. Tombo G. I, fls. 89-v.

[42]. Aqui vão os tópicos que nos interessam:

"Respondo, e digo que assim nesta Capitania como nas outras do Sul, vêm todos os habitadores... que continuamente andam os religiosos da minha Província confessando, pregando e administrando com licença dos párocos os Sacramentos  a todos os senhores e servos, que pelas partes mais remotas habitam; e não só fazem estas missões em h'ua língua, mas em todas as que vêm necessitar aqueles povos, e gentes onde se acham, pregando-lhes a todos conforme vêm melhor os podem entender..."

Respondendo aos parágrafos sexto e sétimo dos quesitos apresentados que mais particularmente se referem às povoações de S. Paulo, da serra para cima e nas partes do Sul, diz o provincial:

"...Falando da minha religião, e dos meus religiosos, digo que como em as mais destas vilas, e remontadas povoações hajam conventos capuchos (franciscanos) e destes a maior parte sejam nas que chamam língua geral, são tão bem eles os que mais geralmente e em todos este digos lugares, e vilas façam missões, e preguem a doutrina cristã, assim a brancos, como aos índios; e isto com tão grande freqüentação, e singularidade das mais religiões, que por aquelas partes têm Conventos, que todas as mais religiões juntas daqueles lugares não igualam aos missionários, e línguas da terra que os capuchos (franciscanos) só têm..."

Refere-se ainda o provincial às aldeias que chamavam d'El-Rei com as seguintes palavras:

"...respondo ser verdade, e haver falta em terem sacerdote que lhes assista; porque comumente vão os religiosos capuchos (franciscanos) administrar-lhes as missas e sacramentos, que lhes são necessários..." ( )

De passagem seja dito que o documento, que só em parte transcrevemos, constitui uma valiosa contribuição pra o estudo da História religiosa nas Capitanias do Sul do Brasil no século XVII e particularmente na de S. Paulo. O futuro historiógrafo não pode prescindir de tomá-lo em consideração para com justiça apreciar o trabalho das diversas ordens religiosas na propagação e consolidação da religião. Frei Basílio - Páginas de História Franciscana no Brasil" - pg. 118.


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