Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
Francisco Carballa
Vitrais - São os vitrais, os adornos preferidos das janelas de uma igreja, usados para trazer ao seu interior a atmosfera dos bosques europeus que convida à oração, à meditação e ao
recolhimento espiritual. Sempre cumprindo seu papel de instrução aos leigos, surgiram no período da arte conhecido como gótico e, como tudo dentro de uma igreja, procuravam ensinar aos mais humildes e analfabetos, através de desenhos muitos bem
elaborados para passar mensagens simples.
Essa arte foi muito difundida na Idade Média, mas demorou a chegar ao Brasil, que se limitava a usar pouco vidro trazido do Reino, muito caro, preferindo assim usar o muxarabim
(madeira entrelaçada, conhecida também por rótulas no Brasil e tabuinhas em Portugal), que deu origem às antigas rótulas de madeira, solução árabe para evitar que o sol intenso entrasse nas casas e demais construções,
enquanto estivessem as janelas abertas, inclusive como segurança durante as noites de verão e posteriormente - segundo muitas crônicas - permitindo o pecado da bisbilhotice de muita gente desocupada.
Foram os vitrais da Igreja do Rosário encomendados à Casa Conrado, da capital paulista, e colocados na igreja entre 1930 e 1935, quando sofreu a primeira grande reforma e também seu
recuo. Surgiu então um interior decorado, com vitrais em todas as janelas, devido à influência da arte eclética então em voga.
Embora o ecletismo misturasse todos os estilos, a Art’deco era a principal tendência, com seus vidros brancos e lapidados tipo Lalique. Note-se que - do começo da colônia até o
início do século XIX - vidros coloridos eram colocados apenas no óculo ("olho de boi" ou pequena janela) dos frontões, sendo o normal para uma igreja barroca apenas os vidros brancos, que haviam substituído os antigos muxarabis
coloniais.
Nessa época, não existindo energia elétrica, a luz solar era aproveitada ao máximo possível pelos mestres ou arquitetos que, como solução simples e prática, colocavam muitas janelas nas
construções civis ou públicas, sempre direcionadas para o local onde a maior parte do ano fosse de iluminação intensa, motivo pelo qual antigas fotos mostram um certo excesso de janelas nas edificações, salvo as alcovas das moças (sem iluminação e
pouco saudáveis).
Começando pela porta principal, vemos o enorme para-vento da igreja, que mostra a cena da Virgem Santíssima cedente, entregando um rosário (ou terço) a São Domingos de Gusmão. Ao seu
lado, um cão, com as patas dianteiras esticadas e um archote na boca, causa muita curiosidade.
Seu significado é simples, medieval e antigo na iconografia religiosa: representa um grupo de palavras em latim, "domini canes" ou em português "cães do Senhor", em alusão ao
santo fundador da ordem dominicana, indicando também (quando é representado com as patas cruzadas, a oração e a tocha acesa) a vigilância, ou seja "vigiai e orai para que não entreis em tentação" (cf. Ev. S. Mateus cap. 26 vers. 41), palavras do
próprio Jesus Cristo; anjos seguram um listel com a seguinte inscrição: "Vai e prega meu rosário", palavras dirigidas a São Domingos pela própria Virgem Maria.
Podemos também ver um anjo em cada porta lateral, representado em seu postigo com um listel na mão com a palavra oração e o outro em silêncio, em um convite claro, ou até ordem, para os
fiéis que entrarem no templo.
No lugar abaixo do grande monograma existia o óculo da igreja, em forma cruciforme com suas pontas arredondadas. Na fachada atual, há um grande vitral no lugar do óculo, representando o
Espírito Santo conforme descrição bíblica quando apareceu sobre Jesus no momento de seu batismo pelo seu primo-irmão da casa de Davi, São João o Batista (cf. Ev. S. Lucas cap. 3 vers. 21/22).
Já em todas as janelas da igreja estão símbolos bíblicos ou eucarísticos, e na sacristia, podendo ser vistos da rua, estão mais dois vitrais, sendo um com a representação de São Miguel o
Arcanjo vencendo o anjo caído (cf. Epístola de São Judas vers. 9), e São José, o pai adotivo de Jesus, em momento familiar (cf. Ev. S. Mateus cap. 2 vers. 19/23).
Infelizmente, os anos castigaram muito essas obras de arte produzidas no século passado, que necessitam restauração.
Existem, acima da porta principal, três janelas que - vistas da esquerda para a direita - apresentam os seguintes motivos:
1ª. Duas cruzes sumérias do século VIII a.C. - era o símbolo da autoridade máxima do grão-vizir, que só ficava abaixo da do rei. Evidentemente sem o mesmo significado profundo e
importante do significado cristão, hoje esse desenho de cruz é usado em Pádua e pela Pia União de Santo António. Logo acima na bandeira está um "M", em alusão ao nome Maria, encimado por uma coroa real.
2ª. Nessa janela central estão representados os dois corações de Jesus Salvador e de Maria Santíssima, sua mãe. Sua bandeira mostra novamente a coroa real.
3ª. As chaves cruzadas do primado de Pedro, sendo uma a que abre o portal do céu e a outra a que abre o portal do inferno. Logo acima, na bandeira, mostra o símbolo eucarístico
usado numa tabuleta por São Bernardino de Sena, JHS ou, traduzindo, Jesus Salvador (dos) Homens, igualmente encimado por uma coroa real.
A igreja reconstruída, com iluminação natalina, possivelmente em dezembro de 1930.
À esquerda, o Cine Politheama em pleno funcionamento, vendo-se os carros estacionados e, bem à esquerda, o bonde 3 (visível o número da linha, no alto do
veículo) passando pelo local
Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa
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