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Camponeses juram lealdade à causa da revolução na Guerra Camponesa. A bandeira (à esquerda),
ostentando a imagem de Cristo crucificado, atesta o zelo religioso que muitos deles acrescentavam à sua penosa e sangrenta luta contra os
governantes da Alemanha
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Aspectos da época em que viveu Lutero
O alemão comum do século XVI era sobretudo um crente. A
religiosidade era profunda e estava presente em todos os atos e pensamentos.
No século IV de nossa era, o imperador Constantino assumiu o cristianismo como religião oficial do
Império Romano. Desta forma, buscou consolidar e dar identidade ao Império Romano, que já dava sinais de decadência.
A Igreja Católica Apostólica Romana sobreviveu à queda do Império e procurou garantir para si o
domínio dos povos bárbaros que habitavam as regiões do Antigo Império, mas ainda estavam sob influência cultural das tradições romanas. As
populações foram batizadas, deixando-se a difícil tarefa da conversão para mais tarde. Uma das conseqüências foi a permanência de ritos e mitos
antigos convivendo com a nova fé.
A tarefa de conversão foi realizada por ordens monásticas. No caso específico da região que viria
a ser a Alemanha, foi iniciada por monges missionários da Irlanda,
Escócia e depois da Inglaterra, como Fridolino Colombano, Gall e
Killian. Mais tarde, outra missão anglo-saxônica, chefiada por Wynfrith, mais conhecido como Bonifácio, apoiado pelo poder político dos Francos,
expandiu a área de conversão e fundou a Província Eclesiástica Alemã (aprox. 720-755 D.C.).
A conversão tardia da Alemanha resultou que nos séculos seguintes a fé ganhava força, com
demonstrações de apoio às cruzadas, construção de catedrais, visitas aos lugares santos, enquanto em outras regiões, onde a conversão ocorrera
antes, já havia demonstração de desgaste e mundanismo.
Contribuía também para a alta religiosidade a invenção da imprensa por Gutenberg, que permitiu o
acesso às Bíblias (antes raras, porque só eram produzidas manualmente via copistas) e a profusão de obras religiosas que representavam quase 75% do
que era impresso na Alemanha.
No plano político, na passagem do séc. XV para o XVI, a Alemanha estava totalmente fragmentada. O
imperador tinha pouco poder. Os príncipes tinham grande autonomia. As cidades lutavam por co-gestão no conselho e as corporações de artesãos
disputavam sua participação no regime municipal (então dominado ou pelo príncipe ou alta burguesia). A classe dos Cavaleiros encontrava-se em
situação precária e cada vez mais dependente dos grandes senhores. Sua fortuna amealhada durante as cruzadas e as campanhas na Itália esvaiu-se,
restando-lhes a exploração de algumas aldeias e da população camponesa submetida ao castelo.
A Alemanha desunida tem a maior população da Europa (23 milhões), enfrenta uma terrível carestia,
falta de matérias primas, alimentos e dificuldades nas atividades comerciais, pois as rotas com o Oriente estavam fechadas. Esta mesma falta de
unidade política (como também aconteceu na Itália) a alijou de participar da abertura de novas rotas
marítimas e da exploração das riquezas e invasão das Américas, Ásia e África, por parte de nações como a
Espanha, Portugal, Inglaterra, França e
Holanda.
A maior parte do povo vivia na zona rural, à sombra do domínio ou do convento. Suportava mal uma
servidão cada vez mais dura, acrescida de corvéias, de rendas exageradas e sob ameaça constante de castigos arbitrários e até bárbaros, acompanhados
da privação de direitos e liberdades.
A saúde da Igreja não era das melhores. Em Roma, os papas gostavam do fausto, do dinheiro, do
poder e das comodidades. Arcebispos, bispos e abades mal se distinguiam em conduta dos príncipes temporais. No meio dos escândalos continuavam a
fornecer ao povo, que permanecia piedoso, a indulgência salvadora. O mercado de relíquias florescia impunemente.
Leão X tentava transformar a corte romana numa das mais prestigiosas da Europa e queria também
erguer um santuário grandioso para São Pedro. Para atingir estes objetivos, autorizou o príncipe Alberto de Brandenburgo a vender as indulgências na
Alemanha, isto é, sangrar financeiramente mais ainda uma população que já estava além dos limites do humanamente possível.
Os Pedintes, obra do artista Pieter Bruegghel retratando a vida dos menos privilegiados da
Europa do século XVI
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Você sabia...
Que o Boliche (conhecido Krigsspiel na Idade Média) surgiu na Alemanha, onde os pinos eram
transportados por toda a parte como armas de autodefesa e serviam para exercitar os braços e os pulsos? Os fiéis chegavam a levá-los consigo para os
cultos e talvez por isso a igreja se deu conta de seu valor simbólico. Derrubá-los servia como uma metáfora da luta do bem contra o mal.
Os alemães apreciavam tanto o jogo que, muito depois do seu simbolismo religioso ter sido
esquecido, ele ainda ocupava um lugar importante na vida social. Até o século XVI usava-se um número indeterminado de pinos. Segundo a tradição, foi
Martim Lutero quem estipulou os nove pinos.
Fonte: "Você sabia?", em Reader's Digest, p. 344.
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Os alemães, a América e o Brasil
A ligação dos alemães com a América se inicia já
no século XVI, quando o cartógrafo e grande impressor de mapas, Waldseemüller, identificou as terras exploradas por seu amigo, Américo Vespúcio,
como "Terras do Américo", batizando assim, involuntariamente, o novo continente.
Hans Staden, famoso viajante, nascido em Homberg (estado de
Hesse) chegou ao litoral brasileiro em 1552. Ajudou os portugueses em dificuldades com os índios em
Pernambuco. Na segunda viagem, 1553, naufragou e viajou pelo litoral de Santa Catarina e São Paulo (Cananéia, Itanhaém, São
Vicente, Bertioga, Ubatuba), estabelecendo-se como artilheiro, a serviço de Portugal, no
forte São João, em Bertioga.
Recebia a visita de Heliodor Hesse quando, preocupado com a demora de um índio carijó
que o servia, foi em sua busca e acabou capturado pelos índios tupinambás. Estes eram antropófagos, porém Hans conseguiu com sua inteligência e
artimanhas postergar sua execução até conseguir que pagassem seu resgate em 31 de outubro de 1554 e iniciar sua volta para a Alemanha. Escreveu um
livro contando suas aventuras (e desventuras) e descrevendo os usos, costumes, flora e fauna das regiões que conheceu no Brasil.
Por volta de 1550, chegou ao Brasil Heliodor Hesse. Era filho do humanista alemão
Helius Eobano Hesse, amigo de Martim Lutero. Heliodor Hesse foi escrivão e residiu em São Vicente. Foi um dos primeiros evangélicos luteranos no
Brasil. Como aliado de Estácio de Sá, ele participou dos combates contra os franceses no Rio de Janeiro, nos quais Estácio de Sá foi morto. Porém
Hesse se tornou, depois da vitória em 20 de janeiro de 1567, co-fundador da segunda São Sebastião do Rio de Janeiro.
Ulrich Schmidel, nascido na Baviera,
comerciante, alistou-se na expedição do espanhol Pedro Mendonza, que ia explorar o Rio da Prata. Ulrich ajudou na construção de Buenos Aires e na
fundação de Assunção, travando combate com os índios guaranis. Percorreu a Bolívia, o
Paraguai e a região do atual Paraná, explorando os Peabiru (sistema de
estradas pré-colombianas que interligavam a América do Sul). Retornou à Europa em 1554 e redigiu suas memórias, publicando-as em 1567, em Frankfurt.
Descreveu sua viagem, os costumes, os combates e a busca por metais preciosos.
Outro alemão ilustre que percorreu, estudou e descreveu a natureza, os rios e as
correntes da América Central e do Sul, entre 1799 e 1804, foi o barão Alexander von Humboldt.
Em 1843, o médico e botânico bávaro, Karl Friedrich Philipp von Martius, apresentou o
estudo "Como se deve escrever a História do Brasil", ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual era sócio. Na sua opinião, esta
história deveria ser escrita na linguagem simples do povo e considerar a participação das três raças na sua formação. Von Martius chegou ao Brasil
em 1817, com 23 anos, na comitiva da arquiduquesa da Áustria, d. Leopoldina. Junto ao zoólogo Johann Baptist
von Spix, percorreu o País de Norte a Sul durante 3 anos, coletando plantas. Publicou junto com Spix uma descrição de suas andanças, intitulada "Viagem
pelo Brasil", e iniciou também a publicação dos 40 volumes da monumental "Flora Brasiliensis". Até sua morte manteve-se ligado ao Brasil,
que considerava sua segunda pátria.
Estes foram alguns dos famosos, mas um grande número de viajantes, mercenários,
comerciantes e imigrantes tomou o rumo da América, durante o século XIX, muito antes até da unificação alemã (que se daria em 1870), participando
ativamente da "Conquista do Oeste" (caso da América do Norte) e do desenvolvimento da agricultura, indústria, ciências, artes em todo o
chamado "Novo Mundo". Enfrentaram dificuldades nos ambientes físicos totalmente estranhos para eles, além de preconceitos nos países de
línguas latinas e religião católica.
Hans Staden
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