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Santistas, nas barrancas do Paranapanema [08]

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Livro de Santos Amorim, lançado em novembro de 1932, relata a participação de um batalhão santista na Revolução Constitucionalista daquele ano:
Por Seca e Meca...

A 14. Saímos das trincheiras. Chegamos a Fartura. São 16 horas. No P. C. recolhem toda a nossa munição. Por quê e para quê? São mistérios...

Para onde iremos? Para Piraju. Em caminhão. Realmente. Lá chegamos. Pouco tempo depois. A estrada é magnífica. A distância é curta. Dão-nos jantar na Casa do Soldado. Piraju é paulista. Profundamente paulista. Cidade adiantada. Povo prestativo.

Mas não ficamos no berço do general Ataliba Leonel. Seguimos logo para a estação. Tomamos o trem. Prosseguimos viagem. Sem saber para onde. Nosso destino será correr Seca e Meca...

A locomotiva sempre em marcha. Nós todos com a pulga atrás da orelha. Por que motivo carregávamos o fuzil desprovido de cartuchos? Poderíamos, acaso, dar tiros com o sabre? Estaríamos presos? Ou iríamos - como era natural - ter alguns dias de repouso? Ninguém atinava com as razões daquela viagem imprevista.

Fartura estava, latente, em nosso espírito. Não queríamos abandoná-la. Para que o inimigo não a ocupasse.

***

Passamos por Botucatu. A 1 hora da madrugada de 15. Os ferroviários da Sorocabana nos servem café e bolachas. Com direito a repetições. Não fizemos cerimônia. A fome não respeita preconceitos sociais. Soldado é soldado. E um café, em Botucatu, é sempre uma coisa adorável. Recordo-me bem que só o Gigi (Gilberto Godoy Martins) ingeriu oito canecas da saborosa infusão e destruiu quase um quilo de bolachas. Porque o trem demorou pouco. Se não...

Pela manhã. Faz frio. Não se dormiu no trem. A algazarra não deixou. Chegamos a Santo Antonio da Alegria. Que não ficamos conhecendo. Mudamos de máquina. Prosseguimos viagem. 9 horas. Tatuí. Alguns civis na estação. Outro café. Com pão quente. Uma delícia. Oferecido pelo M.M.D.C. Estávamos com o almoço garantido. Porque, na forma do costume, almoço não teríamos. Quem viaja não come. Em tempo de guerra. Principalmente. Segundo preceituava, em Cruzeiro do Sul, um tenente que, há 28 anos, não bebia água. E que, apesar disso, conduzia soldados para combate. Ficando na retaguarda. De cantil à boca. Mamando o último gole da branquinha...

***

De Tatuí fomos parar em Itapetininga. Chegamos às 10,15 horas. Julgando que iríamos descansar. Era justo. Humano. Outras companhias e batalhões tinham gozado dessa regalia. Mas, estávamos enganados. Às 21 horas seguiríamos. De trem. Para Engenheiro Hermillo. E fomos. Mas protestamos. Energicamente. Contra semelhante absurdo. O dr. Francisco Neves foi falar ao coronel Taborda. Em nome da 1ª Cia. Fez-lhe ver a nossa situação. A nossa tropa estava extenuada. Muitos soldados enfermos. Precisava de repouso. Que também o merecia. Por isso que estivera em combates. Portando-se com bravura. O coronel Taborda não o atendeu. Respondeu-lhe:

- "Soldado, quando descansa, carrega pedra".

Não éramos nós míseros escravos?

Quando chegaria o nosso 13 de Maio?...

***

O trem parou na estação de Engenheiro Hermillo. 1 hora da madrugada. Desocupamos os vagões. Que voltaram para Itapetininga. Fomos para o depósito de cargas. Acanhadíssimo. Quase não podíamos respirar. Ficamos ali. Até 17. Depois do almoço, sofremos violento ataque. Aviação. Artilharia. Dispersamos. Pelo campo. As varejas perseguem-nos. Os disparos de canhão alcançam o nosso alojamento. 32 tiros. Formidáveis. Consecutivos. Rombos enormes nas paredes. Mira certíssima. Um vagão postal fica crivado de balas. Outro, onde estão André Caetano e José Mamana, fica incólume. Milagrosamente.

Os efeitos materiais do canhoneio inimigo são terríveis. Tudo destroem. Até peças de equipamento. Que havíamos deixado na estação. Sem tempo para apanhá-las. Um sobretudo novo do soldado Josias Pedro Leite transforma-se numa peneira. Tantos são os furos que apresenta. Causados pelas descargas adversárias. Nenhum soldado ferido. Nosso canhão. Um 150. Faz 4 disparos. Manobra-o o cabo Francisco Sá Júnior. Auxiliado por outros soldados do Forte de Itaipu. Rapazes corajosos. Todos eles. Sá Júnior está sempre alegre. Chama-me. Para trocar impressões sobre o momento. Conversamos. Fico admirando os seus sentimentos de paulistanismo. Esse moço não se arreceia das conseqüências da luta. Ficará só em campo. Se for preciso. Morrendo por S. Paulo. De coração contente. É um bravo.


AÍ POLYDORO!... - Hermes Santos Silva. Tenente Polydoro Bittencourt. Lino Vieira. Guilherme Pinto de Barros. Álvaro Alcântara. Cinco caboclos para o que der e vier...


Em Saltinho

Embarcamos. No mesmo dia 17. À tarde. Para Saltinho. Substituir tropas do capitão Ferreira. Nas trincheiras. Às margens do Paranapanema. A 18 tomamos posição. E ali ficamos até 20. Três noites de fogo. Com pequenos intervalos. Eu fico próximo a Oscar Alcover. Quando a fuzilaria dá-nos uma trégua, saímos da vala. Rastejando. Em busca de comida. Ou de café. O que nem sempre conseguimos. Porque é impossível, às vezes, levar a bóia no lugar em que estamos.

Não há outro remédio. Senão curtir fome e sede. E ficar sem fumar. Atravessando as noites em claro. Na umidade. Dedo premendo o gatilho do fuzil. Disparando-o. Em defesa da própria vida. Que o inimigo no-la sacrificará. Se não estivermos vigilantes. E dispostos a reagir. Matando para não morrer.

***

O tenente Mário Amazonas é o comandante das forças combatentes. Em Saltinho. Raramente se detêm no P. C. Vai às trincheiras. Cuida dos soldados. Interessa-se por todos. Faz o que é possível. Com inteligência. E energia. Sem esmorecimentos. Sua conduta merece louvores. Os voluntários santistas estão satisfeitos.

***

Dia 20. Chega a Saltinho o major Tenório de Britto. Da Força Pública. Traz numerosa tropa. Eu deixo a trincheira e vou ao seu encontro. Para dizer-lhe que eu, e meus companheiros, não ficaríamos, um só instante mais, onde estávamos. Porque, além de exaustos, não possuíamos munição. Fuzil sem cartucho não dá fogo. Nós não seríamos tão imprudentes. A esse extremo. De nos entregarmos, desprevenidos, ao adversário. O velho militar não me escondeu a sua estranheza. Em face do que eu lhe dizia. Achava incrível que não tivéssemos munição. Era lá possível isso? Eu provei-lhe que era. Nossas cartucheiras estavam vazias... Mandou, então, que nos retirássemos. Um grupo de soldados nos substituiu nas trincheiras.


À frente, Nabor Pereira da Silva. Atrás, Jorge Doneaux, vulgo O Temerário...


Novamente em Ligiana

Logo depois deixamos Saltinho. Fomos novamente para Engenheiro Hermillo. Ali a artilharia ditatorial continuava na sua faina destruidora. Gastando munição prodigamente. Com o único objetivo de pôr as nossas forças em debandada. Pelo terror. Pela impossibilidade de permanecermos naquela posição. Sem o aparelhamento bélico necessário para resistirmos aos seus ataques violentíssimos.

Pouco paramos em Engenheiro Hermillo. Saímos, em caminhões, para Angatuba. No nosso carro vem Athié. No volante. Mostrando que os seus méritos não estão apenas nos pés. Como futebolista. É também um chofer de valor. Que não se precipita. Que se conserva calmo. E inabalável no guidão. Enquanto não faltar gasolina...

***

Dormimos em Angatuba. Na enfermaria. Uns. No alpendre da estação. Outros. Dormimos, é um modo de dizer. Atravessamos, mal estendidos no cimento frio, a noite friorenta de 20.

A 21 nos pagaram uniformes. Botinas. Meias. Cantis. Pratos. Canecas. Colheres. Tudo novo. Especial. Sob o controle enérgico do tenente Polydoro de Oliveira. Eu nada recebi. Questão de falta de sorte. Mas resignei-me. Recebemos a visita do sr. Paulino Alves de Oliveira. O respeitável cavalheiro cumulou-nos de gentilezas. E conduziu cartas nossas para Santos.


Gaúchos que vêm parlamentar

Chegam de Engenheiro Hermillo seis gaúchos. São inimigos. Um 2º tenente. Um 2º sargento. Quatro soldados rasos. Conduzidos pelo tenente Cairolli. Que comanda a 3ª Cia. Querem parlamentar com a nossa oficialidade. São levados à presença do coronel Grimualdo Favilla. Que resolve transportá-los para Itapetininga. A fim de apresentá-los ao coronel Brasílio Taborda. No Q.G. do Setor Sul.

E seguem conosco. No mesmo trem que, às 18,30 horas, chegava à terra de Júlio Prestes. Dali - soubemos depois - foram mandados para São Paulo. Sob escolta. Onde ficaram. Presos. À ordem do general Bertholdo Klinger.

***

Alguns soldados nossos da 1ª Cia. andaram então, propalando, aqui em Santos, que tinham aprisionado esse gaúchos. Não é verdade. Mentiram. Eles se apresentaram espontaneamente. Livremente. E foram detidos. Como deviam ter sido. Pois o plano que tinham era o de ficarem conhecendo as nossas posições. Para tentar destroçar-nos. De vez. Tanto em Engenheiro Hermillo como em outras frentes estratégicas. Onde operávamos. E que se tornariam inexpugnáveis. Se nos dessem peças de artilharia. E munição suficiente. O que nunca tivemos.


Em Itapetininga. Depois para a Fazenda Bom Retiro

Em Itapetininga. Ficamos alojados no Quartel do 8º Batalhão. De 21 a 23. Sem dar serviço. Chegam de Santos, pela manhã do último dia, os srs. Ernesto de Paiva Azevedo e Pacco. Jogador da A.A. Americana. Distribuem-nos abraços. Indagam, com interesse, da nossa saúde. Oferecem-nos seus préstimos. Falam com entusiasmo da bravura dos voluntários paulistas.

À tarde temos ordem de limpar nossos fuzis. Para entrar em combate. Seguiremos à noite. Para onde? Ninguém sabe. Os palpites entram em circulação. Propagados de boca em boca. Ora iremos para Campinas. Ora para Amparo. Depois para São Paulo. Mais tarde para o Rio das Almas. No setor de Capão Bonito. Que já pertence ao inimigo. Ficamos na mesma enervante dúvida de sempre. Afinal, partimos. Em auto-caminhões. Que nos levam para longe. Para muito longe.

Chove a cântaros. A estrada é horrível. Dantesca. Os carros não conseguem vencer os obstáculos. Detêm-se. Nós descemos. E os empurramos. Pondo-os em marcha. À custa de muito esforço. De sacrifícios inenarráveis. No dia seguinte. Ao meio dia. Cansados e famintos. Chegamos à Fazenda Bom Retiro. Vamos para um paiol de milho. Dizem-nos que é para descansar. Tomamos café. Meia hora depois chamam-nos. Para receber munição. Cinqüenta tiros cada soldado. Não chega para sustentarmos um fogo de 15 minutos. Paciência. Não há mais. E se existe, toma destino diferente...

S. Paulo continuava sendo vilmente traído. Para onde ia a copiosa munição feita na capital? Quase meio milhão de cartuchos por dia? Quem poderá perscrutar esse mistério? Desvendando-o. Arrancando a máscara dos patifes. Dos traidores. Dos degenerados. Dos miseráveis que venderam S. Paulo ao inimigo?


O soldado Calmaria sobra na barraca...


Porto Delfino

Avançamos 4 quilômetros. De Bom Retiro a Porto Delfino. Onde está o Batalhão Borba Gato. Entramos para as trincheiras. Que são péssimas. Aí passamos a noite. Tiroteando. Ligeiras escaramuças. O adversário não parece resolvido à luta. Nós o atacamos. Ele se aquieta. Pretenderá surpreender-nos pela madrugada? É possível. Nos prevenimos. Eu e o cabo Eurico Santos ficamos de sentinela. De 1 às 3. Sem relógio. Estamos por conta do Bertholdo...

Que seja o que Deus quiser...

A 25. O famoso vermelhinho, que nós vimos pairar muito alto, bombardeia Bom Retiro. Um estilhaço de granada fere um voluntário do Borba Gato. Sem gravidade. E transcorre o dia. Sem novidade. A noite também. Dir-se-iam suspensas as hostilidades. A impressão era essa. Confirmada pelo sossego do dia seguinte, 26.


Gramadinho - S. Miguel Arcanjo

Na madrugada de 27. Quinze soldados da Força Pública rendem-nos nas trincheiras. Seguimos. Às 6 da manhã. Para Gramadinho. Ali ficamos meia hora. Chega a notícia de que vamos ser bombardeados. Por 4 aviões. Que foram notados ao longe.

Seguimos, então, para S. Miguel Arcanjo. Os aviões não apareceram. Nem tinham sido vistos. Evidentemente, havia o propósito fixo de sobressaltar a nossa tropa. Era sempre assim. Alarmes sobre alarmes. Todos eles falsos.

Fizemos essa viagem em caminhões. Para castigar o corpo. Como se ele já não estivesse sovado e ressovado... Em S. Miguel Arcanjo. Pequena cidade centenária. Está quase deserta. As residências vazias. O comércio de portas fechadas. A quase totalidade da reduzida população é síria.

Gente que nos recebe generosamente. Mas com minguados recursos, no momento, para nos servir. Eu, Othon Carneiro e Castro e Laurindo Raposo Medeiros temos sorte. Vamos à casa de uma família. Somos acolhidos fraternalmente. Tomamos café. Pão. Comemos lingüiça. Farofa. Tiremos o ventre da miséria...

Depois corre a notícia de que Athié está em terra. Os sírios o procuram. Querem conhecê-lo. Abraçá-lo. Eu grudo-me a Athié. Passamos maravilhosamente bem. Almoçamos. Jantamos. Ceamos. Quanto vale, por esse interior paulista afora, ter a popularidade benquista de Athié Jorge Cury.

Eu que o diga...


CORPO DE SAÚDE - Rapaziada que prestou abnegados serviços ao 7º B.C. de Santos

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