TRINCHEIRA - Voluntários vão à luta
Foto: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria
Um Estado contra a ditadura
A Revolução Constitucionalista de 1932
completa hoje 72 anos. Muitos santistas relembram com orgulho os meses em que os paulistas se rebelaram contra o Governo de Getúlio Vargas
Imagem de soldados paulistas embarcando na Estação da Luz, na capital,
em direção às fronteiras do Estado
Foto: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria
REVOLUÇÃO DE 32
Marcas de uma guerra
Movimento por uma nova Constituição, que durou três meses, envolveu vários
segmentos da sociedade e arregimentou milhares de voluntários em todo o Estado
Fabiana Honorato
Da Reportagem
Uma placa de aço com um nome, uma imagem e a inscrição:
Desta Casa Partiu o Soldado da Lei. Para o engenheiro Joaquim Cabral Lopes, de 84 anos, o objeto, retirado do lixo há cerca de 30 anos, é a
principal recordação material da Revolução Constitucionalista de 1932, que completa hoje 72 anos de um passado heróico e idealista.
Assim como o aposentado, muitos santistas que participaram deste episódio relembram
com orgulho os três meses em que os paulistas se rebelaram contra o governo de Getúlio Vargas.
A luta por uma nova Constituição, que envolveu desde as oligarquias até crianças e
mulheres, deixou marcas profundas em todos que dela participaram.
Além daqueles que combateram diretamente as tropas getulistas, milhares de voluntários
em todo o Estado tiveram papel fundamental para o desenrolar da batalha.
"Fomos contaminados pelas marchinhas, cartazes e engajamento que se via nas ruas",
contou Lopes que, na época, tinha 17 anos e morava na Capital. Muito novo para ir às trincheiras abater os soldados legalistas, o recém-chegado de
Portugal se ofereceu como voluntário à Cruz Vermelha.
Membro do então grupo Boy Scouts, os escoteiros de hoje, Lopes ficou incumbido
de levar a correspondência do front para a casa dos combatentes. "Gostávamos de servir e a revolução precisava de mensageiros. Era São Paulo
contra 20 estados e eu não podia ficar de fora", relatou ele, que já foi secretário de Obras em Santos.
O ex-voluntário guarda com carinho uma das placas colocadas nas residências de onde os
combatentes partiam. "Tirei-a do lixo de um apartamento em São Paulo, durante uma reforma que coordenei. Não conheci o soldado, mas isso é uma
relíquia e acho que poucos têm essa recordação".
Metais - Ao falar de um dos mais importantes capítulos da história do País,
José de Carvalho, de 81 anos, não esconde a empolgação de quem presenciou e ajudou a revolução acontecer.
Atual administrador do Supercentro Comercial do Boqueirão, ele
tinha 10 anos quando o movimento eclodiu mas, como outras crianças, também apresentou-se no Colégio Barnabé, onde acontecia
o alistamento.
"Eu organizava os garotos que captavam metais e ferros nas ruas, para serem
transformados em armamentos". Com carrinhos improvisados, os meninos recolhiam desde panelas até objetos de ouro, que seriam levados a São Paulo.
Citando a criatividade dos paulistas durante o levante, ele comentou que os revoltosos
improvisaram um falso canhão no Forte Itaipu, em Praia Grande. "O trem blindado havia levado o canhão do forte e
então colocaram um tronco de árvore para acharem que estávamos armados".
Natural de Santos, Carvalho revelou que o irmão Frutuoso, já falecido, falsificou o
documento de identidade só para ir ao front. "Ele se apresentou no Tiro 11 e foi servir no Vale do Ribeira, sem avisar ninguém", falou,
emocionado.
Retaguarda - Estafeta. Esta era a função do então contador Nelson Noschese, que
aos 16 anos mergulhou de cabeça nos ideais do movimento constitucionalista de 1932. "Era como se fosse o office-boy de hoje. Levava
correspondências, buscava doações e fazia de tudo um pouco".
Agora com 88 anos, Noschese defende a atuação dos que fizeram a engrenagem do
movimento funcionar, como enfermeiras, costureiras, cozinheiras e outros. "Não fomos ao front, mas somos combatentes porque colaboramos com a
revolução. Sem a retaguarda não existiria a guerra".
Conforme o aposentado, que já foi vice-prefeito e vereador em Registro, todo o esforço
não foi em vão. "Conseguimos a Constituição e, embora tenha tido uma parcela pequena nesta luta, fiquei
satisfeito com o resultado".
|
|
Lopes: "Não podia ficar de fora"
|
Carvalho: falso canhão
|
Fotos: Paulo Freitas, publicadas com a matéria
Movimento impulsionou o desenvolvimento do IPT
Foram apenas três meses, mas os saldos da Revolução Constitucionalista de 1932 não se
limitaram à promulgação - dois anos depois - da Carta Magna. Os esforços de guerra também impulsionaram o desenvolvimento do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT), transformando-o, anos mais tarde, em referência para a tecnologia industrial no País.
O então Laboratório de Ensaios de Materiais (LEM) da Escola Politécnica de Engenharia
foi procurado pelo comando militar da revolução, que sofria com a escassez de munição e armas.
"A Escola Politécnica era o lugar mais importante desse segmento no Estado, mas
cuidava da tecnologia enquanto estudo", disse o professor da Escola de Sociologia Política de São Paulo, Ricardo Maranhão.
Para suprir a carência de armamentos dos paulistas, foi criado o Departamento Central
de Munições (DCM), que contou com o engajamento de 740 engenheiros e 340 técnicos.
Segundo o especialista, eram fabricados 160 mil cartuchos por dia e, no final da
guerra, 10 mil granadas de mão por dia. No saldo final, foram contados quatro tanques de guerra, seis trens blindados, morteiros, canhões e outros
armamentos.
No entanto, um objeto em especial criado neste período se destacou pela criatividade:
a matraca. Apelidado de "o cavalo de tróia paulista", o mecanismo imitava o som de uma metralhadora e chegou a conter, por 20 dias, as tropas
inimigas.
Campanha de alistamento concentrou 200 mil voluntários
Foto: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria
Traição - Filho de um ex-combatente, o escritor e psicólogo Antônio de Andrade
estudou a fundo este período da história e destaca dois fatos como marcantes.
Um deles é cercado por mistério e não pôde ser totalmente confirmado. "Meu pai contava
que, em janeiro de 1932, o Getúlio Vargas se reuniu com um grande industrial paulista, num clube do interior, e falou: Quando terminar a briga você
escolhe quantas indústrias quer".
O episódio, definido por Andrade como "história de traição", foi presenciado por um
copeiro, que interceptou o diálogo sigiloso. "Fui atrás dele, mas ele já havia morrido. Poucos sabem desse fato".
A outra passagem é apontada pelo escritor como a mais emocionante da revolução e
ocorreu nas colinas da cidade de Lavrinhas, perto do famoso túnel bloqueado pelos revoltosos.
"No dia 7 de setembro, sob o som de uma corneta saudando a Bandeira do Brasil,
hasteada num mastro improvisado, os paulistas e getulistas se perfilaram no alto das trincheiras em respeito ao Pavilhão", contou ele, que ouviu
relatos de vários ex-combatentes e ainda se emociona ao lembrar o feito.
Mobilização atingiu as mulheres, que confeccionavam uniformes
Foto: reprodução/acervo de Laire Jorge Giraud, publicada com a matéria
Programação marca a data com homenagens e missa solene
Para lembrar os 72 anos da Revolução Constitucionalista, a Associação dos
Ex-Combatentes de 1932 de Santos promove às 9 horas de hoje, na Praça José Bonifácio, uma solenidade em homenagem à data.
Além do hasteamento da Bandeira Nacional e da execução do Hino Nacional, o evento
também contará com entrega da Medalha da Associação dos Combatentes de 1932 de Santos.
De acordo com o presidente da entidade, Ernesto Tilly Júnior, a comenda será concedida
a personalidades que colaboraram com a Associação e "com a perpetuação dos ideais constitucionalistas".
Uma missa solene será celebrada às 10 horas, na Catedral. A programação será encerrada
às 20h30, quando Tilly Júnior e Aldo João Alberto, também da associação, tomarão posse de duas cadeiras do Instituto Histórico e Geográfico de
Santos (IHGS), onde a entidade funciona (Avenida Conselheiro Nébias, 689). |