PRIMEIRA PARTE - PRELÚDIOS DA INDEPENDÊNCIA
Capítulo II - A revolução portuguesa de 1820 e seu reflexo sobre os destinos brasileiros
Aspectos políticos da Europa
arraremos
agora, o mais sucintamente que nos for possível, os importantes sucessos que na Península Ibérica se desenrolaram e que de tamanha influência haviam
de ser nos destinos da Pátria brasileira.
Logo depois de ter entrado triunfalmente na capital da Prússia, à testa de seus denodados
exércitos, Napoleão, querendo vibrar um último e decisivo golpe na resistência inglesa - pois era a Grã-Bretanha a única potência que ainda não se
dobrara aos caprichos do ousado conquistador - de lá mesmo decretou, a 21 de novembro de 1806, o famoso bloqueio continental, em virtude de cujos
dispositivos todo o comércio com esta nação ficava formalmente interdito, e confiscadas, onde quer que se achassem, as mercadorias de procedência
britânica, além de outras medidas complementares que foram na mesma ocasião adotadas para bom êxito da operação planejada.
Ao bloqueio continental não aderiram apenas o papa Pio VII, que pretendeu manter-se neutro, e o
governo português, comprometido com a Inglaterra por um velho pacto de aliança que o trazia escravizado àquele país.
Quanto ao primeiro, mandou Napoleão suas forças ocuparem Roma, a 2 de abril de 1808. Mais tarde, a
17 de maio de 1809, declarou suprimido o poder temporal do papa; incorporado o território romano à França, a 9 de junho; e, em resposta à bula de 10
do mesmo mês, que o fulminava de excomunhão, mandou prender a 5 de julho o fraco pontífice que poucos anos antes fora expressamente a Paris para
consagrar em nome de Deus o usurpador que agora o espezinhava. Retido cativo em Savona, na Itália, até 1811, e transferido depois para Fontainebleau,
onde sujeitou sua autoridade às mais humilhantes imposições ditadas por Bonaparte, Pio VII só voltou aos seus estados em 1814, após a entrada dos
exércitos coligados em França.
Relativamente a Portugal, já vimos, no primeiro volume, como as coisas se passaram. O seu governo,
por incapacidade e covardia, não ousara aderir francamente ao sistema continental concebido por Napoleão, fechando seus portos aos navios ingleses,
e considerando os súditos dessa nação como prisioneiros de guerra, nem opor-se absolutamente às pretensões da França, cujos exércitos se tinham
prestigiado recentemente com a esplêndida vitória de Marengo.
Resolveu, portanto, Napoleão agir, sem tardança nem contemplações, contra o pequeno país
peninsular e celebrou com a Espanha o Tratado de Fontainebleau, assinado a 27 de outubro de 1807, em virtude do qual despojou da Coroa a dinastia de
Bragança e eliminou da carta européia Portugal, dividindo seu território em três partes.
A província d'Entre-Douro e
Minho, tendo por capital a cidade do Porto, passaria a constituir o Reino da Lusitânia Setentrional e a pertencer à infanta da Espanha, Maria Luísa,
rainha da Etrúria, em compensação pela perda de seu reino, que seria, como foi, incorporado ao Império
[1]; as províncias do Alentejo e a dos Algarves
seriam dadas a d. Manuel de Godoy, depois duque de Alcudia e finalmente príncipe da Paz
[2], amante da rainha e favorito do rei
Carlos IV [3],
e que tomaria o título de príncipe dos Algarves; Lisboa, a Extremadura, a Beira e Trás-os-Montes ficariam em poder da França, que deles disporia
depois a seu bel-prazer, podendo mesmo restituí-las à Casa de Bragança, desde que esta concordasse com as outras partilhas feitas e que a
Inglaterra, por sua vez, restituísse à Espanha a ilha da Trindade e Gibraltar, de que se tinha apoderado manu militare
[4],
segundo seus favoritos processos de dilatar a área territorial de seus domínios, entrando sem cerimônia alguma na propriedade alheia.
Situação da Espanha
A Espanha, cujo governo se achava notavelmente desprestigiado dentro de suas fronteiras, em
virtude das dissensões reinantes entre os membros da família real, já por causa da conduta escandalosa sa rainha, já por questões de interesses
materiais que os dividiam, não se achava em condições de recusar-se aos planos bonapartistas e teve que submeter-se inteiramente a eles.
Pensam alguns historiadores que Carlos IV não entrou nesse conchavo contra a
independência do vizinho reino por espontâneo impulso de sua própria deliberação, mas coagido pela vontade arbitrária do arrogante vencedor da
Europa [5],
cujos exércitos, sempre vitoriosos, continuavam batendo todas as coligações e esmagando sem piedade todas as resistências.
Iniciada a efetivação do tratado franco-espanhol, pela invasão do território
português por numerosas forças sob o comando de Junot, a família real espavorida, e os fidalgos, apaniguados e parasitas de sua Corte, tomados de
acovardado terror, não tiveram outro remédio senão remover-se a toda a pressa para a colônia cisatlântica, de cujo seio o príncipe d. João, refeito
do abalo anterior, e ao abrigo de novas desagradáveis surpresas, levantou o busto havia pouco derreado, engrossou a voz e através dos mares
anunciou, em ar de franco desafio, ao burlado Napoleão e à Europa talvez estupefata, que aqui vinha criar um novo império
[6].
Já vimos o que foi a permanência do trono português em nossa terra, os frutos que nos trouxe, as
esperanças que abriu a todas as almas patrióticas, o auxílio que involuntariamente prestou à obra de nossa emancipação política. Já vimos igualmente
como o príncipe regente, ao revés de sua esposa e cortesãos, afeiçoara-se ao Brasil, a ponto de não pensar mais em voltar à pátria de seu
nascimento, berço tradicional de sua dinastia, terra que fora o orgulho de uma raça, povo que alargara os mundos e com seus feitos ilustrara uma das
fases heróicas da história da Humanidade moderna.
Chegara, porém, o momento decisivo em que os seus propósitos tinham de ser anulados pela
fatalidade mesma dos acontecimentos. A queda de Napoleão, os resultados do Congresso de Viena, a paz relativa que sucedera ao belicoso período
imperial, as súplicas dos povos de além-mar, descontentes e alarmados com sua já agora injustificável ausência; os insistentes apelos da Inglaterra,
nada disso o tinha demovido de sua obstinada resolução.
Revolução de Cádiz
Mas, logo depois da invasão e conquista de Portugal, Napoleão entendera que, a precárias alianças
com governos fracos, era preferível a eliminação total de tais governos; e decidiu-se também a conquistar a varonil Espanha. As lutas domésticas a
que nos referimos há pouco, e que traziam divididas não só a Corte espanhola, mas a própria nação, serviram-lhe otimamente de oportunidade e de
pretexto.
Aparentando a necessidade em que se achava de reforçar o exército existente em
Portugal, mandou para a Espanha, sob o comando de Murat, um total de 80.000 homens das diferentes armas. O pusilânime Carlos IV
[7] e seu
impopular favorito, sobressaltados diante dessa formidável demonstração militar de seu recente aliado, já se preparavam para imitar a retirada
estratégica da Casa Real Portuguesa e refugiar-se num dos seus domínios da América, no território do longínquo México; o povo, porém, não lhes deu
tempo para a realização do projetado plano.
Em Aranjuez - deliciosa cidade pitorescamente edificada às margens do Tejo, e onde a Corte, como
de costume, se achava passando a primavera, na faustosa residência real -, estalou a 18 de março de 1808 uma tremenda revolução popular contra
Godoy, que toda a Espanha detestava, por seu cinismo pessoal e indignidade cívica; auxiliado pela tropa, que aderira ao movimento, o povo atacou a
casa do favorito, obrigando-o a esconder-se; o rei exonerou-o de todos os postos oficiais, e mandou que seu filho Fernando fosse ao encontro da
multidão desenfreada, para acalmá-la. Pela manhã seguinte, o príncipe da Paz, acossado pela fome e pela sede, deixou seu esconderijo e caiu em poder
da soldadesca, que o levou preso.
O monarca, diante da contingência em que se achava, de entregar à justiça aquele
que era seu amigo desde a adolescência, preferiu abdicar em seu filho que, nesse mesmo dia - 19 de março - foi proclamado rei, com o nome de
Fernando VII [8].
Logo, porém, se arrependeu desse gesto, pois tentou em seu favor o apoio de Napoleão, que se achava em Bayonna, onde não tardou também a comparecer
o novo rei para igualmente implorar do ditador apoio idêntico.
Napoleão, assim auxiliado pelas circunstâncias, aproveitou-as imediatamente para vibrar o golpe
decisivo no coração da Espanha conquistada. Após uma triste sucessão de cenas deprimentes, de que foram protagonistas o soberano abdicatário e o
soberano eleito, mandou que este restituísse prontamente a seu progenitor a coroa que lhe usurpara por meio de uma abdicação imposta
revolucionariamente; e Carlos IV, dominado sempre por seu favorito e por ele aconselhado então, abdicou o trono tradicional de seus ilustres
antepassados em favor do imperador dos franceses, a 5 de maio. Bonaparte, por sua vez, transmitiu-o a seu irmão José, que, a seu turno, cedeu o do
reino de Nápoles a Murat, cunhado de ambos.
Ao mesmo tempo que tais fatos inomináveis ocorriam em Bayonna, a alma peninsular soberbamente se
levantava contra a infame opressão do déspota estrangeiro e contra a vergonhosa tibieza e inépcia dos monarcas espanhóis agachados aos pés daquele
intruso.
A 2 de maio a revolução tinha rebentado em Madrid, e apoderava-se da artilharia francesa,
abandonada pelas tropas que os revoltosos batiam. Breve propaga-se por todo o país, põe em pé de guerra todas as classes sociais, unidas
entusiasticamente para a nobre defesa da pátria enxovalhada; a nobreza e a plebe, o clero e a burguesia, os homens, as mulheres, as mesmas
descuidosas crianças, todos irmanados e impulsionados por um só pensamento varonil, iniciam contra o inimigo comum o sistema de guerrilhas
que teria de destruir o até então invencível poder militar do imperador.
A convulsão estende-se até Portugal, cujo povo, diante do enérgico exemplo dos vizinhos, também se
ergue para libertar a pátria. As tropas francesas, de desastre em desastre, tiveram que evacuar a heróica Lusitânia; e o rei José teve que abandonar
Madrid, apressadamente, oito dias depois que lá entrara como um triunfador.
Napoleão, porém, não se deu por vencido: ao contrário, indignou-se ao ver que seus poderosos
exércitos, vencedores de tantos e tão fortes exércitos regulares, bem equipados, bem armados e bem disciplinados, tinham sido desfeitos em
sucessivas derrotas por simples povos que se sublevaram sem o conhecimento da técnica da guerra e sem nenhuma arregimentação militar eficiente.
E partiu para a península revoltada, à frente de 80.000 homens, disposto a
esmagar sob os tacões de sua soldadesca a bravura daquela raça indômita de heróis. De fato, bateu as tropas espanholas, entrou em Madrid, expulsou
de Portugal o exército inglês que levou, de fracasso em fracasso, até as margens do Tejo, obrigando-o a embarcar-se para a Grã-Bretanha; e
finalmente submeteu Saragoça, após um cerco de 8 meses e 23 dias de incessantes combates pelas ruas, e dentro das igrejas e dos conventos
[9].
A Junta Nacional, constituída para governar provisoriamente o país, enquanto se não estabelecia um
governo, senão definitivo, ao menos estável, teve que abandonar Sevilha e implantar sua autoridade em Cádiz. José Bonaparte, reintegrado no seu
trono efêmero, prosseguiu na luta, que já não era contra os automáticos soldados de reis indignos, mas contra a nação castelhana em peso.
Constituição Espanhola. Sua revogação. Seu restabelecimento
Esta, que nada queria receber das mãos do usurpador, constituiu-se em Cortes e,
inspirando-se de moto-próprio nos princípios de 1789, promulgou a sua Constituição, a 9 de março de 1812
[10].
A luta prosseguiu de parte a parte, encarniçadamente, até que as tropas napoleônicas, perseguidas
tenazmente pelo exército anglo-luso-espanhol, começaram de bater em retirada para a fronteira dos Pirineus. Noutros campos de ação, também já se
pronunciava decisivamente o declínio de Bonaparte, cuja política nefasta tendia para seu lógico desfecho.
A capitulação de Paris, a abdicação, os Cem-Dias, Waterloo e Santa Helena, foram o
desastroso epílogo dessa inqualificável série de atentados monstruosos contra as mais respeitáveis conquistas da civilização, como sejam a
integridade territorial, a soberania e a independência política de cada povo.
Pacificada a península, Fernando VII, que voltava à Espanha, em virtude do tratado de 13 de
dezembro de 1813, firmado com o imperador, cujo antigo poder já vacilava, ascendeu ao trono de seu pai, a 3 de março do ano seguinte; e um dos seus
primeiros atos, a comprovar sua total incompetência para arcar com as responsabilidades da situação, foi restabelecer o governo absoluto, suprimido
pela Constituição decretada em 1812.
Os resultados de sua insensatez não se fizeram esperar. Os tempos estavam mudados, a França
regenerada apontava aos povos oprimidos o caminho que leva à Liberdade; a consciência de cada cidadão despertava ao embate das pugnas travadas em
defesa do solo comum, que o estrangeiro invadia e que os reis amedrontados abandonavam à sua própria sorte.
Não era mais possível uma tentativa de
regresso ao passado. Foi o que se verificou em tal momento. Forças expedicionárias que se encontravam em Cádiz, prestes a embarcarem para a América,
a fim de jugularem o movimento separatista que já lavrava nas colônias, insurgiram-se em 5 de janeiro de 1820
[11]
contra o novo rei, que não teve outro remédio senão convocar Cortes e aceitar a Constituição que elas elaboraram. Mas a nação dividiu-se em dois
campos rivais, desencadeando-se uma guerra civil, cujo desfecho foi a prisão de Fernando VII pelos exaltados e o estabelecimento de um governo
revolucionário que governou provisoriamente em seu nome.
***
Causas da revolução portuguesa de 1820
Foi precisamente esta revolução iniciada em Cádiz pelas tropas espanholas, e abraçada logo depois
pela totalidade da população livre, um dos fatores imediatos da independência brasileira, por ter sido uma das causas determinantes da revolução
portuguesa do mesmo ano e, portanto, do regresso de d. João VI para a antiga metrópole.
O exemplo da Espanha transpusera as fronteiras, ecoando no coração do povo limítrofe, assaz
queixoso do abandono em que vivia desde que a Corte o abandonara precipitadamente num dos momentos mais críticos de sua história cheia de
dificuldades.
Ao princípio, fora a humilhação da conquista, a prepotência do conquistador, as pesadas
contribuições impostas pelos seus agentes, o saque à propriedade, a violação permanente de todos os direitos, a vontade imperial sobrepondo-se
arrogante a todas as leis, a todas as regras, a todas as convenções.
Expulso o corso invasor com seus insolentes generais e soldadesca brutal, a situação política não
melhorara absolutamente: ficou a nação entregue à vergonhosa tutela de sua aliada não menos brutal nem menos tiranizadora - a Inglaterra.
O chefe supremo das forças militares era um general inglês, que a Regência, nomeada para governar
em nome do rei fugitivo, cortejava e temia, dobrando-se a todas as suas sugestões, mesmo naquilo que mais intimamente se relacionava com a política
interna do país. Haja vista a sua arbitrária e cruel interferência na célebre conspiração que se dizia encabeçada por Gomes Freire de Andrade,
vítima talvez inocente de planos ardilosamente urdidos para justificarem a adoção de medidas repressivas da mais extrema severidade, porque se
receava que as idéias novas penetrassem revolucionariamente na sociedade portuguesa, que lutava com desespero entre a desordem interior sempre
crescente e a opressão estrangeira cada vez mais afrontosa.
Além disso, a miséria generalizada enchia de pavor todas as classes. Os favores concedidos ao
comércio inglês com o Brasil, aos quais já nos referimos, em detrimento dos interesses comerciais dos portugueses - postos, por um tratado iníquo,
em condições de inferioridade relativamente aos produtores e negociantes britânicos -, aniquilava a atividade nacional em suas mais rendosas
manifestações, encarecendo assustadoramente a vida, diminuindo as rendas oficiais, paralisando todos os impulsos da economia privada e portanto da
riqueza pública.
Para Portugal, a permanência do rei na ex-colônia era considerada coisa definitiva, quiçá
irrevogável; tanto que, quando aludiam a d. João, já lhe chamavam, por escárnio, o brasileiro. A metrópole baixava à posição subalterna de
colônia do Brasil; e este usurpara àquela sua qualificada posição de outrora.
O Sinédrio
Foi neste ambiente, assim preparado para uma reação orgânica, que de improviso estourou a notícia
da revolução que triunfara em Cádiz. Os patriotas lusitanos que, organizados numa sociedade secreta denominada Sinédrio, com sede na cidade
invicta, conspiravam para resolver a crise, implantando no país o regime representativo, aproveitaram-se do momento para por em execução seus planos
e arvorar aos povos o estandarte do Constitucionalismo que a Espanha acabava de desfraldar de novo do outro lado da península.
Marechal-general Beresford
Imagem publicada com o texto
O general Beresford
O general Beresford achava-se então no Rio de Janeiro, para onde partira a
2 de maio de 1820 [12],
a pedido da regência, a fim de combinar diretamente com o rei as medidas que se tornavam imprescindíveis para evitar que os sucessos espanhóis
produzissem em Portugal resultados políticos idênticos, desastrosos para o reino, para a Europa, para os princípios tradicionais em que a ordem
ocidental assentava desde tantos séculos.
Segundo alguns historiadores, a viagem do general inglês
tivera por principal ou talvez único objetivo queixar-se da regência ao rei, pois via seus atos, e suas tendências, visarem apenas a desprestigiá-lo
perante o povo e derrocar-lhe a autoridade de que se achava plenamente investido na alta qualidade de chefe de todas as forças militares
[13], e
segundo outros, certamente melhor informados, fora ele, de fato, incumbido de expor a d. João o estado real do espírito público em Portugal, a
perspectiva alarmante em que os poderes dirigentes se encontravam, antevendo a possibilidade de uma revolução capaz de triunfar sem grande esforço;
e a necessidade imperiosa que havia de se pagarem às tropas descontentes os respectivos soldos atrasados, a fim de mantê-las fiéis e dedicadas ao
soberano [14].
O certo é que o rei não só entregou a Beresford grandes somas para pagamento aos soldados, como
também o investiu de poderes mais formidáveis do que os que tinha até então, reformando a organização da regência, reduzindo-lhe as funções a
limites puramente administrativos e outorgando àquele toda a autoridade política como seu delegado imediato, com o título de "Marechal-General junto
à Real Pessoa".
Isto prova que o prepotente oficial inglês, ao mesmo tempo que, dando cumprimento à missão de que
o encarregara a regência de Lisboa, concertava com d. João VI providências para impedir no reino uma explosão revolucionária iminente,
aproveitava-se da circunstância para queixar-se da dita regência que, sobre ser fraca e inepta, incapaz de uma reação firme e tenaz em caso de
perigo para as instituições, ainda procurava por todos os modos cercear-lhe a autoridade, inibindo-o de tomar livremente as decisões que o momento
impunha para se evitar ou reprimir energicamente qualquer audaciosa tentativa contra o soberano e seu poder.
Medidas preparatórias
Compreendendo, porém, os conjurados portugueses que, com a ausência de Beresford, a regência não
tinha a necessária envergadura para enfrentar a situação e opor-se ao planejado movimento, resolveram habilmente aproveitar-se da providencial
viagem do general ao Brasil, para darem imediata execução ao seu arriscado projeto, o que fizeram pela madrugada de 24 de agosto.
O Sinédrio, de que já falamos, fundara-se no Porto, em 22 de janeiro de 1818,
por quatro exaltados patriotas de espírito liberal: o desembargador Manuel Fernandes Thomás, o auditor geral José da Silva Carvalho, José Ferreira
Borges e João Ferreira Vianna [15],
aos quais se reuniram, em 3 de maio, José Maria Lopes Carneiro e José Gonçales dos Santos Silva; em 6 e julho, José Pereira de Menezes; em 26 de
maio de 1820, Francisco Gomes da Silva e João da Cunha Souto-Maior; em 5 de junho, José de Mello e Castro de Abreu; em 22 do mesmo mês, José Maria
Xavier de Araújo, e em 19 de agosto, Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda.
Foram estes os membros da associação que produziu e preparou o movimento de 24
de agosto, segundo a declaração assinada por cinco deles e lida por um dos signatários, Ferreira Borges, na 161ª sessão das Cortes Constituintes,
celebrada a 18 de agosto de 1821 [16].
Não mui difícil lhes foi, contudo, no momento, embora a exigüidade do número, conspirar no
interior dos quartéis, lembrando a oficiais e a soldados que o governo do rei, esquecido da mãe-pátria no seu reino do Brasil, não lhes pagava os
soldos devidos havia mais de oito meses e nem sequer satisfazia os compromissos do montepio para com a família dos que tinham tombado em defesa do
solo natal invadido, conquistado por forças estrangeiras. Em compensação, porém, sujeitava-os ao humilhante comando supremo de um general inglês,
quando não faltava na oficialidade superior do Exército Nacional quem fosse capaz de comandá-lo.
Quanto às classes civis - a nobreza empobrecida; os letrados quase sem ocupação; a burguesia,
impotente para dominar, no comércio, a concorrência britânica, favorecida pela redução dos impostos; o povo, sofrendo, além de todas as vexações, a
mais negra das misérias, por falta de alimentos e de recursos pecuniários para obtê-los - a essas classes recordaram que toda a decadência em que
então viviam nada mais era que o fruto da permanência do rei no outro continente e da inaptidão governativa da regência que por ordem e em nome dele
administrava os públicos negócios.
Esse afastamento do soberano e essa evidente inaptidão da regência é que tinham vergonhosamente
reduzido Portugal da condição de metrópole a colônia do Brasil.
Declara-se a revolução no Porto
Assim preparado o espírito público na sede do movimento, começaram as negociações junto das
autoridades civis e militares, no sentido de obter delas que não criassem obstáculos à marcha do movimento. Agentes foram enviados a Lisboa no
intuito de conseguir-se a adesão dos elementos liberais da capital; mas a regência teve conhecimento do que se tramava, mandou prendê-los no Porto,
para onde tinham fugido, e tomou severas providências para que, caso explodisse a revolução naquela cidade, não pudessem transpor as respectivas
fronteiras.
Foi tudo em vão. Os coronéis Bernardo Correia de Castro Sepúlveda e Sebastião Drago Valente de
Brito Cabreira, nomeados para constituir o conselho militar que devia dirigir o levante, convocaram no paço da Câmara Municipal a vereança, as
autoridades municipais e as pessoas de notória posição no meio; e aí, sob proposta dos chefes civis da revolução, foi deliberado unanimemente que se
nomeasse uma junta provisional para governar o reino, em nome e durante a ausência de d. João; que se convocassem as antigas Cortes - que havia mais
de cem anos não eram convocadas - e que estas elaborassem uma Constituição adequada ao espírito da época e às circunstâncias políticas excepcionais
em que se encontrava Portugal então.
Coube a presidência da junta ao coronel António da Silveira Pinto da Fonseca e a
vice-presidência ao coronel Cabreira, sendo eleitos para secretários, com direito de voto, José da Silva Carvalho, José Ferreira Borges e Francisco
Gomes da Silva [17].
Empossada a junta, publicou imediatamente um manifesto à nação portuguesa e outro aos governos europeus, explicando as causas da insurreição e os
propósitos dela.
A regência do reino, logo que teve conhecimento dos graves sucessos de que era teatro o Porto,
pensou em expedir forças legais para dominarem os revoltosos; mas, a conselho do experimentado conde de Palmella, cuja opinião quis criteriosamente
ouvir antes de tomar qualquer atitude repressiva, resolveu pôr-se à testa do movimento, arrancando-o das mãos dos chefes insurgentes e dirigindo-o
de acordo com o sentimento popular, sem todavia atentar contra a majestade do poder que d. João VI simbolizava.
Era um plano realmente estratégico, pelo que a Junta do Porto, ao ter conhecimento dele, através
das proclamações publicadas em Lisboa e assinadas pelos membros da regência, sobressaltou-se e compreendeu que, se não empregasse energicamente
redobrados esforços para vencer, perderia fatalmente e definitivamente a partida.
Muitos dos conjurados acovardaram-se diante da inesperada posição habilmente assumida pelo governo
de Lisboa. O terror começou a lavrar entre eles; e a maioria foi de opinião que se subordinassem todos à decisão da regência, uma vez que esta
vinha, espontaneamente, ao encontro da vontade geral da nação, manifestada com desassombro no movimento insurrecional triunfante.
Mas Sepúlveda, Fernandes Thomás e Silva Carvalho protestaram contra semelhantes pareceres, ditados
pelo pavor que não por um natural impulso de refletida prudência; e o seu corajoso pronunciamento logrou reanimar os espíritos fracos.
Deposição da regência. Adesão de Lisboa
Ficou resolvido em sessão extraordinária do conselho militar e da junta provisional reunidos, que
se mandassem tropas contra Lisboa, a fim de submeter a regência que ardilosamente pretendia aderir à revolução para melhor aniquilá-la em seguida.
Assim foi feito. Duas divisões militares, compostas de soldados de linha, de milícias e de
polícia, comandadas respectivamente pelo coronel Cabreira e pelo marechal Gaspar Teixeira de Magalhães Lacerda, governador das armas da província do
Minho, marcharam sobre a capital, não encontrando resistência alguma em seu caminho até entrarem em Coimbra.
Ao ter notícia, não só dessa marcha sem obstáculos, como também da adesão das autoridades
militares e civis que as tropas divisionárias tinham recebido no seu trajeto - achou a regência que seria de bom aviso expedir um parlamentar para
entender-se com a junta, que, menos três membros que tinham ficado à frente do governo do Porto, acompanhara em sua marcha as referidas tropas.
A junta não transigiu e fez regressar para Lisboa o parlamentar, com a intimativa de submissão
incondicional. Mas, na véspera desse acontecimento, isto é, a 15 de setembro, a guarnição da capital, com os mais vivos e entusiásticos aplausos da
população amotinada, depusera a regência, elegera novo governo, constituído pelo principal Freire e mais o conde de Rezende, o conde de Penafiel, o
tenente-general Mathias José Dias, e Hermano José Braamcamp de Sobral, que logo se empossaram de seus cargos, e juraram obediência às Cortes de novo
convocadas e à Constituição que elas fizessem.
A junta do Porto melindrou-se profundamente com os primeiros atos emanados da junta de Lisboa, que
se arvorara em supremo governo do país e queria que à sua autoridade todos se submetessem até a próxima reunião das Cortes Constituintes. Pretendia
aquela que, tendo - antes de qualquer outra corporação ou pessoa -, erguido bem alto o grito da liberdade constitucional, competia-lhe entrar na
capital do reino e aí assumir, em nome da nação e do rei, a administração dos públicos negócios. E nessas disposições estava resolvida a prosseguir
na sua marcha até lá.
Mas, os de Lisboa, na pacífica intenção de evitar que se agravasse tão melindroso estado de coisas
com perigosas rivalidades e escusadas competições, entabularam com os do Porto amigáveis negociações, das quais resultou, como feliz remate, o
acordo chamado Convenção de 1º de Outubro.
Em virtude de semelhante acordo, as juntas locais fundir-se-iam numa só junta nacional composta de
igual número de membros de parte a parte, fato que se verificou solenemente no dia 4 . No dia imediato, começou a funcionar o novo governo que,
depois de ter feito o clero, a nobreza, o povo e todas as autoridades jurarem obediência ao rei, às Cortes e à futura Constituição, tomou uma série
de providências tendentes a assegurar a paz e a liberdade até que o país reentrasse no regime normal que todos aspiravam.
A 10, regressava do Rio o marechal Beresford, levando dinheiro para pagamento dos soldos atrasados
às tropas, e uma carta-patente extraordinária assinada pelo rei, investindo-o de plenos poderes sobre toda a força militar e estabelecimentos
técnicos ligados a essa instituição. A junta não lhe quis reconhecer tais poderes, proibindo-lhe categoricamente o desembarque, sob pena de se não
responsabilizar pelos excessos que o povo praticasse contra sua vida, pois era geral e intenso o ódio que à sua pessoa votava toda a nação, cansada
de suportar com humilhante paciência a grosseira sujeição de sua insolente e opressiva autoridade.
Desenganado de conseguir o que queria, Beresford, de bordo da nau Vengeur, na qual partira
do Rio de Janeiro, passou-se para o paquete inglês Arabella, seguindo para Falmouth, no dia 18, depois de ter entregue à junta, mediante
intervenção de terceiros, a elevada soma que a suas mãos confiara o rei para pagamento das Forças.
Entre os membros da junta houve dissídios mais ou menos graves que se refletiram seriamente no
grêmio das corporações militares e no seio da população civil, provocando manifestações armadas na praça pública. Em conseqüência, e para termo de
tais dissidências e perniciosos motins, teve a junta que adotar provisoriamente a Constituição Espanhola, de 1812, para logo depois, sob a pressão
de novos acontecimentos, revogar essa medida, decretando, contudo, providências para que as Cortes se reunissem com brevidade a fim de organizarem
rapidamente o país sob o regime constitucional.
Repercussão na Corte do Rio
As primeiras notícias relativas a tais fatos, chegadas ao Rio, a 17 de outubro,
pelo brigue Providência [18],
estouraram na sossegada Corte dos Braganças como, num acampamento adormecido, o estrondoso ribombar de bombardas ruidosas.
Afligiu-se desmedidamente, e como de costume, o rei pacato; enfureceu-se a exacerbada Carlota
Joaquina; os outros membros da família real alarmaram-se; os ministros de Estado, e os mais notáveis conselheiros da Coroa foram chamados com
urgência para uma reunião no Palácio de S. Cristóvão.
D. João pediu a cada qual um alvitre, um conselho, uma sugestão, uma idéia que o habilitassem a
conjurar a crise declarada além dos mares. As opiniões dividiram-se, como é natural: uns queriam que se adotassem medidas de repressão enérgica, que
se demitisse a regência por ter, com manifesta fraqueza, atendido ao apelo dos revolucionários, convocando oficialmente as Cortes, para o que não
tinha competência alguma, por ser isso prerrogativa reservada exclusivamente ao soberano.
Providências tomadas
Thomás António, ministro do reino, era dos que assim pensavam. Outros, tendo à frente o conde dos
Arcos, ministro da Marinha e Ultramar, entendiam que o clamor dos povos era justo, que mister se fazia atendê-los nas suas reclamações, embora
mantendo-se inquebrantavelmente o regime absolutista; e preconizava a partida do príncipe herdeiro, d. Pedro, para Portugal, a fim de, com sua
autoridade, impor à nação revoltosa o respeito devido ao rei e às instituições nele simbolizadas, disto de acordo com as próprias súplicas da
regência e dos tribunais superiores de Lisboa.
D. João, seguindo, como sempre, os impulsos de sua índole incapaz de extremos, adotou, depois de
longas vacilações, uma resolução que era a média das opiniões emitidas por seus ministros e conselheiros: mandou censurar a regência pela sua ação
irregular, inepta e violadora das atribuições majestáticas do monarca; mas concordou com a convocação das Cortes, em homenagem à fidelidade do povo
português, e prometeu que ele próprio, ou seu filho, passar-se-ia para a antiga metrópole, assumindo a direção da coisa pública, depois que se
verificasse que a Constituição em perspectiva nada consignava capaz de ofender a dignidade da Pessoa Real.
Chegada do conde de Palmella. Alvitres propostos. Hesitações do rei
E assim procedendo, pensava o mal-afortunado d. João que tinha
tomado todas as providências essenciais para deter o movimento em seu início. Não tardou, porém, a desiludir-se de seu ingênuo otimismo, com a
chegada, a 23 de dezembro, do ilustre conde de Palmella (mais tarde duque do mesmo nome), que embarcara em Gibraltar, a bordo da fragata austríaca
Carolina [19]
com destino ao Rio, a fim de tomar posse do cargo de ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros, para o qual se achava nomeado desde 24 de junho de
1817, dia em que Thomás António de Villa-Nova Portugal organizou novo ministério, após o falecimento do conde da Barca
[20].
Confirmou este [21],
com tanto assombro quanto terror dos circunstantes, que a revolução triunfara no outro hemisfério, que a regência fora deposta e substituída por uma
junta de eleição popular, que Beresford fora repelido e que a Madeira e a Bahia, onde tinha tocado e conferenciara com autoridades e pessoas de
posição, estavam agitadas e os respectivos povos propensos a aderir ao movimento vitorioso em Portugal, a cujos chefes protestariam indubitavelmente
inteira obediência dentro dos moldes constitucionais que se iam tentar.
O rei, literalmente abatido com essas infaustas notícias, apelou outra vez para seus
colaboradores, pedindo-lhes que lhe traçassem uma rota firme a seguir sem vacilações em tão apertadas conjunturas. Reuniu em palácio um novo e mais
numeroso conselho, do qual participaram com seus pareceres e votos, não somente os ministros de Estado e os conselheiros da Coroa, como também
personalidades privadas gozando da consideração da Corte e funcionários públicos de elevada categoria e representação.
Só d. Pedro, seu amado primogênito, não foi chamado a comparecer, quer neste como no Conselho
anterior. É que d. João, cioso excessivamente, como sempre se mostrou, de sua autoridade, não queria vê-la diminuída com a sugestão de alvitres por
parte do jovem príncipe, que poderiam ser adotados ou aplaudidos pela assembléia, o que reputava atentatório de seu prestígio e poder.
O novo Conselho nada de positivo resolveu sobre a anômala situação política do país, porque El-Rei
sentia-se embaraçado, tolhido e perplexo para escolher, entre tantas opiniões discordes, a que lhe parecesse mais conveniente ou menos perniciosa.
O conde de Palmella insistiu por que se transigisse tanto quanto possível com a rebelião
triunfante e se fizesse o príncipe herdeiro partir quanto antes para Portugal, pelos motivos que anteriormente expusera verbalmente e por escrito em
criteriosas e bem fundamentadas Memórias que sujeitara à apreciação do vacilante monarca.
Thomás António perseverou no seu ponto de vista contrário à opinião de seu eminente colega; e, com
sua intransigência na defesa de um regime retrógrado, que em toda a Europa se combatia com extrema violência, concordaram quase todos os membros do
Conselho, o que aumentou sobremodo a irresolução em que se debatia o torturado espírito do rei.
No Pará
E enquanto assim se consumia esterilmente um tempo precioso, a
revolução, que triunfara na antiga metrópole quase sem esforço algum, não tardou a estender-se até a ex-colônia, onde, numa das capitanias do
extremo Norte, na cidade de Belém do Pará, a população militar e civil ergueu-se em peso, a 1º de janeiro de 1821, declarou-se plenamente solidária
com os intuitos dos liberais portugueses, aprovou a convocação das Cortes, jurou observar a Constituição que estas elaborassem, depôs a junta
governativa, composta do arcediago António da Cunha, do coronel Joaquim Felippe dos Reis e do ouvidor da capital, dr. António Maria Carneiro e Sá,
que estava substituindo interinamente o conde de Villaflor, governador e capitão-general da capitania, então ausente no Rio de Janeiro, onde fora
contrair casamento com uma filha do marquês de Loulé [22];
elegeu outra junta governativa para encarregar-se da administração pública e protestou formal obediência ao governo organizado em Lisboa
[23].
A 5 de abriu expediu a Junta Paraense, em comissão oficial, para aquela cidade, o bacharel Felippe
Alberto Patroni e Domingos Simões da Cunha, incumbidos de prestar ao governo revolucionário lá instalado informações precisas sobre os sucessos
havidos na capital do Pará.
As cortes, que se achavam funcionando desde 26 de janeiro e
que tinham seis dias depois constituído uma regência para exercer o Poder Executivo em nome e durante a ausÊncia de d. João VI
[24],
após terem ouvido, com entusiástica atenção, o ardente discurso de Patroni, votaram, em sinal de reconhecimento à fidelidade com que se portara o
Pará, e sob proposta de Manuel Fernandes Thomás, que fosse a leal capitania desincorporada do Brasil e agregada a Portugal, na eminente categoria de
província [25].
Na Bahia
O exemplo do Pará não tardou a contaminar outra capitania do Norte - a da Bahia, que se revoltou
no mês seguinte, a 10 de fevereiro, e onde as tropas, as altas autoridades e o povo, depois de rápida luta, e para evitarem derramamento de sangue,
congraçaram-se fraternalmente, erguendo vivas ao rei e à Constituição.
Reunido em vereança extraordinária, o Conselho Municipal jurou
a Constituição em projeto, no que foi acompanhado por todos os presentes, inclusive o capitão-general conde de Palma, governador da capitania
[26], a
quem se ofereceu gentilmente a presidência do novo governo [27]
em homenagem aos seus méritos e em sinal de cordialidade e tolerância.
Não quis ele aceitar o oferecimento; e seis dias depois,
acompanhado do comandante das armas, marechal-de-campo Felisberto Caldeira Brant, partiu para o Rio de Janeiro, a bordo da fragata inglesa Icarus
[28],
a fim de dar ao rei e seus ministros d'Estado conta pessoal do que se passara e das generosas razões por que não atacara e dominara com a força
armada os insurretos, quer militares como civis [29].
Resoluções da Corte
Ao tomarem conhecimento de tão graves ocorrências, o rei, a Corte, os ministros d'Estado,
compreenderam enfim que o período das protelações tinha cessado e que era preciso agir energicamente, ou indo ao encontro dos revolucionários, para
atendê-los no que lhes parecesse justo, ou esmagando militarmente a sedição que já rugia ameaçadora ao pé do trono periclitante.
Mas, ainda nessa premente situação, os conselheiros d'El-Rei não chegaram a um pronto e razoável
acordo no tocante às medidas que sem demora deviam ser postas em execução, tanto em Portugal como no Brasil, para serenar a agitação dos ânimos.
Prevaleceu ao fim, após longas, dilatadas discussões quase sem termo, a sensata opinião do conde de Palmella, que conseguira no momento levar de
vencida perante o rei a obstinada intransigência de Thomás António.
Confirmou-se, então, a decisão anteriormente adotada de que o príncipe herdeiro partiria quanto
antes para Lisboa, assumindo em nome do rei seu pai o governo da nação e levando consigo um manifesto real dirigido ao povo e as bases da
Constituição que deveria ser outorgada o mais depressa possível pelo soberano, em satisfação da vontade nacional expressamente conhecida através dos
últimos acontecimentos.
Da redação de ambas as peças encarregou-se o próprio Palmella, o qual, de
conformidade com o vencido no Conselho, limitou as bases constitucionais propostas, à divisão dos poderes políticos, à igualdade dos direitos
perante a Lei, à liberdade de opinião, à segurança pessoal, às garantias da propriedade privada, à responsabilidade efetiva dos ministros da Coroa e
à convocação de uma Junta de Cortes no Rio de Janeiro, constituída dos procuradores das câmaras municipais
[30],
para estudar e propor as providências tendentes a amparar os negócios e os interesses peculiares ao Brasil, melhorando as suas condições locais e
reformando a sua legislação antiquada.
Antagonismo entre Palmella e Thomás António
Mas o ministro do reino, que tinha parecido ceder diante do rei e de Palmella às
ponderações deste ilustre estadista, voltou a atuar de novo sobre o espírito irresoluto e frouxo de d. João VI; e as idéias vencedoras na reunião de
18 de fevereiro, traduzidas pelo seu autor em projeto de 21, data em que foi enviado ao monarca, passaram por grandes modificações quando
consubstanciadas no famoso decreto publicado a 23 [31].
Tal decreto, que se lavrou depois das deliberações assentadas decisivamente no
despacho ministerial de 22 de fevereiro, foi antedatado de 18, mandado à impressão para conhecimento público a 23 e determinava que d. Pedro
partisse para Portugal, com o objetivo, entre outros, "de ouvir as representações e queixas dos povos; de estabelecer as reformas, melhoramentos e
as leis que possam consolidar a Constituição Portuguesa, e tendo sempre por base a justiça e o bem da monarquia"... devendo o príncipe transmitir a
El-Rei a mesma Constituição, a fim de receber, se por ele for aprovada, a indispensável sanção real
[32].
Determinava mais o referido decreto, alterando o plano inteligentemente concebido por Palmella,
que seriam convocados no Rio de Janeiro "procuradores eleitos pelas câmaras das cidades e vilas principais que têm juízes letrados tanto do Reino do
Brasil, como das ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde", para examinarem, em Junta de Cortes, aquilo que dos "artigos da Constituição Portuguesa
for adaptável ao Reino do Brasil" e proporem o mais que conveniente julgarem ao mesmo reino e referidas ilhas, os quais, por motivos decorrentes de
sua situação geográfica, de seu clima, de sua população e de seus costumes, não poderiam ser governados pelos princípios básicos adotados naquela
Constituição, destinada a vigorar somente na ex-metrópole.
E para acelerar os trabalhos e preparar as matérias de que deveriam ocupar-se os ditos
procuradores, finalizava por criar uma comissão de pessoas residentes na Corte e nomeadas pelo rei, que entrariam logo no exercício de suas funções.
Era um golpe mortal nas idéias preconizadas e defendidas com crescente vigor pelo conde de
Palmella, que muito aflito ficou ao ler, depois de impresso, o malsinado decreto, e solicitou do rei sua demissão do ministério, no que não foi
atendido.
Entretanto, Varnhagen, arrastado pelo seu temperamento a formular proposições
dogmáticas, sustenta, com imperturbável seriedade, que, pelas resoluções contidas naquele decreto, se formariam duas Constituições e duas capitais,
habitadas estas alternativamente pelo soberano e pelo herdeiro da Coroa [33],
quando o que dele se transverbera claramente é o mal dissimulado propósito de iludir a expectante credulidade das populações d'aquém e d'além-mar.
Aos brasileiros prometia-se apenas a convocação de uma Junta de Procuradores Municipalenses que
sugerissem medidas dignas de ser postas em prática em benefício da coletividade; e tais procuradores seriam tão somente mandados pelas câmaras das
cidades e das vilas que tivessem juízes letrados, excluindo-se, dest'arte, categoricamente, as restantes povoações do Brasil.
Além disso, as suas iniciativas, as suas propostas, os seus poderes ficavam
limitados pelas atribuições outorgadas por uma provisão, datada de 23, e publicada a 24, à comissão criada para preparar as questões que os
procuradores tinham de estudar [34].
Ao povo português enviava-se d. Pedro para conhecer de suas aspirações e
queixas, a fim de que o rei resolvesse a respeito delas, e para transmitir a este a Constituição elaborada pelas Cortes, a fim de que ele a
sancionasse, desde que a julgasse digna de sua real aprovação [35].
Varnhagem tresviu no célebre decreto coisas que lá não se encontram, que não
representam o pensamento de Palmella e nem traduzem a opinião vitoriosa no Conselho de Ministros e Notáveis reunidos a 18 de fevereiro
[36].
El-Rei quer que seu filho estabeleça as reformas, melhoramentos e leis que possam consolidar a
Constituição Portuguesa, e que esta só seja válida depois de seu exame, aprovação e real sanção; isto, em lugar das bases constitucionais
organizadas por Palmella e das quais devia ser portador o próprio príncipe.
D. Pedro, aliás, consultado pela primeira vez sobre a questão política, e isto
mesmo porque tinha de tomar parte direta nela como representante de seu pai em Portugal - mostrara-se infenso à proposta do conde, por lhe parecer
que a apresentação das bases da Constituição, em nome e da parte d'El-Rei, às Cortes, era reconhecer a legitimidade da convocação destas, o que
julgava indecoroso para Sua Majestade [37].
Decreto de 18 de fevereiro. Desagrado que causou
Para mais completa ilustração dos leitores, transcrevemos, na nota abaixo, o
decreto de 18 de fevereiro, na íntegra [38].
A impressão causada no espírito da população carioca, quando se tornou conhecido o ato do governo,
foi de manifesto desagrado. Não era aquilo que se desejava: o que se queria desde logo era a Constituição de Portugal, embora, pela diversidade dos
elementos que compunham o meio demográfico, dando-lhe uma feição política heterogênea, ainda se não tivesse podido operar no Rio um pronunciamento
idêntico ao do Pará e da Bahia.
Decreto de 23 de fevereiro. Dúvidas quanto à data de sua
publicação
O rei, avisado pelo comandante de sua polícia, que o povo começava de agitar-se,
desgostoso com o que se pretendia fazer, impressionou-se vivamente com o aspecto que as coisas poderiam tomar de um momento para outro; e, pensando
que assim acalmaria qualquer provável excitação popular mais positiva, mandou que no mesmo dia em que se deu à estampa o decreto de 18 (23 de
fevereiro), se publicasse o outro decreto ou provisão, convocando a Junta de Procuradores e nomeando a comissão incumbida de preparar as matérias
que eles deveriam estudar, tudo de acordo com o disposto naquele primeiro decreto [39].
Efetivamente assim se fez, tendo Thomás António, em cumprimento das ordens
reais, conseguido que Palmella, apesar de sua grave divergência com o governo, fosse assistir à instalação dos trabalhos da comissão preparatória,
marcada apressadamente para o dia 25, embora fosse domingo [40].
Um trecho panorâmico do Rio de Janeiro no
começo do século dezenove
Imagem publicada com o texto
Junta de Notáveis
A sessão inaugural realizou-se, conforme assegura um dos
membros da comissão, José da Silva Lisboa, citado por VARNHAGEN [41],
pela manhã, em casa de Palmella, à Rua do Conde, em Catumbi [42].
Não obstante os esforços empregados por este
para que fossem adotadas as bases constitucionais por ele elaboradas, nada conseguiu obter, dispersando-se a assembléia, após 7 horas de trabalho
[43],
sem ter tomado deliberação alguma, segundo afirma VARNHAGEN [44];
mas, em verdade, conforme nos conta minuciosamente um dos seus membros mais ilustres, ela, por voto da maioria, não só rejeitou a proposta do
ministro para a adoção de uma Constituição Brasileira modelada pela inglesa, como até aprovou que se recebesse, pura e simplesmente, a Constituição
tal qual a organizassem as Cortes Lisbonenses [45].
Foi, pois, uma dupla deliberação decisiva, que contrariava, ao mesmo tempo, a intransigência
absolutista de Thomás António e o plano habilmente gizado por Palmella, de fazer o próprio rei tomar a chefia do movimento liberal e conceder aos
povos o regime político que eles reclamavam, dando-lhes por um impulso espontâneo o que, de outra forma, lhe seria imposto violentamente por vontade
da nação.
Não tendo conseguido que esse pensamento fosse levado até Portugal, pretendeu o seu ilustre
paladino que triunfasse ao menos no Brasil, mas foram totalmente baldados seus tenazes esforços a respeito.
Ocultou-se decerto ao público o que na reunião inicial - e única - da referida junta ficara
assentado, e que desagradara ao rei, aos dois ministros em permanente antagonismo e ao príncipe. Não é exato, portanto, que a junta se tivesse
dissolvido sem nada resolver, só porque na reunião vozes se levantaram, protestando que não se devia transigir com os revolucionários da
ex-metrópole, como informa VARNHAGEN, o qual atribui a essa falta de deliberação o pronunciamento militar e popular do dia imediato.
Os constitucionalistas temiam-se da outorga de uma Carta Política por espontânea
vontade do monarca e seus conselheiros, pois estavam certos de que a Constituição que as Cortes de Portugal, de moto-próprio, iam fazer, haveria de
ser forçosamente mais liberal e mais adiantada que a outra. Daí o voto da Junta, em cujo seio o elemento nacional preponderava com grande maioria
[46].
Ora, se o governo, seguramente informado, como já então se achava, de que no Rio estavam
preparando um movimento popular de apoio àquelas Cortes, tivesse dado conhecimento ao público, pela gazeta oficial, da deliberação tomada pela
Junta, é claro que a sedição do dia seguinte - 26 de fevereiro - teria necessariamente abortado. É justamente porque ela não foi evitada, quando
poderia se-lo facilmente, que nos inclinamos à hipótese formulada acima - de que se ocultou cuidadosamente à população carioca o pensamento vencedor
na reunião da véspera.
A causa imediata, pois, dos sucessos revolucionários de 26 não proveio de culpa da Junta, por não
ter esta tomado resolução alguma, como pretende VARNHAGEN; mas resultou sim de o governo não ter dado a conhecer ao povo o que na famosa reunião se
tinha passado.
A cidade andava agitada havia já muitos dias, não só porque em reuniões secretas se tramava um
pronunciamento de adesão às Cortes, como porque o governo entrara pelo caminho franco da reação violenta, expedindo ordens de prisão, às vezes por
mera suspicácia, contra pessoas conceituadas entre as rodas populares da sociedade carioca.
Este último fator -a expedição arbitrária de ordens de prisão - foi o que mais fortemente
contribuiu para que a revolução se antecipasse. Diante da atitude assumida pelo governo com a publicação dos decretos de 18 e 23 de fevereiro, era
coisa resolvida pelos conspiradores levá-la a efeito, mas o dia designado para isso foi o 1º de março; precipitaram-na, porém, as medidas
excepcionais postas em prática, porque os que se achavam envolvidos nela receavam que, se a retardassem, as autoridades tivessem tempo de jugulá-la.
Só havia um meio de conjurá-la no seu início, repetimo-lo: era dar-se a conhecer á população o
voto da maioria da junta reunida a 52. Assim não o compreendeu a cega relutância dos dirigentes, alheios, como pareciam estar, à marcha vitoriosa
das idéias modernas no seio das mais antigas organizações do velho mundo.
Atribuíam eles, por certo, a causas locais, a pruridos de inconsciente imitação, a passageiras
aspirações de caráter puramente sentimental, sem raízes vitais reprofundadas na fatalidade de leis naturais inevitáveis - um movimento que era
determinado pelas próprias condições em que a sociedade humana se vinha desenvolvendo desde a dissolução política do regime católico-feudal.
A Revolução Francesa, consubstanciando todos os anseios desse longo passado, formulou nitidamente
o problema que aos povos cumpria resolver energicamente; as pátrias não eram mais o conjunto de indivíduos poderosos ou corporações privilegiadas,
vivendo parasitariamente do trabalho das classes úteis, espoliadas na sua atividade industrial, oprimidas na sua liberdade, sufocadas nos seus
protestos de reivindicação, escarnecidas na dignidade de seu pudor, flagiciadas na sua honra, votadas à miséria orgânica, aos sofrimentos morais e
ao desprezo brutal de seus exploradores.
Ao contrário disso, as pátrias, na concepção revolucionária triunfante, eram a comunhão para cujo
progresso econômico e desenvolvimento social deviam contribuir todos os seus membros segundo a capacidade máxima de cada qual. Assim organizadas,
cada indivíduo teria, pois, de concorrer livremente para elas com o tributo singular de sua operosidade - mental, moral ou prática - para melhorar
continuamente as condições pessoais de todos os outros e, portanto, as próprias condições do meio respectivo.
A sistemática exploração dos fracos pelos fortes, do braço pelo capital, do trabalho pelo
dinheiro, teria de cessar definitivamente, não de um golpe, mas por etapas ganhas em batalhas sucessivas. E assim como cada pátria moderna passaria
a ser a associação convergente de todos os indivíduos aptos e de todas as dignas famílias - cabendo apenas aos seus dirigentes a função de
administrar a economia coletiva em proveito universal da comunhão - assim também da reunião de todas elas se formaria grandiosamente a vasta
sociedade humana, para cuja recrescente civilização todas elas teriam de cooperar efetivamente com o seu cabedal de luzes, de esforços e de
virtudes. Nem opressão interna, nem dominação estrangeira. Nem homens escravizados a senhores, nem pátrias escravizadas a usurpadores.
A estas idéias que da França generosa se comunicaram a todos os povos ocidentais, é que o estreito
horizonte filosófico da generalidade dos estadistas lusos queria opor desvairadamente uma resistência tão insensata como inútil. Uns, menos
inteligentes e mais grosseiros, pregavam a necessidade de se opor à revolução triunfante lá, e à que nos ameaçava aqui, a força militar que as
esmagasse; outros, mais prudentes, embora não mais inteligentes, pretendiam, com a aparência falsamente liberal de suas palavras e atitudes, enganar
os povos, para captar-lhes a confiança e depois destruir suas perigosas veleidades de soberania; outros, finalmente, dotados de visão mais ampla,
queriam que o próprio absolutismo, o próprio rei, para salvar da iminente derrocada ao menos a sua dinastia, arrebatasse das mãos dos chefes
revolucionários a direção do movimento e o orientasse com firmeza, de modo a podar-lhe os excessos, fazendo com que a liberdade popular se
harmonizasse de fato com a suprema autoridade real.
Não via nenhum deles que o período das concessões
voluntárias por parte do Poder tinha passado; que os povos compenetrados enfim de sua grande força, levantavam-se para reconstruir por conta própria
sobre novos alicerces aquela sociedade literalmente grata; e que pereceria esmagado debaixo dos formidáveis escombros quem quer que ousasse impedir
que o camartelo da demolição botasse por terra todo o pesado edifício da vacilante ordem social caduca. No mesmo lugar se erigiria então o airoso
monumento do futuro.
[...]
NOTAS:
[1] Pelo tratado de 29 de
janeiro de 1800, Napoleão, então primeiro-cônsul, oferecera a Carlos IV, da Espanha, a coroa da Etrúria (grão-ducado da Toscana) para seu genro, o
infante de Parma, d. Luís, filho de Fernando, duque de Parma, bisneto de Felippe V, e casado com Maria Luísa. Depois do falecimento de seu marido,
em 1803, a infanta ficou regendo a Etrúria, em nome de seu filho menor, Luís II, até que o Tratado de Fontainebleau incorporou o reino ao território
francês, nas condições relatadas no texto.
[2] Este último título lhe
foi dado depois que entre a Espanha e a França foi assinado o Tratado de Paz, em Basiléia, a 22 de julho de 1795. Era ele então primeiro-ministro,
em substituição do conde de Aranda, caído em desgraça e desterrado (ASCARGOTA - Compendio de la Historia de España, edição de 1865, páginas
380 e 381).
[3] DE STELLA ET DE SANTEÜL
- Obra citada, tomo 2º, pág. 57.
[4] PADRE GALANTI - Obr.
cit. tomo 3º, páginas 422-423.
[5] Idem, ibidem, páginas
418-419; DE STELLA ET DE SANTEÜL - Obr. cit., tomo 2º, página 61.
[6] "Não é com injúrias, nem
com vãs e inúteis ameaças que a Corte de Portugal levantará a sua voz do seio do novo Império que vai criar..." (Manifesto do PRÍNCIPE
REGENTE às Nações Extrangeiras, no 1º de maio de 1808).
[7] Era um espírito reto,
dotado de não vulgar instrução; e possuía um coração bondoso (ASCARGOTA - Obr. cit., livro 16º, página 369).
[8] ASCARGOTA - Obr. cit.,
livro citado, páginas 399 e 400
[9] VICTOR DURUY -
Histoire de France, tomo 2º, pág. 609.
[10] VICTOR DURUY -
Histoire de France, tomo 2º, pág. 613. Alguns historiadores dizem que esta Constituição foi outorgada ou pelo rei José ou por Bonaparte. Basta,
porém, percorrer algumas de suas disposições, para se chegar a uma conclusão oposta. A Constituição, além de limitar com o máximo rigor os poderes
do rei, cercava todos os seus atos de uma severa fiscalização permanente, reservando para as Cortes Legislativas as mais amplas e soberanas
atribuições (Título III, Cap. VII, art. 131 e §§; Título IV, Cap. I, art. 172 e seus §§). Além disso, o Capítulo II do mesmo Título reconhecia
expressamente a legitimidade da sucessão da Coroa, declarando que o rei atual era d. Fernando VII de Bourbon, e que lhe sucederiam seus herdeiros
legítimos e os irmãos de seu pai, assim varões como fêmeas (Arts. 174, 179 e 190). Claro está que se a Constituição fosse da outorga do imperador ou
seu irmão, não conteria semelhantes disposições.
[11] O sr. OLIVEIRA LIMA,
em contrário à generalidade dos historiadores, data de 7 de março a insurreição militar de Cádiz (O Movimento da Independência, cap. I,
página 18); JOAQUIM MANUEL DE MACEDO também a fixa no mês de março, sem lhe determinar o dia (Obra cit., lição 23ª, pág. 307, 5ª ed.). Mas o PADRE
GALANTI (obr. cit., tomo 4º, pág. 5), data-a de 5 de janeiro; RAPOSO BOTELHO (Comp. de Hist. Univ., pág. 536), de janeiro, sem declinar o dia
certo; PEREIRA DA SILVA (obr. cit., tomo 5º, págs. 6 e 7), de 1º de janeiro, acrescentando que o 7 de março foi o dia em que Fernando VII declarou
aceitar o regime constitucional; ROCHA POMBO (Hist. do Brasil, vol.7º, págs. 480-481) adota a informação de Pereira da Silva; MATOSO MAIA (obr.
cit., 5ª ed., pág. 248) data-a de 1º de janeiro.
[12] Chegou ao Rio a 30 do
mesmo mês, tendo, portanto, feito a viagem em 28 dias, a bordo da fragata inglesa Spartan. Regressou a 13 de agosto, na nau inglesa
Vengeur, sendo menos feliz que na vinda, pois só entrou na barra do Tejo a 1º de outubro, após quarenta dias de viagem (PEREIRA DA SILVA - Obr.
cit., vol. 5º, págs. 12, 57 e 58).
[13] Varnhagen alude à
desinteligência entre Beresford e o governador português d. Miguel Pereira Forjaz, acrescentando que, na reunião de ministros realizada a 4 de maio,
a convite do rei, Thomás António propôs a substituição do segundo, por ser mais fácil que a do primeiro (História da Independência, pág. 34).
[14] O PADRE GALANTI,
confundindo as épocas, diz que Beresford viera ao Rio, depois da volta de Bonaparte à França para queixar-se ao soberano de que a regência, contra
seu parecer, não quisera que se enviasse o exército português contra o usurpador. E acrescenta que Beresford regressou para Portugal, em 1816,
investido por d. João de poderes superiores aos da regência (obra citada, vol. IV, pág. 72). A verdade, porém, é que, quando veio ele ao Brasil, já
o corso imperial estava desterrado em Santa Helena.
[15] A estes nomes PEREIRA
DA SILVA (obr. cit., vol. 5º, pág. 15) acrescenta o de José Duarte Lessa.
[16] PEREIRA DA SILVA (obr.
e vol. cits., pág. 18) informa que nas proximidades de declarar-se o levante, o Sinédrio tinha aumentado com a aquisição de prestigiosos elementos
de todas as classes sociais.
[17] O restante da junta
compunha-se dos seguintes vogais: pelo clero, o deão Luís Pedro de Andrade Bederode; pela nobreza, Pedro Leite Pereira de Mello e Francisco de Sousa
Cirne de Madureira; pela magistratura, Manuel Fernandes Thomás; pela Universidade de Coimbra, frei Francisco de São Luís; pelo comércio e pelas
províncias do Minho, Beira e Trás-os-Montes, João da Cunha Souto-Maior, José Maria Xavier de Araújo, José Manuel de Castro Abreu, Roque Ribeiro de
Abranches Castello Branco, José Joaquim Ferreira de Moura, José Manuel de Sousa Ferreira e Castro e Francisco José de Barros Lima (PEREIRA DA SILVA
- obr. cit., vol. 5º, págs. 26 a 28).
[18] VARNHAGEN - Obr.
citada, pág. 35.
[19] PEREIRA DA SILVA -
Obr. cit., vol. 5º, pág. 60. MELLO MORAES (Hist. das Constituições, vol. 1º, pág. 188, col. 2ª) diz que a Carolina era corveta.
[20] MELLO MORAES - Obr.
cit., vol. cit., pág. 188, col. 2ª e pág. 189, col. 1ª.
[21] VARNHAGEN relata (obr.
cit., pág. 39) que as notícias, dando informações completas sobre a revolução triunfante, foram levadas ao Rio por um navio-correio, que aí ancorou
a 11 de novembro. D. João, que se achava na Lagoa de Rodrigo de Freitas, ao avistar o navio ainda fora da barra, apressou-se em ir até a Cidade,
onde à noite recebeu a correspondência oficial de Lisboa. ROCHA POMBO (obr. cit., vol. 7º, página 513 e nota 1) diz-nos que esse navio era o brigue
Infante Dom Sebastião e aportara ao Rio a 12 do referido mês; MELLO MORAES (obr. cit., pág. 53, col. 1ª nota XX) conta-nos que, em uma nota
manuscrita que encontrou do punho de Thomás António, se designa o dia desse fato - 12 de novembro de 1820 e o nome do brigue de que se trata -
Providência.
[22] ROCHA POMBO -
Hist. do Brasil, vol. 7º, pág. 487, nota 3.
[23] Esta Junta ficou
assim constituída: presidente - o vigário capitular do bispado, cônego Romualdo António de Seixas; vice-presidente - o juiz de fora Joaquim Pereira
de Macedo, e vogais - os coronéis João Pereira Villaça, Francisco José Ribeiro Barata e Geraldo José de Abreu, o tenente-coronel Francisco José de
Farias, o negociante Francisco Gonçalves de Lima e os agricultores João da Fonseca Freitas e José Rodrigues de Castro Góes (MELLO MORAES - Hist.
das Consts., vol. 1º, pág. 17, col. 2ª).
[24] Compunha-se a
regência dos cinco membros seguintes: marquês de Castello-Melhor, conde de Sampaio, frei Francisco de S. Luís, José da Silva Carvalho e João da
Cunha Souto-Maior. O decreto que a criou foi lavrado n Paço das Necessidades, e assinado pelo arcebispo da Bahia (presidente) e por João Baptista
Filgueiras e Luís António Rebello da Silva, os quais constituíam a Mesa das Cortes (MELLO MORAES, idem, ibidem).
[25] MELLO MORAES, idem,
ibidem.
[26] O conde de Palma. d.
Francisco de Assis Mascarenhas, depois marquês daquele mesmo título, fora capitão-general e governador da capitania de S. Paulo, em cujo posto
serviu de 8 de dezembro de 1814, data em que tomou posse, até 24 de abril de 1819. Depois disso é que foi removido para o governo da Bahia (AZEVEDO
MARQUES - Apontamentos Históricos, vol. 1º, pág. 169, 2ª col.).
[27] A Junta da Bahia,
eleita na mesma vereança de 10 de fevereiro, pelo povo reunido em frente ao Paço do Conselho, compunha-se das seguintes pessoas: o deão José
Fernandes da Silva Freire, pelo clero; os tenentes-coronéis Francisco de Paula e Oliveira e Francisco José Pereira, pela milícia; o tenente-coronel
Manuel Pedro de Freitas Guimarães, pela tropa de linha; Francisco Antonio Filgueiras e José António Rodrigues Vianna, pelo comércio; Paulo José de
Mello, pela agricultura; o desembargador Luís Manuel de Moura Cabral, pela cidade; o desembargador José Caetano de Paiva Pereira e o bacharel José
Lino Coutinho, para servirem como secretários. A ata da vereança foi assinada pelo presidente António Augusto da Silva, pelo vereador mais velho
Paulo José de Mello Azevedo e Brito, e pelo procurador do Conselho, também servindo de juiz do povo, Joaquim José da Silva Maia (MELLO MORES - obr.
cit., vol. cit., págs. 18 a 20).
[28] VARNHAGEN - Obr.
cit., página 56.
[29] MELLO MORAES - Obr. e
vol. cits., pág. 19, col. 2ª.
[30] VARNHAGEN - Obr. cit.
pág. 56.
[31] GOMES DE CARVALHO -
Os Deputados Brasileiros nas Côrtes Geraes de 1821, pág. 39.
[32] Na confusa redação de
VARNHAGEN (obr. cit., pág. 58) parece que o príncipe deveria transmitir a Portugal a Constituição, para sear aprovada pelas Cortes e depois
sancionada pelo rei.
[33] Obr. cit., pág. 58.
[34] ROCHA POMBO - Obr.
cit., vol. 7º, pág. 524.
[35] Idem, ibidem.
[36] "Muito pelo contrário
- escreve o sr. OLIVEIRA LIMA (O Movimento da Independência, pág. 50) - o decreto brasileiro de 18 de fevereiro mutilava o projeto de
Palmella, tendente à conservação de um dualismo que se esboçara pouco antes tão favorável ao Brasil..."
[37] VARNHAGEN - Obr.
cit., págs. 56 e 57.
[38] Collecção das Leis
Brasileiras, vol. de 1820-1821, 2ª edição, ano de 1889, pág. 9. Na transcrição de ROCHA POMBO (obr. cit., pág. 523, nota 1) falta na 6ª linha a
oração - vá a Portugal, antes de - munido da autoridade, o que deixa suspenso o sentido gramatical do período. Eis o texto do decreto:
"Exigindo as circunstâncias em que se acha a
monarquia justas e adequadas providências para consolidar o Trono, e assegurar a felicidade da nação portuguesa, resolvi dar a maior prova de
constante desvelo que me anima pelo bem dos meus vassalos determinando que o meu muito amado e prezado filho d. Pedro, príncipe real do Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves, vá a Portugal munido da autoridade e instruções necessárias para pôr logo em execução as medidas e providências que
julgo convenientes a fim de restabelecer a tranqüilidade geral daquele reino; para ouvir as representações e queixas dos povos e para estabelecer as
reformas, melhoramentos e as leis que possam consolidar a Constituição portuguesa e tendo sempre por base a justiça e o bem da monarquia, procurar a
estabilidade do reino unido, devendo ser-me transmitida pelo príncipe real a mesma Constituição a fim de receber, sendo por mim aprovada, a minha
real sanção.
"Não podendo porém a Constituição, que em conseqüência dos mencionados poderes se há de
estabelecer e sancionar para os reinos de Portugal e Algarves, ser igualmente adaptável e conveniente em todos os seus artigos e pontos essenciais à
povoação, localidade e mais circunstâncias tão ponderosas e atendíveis deste Reino do Brasil assim como às das ilhas e demais domínios ultramarinos
que não merecem menos a minha real contemplação e paternal cuidado: hei por conveniente mandar convocar a esta Corte os procuradores que as câmaras
das cidades e vilas principais, que têm juízes letrados tanto do Reino do Brasil, como das ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde, elegerem; e sou
outrossim servido que elas hajam de os escolher; e nomear sem demora para que reunidos aqui o mais prontamente que for possível em junta da Corte
com presidência da pessoa que eu houver por bem escolher para este lugar, não somente examinem e consultem o que dos referidos artigos for adaptável
ao Reino do Brasil mas também me proponham as mais reformas, os melhoramentos e estabelecimentos, e quaisquer outras providências que se entenderem
essenciais ou úteis ou seja para a segurança individual e das propriedades, boa administração da justiça e da fazenda, aumento do comércio, da
agricultura e navegação, estudos e educação pública ou para outros quaisquer objetos conducentes à prosperidade e bem geral deste reino e dos
domínios da Coroa portuguesa.
"E para acelerar estes trabalhos e preparar as matérias de que deverão ocupar-se, sou também
servido criar desde já uma comissão composta de pessoas residentes nesta Corte por mim nomeadas, que entrarão logo em exercício, e continuarão com
os procuradores das câmaras que se forem apresentando a tratar de todos os referidos objetos para com pleno conhecimento de causa eu os decidir.
"A Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim entendido, faça publicar e executar passando as ordens
necessárias às câmaras e os mais despachos e participações que precisas forem, as quais também ser farão aos governos das províncias pelos
secretários de Estado. - Palácio do Rio de Janeiro, em 18 de fevereiro de 1821. - Com a rubrica de S. M. - Thomás António de Villa-Nova Portugal".
[39] PEREIRA DA SILVA (obr.
cit., vol. 5º, pág. 76) diz que se lavraram dois decretos com data de 18, e publicados a 24; ROCHA POMBO (obr. cit., vol. 7º, págs. 522 e 523) o
repete; MELLO MORAES (Hist. das Const., vol. 1º, pág. 21, col. 1ª) data-o de 23, e nada diz quanto ao dia da publicação; ARMITAGE (Hist.
do Brasil, edição organizada por Eugénio Egas, S. Paulo, 1914), fala apenas no de 18, diz-nos que foi publicado a 21 (pág. 12) e dá-lhe o nome
de Manifesto; o PADRE GALANTI (obr. cit., vol. 4º, pág. 91) acompanha PEREIRA DA SILVA: VARNHAGEN (obr. cit., pág. 58) data de 23 o segundo decreto,
asseverando, entretanto, que só foi publicado a 25, apesar de que ele mesmo transcreve à página 61 a carta de 23 em que o rei, escrevendo a seu
primeiro-ministro, diz: "como hoje se deve publicar o decreto da Junta..."; J. M. DE MACEDO (Ephemérida Histórica do Brasil, vol. 1º,
pág. 116, edição de 1887) é igual a VARNHAGEN; GOMES DE CARVALHO (obr. cit., pág. 39) refere-se ao decreto de 18, publicado, sem precisar o dia,
"juntamente com a provisão de 23" e OLIVEIRA LIMA (obr. cit., pág. 50) o acompanha.
Das opiniões citadas, concluímos que só houve, a 18, um decreto; e a 23 lavrou-se outro decreto ou
provisão (como lhe chamam alguns) - sendo ambos estes documentos publicados no mesmo dia 23, mas não simultaneamente, como pretendem o sr. OLIVEIRA
LIMA e o sr. GOMES DE CARVALHO, o que sem dificuldade se colhe dos termos em que Thomás António escreveu ao rei e este lhe respondeu: "Chega
impresso o decreto, que remeto - escreve ele -; mas é necessário o outro da Junta, para não dizerem que é para enganar". Responde-lhe d. João:
"Remeto assinado o decreto (sobre a Junta)" e na mesma resposta impugna alguns dos nomes incluídos pelo ministro na lista da Comissão
Preparatória.
Veja-se bem: quando o decreto de 18 já está impresso, o de 23 está apenas assinado.
Publicados ambos no mesmo dia, não o foram, entretanto, simultaneamente, porque, quando o da Junta saiu, o de 18 já era do conhecimento público e
fora mal recebido pela maioria da população.
Na carta de 23, de d. João a Thomás António, a que acima nos referimos, lê-se: "Agora acaba de
falar-me o comandante da polícia, dizendo-me que o decreto foi mal recebido... como hoje se deve publicar o decreto da Junta, seria melhor
ver se nele se dava a esperança de que se devia aceitar a dita Constituição, etc...." É claro que o decreto de 23 foi publicado depois do de
18, embora saíssem ambos no mesmo dia, conforme asseveram vários cronistas e historiadores. Quem sabe, porém, se VARNHAGEN, que era um meticuloso
espiolhador de arquivos, está com a verdade, afirmando que o decreto ou provisão de 23 só foi publicado a 25?
[40] Estava assim composta
a comissão: marquês de Alegrete (presidente), barão de Santo Amaro, Luís José de Carvalho e Mello, António Luís Pereira da Cunha, António Rodrigues
Veloso de Oliveira, João Severiano Maciel da Costa, Camillo Maria Tonnellet, João de Sousa de Almeida de Corte-Real, José da Silva Lisboa, Mariano
José Pereira da Fonseca, João Rodrigues Pereira de Almeida, António José da Costa Ferreira, Francisco Xavier Pires, e José Caetano Gomes
(deputados), José de Oliveira Botelho Pinto de Mosqueira (procurador da Coroa); Manuel Jacintho Nogueira da Gama e Manuel Moreira de Figueiredo
(secretários); coronel Francisco Saraiva da Costa Refoios e desembargador João José de Mendonça (secretários supra-numerários para servirem no
impedimento dos efetivos). Esta nomeações, parte integrante do decreto de 23, estão assinadas por Thomás António de Villa-Nova Portugal, ministro do
Reino (Collecção das Leis Brasileiras, 2ª edição, impressa em 1889, na Imprensa Nacional, parte II, pág. 23).
[41] Obr. cit., pág. 64.
[42] Esta é a versão de
VARNHAGEN (obr. cit., pág. cit.): "...sessão que teve lugar em uma casa na Rua do Conde..." Deve ser erro tipográfico e ler-se - "em sua
casa na Rua do Conde", pois na carta de 24 escrita por Thomás António ao rei, e publicada pelo próprio VARNHAGEN, lê-se que Palmella mandaria chamar
na manhã do dia seguinte à sua casa toda a junta nomeada. GOMES DE CARVALHO (obr. cit., pág. 41), entrando em pormenores extraídos das Memórias
do Padre Pereréca (Introducção) escreve: "Realizou-se a sessão em sua casa (de Palmella), na cidade nova, a qual, por ser a caminho da Quinta
Real da Boa Vista, se cobria agora de casas..."
[43] Das 11 da manhã às 6
da tarde (GOMES DE CARVALHO - obr. cit., pág. 41).
[44] Obr. cit., pág. 64.
[45] JOSÉ DA SILVA LISBOA
- História dos Principaes Successos Políticos do Império do Brasil, 1826.
[46] Dos 20 membros, 17
eram brasileiros natos (GOMES DE CARVALHO - obr. cit., pág. 42). |