Olinda de Pernambuco
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A Revolução Pernambucana de 1817
Estava o nosso ilustre conterrâneo no desempenho
pacífico de suas atribuições na comarca olindense, quando a Revolução de 6 de março de 1817 estalou sanguinolenta nos quartéis militares do Recife,
propagando-se com irradiante e célere entusiasmo patriótico pelo interior de Pernambuco e pelas capitanias limítrofes que se achavam havia muito no
segredo da planejada conjuração.
A julgar pelas cartas que a respeito desse notável acontecimento escreveu
a Martim Francisco e a José Bonifácio [157] - documentos íntimos de valor
histórico e probatório inestimável porque não destinados à publicidade - vê-se que ele não tivera conhecimento anterior do plano que se preparava,
tendente a proclamar naquele momento a independência pernambucana e das outras capitanias que ao movimento vitorioso quisessem aderir expressamente,
ou já tivessem previamente aderido, por intermédio dos mensageiros de confiança que os principais chefes responsáveis tinham feito seguir, não só
para os diversos pontos do Brasil, onde o ideal separatista era afagado pelos mais ardentes patriotas, solicitando-lhes apoio material e moral para
a ocasião oportuna, prestes a repontar nas ânsias crescentes da agitação que latejava intensa; como também para a França, para a Inglaterra, para os
Estados Unidos, invocando, ora a poderosa influência da Ordem Maçônica, a que a quase totalidade dos rebeldes pertencia, ora a proteção dos governos
havidos como simpáticos à causa da Liberdade.
Na carta do irmão mais velho, de 14 de abril, conta o egrégio santista que a revolução
foi colhê-lo no seu posto, quando, em trabalho de correição, percorria as localidades da comarca dependentes de sua alçada; e isto basta para provar
que o seu pensamento estava remoto do teatro em que se desenvolveram os acontecimentos e aos quais se mostrava inteiramente alheio.
Chamado pelo novo governo - esclarece na carta que escreveu a Martim,
anterior à que acabamos de citar, pois é de 29 de março - chegou ao Recife a 9 do mesmo mês, dois dias, portanto, após a capitulação do governador
Caetano Pinto de Miranda Montenegro e à adesão em massa de todas as classes sociais à revolução triunfante [158].
Lá chegando, deslumbrou-o a grandiosidade inédita do espetáculo. Uma sedição que
destrói em poucos dias, e quase sem o menor esforço, uma ordem política secularmente assentada no passado; que reforma a justiça, melhorando-a e
dignificando-a; que congrega em torno de sua bandeira todas as atividades sociais; que levanta no interior e chama à capital uma tropa regular de
mais de 6.000 homens, os quais, reunidos às milícias e ordenanças, contribuiriam para formar um exército de 30.000 soldados - tudo isso lhe fere a
imaginação exuberante, assombra-o, enche-lhe de entusiasmo o coração patriótico.
Tratado com respeito pelos membros do governo, que pedem a colaboração de suas luzes e
conselhos, para agirem acertadamente na grave conjuntura em que a capitania revoltada se encontrava perante o rei e perante o povo - entregou-se com
dedicação destemida às suas novas funções, distinguindo-se pelo ardor e pela energia empregada na defesa da obra insurrecional.
Conselho de Notáveis
E tão vivo era esse ardor e tão forte essa
energia que, depois de esmagados os revoltosos pelas forças legais, um português do Recife, chamado longamente João Lopes Cardoso Machado, escrevia
a um seu compatriota do Rio de Janeiro minuciosa epístola recheada de pormenores curiosos; e, exultante de feroz alegria pela cruel expiação que os
vencidos tinham suportado estoicamente, dizia, num covarde desabafo de rancorosa vingança: "o detestável ouvidor
António Carlos era um dos primeiros conselheiros [159]
e o mais atrevido contra Sua Majestade nas proclamações que imprimia [160]".
Com a organização da independência e a fundação da República perdera o seu cargo de
ouvidor, porquanto a reforma judiciária abolira as ouvidorias e outros institutos de origem absolutista. Ficava sem meios certos de côngrua
subsistência, mas que lhe importava o sacrifício dos interesses individuais diante da vitória magna da Pátria? É verdade que se lhe tornava
impossível "mandar alguma coisa à sua pobre amiga d. Luísa", mas é ainda à causa da Pátria
livre que ele se vê forçado a sacrificar os seus mais caros sentimentos afetivos.
Sua velha mãe, adiantada em anos, pode rudemente sofrer com a grave
notícia de sua entrada para o Conselho do Governo revoltoso; mas, é ainda à grandeza da Pátria que ele sacrifica a ternura de seu amor filial.
Todavia, recomenda carinhosamente a Martim que a tranqüilize a seu respeito, de modo a poupar-lhe qualquer abalo mui forte
[161].
As cartas, que comentamos a largos e rápidos bosquejos, parece provarem que António
Carlos se conservara absolutamente estranho às manobras revolucionárias que precederam à explosão da crise. Há, entretanto, escritores de bom
conceito e que estudaram as causas, a marcha e o desfecho da revolução que o apresentam como iniciado em todo o vasto plano conspiratório desde a
sua chegada a Pernambuco na qualidade de ouvidor de Olinda; e, a acreditarmos na informação que estampamos atrás, extraída da História das
Constituições, já desde 1812 estava ele em contato com elementos maçônicos pernambucanos.
O sr. MÁRIO CARNEIRO DO RÊGO MELLO [162],
brilhante publicista pernambucano, é um dos que assim pensam modernamente, esposando a opinião que a esse respeito expendeu e fundamentou o padre
JOAQUIM DIAS MARTINS, autor d'Os Martyres Pernambucanos.
Para este e outros investigadores e historiadores da Revolução de 1817, foi ela obra
da Maçonaria, que era então uma associação política visando a independência do Brasil e não o mero instituto de caridade privada que é hoje.
Em Pernambuco foi que se fundou a primeira Loja Maçônica que existiu em nosso país, o
Areópago, colocada estrategicamente nos limites dessa capitania com a Paraíba, e na qual os brasileiros notáveis de um e outro lado iam
iniciar-se nas doutrinas secretas que ali se ministravam aos catecúmenos.
Do Areópago surgiram a Academia do Paraíso e a do Cabo, no
engenho Suassuna, que eram igualmente Lojas Maçônicas em franca atividade política, subordinadas à direção daquele centro, de onde aliás partiu em
1801 a primeira frustrânea tentativa de independência por parte de Pernambuco, sob os auspícios e a proteção de Napoleão Bonaparte.
E essa tentativa falhou, justamente porque um
dos seus principais agentes acreditados junto ao Protetor, José Francisco de Paula Cavalcanti, que já se achava em Lisboa em desempenho de sua
missão, foi preso, em virtude de denúncia recebida pelo Governo Português, sendo pouco tempo depois restituído à liberdade por falta de provas,
porquanto, segundo confessou o desembargador da Casa da Suplicação, João Osório de Castro Sousa Falcão, um dos juízes e escrivão da Alçada incumbida
da devassa de 1817, em carta dirigida ao ministro Thomás António de Villa Nova Portugal, os conspiradores de 1801 não foram devidamente
responsabilizados e punidos, porque "no exame dos papéis, uma das cartas foi abafada pelo escrivão Fonseca, que
recebeu quatrocentos mil réis" [163]
- soma realmente fabulosa para o tempo, com a qual o subornou o padre José Laboreiro, e que dá uma segura idéia dos abundantes recursos com que
contavam os revolucionários para executarem suas audaciosas operações [164].
Não é lícito porem-se em dúvida opiniões assentes na tradição, quando há provas
documentais que as robusteçam, como neste caso. E quem conhece os processos usados por Napoleão para enfraquecer e dividir os adversários,
fomentando discórdias dentro de cada nação, não hesitará em acreditar que se achava ele de perfeito acordo e concerto com os pernambucanos de 1801.
Nesta época precisamente, a Espanha, comprometida com a França, de quem
era aliada contra a coligação do Norte, a impor a Portugal a sua deserção da aliança inglesa [165],
apoderou-se de Olivença e chegou com seus exércitos até Portalegre, onde estacionaram, em virtude da paz celebrada elo Tratado de Badajoz, a 6 de
junho de 1801.
Pelas estipulações desse tratado, Portugal comprou a paz por que ansiava, cedendo à
França todas as terras do Brasil, à margem esquerda do Amazonas. Ao mesmo tempo que as tropas espanholas invadiam o solo português, navios franceses
hostilizavam francamente pontos vários das costas brasileiras desguarnecidas.
Há, por conseguinte, atos exteriores confirmativos das opiniões correntes então, e
transmitidas até nós, a respeito do entendimento dos patriotas pernambucanos com o governo do Primeiro Cônsul no sentido de se emancipar a capitania
que tão impaciente se mostrava por sacudir o jugo da Metrópole.
O que é certo, e está definitivamente averiguado, é que o trabalho incansável e
perseverante das lojas maçônicas de Pernambuco em prol do movimento libertador, tresdobrara de intensidade de 1815 em diante. Nas capitanias
próximas e no Rio de Janeiro frutificava o exemplo e lojas se fundavam, e mantinham com suas irmãs pernambucanas assídua correspondência epistolar,
ou pessoal, por intermédio dos correligionários que reciprocamente se visitavam em caráter oficial.
O plano abortado em 1801 demonstra claramente que a revolta de 1817 tinha suas longas
raízes no passado e que Pernambuco, apesar do seu primeiro insucesso, continuava a trabalhar sem desfalecimento para a consecução do seu glorioso
objetivo.
António Carlos, ao chegar lá para assumir o seu posto, encontrou os
homens mais influentes da capitania empenhados nessa tarefa cívica. "De fácil e bondoso acesso, ameno e jovial na
conversação, indulgente para com todos, extremoso amigo e generoso adversário"
[166], prontamente se relacionou com as pessoas de maior consideração, associando-se
logo às duas Lojas existentes, as quais, como dissemos, funcionavam com o rótulo aparente de academias; e fundou em seguida, na sua própria casa,
uma universidade democrática, filiada àquelas pretensas academias, recebendo dos poderes competentes especial delegação para iniciar neófitos, não
somente no instituto que pessoalmente fundara, senão também em qualquer lugar onde porventura se encontrasse.
"Homem muito
superior à sua fama" - diz dele o padre DIAS MARTINS na obra citada - era uma verdadeira "Academia
ambulante" [167].
Se, portanto, estava no pleno conhecimento de quanto se tramava, como resulta das opiniões expostas e dos dados coligidos nos arquivos maçônicos por
investigadores escrupulosos; se, como pretende o prefacista da História da Revolução, as suas viagens em correições como ouvidor serviam-lhe
para propagar eficazmente os princípios elaborados no segredo das Lojas [168]
- as cartas que escreveu a seus irmãos, no confiante abandono da intimidade fraterna, revelariam nele um caráter pusilânime e dissimulado, o que é
contrário a todos os atos de sua longa carreira pública, assinalados pela destemidez e pela franqueza, de que dão unânime testemunho, além dos
sucessos que narramos, os seus contemporâneos e companheiros de lutas e campanhas cívicas.
O governador Caetano Pinto de Montenegro
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Cartas de António Carlos a José Bonifácio e Martim Francisco
É uma queda moral que não podemos supor em varão de tão rígidas virtudes
[169]. Entretanto, se raciocinarmos com calma, com reflexão e lógica,
veremos que não é difícil conciliar o teor das aludidas cartas com os acontecimentos em que tomou parte seu autor, evidenciando-se o quanto são
levianas e injustas as acusações que a semelhante propósito lhe fazem.
Não nos compete negar, diante das provas, que António Carlos andava iniciado na
propaganda que dentro das Lojas Maçônicas se fazia em prol da separação e que era ele, pelo seu alto valor mental e pela decisão de sua vontade
sempre resoluta e firme, um dos elementos em que os conspiradores depositavam maior e mais legítima confiança, segundo se vê de todas as referências
que lhe dedicam os que de perto acompanharam sua inteligente e devotada colaboração na tentativa que, diante das circunstâncias, fracassou tão
lamentavelmente.
Já citamos a esse respeito a entusiástica
opinião do padre DIAS MARTINS. Lembraremos agora que monsenhor dr. MUNIZ TAVARES, seu companheiro na memoranda jornada, da qual foi um historiador
sereno e consciencioso, atesta que ele "foi o único que se resolveu a acompanhar os que se retiravam, determinado a
expor a vida pela causa que com predileção abraçara" [170]
e que se mostrara "sem perder a coragem que lhe era congênita"
[171].
Também um francês de Nantes, L. F. DE TONELLARE, que chegara ao Recife a
17 de novembro de 1816 e dele saiu a 15 de julho de 1817, tendo sido testemunha ocular de todos os acontecimentos ligados à marcha da revolução, com
cujos chefes principais manteve relações amigáveis, exceto Domingos José Martins, com quem logo se malquistara por motivos que nos não importam,
redigiu sobre o acontecimento umas notas despreocupadas e interessantíssimas que o erudito publicista pernambucano e nosso querido e saudoso amigo
Alfredo de Carvalho [172] traduziu do manuscrito original existente na
Biblioteca de Santa Genoveva em Paris.
Assim descreve ele o tipo de António Carlos nas suas funções de conselheiro
governamental da jovem e mal constituída República: "Todos ali (no Governo), cedem perante o antigo ouvidor de Olinda,
o sr. António Carlos, hoje conselheiro de Estado. Eis um personagem que alia a um espírito vasto, uma concepção viva, uma dialética sutil e
persuasiva, um caráter firme e uma vontade determinada. Se o sr. António Carlos fosse militar, seria homem a assenhorear-se de todos os poderes da
República. Tal qual é, a sua habilidade é ainda assaz grande para fazer sombra aos seus colegas; mas estes o respeitam, apreciando a sua utilidade.
Ninguém justifica melhor do que ele uma providência ou uma opinião".
E acrescenta, em nota posposta ao original, quando a revolução já
tinha sido aniquilada pelo despotismo do governo português: "Em um teatro mais vasto seria um cardeal de Retz"
[173].
Um temperamento desse quilate superior é certo que não fora talhado para os artifícios
da dissimulação hipócrita, nem para as vergonhosas misérias da covardia. Embora se achasse a par da intensa propaganda separatista que se fazia, não
tinha ele conhecimento algum de que a revolução estivesse para rebentar. Pelo que se sabia com absoluta certeza, a propaganda não sairia tão cedo do
terreno teórico para a realidade positiva dos fatos. Efetivamente, nada estava preparado para isso.
Basta refletirmos que, desde 1815, Napoleão expiava em Santa Helena os monstruosos
crimes que praticara contra a Humanidade; e já se não podia contar com a inteira eficácia do apoio prometido em 1801, quando a sua espada vitoriosa
dominava metade da Europa. Era preciso apelar para outros elementos, congregar outros fatores, contar mais com a ingênita bravura do povo brasileiro
do que com o problemático auxílio de protetores de fora.
Daí a atividade crescente e incessante da propaganda feita pelos
diferentes órgãos maçônicos e que se dilatava pelas capitanias vizinhas, chegando auspiciosamente até o Rio de Janeiro. Na Bahia, em 1809,
erigira-se o Grande Oriente, ao qual se subordinaram todas as Lojas existentes no Norte, isto é, no Rio Grande, na Paraíba, nas Alagoas e em
Pernambuco [174].
Nesta última contavam-se, em 1816, quatro Lojas regulares em pleno
funcionamento, obedientes à direção da Grande Loja Provincial, que, por sua vez, se achava filiada ao Grande Oriente da Bahia
[175].
No Rio, não obstante a severa vigilância e as duras perseguições do conde
dos Arcos, os intrépidos obreiros das Lojas adormecidas por ordem desse déspota, celebravam numerosas reuniões debaixo do mais cerrado sigilo, ora
em casa de um, ora em casa de outro, até que por volta de 1815 recomeçaram a trabalhar com maior franqueza e liberdade [176].
Brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa
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A projetada fuga de Napoleão
Projetava-se, como claramente se vê, um movimento mais vasto e mais generalizado, de
caráter mais homogêneo e mais nacional, de modo a obter-se um êxito mais decisivo e mais completo. Estava-se ainda numa fase meramente preparatória,
e por isso ninguém poderia suspeitar que a revolução ia explodir de um momento para outro.
O próprio audacioso plano, idealizado e concertado nos
Estados Unidos, entre alguns emigrados franceses e os agentes da revolução, com o fito de libertar dos solitários penhascos de Santa Helena o
deposto Imperador dos Franceses e dar-lhe asilo em Fernando de Noronha [177],
em troca de seu auxílio à causa pernambucana, prova que ainda os chefes andavam às apalpadelas, estudando combinações, formulando hipóteses,
arquitetando projetos para uma ação futura cuja oportunidade ainda não estava precisamente determinada [178].
A sedição irrompeu de repente, quando ninguém a esperava - esta é que é a
verdade - e daí o seu lamentável malogro. Um motivo ocasional e fortuito, a que foram alheios os próprios chefes, lançou de improviso os
pernambucanos à luta, numa precipitação que os deveria derrotar em breve termo. Um oficial negro do Regimento chamado dos Henriques espancara um
português que durante a festividade popular que todos os anos se realizava em Nossa Senhora da Estância, nos arredores do Recife, em comemoração da
derrota que nesse lugar sofreram os holandeses a 15 de agosto de 1648 - tivera o atrevimento de insultar publicamente os brasileiros
[179].
Levado o fato, com grande acréscimo de pormenores, ao conhecimento do capitão-general
Caetano Pinto de Miranda Montenegro, este, que de longa data vinha recebendo denúncias de que algo os naturais da Capitania tramavam contra o
governo do rei, acabou acreditando na infidelidade dos oficiais brasileiros da tropa, receou que os soldados se deixassem contaminar do exemplo de
seus superiores e fez publicar uma ordem do dia que visava chamar pacificamente cada qual ao exato cumprimento de seus deveres legais.
A intenção foi boa, mas inepta a execução, e desastrosos os seus
resultados. Os portugueses, que bem conheciam a fraqueza de ânimo do capitão-general, ridicularizaram o seu gesto, por demasiado tímido; e os
brasileiros reprovaram-no por considerá-lo injusto [180], o que salienta que
ninguém pensava no momento em levar o plano conjuratório para o terreno prático dos fatos materiais.
Enquanto isso, um ilhéu sem cotação no meio, e intrometido em assuntos que lhe não
deviam importar, lembra-se de procurar em sua casa o dr. José da Cruz Ferreira, nomeado ouvidor da comarca do sertão, descreve-lhe com sinistras
cores a perigosa situação dos portugueses na capitania e denuncia-lhe que a revolução contra a ordem constituída estava preparada e pronta para sair
à rua com a adesão das tropas e o apoio popular.
O ouvidor impressionou-se com a narrativa dramática do Carvalhinho
e, de boa fé, transmitiu-a a Caetano Pinto, o qual, desta vez, assustou-se verdadeiramente e resolveu agir com a máxima energia, depois de ter
convocado e ouvido o Conselho dos Oficiais Generais da Guarnição, do qual fora propositalmente excluído, segundo constava, o brigadeiro José Peres
Campello, homem honrado, de caráter conciliante e imparcial, mas suspeito por ser brasileiro [181].
Tal exclusão foi mal acolhida pelos nacionais, pois revelava a animosidade que contra eles nutriam os oficiais lusitanos; de maneira que as
hostilidades recíprocas se acentuaram mais profundamente.
A denúncia levada ao conhecimento do capitão-general por intermédio do ouvidor
Ferreira foi tida como verídica pelo conselho, em votação unânime e, em conseqüência, ordenou-se a imediata prisão dos paisanos denunciados e de
cinco oficiais brasileiros.
No momento de ser preso, um destes, no auge da indignação, puxou da espada e
atravessou com ela, prostrando-o instantaneamente morto a seus pés, o brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa, que com insolente filáucia executara a
ordem de prisão.
A labareda propagou-se. O governador, ao ter notícia do fato, mandou o seu ajudante de
ordens a quartel, para reunir a tropa e prender todos os oficiais revoltosos. Antipatizado geralmente pelos naturais do Brasil, em virtude de sua
inata perversidade e caráter propenso a mexericos e intrigas, o ajudante, coronel Alexandre Thomás, mal penetrou no recinto foi sumariamente
fuzilado pelas tropas que o consideravam o mais odiento dos inimigos de Pernambuco.
E assim cresceu o movimento, que se tornou logo vitorioso, porque Caetano Pinto
Montenegro, tomado de terror, embarcou-se com sua família para a Fortaleza do Brum, a fim de escapar à provável perseguição do povo sublevado.
No dia seguinte capitulou, a conselho dos mesmos generais que o tinham impelido na
véspera às odiosas medidas de repressão adotadas desastradamente, os quais agora, perdida a arrogância brutal e exauridos de medo, só cogitavam dos
meios prontos de escapar com vida, embora sem honra, da perigosa situação que tinham criado com sua atitude inepta e cruel.
Assim foi que começou a operar-se o movimento de que surgiria a heróica e efêmera
República Pernambucana, que é uma das páginas realmente belas e grandiosas das nossas lutas pela independência.
De todo o exposto se verifica, de modo concludente, que a explosão revolucionária de 6
de março foi antes a obra fortuita e acidental de circunstâncias momentâneas irremovíveis, com as quais ninguém contava, do que o produto
amadurecido de um plano longa e premeditadamente concertado entre os brasileiros mais influentes e mais notórios da capitania.
O próprio desembargador João Osório reconhece na carta de que há
pouco citamos um trecho, que, segundo o que tinha concebido, "o projeto da revolução era antigo em Pernambuco; a
explosão, porém, no dia 6 de março, foi intempestiva e obra do acaso"
[182].
Corroborando o que dizemos e que se funda em fatos positivos, citaremos
ainda a proposição apresentada ao Governo Provisório, na sessão secreta de 10 de março [183]
por um de seus membros, o advogado José Luís de Mendonça, para que se arvorasse de novo a bandeira real, se remetesse um submisso memorial ao
Soberano justificando a conduta dos pernambucanos e se protestasse, por muito conveniente à segurança da causa, completa fidelidade ao monarca. A
proposta foi acolhida com indignação e suspeitou-se da lealdade republicana do proponente; sendo, afinal, rejeitada, após uma violenta cena durante
a qual o autor escapou de ser atravessado pela espada do capitão Pedroso.
Não é isso porventura uma prova cabal de que os conspiradores não tinham planizado
premeditada e previamente a revolução e que a ela foram arrojados pelo império das circunstâncias? Nada mais natural, portanto, que a António
Carlos, muito embora seja um fato indiscutível a sua iniciação nos projetos emancipadores em perspectiva, a notícia do levante, e o chamamento que
recebeu do Governo Provisório, colhessem-no de surpresa. Não existe nenhuma contradição, pois, entre a sua anterior filiação às Lojas Maçônicas e
trabalhos de propaganda política que nelas realizou, e os termos desartificiosos e sinceros das cartas que, a propósito da revolução triunfante,
escreveu a seus dois queridos e eminentes irmãos.
A propósito de
tão grave incidente, ocorrido logo no começo da revolução, cumpre referir-nos às sérias divergências que entre os diferentes cronistas e
historiadores existem a respeito da data certa em que aconteceu tal fato. FRANKLIN TÁVORA [184],
mui repetidamente referido por ALÍPIO BANDEIRA, fixou-a em 8, e este o acompanhou na adoção desse dia [185].
MUNIZ TAVARES conta-nos que a proposta foi apresentada por Mendonça numa das primeiras sessões [186]
[NOTA SUPLEMENTAR].
Ora, sendo a do dia 8, a primeira sessão que se realizou com a instalação do governo,
é claro que não foi nela que se deu o choque entre os exaltados e os moderados. Temos, portanto, que pô-la de lado sem maior exame, que é
desnecessário, sobretudo se confrontarmos o que diz MUNIZ TAVARES com o que depôs António Carlos perante a Alçada a 23 de novembro.
Declarou este que, chegado ao Recife, no domingo, 9 de março, hospedou-se, como de
costume, em casa de seu amigo, Gervásio Pires Ferreira, nomeado conjuntamente com ele e outros, para constituírem o Conselho d'Estado; que no dia
seguinte, segunda-feira, 10, aí o procurou José Luís de Mendonça, com quem trocou idéias sobre o movimento, aconselhando-o, na presença do seu
hospedeiro, a fazer ao governo aquela proposta e que ele compareceria à sessão para apoiá-la.
Aconteceu, porém, que Mendonça não esperou a chegada de António Carlos e propôs, na
tarde do mesmo dia, aos seus colegas, o que a prudência lhe aconselhava, precipitando os acontecimentos. Em virtude do assombro que as suas idéias
causaram no seio da pequena assembléia reunida em sessão secreta, e para readquirir a confiança que de seus pares perdera, Mendonça redigiu um
Manifesto, a que intitulou Preciso, datado de 10 de março, e no qual defende com apaixonado entusiasmo a obra revolucionária.
António Carlos, como se vê do auto de perguntas, refere-se em termos claros, precisos,
categóricos aos dias da semana e do mês, quando trata da malsinada proposta, ao passo que, quando tinha dúvidas, como, por exemplo, no caso de sua
entrega voluntária à prisão, exprimia-se de modo incerto: - a 3 ou 4 de junho.
Não podemos recusar crédito, portanto, à honradez de sua palavra e ao vigor de sua
memória a respeito de semelhante episódio, mormente quando vemos que nos largos e sucessivos interrogatórios a que foi exaustivamente submetido,
falou sempre a verdade, não lançando mão de falsidades para reforçar a argumentação lógica, cerrada e brilhante em que assentou os fundamentos
principais de sua magistral defesa.
O que nos parece claro é que os escritores que trataram do assunto confundiram a data
do documento, que é de 10 de março, com a data da publicação respectiva, que foi feita no dia seguinte, segundo assevera Muniz Tavares, isto
é, foi ele redigido num dia e publicado no dia imediato, o que facilmente se explica porque a sessão se realizou à tarde e devia naturalmente ter-se
prolongado, já pelas múltiplas providências a adotar e projetos a discutir, já por causa do atrito que houvera entre Mendonça e seus colegas e que
agitara intensamente todos os espíritos.
É de supor que o suspeitado proponente, para dar prontamente arras de seu fervor
patriótico e zelo republicano, tivesse escrito logo em seguida ao fato o seu Manifesto, mas já sem tempo material para dá-lo à estampa no
mesmo dia, porque não existia imprensa em Pernambuco e foi preciso recorrer a uma tipografia particular, atirada ao canto do armazém de um
comerciante inglês, que ali a abandonara sem se utilizar dela.
Até entrarem em acordo com o dono, e deixarem os tipos e o prelo em condições de
funcionar, de compor e imprimir o escrito - o que se fazia pela primeira vez -, consumiu-se o resto da noite e quiçá parte do dia seguinte.
Da circunstância, de estar o Preciso datado de 10, não se
depreende, como quer o sr. ROCHA POMBO [187], que a sessão em que se deu o
caso que determinou a sua elaboração se tivesse efetuado forçosamente no dia nove - data fixada por S.S., que a julga a verdadeira. O mais racional,
pesando bem as amplas razões que acabamos de explanar, é supor-se que esse manifesto, datado de 10, só fosse publicado a 11 - que é o dia
seguinte, a que se refere Tavares.
Há duas indicações precisas que militam a favor de nossa opinião: o depoimento de
António Carlos, afirmando que a sessão se realizou na tarde de 10 e a data do documento, isto é, do dia em que foi ele escrito e assinado, data que
o sr. POMBO entende que é a do próprio dia em que foi publicado.
Acreditar que o dia seguinte é o mesmo em que foi datado o documento e, que,
por conseqüência, a reunião que o originou teve realização a 9 - é muito menos lógico do que acreditar que o dia seguinte é 11 e que a
referida sessão se efetuou a 10 - no mesmo dia em que Mendonça escreveu o Preciso e que o Governo o subscreveu, o que combina exatissimamente
com as formais declarações de António Carlos.
Para nós é fora de dúvida, diante dos
testemunhos e dos documentos exibidos, que a data da apresentação da alarmante proposta, e da elaboração do Manifesto, que foi um resultado dela - é
10 de março e não 8, como supõem FRANKLIN TÁVORA e ALÍPIO BANDEIRA, ou 9, como o sr. ROCHA POMBO erroneamente conjectura [188].
***
Uma junta de revolucionários pernambucanos de 1817
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NOTAS:
[157]
DR. MELLO MORAES - Obr. cit. v. 1º, pág. 176, 1ª coluna.
[158]
No seu longo depoimento de 23 de novembro entra em pormenores, dizendo que às 5 horas da tarde do dia 8 chegara ao Limoeiro, a toda a brida, um
próprio que o procurou para entregar-lhe uma carta em que o padre João Ribeiro, Domingos Martins e Domingos Theotónio Jorge participavam-lhe as
ocorrências e convidavam-no a comparecer com urgência à capital, a fim de auxiliar o novo governo com seus conselhos, experiência e luzes. Depois de
alguma hesitação, nada estranhável em momentos assim graves, resolveu atender ao apelo e partiu para lá (Revista do Inst. Hist. do Brasil,
vol. 30, páginas 113 e seguintes).
[159]
O governo estabelecido, na sua preocupação de bem agir, fez-se acompanhar de um Conselho de Notáveis, composto do ouvidor António Carlos, do
capitão-mor dr. António de Moraes e SIlva, do deão da Sé, dr. Bernardo Luís Ferreira Portugal, do dr. José Pereira Caldas, e do negociante Gervásio
Pires Ferreira.
António de Moraes e Silva, que era realista, não chegou a tomar assento no Conselho -
diz-nos o dr. MAXIMILIANO LOPES MACHADO (Introducção à História da Revolução de Pernambuco, em 1817, pelo Dr. Monsenhor Francisco Muniz Tavares,
2ª edição, ano de 1884, pág. XLVIII e seguintes), pois a sua escolha fora um tributo que aos seus méritos quisera prestar o governo, logo depois de
ter ele pedido exoneração, que foi aceita, do posto de capitão-mor do Recife.
Mas o sr. major ALÍPIO BANDEIRA, no seu excelente livro - O Brasil heroico em 1817
(págs. 51 e 52, e nota 15) destrói completamente com poderosas razões o que diz o dr. Machado. Este deixou-se embair na sua boa fé, por umas notas
que cautelosamente Moraes lançava nas cartas e ofícios que recebia do Governo Republicano - notas nas quais o famoso lexicógrafo protestava, com
veemência, fidelidade ao antigo regime e o seu horror à nova ordem estabelecida, revolucionariamente, preparando assim elementos de defesa para o
futuro, quando a sedição fosse aniquilada. E os fatos provaram que andou avisadamente.
Entretanto, MUNIZ TAVARES (obr. cit., págs. 47 e 187), que se envolveu diretamente nos
acontecimentos, e de tudo foi testemunha presencial, afirma que ele exerceu as funções até certo momento, deixando depois de comparecer às sessões
do governo a pretexto de moléstia. Assim também Suassuna, Gervásio Pires Ferreira e António Carlos declaram a mesma coisa, em suas longas
razões de defesa. O último afirma textualmente que Moraes "assistiu às sessões do Conselho e respondeu
consultativamente às matérias de justiça e legislação".
[160] MELLO MORAES - Obr.
cit. V. 1, págs. 174-176.
[161] Dr. M. L. MACHADO
- Introd. citada, página XLVI.
[162]A Maçonaria e a
Revolução Pernambucana de 1817 (Recife, 1912).
[163] FERNANDES PINHEIRO
- Estudos Históricos v. II, páginas 14 e 15 e nota nº 1.
[164] DR. MAXIMILIANO
MACHADO - (Prefácio citado, à História da Revolução Pernambucana, em 1817, do CÔNEGO DR. MUNIZ TAVARES, página XII).
[165] V. DURUY -
Histoire de France, v. II, page 554.
[166] J. M. P. DE
VASCONCELLOS - Selecta Brasiliense, 1ª parte, página 9 (Typ. Laemmert, 1868).
[167] Página 32.
[168] Páginas XLIII e
XLIV.
[169] Reproduzimos as
aludidas cartas:
Carta a Martim - Já saberás a estas horas o
sucesso (N.E.: na época deste livro, a palavra tinha a conotação de sucedido, acontecido
em) de Pernambuco. No dia 5 do corrente, estando eu de correição, levantou Pernambuco a bandeira da independência e a
conseguiu, tendo nisto grande parte a fraqueza do general Caetano Pinto. Fui chamado pelo novo governo e cheguei no dia 9, e tendo assistido à mor
parte dos Conselhos.
Este sucesso tem sido muito aplaudido por todo o povo; eu tenho, porém, um grande
desgosto com ele, que é o nos vermos separados, talvez para sempre. O destino assim o quer: que remédio! Particulares e autoridades, tudo têm
reconhecido o novo governo e a forma republicana. Participa à nossa mãe estas notícias; tem, porém, cuidado em tranqüilizá-la a meu respeito. Tu bem
sabes quanto jeito é preciso para que estas novas a não acabem, visto a sua grande idade.
Adeus; saudades aos amigos Mariano, Belchior, e Rodrigues. Pernambuco, 29 de março.
Sou teu irmão e amigo - António Carlos.
P. S. - Acabo de vir do Conselho, assombrado de ver a imensa tropa que baixa do
interior: há já mais de 6.000 homens em tropa regular, o que com as milícias e ordenanças formará um exército de 30.000. O sistema de administração
da justiça está-se reformando; as Ouvidorias vão abaixo eu... perdendo o meu lugar, além do risco de perder o ofício que tenho em S. Paulo.
Sinto, mas tenho paciência. Dá-me notícias tuas.
A José Bonifácio - Meu bom irmão e amigo - Tendo
recebido a última carta tua em vésperas de correição não respondi logo, guardando para quando viesse. Mas, como fui chamado antes de findar a
correição, agora o faço. Eu contava de mandar alguma cousa à minha pobre amiga d. Luísa; mas a sorte, que é minha adversa, faz gorar todas as minhas
idéias. Eis-me de novo sem meios certos de subsistência.
A revolução de Pernambuco destruiu o meu lugar, e isto tendo eu só um ano de ocupá-lo,
e não tendo podido nesse tempo fazer mais do que desempenhar-me. Foi um sucesso assombroso: cinco ou seis homens destroem num instante um governo
estabelecido, e todas as autoridades se lhe sujeitam sem duvidar.
Eu fui chamado pelo novo governo provisório, e fui tratado com o maior respeito e
distinção, pedindo-se-me que tivesse assento entre eles e assistisse às suas deliberações para os aconselhar, o que até agora tenho feito. As tropas
mostram zelo, e todas têm jurado defender a causa da Liberdade, e não se sujeitarem mais ao Poder Real; se alguns ânimos vacilam, o geral é aferrado
à nova ordem.
Vai ser convocada a Assembléia Constituinte, e interinamente há um governo de cinco
membros e um Conselho de Governo. Foram destruídos os juízes de fora e ouvidores, e ficou tudo devolvido aos juízes ordinários, e para última
instância a um Colégio Supremo de Justiça. Têm-se abolido alguns impostos dos mais onerosos e trabalha-se muito em porem-se num pé de defesa
respeitável.
Eis-me, portanto, separado dos meus, visto os dois partidos em que nos achamos
alistados, o que me custa. A lista civil tem sido mal paga, que é o mesmo que dizer-te que estou pobre. Adeus: recomenda-me à tua família, e recebe
o coração de teu irmão e amigo - António Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. Pernambuco, 14 de abril de 1817.
Os autores que têm transcrito estas cartas inserem na que foi dirigida a José
Bonifácio o seguinte: "A Revolução de Pernambuco distraiu o meu lugar...", o que
não forma sentido claro. É erro evidente de cópia. António Carlos escreveu: "destruiu o meu lugar",
o que aliás combina com o que diz ele mais adiante na mesma carta: "Foram destruídos os juízes de fora e os
ouvidores..."
Na carta a Martim, reproduzida por MELLO MORAES, lê-se este período: "Há
já mais de 6.000 homens de tropa regular, e deve montar a cem, o que com as milícias e ordenanças formará um exército de 30.000".
Suprimimos a oração incidente, que é um enxerto sem explicação possível, pois, feitas as contas, o exército subiria a 130.000 homens e não a 30.000,
o que é realmente absurdo numa população que orçava por 600.000 habitantes. O DR. M. L. MACHADO (prefácio citado) também amputou aquela
excrescência, ao transcrever a carta em questão.
[170] História da
Revolução de Pernambuco, em 1817, 1ª edição, Recife, 1840, páginas 315 e 316.
[171] Ibidem, página
347.
[172] Notas
Dominicaes tomadas durante uma residência em Portugal e Brasil nos anos de 1816, 1817 e 1818 (com um prefácio de OLIVEIRA LIMA, e gravuras.
Edição de 1905, página 194).
[173] Não reputamos
feliz este paralelo histórico. O revolucionário brasileiro só se parecia com o coadjutor do Arcebispado de Paris pelos talentos notáveis, pelo saber
e pela grandeza d'alma nas conjunturas difíceis. Quanto aos objetivos de sua ação respectiva na vida pública, eles muito se distanciaram.
O cardeal de Retz, além de não ter em política vistas largas e planos seguros e
assentados, batia-se, na luta em que se empenhou contra Mazarino, exclusivamente sob o império de suas descompassadas ambições pessoais. Tinha o
frenesi da popularidade e do aplauso; amava o brilho e o rumor em torno de sua individualidade; aspirava ligar-se aos homens de reputação para
aumentar sua própria reputação e glória. Em suma: sua única e verdadeira ambição era o barrete cardinalício, que afinal conseguiu, depois de
porfiosas e prolongadas campanhas (MME. DE MOTTEVILLE - Memóires sur Anne d'Autreiche et su cour, v. II, páginas 156, 179, 409 e 418).
António Carlos, ao contrário, só visou a causa da Pátria, sem o menor vislumbre de
interesse pessoal, antes com o absoluto desprendimento de honras, proveitos ou glórias.
[174] MÁRIO MELLO - Obr.
cit. página 24.
[175] MUNIZ TAVARES -
Obr. cit. páginas 11 e 12. O sr. MÁRIO MELLO, na sua referida obra (pág. 23) assevera, citando equivocadamente Muniz Tavares, que a Grande Loja
Provincial de Pernambuco prestava obediência ao Grande Oriente do Brasil, quando a verdade é que este só se constituiu em 1822 (MELLO MORAES, obr.
cit., v. I, pág. 79, 2ª coluna). MUNIZ TAVARES refere-se ao Grande Oriente da Bahia.
[176] MÁRIO MELLO - Obra
citada, página 23.
[177] Idem, ibidem,
páginas 12 e 13.
[178] O ilustrado publicista patrício,
DR. ELYSIO DE CARVALHO, tratou desenvolvidamente deste episódio em seu excelente livro Brava Gente, no qual sua capacidade crítica se
desdobra em não comum aptidão de historiador. Documentos ainda pouco divulgados no nosso meio serviram-lhe de base fundamental, sendo de lamentar
que a absoluta falta de revisão tipográfica de sua obra prejudicasse gravemente a sua feição material.
É talvez devido a essa negligente revisão a incongruência que se nota entre uma
afirmativa à página 234 e outra à página 236. Naquela, tratando da partida de Cabugá para os Estados Unidos, a fim de comprar armas para a nascente
República e solicitar em favor da causa pernambucana o apoio oficial do governo americano - fixa para esse acontecimento o dia 24 de março de 1817;
e nesta, diz, textualmente: "Tendo sido notificado o Governo do Brasil pelo seu representante nos Estados Unidos, o
abade Correia da Serra, homem dotado de grande talento político e muito conhecido pelos seus trabalhos científicos, da recusa do Gabinete de
Washington em embargar os navios carregados de armas e de homens suspeitos, com destino a Pernambuco, e perseguir a Cabugá e seus cúmplices, d. João
VI resolveu varrer a ferro e fogo, até completa destruição, a república do padre Ribeiro, malograda por inoportuna".
Basta confrontar as datas em que os fatos ocorreram, para ver que d. João VI não
aguardou comunicação alguma do representante brasileiro em Washington, a fim de agir implacavelmente contra os revolucionários pernambucanos.
Cabugá partiu do Recife, a 24 de março, em navio de vela; assim, pois, ainda que
levasse apenas um mês para chegar à capital da América do Norte, lá teria chegado a 24 de abril seguinte. Ora, a 2 de abril d. João tinha feito
zarpar do Rio de Janeiro uma esquadra que, logo nos primeiros dias do mesmo mês, navegando com vento de feição, ancorara defronte do Recife,
reforçando rigorosamente o bloqueio que ali pouco antes estabelecera o conde dos Arcos, com embarcações mandadas da Bahia.
É fato que do Rio não tinham sido enviadas forças de desembarque, nos navios confiados
ao comando do vice-almirante Rodrigo Lobo; pela urgência do caso, não foi possível fazê-las seguir nessa ocasião, pois dependiam de preparo prévio.
Mas, enquanto a esquadra largava ferro da Guanabara em rumo de Pernambuco, o governo do Rio tratava de organizar uma forte expedição militar que
seguiria depois, a esmagar a revolta.
Já se vê, portanto, que d. João VI não esperou notícias dos Estados Unidos para
proceder com toda a diligência e desassombrado rigor contra os patriotas sublevados.
Aceitando mesmo que Cabugá aportasse a Nova York em quinze dias, é preciso levar em
conta o longo tempo que devia ter gastado para chegar a Washington, entabular com o respectivo governo negociações naturalmente difíceis e
demoradas; fretar embarcações; engajar tripulantes e soldados e comprar armamentos e munições.
Ajuntem-se a tudo isso os largos e dilatados dias, que o agente do governo português
levaria ao certo para pleitear perante o Governo dos Estados Unidos o embargo dos navios, o seqüestro do armamento e a prisão dos emissários; e,
mais ainda, como resultado de todas as suas pesquisas e sugestões diplomáticas, a demora em chegar à Corte do Brasil a sua comunicação, narrando os
passos que dera e a recusa do Gabinete de Washington em acolher as suas reclamações.
Não havendo telégrafo, essa comunicação deveria ter sido forçosamente retardia,
sujeita, como se achava toda a correspondência postal da época, às delongas e surpresas dos barcos veleiros, escravos fatais dos ventos caprichosos.
Não há dúvida, pois, que quando a Missão Pernambucana, chefiada pelo intrépido Cabugá,
ainda se achava no moroso cumprimento de seu arriscado mandato, já a revolução tinha sido completamente aniquilada, executados uns, aprisionados
outros, vencidos e humilhados todos.
[179] Nesse lugar,
Henrique Dias, em comemoração do feito, fez edificar uma capelinha, sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção, tendo obtido o necessário terreno
por doação de d. João VI (SEBASTIÃO DE VASCONCELLOS GALVÃO - Dicc. Geográphico, Histórico e Estatístico de Pernambuco, página 227).
[180] MUNIZ TAVARES -
Obr. cit. páginas 12 e 15.
[181] Correu
efetivamente esse boato pelas ruas agitadas do Recife, contribuindo para aumentar ainda mais a exacerbação dos brasileiros contra o governador
Caetano Pinto e principalmente contra a oficialidade portuguesa.
MUNIZ TAVARES, que publicou sua notável História da Revolução, no correr do ano
de 1840, acolheu-o em suas páginas, provavelmente por tê-lo ouvido de pessoa digna de crédito, e nada havia de absurdo nele, porquanto o
desembargador João Osório, na carta a que nos referimos no texto, acreditava estar provada a comparticipação do brigadeiro Campello no movimento.
Só mais tarde, em 1861, é que o dr. FERNANDES PINHEIRO (obr. cit. pág. 29, notas 1 e
2), tendo descoberto nos arquivos do Ministério do Império a comunicação oficial de Caetano Pinto, feita da Ilha das Cobras, onde se achava preso,
ao conde da Barca - contestou formalmente e destruiu a veracidade desse boato.
[182] FERNANDES
PINHEIRO, obr. cit. página 15.
[183] MUNIZ TAVARES, obr.
cit. 1ª ed. pág. 59.
[184] Os patriotas de
1817 (Rev. do Inst. Hist. Pernambucano, V. XI).
[185] Obra citada,
página 46.
[186] Obra citada,
página citada.
[187] História do
Brasil, v. VII, página 380, nota 3.
[188] SACRAMENTO BLAKE (obr.
cit. pág. 130) inclui o Preciso na resenha bibliográfica de António Carlos, atribuindo-lhe a respectiva autoria, o que não é exato, pois
todos os historiadores, como já vimos, o dão como da lavra de Mendonça. Foi ele publicado com a assinatura dos membros do governo presentes à sessão
de 10; se não fosse Mendonça o seu autor, porque lho atribuiriam especialmente entre os demais dignitários?
O próprio Muniz Tavares, companheiro e amigo dos inconfidentes, também lho imputa.
Além disso, António Carlos, no interrogatório do dia 25 de novembro, diz que não foi seu autor e sim o referido Mendonça, e devemos acreditar na sua
afirmativa, porquanto se o documento fosse realmente de sua lavra, bastaria para defender-se de tê-lo escrito a impossibilidade em que se achava de
resistir às ordens do governo, conforme agiu em relação a outras acusações. E seria perfeitamente aceitável essa alegação por sua verossimilitude.
Mendonça, pouco antes do comparecimento de António Carlos à sessão,
escapara de ser assassinado por ter divergido dos propósitos republicanos intransigentes de seus companheiros; o mesmo poderia acontecer ao ouvidor
de Olinda se, instado para redigir o Preciso, se recusasse a fazê-lo, o que provocaria nova reação violenta dos ânimos ainda exaltados.
António Carlos, que negou a autoria desse papel, é porque ela efetivamente lhe não pertencia. Não tenhamos a menor dúvida a respeito.
NOTA SUPLEMENTAR
(N.E.: publicada no segundo volume, págs. 861/2)
REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA (páginas 494 a 496) - A propósito das divergências dos
vários historiadores e cronistas quanto à data em que se deu, no seio do Governo Provisório, o grave incidente entre José Luís de Mendonça e o
capitão Pedro da Silva Pedroso, escreveu-nos o ilustrado major ALÍPIO BANDEIRA, autor da excelente obra Brasil Heróico, uma carta de valor
inestimável.
Confrontando as opiniões dos escritores que citamos com os depoimentos dos réus, chegaremos à
conclusão de que, ao contrário do que naquele trabalho asseverara o digno militar e publicista norte-rio-grandense, a data do aludido incidente
fora a 10 e não a 8 de março. O major ALÍPIO, que compulsou diretamente os autos da devassa, afirma-nos, entretanto, com toda a segurança, que é ele
que está com a verdade: a data é mesmo 8 de março. |