Imagem: reprodução parcial da primeira página do jornal santista A Tribuna, em 13/3/1925
ARTURO ALESSANDRI
A passagem do presidente do Chile por este porto - As homenagens prestadas ao notável
estadista sul-americano - S. exa. saúda A Tribuna - A visita à capital foi adiada - Outras notas
Santos hospedou, ontem, por algumas horas, o eminente presidente da República do
Chile, sr. dr. Arturo Alessandri, que regressa à sua pátria, após uma excursão pelo Velho Mundo.
Conforme a nossa notícia, o transatlântico alemão Antonio Delfino deu entrada em nosso
porto ás 15 horas e, depois das visitas das autoridades marítimas, atracou ao cais, em frente ao armazém n. 17 da Companhia Docas, às 15,35 horas.
Aquele trecho do cais achava-se repleto de exmas. famílias, autoridades, pessoas gradas e povo,
apresentando o aspecto dos dias festivos.
À proporção que o transatlântico se aproximava do cais, aumentava o entusiasmo popular pela
recepção do ilustre viajante, que adquiriu, no continente sul-americano, pela sua ilustração e pelo seu grande espírito democrático, as simpatias de
todos os povos.
Terminada a manobra de atracação, foi arriada a escada de bombordo e, em seguida, subiram as
autoridades de S. Paulo e Santos, sendo introduzidas, pela oficialidade do vapor, no salão de música,onde se achavam o sr. presidente Alessandri,
sua exma. esposa e demais pessoas da comitiva presidencial.
Ali vimos os srs. dr. José Lobo, secretário do Interior e representante do governo do Estado;
tenente-coronel Eduardo Lejeune, oficial às ordens do sr. presidente Alessandri; sr. B. de Moura Ribeiro, presidente da Câmara; Arnaldo Ferreira de
Aguiar, vice-prefeito em exercício; dr. Coriolano de Araújo Góes, delegado regional; comendador João Manuel Alfaya Rodrigues, vice-presidente da
Câmara; dr. Luciano Gualberto, vice-prefeito da capital e presidente da comissão de recepção ao presidente Alessandri; deputado dr. Armando Prado;
dr. Samuel Baccarat, vereador; dr. Carneiro Maia, secretário das comissões permanentes da Municipalidade paulistana; dr. Ismael de Sousa, inspetor
geral da Companhia Docas de Santos; dr. R. de Molina Cintra, secretário d'A Tribuna; Francisco Paino, diretor interino da Secretaria da
Câmara; capitão João Olyntho Rebouças, comandante do destacamento de polícia; Júlio César de Campos, cônsul do Chile em S. Paulo; Herudon W. Goforth,
cônsul dos Estados Unidos; Alberto Muñoz, cônsul do Uruguai; Luís de Trapaga, vice-cônsul da Argentina; Júlio Doneux, cônsul da Bélgica; cav.
Guglielmo Della Fontana, vice-cônsul da Itália; P. Barida, cônsul da França; Luís Ernesto Xavier, cônsul da Venezuela; J. G. Cramer, cônsul do
México; Brasiluso Lopes, vice-cônsul de Cuba; Manuel Augusto de Oliveira Alfaya, cônsul do Paraguai; Godofredo Faria, membro da Associação Comercial
de Santos; tenente Américo Moretti, representando o major José Martiniano de Carvalho, comandante do Corpo Municipal de Bombeiros; R. A. Sandall,
major Victor Vieira Barbosa, inspetor da Polícia Marítima; dr. Lemos Cordeiro, ajudante de guarda-mor da Alfândega; Joaquim Eugênio de Lima Júnior,
inspetor de Imigração; Luís de Arruda Castanho, Alberto Gonçalves da Silva, presidente da Associação Beneficente dos Chauffeurs de Santos;
representantes da imprensa da capital, do Jornal do Brasil, da Agência Americana, do Brasil e desta folha.
As apresentações das autoridades ao sr. presidente Alessandri foram feitas pelo sr. Júlio César de
Campos, cônsul do Chile, em S. Paulo.
O sr. secretário do Interior apresentou a s. exa. as boas-vindas, em nome do governo do Estado,
oferecendo, ao mesmo tempo, à senhora Alessandri, uma artística corbelha de custosas flores, e em que se viam, entrelaçadas, as fitas com as cores
chilena e nacional.
O sr. dr. B. de Moura Ribeiro ofereceu, também, à senhora Alessandri, uma rica corbelha,
cumprimentando o seu ilustre esposo em nome da Municipalidade santista.
Outras corbelhas foram entregues à distinta dama, pelo sr. dr. Luciano Gualberto, em nome da
Municipalidade paulistana; pelo sr. comendador Alfaya Rodrigues, e pela Soc. Beneficente dos Chauffeurs, falando, em nome desta sociedade, o sr.
Luciano Martins.
Depois das apresentações e feito silêncio, usou da palavra o vereador dr. Samuel Baccarat, que, em
nome da Municipalidade, proferiu o seguinte discurso:
"Exmo. sr. presidente Alessandri:
"A Câmara Municipal de Santos quer, jubilosa e feliz desta oportunidade, apresentar a v. exa., -
chefe ilustre de uma nação irmão - irmã pela raça e pelo coração - a homenagem sincera do seu povo, com o tributo leal de uma admiração perfeita.
"Manda-me, assim, o menor dentre seus membros, trazer este sentimento a v. exa., com os
agradecimentos pela honra que nos é concedida, de hospedar, ao menos por algumas horas, o estadista americano que tanto tem sabido honrar e
dignificar o nosso continente.
"E eu recebo prazeroso essa delegação, porque sei que aquilo que não conseguir eu exprimir, na
fraqueza da minha oração, há de v. exa. encontrar estereotipado no semblante de cada brasileiro, na alma do nosso povo, no próprio coração da nossa
nacionalidade - um afeto fraternal e verdadeiro pelo Chile, em cujo peito generoso palpitam os mesmos sentimentos altos que estuam dentro em nós.
"Não deve ter deixado de ferir fundamente o espírito de v. exa. a verificação de que não falamos -
de Norte a Sul, de um a outro extremo do país - com o pragmatismo hipócrita de uma diplomacia de conveniências; mas com a alma exposta, onde v. exa.
poderá perceber abertamente que nós não temos com o Chile apenas uma vizinhança geográfica, a colocação em um mesmo majestoso continente, ou o
interesse da troca nas relações de comércio; mas um afeto real, uma aproximação moral e intelectual, pulsando os corações de nossos povos com o
mesmo isocronismo, caminhando ambos para os mesmos destinos, destinos de paz e de fraternidade. Esses sentimentos, mercê de Deus, hão de se
consolidar em toda a terra de Colombo, para que possamos nos afirmar ao mundo como a expressão brilhante de uma força invencível que se levanta,
como uma demonstração formidável do nosso poder e do nosso amor à liberdade.
"A nós, brasileiros, sabe-o v. exa., não nos anima outro sentimento, que uma amizade leal com
todos os povos vizinhos, como irmãos que somos; mas do Chile temos orgulho em dizer que é ele o predileto, aquele que é mais aconchegado ao peito e
que embora separado pela cordilheira quase intransponível, mais junto está de nós, porque nenhum obstáculo é bastante forte para conter os ímpetos
sagrados do espírito e do coração. As barreiras naturais são nada, ante os vínculos espirituais, e os que ligam os nossos dois países e que se
tornaram tradicionais, têm sido, certamente, um grande incitamento no passado e há de ser ainda um sustentáculo no futuro, para essa política larga
e justiceira que nós, os americanos, tanto sabemos defender e sustentar.
"E essa política, fundada toda no desprendimento e na desambição, sem que isso queira dizer
desamor pela pátria, tem encontrado na pessoa de v. exa. um paladino abnegado e consciente, com esforço de bem servi-la que há de inscrever o nome
de v. exa. entre os que, com Rio Branco, hão de passar para a História sob as bênçãos dos que vierem depois de nós, na cruzada santa de levar os
nossos povos aos seus altos destinos.
"E atente bem v. exa. que esse será, em rigor, o juízo do porvir. Não se deixe levar, para essa
convicção, pelo brilho com que é recebido, quando volta como um triunfador ao seio carinhoso da nação chilena. Não, v. exa. deve antes se voltar
sobre o passado próximo e verificar que estas demonstrações de júbilo são as mesmas que lhe foram prestadas quando, batido por um sopro mais áspero
do destino, passava por entre nós, rumo do exílio. Não era, então, o chefe poderoso de um governo forte, que entre nós se achava, era antes o
patriota consciente que se desviava do caminho, certo de que do seu sacrifício viria a tranqüilidade de sua terra. Mas as nossas homenagens eram as
mesmas, o nosso carinho igual, porque era um chileno ilustre que recebíamos como aqui são recebidos todos os seus irmãos; era um estadista para cuja
glória não são necessários os ouropéis do poder!
"E hoje nós aqui estamos de novo, para juncar o caminho por onde v. exa. deve passar, com as
flores com que nossa terra se enfeita em seus dias de gala; para espalhar sobre a cabeça de v. exa. os sorrisos das nossas crianças que, como nós
homens, sabem compreender e amar os que, esquecendo-se de si mesmo, colocam bem alto o bem geral.
"Receba, pois, v. exa. a homenagem que a Câmara Municipal de Santos, em nome do seu povo, traz ao
chefe ilustre de uma nação amiga; receba as saudações com que os brasileiros agasalham os seus nobres irmãos transandinos; receba enfim o testemunho
do nosso apreço ao estadista e patriota, para quem, acima de tudo, está o bem da sua pátria, a estabilidade das instituições.
"Possa o exemplo dignificante de v. exa. ao mundo frutificar, incutindo no espírito de cada um dos
homens que têm a responsabilidade da direção dos povos, o verdadeiro conceito do dever; a noção precisa do patriotismo abnegado; para felicidade das
nações, para glória da nossa raça e para que tenhamos cada vez mais forte e mais real o verdadeiro sentimento de fraternidade americana".
Uma salva de palmas abafou as últimas palavras do orador.
Em seguida, o deputado Armando Prado, em nome da Municipalidade e do povo de S. Paulo, proferiu
brilhante discurso, saudando o ilustre presidente e fazendo sentir que seria muito grato não só ao governo municipal, como aos habitantes de S.
Paulo, receber sua honrosa visita. Infelizmente, porém, como s. excia. declarara momentos antes a impossibilidade de ir a São Paulo, por motivos
poderosos e respeitáveis, o orador fazia os melhores votos pela continuação de sua feliz viagem e pela prosperidade de seu governo.
Salientou a amizade que nos une ao povo chileno e pós em relevo a atuação inteligente e superior
de s. excia., na política sul-americana.
O sr. Armando Prado recebeu, ao terminar, uma prolongada salva de palmas, sendo vivamente
felicitado.
O grande estadista ia agradecer as homenagens que as autoridades locais e da capital lhe
tributavam.
Em meio de todo silêncio, o sr. Alessandri começou dizendo que depois dos dois brilhantes
discursos que acabava de ouvir, era bem difícil expressar com exatidão os sentimentos que lhe iam na alma.
Agradecia sinceramente as eloqüentes palavras dos orados que o antecederam, e, mais ainda, a prova
evidente de sua grande benevolência e de sua excessiva generosidade, reconhecendo-lhe méritos que positivamente não possui, mas que demonstram
bondade dos brasileiros.
Aceita as manifestações que lhe são tributadas, não por seus serviços ou pelos seus supostos
méritos, mas como síntese da tradicional amizade que sempre uniu o grande povo brasileiro ao povo chileno.
Cumpre-lhe dizer que sempre foi e continuará a ser um soldado modesto da causa santa da
Democracia; daquela democracia que substituiu, para felicidade dos povos, o célebre lema e Luís XIV: "O Estado sou eu".
Serve essa causa porque é a causa propulsora do progresso, da grandeza e da liberdade de uma raça.
Sinceramente democrata, em todas as manifestações de seu espírito, nunca buscou outra bandeira que não fosse a bandeia branca da concórdia, da
perfeita e indestrutível solidariedade dos povos, da absoluta comunhão de princípios que regem os destinos do homem. Sendo, pois, servidor
intransigente dessa grande causa, pergunta por quê se lhe atribui o apostolado do pacifismo e da causa comum de ideais alevantados que imperam no
continente sul-americano?
É simplesmente porque sendo partidário da democracia, é, também, da frente única, da causa
essencial e positiva de um princípio interior, que defende com as forças de seu espírito e cultiva com a mesma força de convicção.
É, antes de tudo, um sul-americano e não um chileno. E, quando foi chamado a ocupar a cadeira de
presidente, o posto que seus antecessores dignificaram pelos seus princípios de liberdade, olhou para o Atlântico e recordou a amizade que ligava o
Brasil ao Chile, enviando imediatamente para esta pródiga e fecunda parte do Continente uma embaixada que só trazia como missão sentimentos de
fraternal amizade e ideais de puro patriotismo. Entendia que nos devíamos fundir para dar ao mundo um flagrante exemplo do espírito de democracia
dos povos. É assim que, enquanto viver, terá sempre um coração para amar a Pátria brasileira.
Não volta ao Chile aninhando em seu espírito rancores ou ressentimentos, porque está certo que os
chilenos, na ação que desenvolveram, foram sinceros e tinham em mira a defesa de um ideal, embora esse ideal trouxesse ao país funestas
conseqüências. Foi mais uma experiência para o futuro, e mais animado está para desfraldar, com entusiasmo e convicção, a bandeira da concórdia.
Vai daqui com uma profunda mágoa, qual seja a de não poder visitar a bela capital de S. Paulo.
Sempre anelou por esse desejo; infelizmente, porém, compromissos que tomara com o governo argentino, quanto à sua chegada a Buenos Aires, não
permitiam retardar a viagem que realizava, e isso com grande pesar seu e de sua exma. família.
Sentia-se sinceramente sensibilizado com as demonstrações do povo paulista, e se agora não podia
retribuir o seu carinho com a sua ida a S. Paulo, o faria entretanto mais tarde. Para isso, prometia solenemente voltar ao Brasil, especialmente
para sentir de perto o afeto do povo paulistano e realizar, ao mesmo tempo, essa antiga aspiração de conhecer o grane Estado brasileiro.
O sr. presidente do Chile, que orou sob grande entusiasmo, e cujo discurso foi constantemente
interrompido com aclamações e aplausos vibrantes, terminou agradecendo a visita dos representantes do governo de S. Paulo, das municipalidades
santista e paulistana, de todos os presentes, enfim, sendo vivamente felicitado, ao findar.
Nessa ocasião, a banda do Corpo Municipal de Bombeiros, que se achava postada no cais, executou os
hinos chileno e nacional.
Em seguida, o sr. presidente e demais autoridades dirigiram-se para o passadiço superior, onde
foram batidas diversas chapas fotográficas e extraídos filmes, pela "Rosi Film", de S. Paulo, e pelo representante da "Fox", que viaja a bordo do
Antonio Delfino, especialmente para esse fim.
Conforme declarou o sr. Alessandri, no seu discurso, não podia sua exa. ir a S. Paulo, receber as
homenagens que lhe estavam preparadas, não só pelo motivo que referiu, como ainda pela pequena demora do transatlântico em Santos, pois eram já
dezesseis horas e a sua partida fora fixada para as 19.30.
Em virtude da chuva que sobre a cidade caiu no momento da entrada do Antonio Delfino, e
também por achar-se ligeiramente fatigado, s. exa. escusou-se de vir a terra, para realizar um breve passeio. Por isso permaneceu a bordo, cercado
das autoridades, às quais ofereceu, às 17.30 horas, no salão nobre daquele navio, uma taça de champanha, estabelecendo-se aí animada causerie.
À hora anunciada, o Antonio Delfino deixou o nosso porto, com destino a Montevidéu.
- O sr. dr. Luciano Gualberto ofereceu ao sr. presidente Alessandri um exemplar do órgão A
Capital, impresso em seda, e comemorativo da passagem de sua exa. por São Paulo.
- O grande estadista, num requinte de gentileza para com esta folha, teve a bondade de entregar ao
nosso representante, que foi cumprimentar s. exa. a bordo, uma carta com a seguinte honrosa saudação:
"A mi paso por Santos saludo A Tribuna
- Arturo Alessandri".
MONTEVIDÉU, 12 - O sr. presidente da República, sr. José Serrato, dará uma recepção em honra do
sr. presidente Alessandri, à tarde, oferecendo um banquete, à noite, ao estadista chileno.
A sra. Serrato oferecerá um almoço íntimo à sra. Alessandri. - A.
Troca de telegramas entre os srs. Estácio Coimbra e Arturo Alessandri - RIO, 12 - O sr.
Arturo Alessandri, presidente do Chile, que, por algumas horas, foi hóspede de nossa cidade, endereçou um cordial telegrama ao dr. Estácio Coimbra,
vice-presidente da República, agradecendo as gentilezas que aqui lhe foram dispensadas, tendo palavras de grande simpatia para com o sr. Estácio
Coimbra, para o nosso governo, autoridade e povo.
O dr. Estácio Coimbra, respondendo o telegrama recebido, enviou para bordo do Antonio Delfino,
ao sr. Arturo Alessandri, o seguinte despacho:
"Profundamente grato a vossa exa. pela
bondade de seu telegrama ao deixar a nossa capital, onde as inequívocas demonstrações de júbilo e de carinho com que v. exa. foi acolhido significam
não só o justo preito devido à sua alta individualidade, como perfeita comunhão de idéias e objetivos dos nossos países. Também em mim, que já lhe
admirava os fortes tributos intelectuais e morais, deixou v. exa. um sincero amigo, que reitera pela sua fortuna pessoal e política, fervorosos
votos. - (a) Estácio Coimbra". |