Capa da revista Modinhas nº 23, que incluiu a letra da canção Cidade de Santos
Cortesia de Paulo Roberto Moura Castro, do site
Tonico e Tinoco, de Limeira/SP
Tonico e Tinoco, a dupla Coração do Brasil
Dupla sertaneja formada por João Salvador Perez, o "Tonico"
(São Manuel-SP, em 2 de março de 1917) e José Perez, o "Tinoco" (nascido em uma fazenda de Botucatu-SP, que hoje pertence ao município de Pratânia,
em 19 de novembro de 1920).
Em 1930, quando a família Perez trabalhava na fazenda Tavares, em Botucatu, os dois irmãos
ouviram discos da série caipira de Cornélio Pires; João freqüentava a escola rural e dava lições para os colonos mais velhos. Dos amigos cobrava um
litro de querosene por mês (para manter os lampiões da sala de aula), mas dificilmente recebia alguma ajuda.
José, o mais levado, gostava de caçar passarinhos com arapucas (depois os soltava), de
brincar com amigos do arraial e aos sábados vestia-se de coroinha para ajudar a celebração da missa. Após a cerimônia, acompanhava o padre nas
refeições e voltava para casa levando alimento para os irmãos.
O gosto pela cantoria veio dos avós maternos Olegário e Izabel, que alegravam a colônia com
suas canções, ao som de uma antiga sanfona. A primeira música que aprenderam foi Tristeza do Jéca, em 1925. Em 15 de agosto de 1935 fizeram a
primeira apresentação profissional. Cantaram na Festa da Aparecidinha/São Manuel, em uma quermesse. Junto com o primo Miguel, formavam o "Trio da
Roça".
Em 1931, Tonico e Tinoco moravam em Botucatu (SP), na fazenda Vargem Grande, de Petraca
Bacci, com os pais, Salvador Perez - um espanhol de Léon, na Astúrias espanhola, chegado ao Brasil criança, em 1892 e Maria do Carmo, uma brasileira
descendente de negros com bugres. A exemplo de outras crianças da época, os dois garotos, mal aprenderam a falar, já eram cantadores das modas de
viola. Aprendiam as letras com Virgílio de Souza, violeiro das redondezas.
Capa do disco A Dupla Coração do Brasil
Cortesia de Paulo Roberto Moura Castro,
do site Tonico e Tinoco,
de Limeira/SP
Tonico
e Tinoco participavam das primeiras serenatas, alegravam festas e bailes de São João. Nas colônias enfeitadas de bandeirinhas, comiam batata-doce
assada na brasa, pamonha, milho verde e bebiam quentão. "Os rapazes trabalhavam o ano inteiro para fazer bonito nos bailes, junto às caboclinhas",
conta Tinoco. "Nós lá de calça cumprida, camisa xadrez e as botas penduradas nas costas para não estragar o solado. As meninas com seus
vestidos de chita dançavam de pés descalços e com uma flor no cabelo cheirando a gostosa". A esperança dos moços e das moças era arrumar um namoro.
Foi num desses bailes que Tonico conheceu e apaixonou-se por Zula, filha do administrador da fazenda, Antônio Vani. O pai proibiu o namoro e,
magoado, Tonico compôs Cabocla.
Naqueles anos 30 só existiam 65 emissoras de rádio e 30 mil aparelhos receptores em todo o País,
para uma população de 35 milhões de pessoas. Como não havia rádio na região, o conjunto ficou famoso. Mas Tonico e Tinoco só cantavam em dupla nas
horas vagas ou nas folgas do trabalho, quando a turma parava para tomar café. Cantavam as modas de viola de Jorginho do Sertão, um autor imaginário,
que utilizavam para assinar suas canções, que falavam da crise no país com as revoluções de 1930 e 1932.
No fim do ano agrícola de 1937, os Pérez decidiram, com outras famílias, tentar a vida na
cidade de Sorocaba (SP). As irmãs Antonia, Rosalina e Aparecida foram trabalhar na fábrica de tecidos Santa Maria. Tonico foi ser servente na
Pedreira Santa Helena, fábrica do cimento Votorantim. Tinoco virou engraxate na Estação Sorocabana e Chiquinho engajou-se na construção da Rodovia
Raposo Tavares, que liga o Sul de São Paulo ao Mato Grosso do Sul. A crise econômica do País chegava ao auge. Getúlio Vargas implantou a ditadura do
Estado Novo. Adolf Hitler invadiu e ocupa a Tchecoslováquia e depois a Polônia. Começava a Segunda Guerra Mundial.
A vida em Sorocaba ficou insuportável, nada dava certo para os Pérez e eles decidiram
retornar ao campo, agora para a fazenda São João Sintra, em São Manoel (SP). A volta, contudo, possibilitou aos irmãos Perez a primeira chance de
cantar numa rádio. O administrador da fazenda, José Augusto Barros, levou-os para cantar na Rádio Clube de São Manoel - ainda hoje lá, na rua
Coronel Rodrigues Alves, no centro da cidade. Assim, até o final de 1940, eles ficaram trabalhando na roça durante a semana e aos domingos cantavam
na emissora da cidade. Só por amor à arte, sem ganhar. As dificuldades levaram os Pérez a uma derradeira migração.
Em janeiro de 1941 chegaram, de mala e cuia - quatro sacos com os trens de cozinha e duas
trouxas de roupa - a São Paulo. À falta de profissão, as meninas foram trabalhar em casa de família, Tinoco num depósito de ferro-velho, Chiquinho
na metalúrgica São Nicolau e Tonico, sem outra alternativa, comprou uma enxada e foi ser diarista nas chácaras do bairro de Santo Amaro. Os tempos
duros da cidade grande tinham lá sua compensação, principalmente nos domingos, quando a família ia ao circo, na rua Lins de Vasconcelos, no então
pacato bairro do Cambuci. Num desses espetáculos, os manos conheceram pessoalmente Raul Torres e Florêncio, a dupla de violeiros mais famosa de São
Paulo e que depois, com Rielli na sanfona, formaram na Rádio Record o famoso trio "Os Três Batutas do Sertão".
(...) Em São Paulo, inscreveram-se no programa de calouros comandado por Chico Carretel (Durvalino
Peluzo), na Rádio Emissora de Piratininga.
O capitão Furtado, que estava sem violeiro em seu programa Arraial da Curva Torta, na
Rádio Difusora, promoveu então concurso para preencher a vaga: os dois irmãos, formando a dupla "Irmãos Perez", cantaram o cateretê Tudo tem no
sertão (Tonico). Classificados para a final, interpretaram de Raul Torres e Cornélio Pires (esse último um radialista e pesquisador que foi
pioneiro no estudo da vida sertaneja, especialmente a paulista, e que deixou uma extensa obra a respeito) Adeus Campina da Serra. Quando
terminaram, o auditório aplaudiu de pé, em meio a lágrimas. Todos pediam bis àquela dupla que cantava diferente, com afinação, fino e alto. Todos os
outros violeiros foram abraçá-los. O cronômetro marcava 190 segundos de aplausos, contra apenas 90 segundos da dupla segundo colocada.
(...) No dia seguinte o Trio da Roça estava contratado pela Rádio Difusora, que naquele
período havia sido comprada pela Tupi (...). Já sem o primo Miguel, eles eram apenas os irmãos Pérez. Um dia, durante um ensaio do programa
Arraial da Curva Torta, o Capitão Furtado - de batismo Arioswaldo Pires, sobrinho de Cornélio Pires, apresentador do programa e também lendário
divulgador da música sertaneja - disse que uma dupla tão original, com vozes gêmeas, não poderia ter nome espanhol. Batizou-os, na hora, de Tonico e
Tinoco.
A divulgação nos programas da rádio transformava a dupla em sucesso imediato, fazendo surgir
dezenas de convites para shows. A primeira apresentação dessas foi no cine Catumbi, em São Paulo, hoje transformado em uma casa de forró
sertanejo. Depois rumaram para o interior, em excursões que demoravam uma, duas, às vezes, três semanas.
(...) A dupla estreou em disco, na Continental, em 1944, com o cateretê Em vez de me
agradecê. (...) Com o sucesso de Chico Mineiro (1946) a dupla consagrou-se definitivamente e tornou-se a dupla sertaneja mais famosa do
Brasil. (...) O slogan "A Dupla Coração do Brasil", surgiu em 1951, quando o humorista Saracura resolveu batizá-los assim, pela interpretação
de todos os ritmos regionais.
(...) Durante 40 anos apresentaram-se em Circos e Teatros. Criaram uma Companhia Circense,
com a qual percorreram todo o País. Em cada circo realizavam três sessões por noite. São autores de 25 peças teatrais circenses, entre elas: Mão
Criminosa, Último São João, Tristeza do Jéca, Chico Mineiro, Cabocla e Papai Noel Chorou. Trabalharam 50 anos
em rádio na seguinte ordem: Rádio Difusora, Rádio Tupi, Rádio Nacional (hoje Globo) e Rádio Bandeirantes.
Realizaram um trabalho de utilidade pública durante muitos anos, pois o rádio era o único meio
de comunicação que atingia todo o País. Através de seus programas, os ouvintes se comunicavam com parentes distantes.
Participaram da primeira transmissão da Televisão Brasileira, no ano de 1950. Apresentaram o
Programa Na Beira da Tuia nas emissoras Bandeirantes (1983), SBT (1988) e Cultura (Viola, Minha Viola). Participaram de sete filmes de
longa metragem: Lá no Meu Sertão, Obrigado a Matar, A Marca da Ferradura, Os Três Justiceiros, Luar do Sertão, O Menino Jornaleiro e A
Marvada Carne.
(...) Em 1979, precisamente no dia 6 de junho, Tonico e Tinoco fazem o que nenhum caipira
havia sonhado: apresentam-se no Teatro Municipal, em São Paulo, num show de três horas que reúne um público recorde de 2.500 pessoas.
(...) Tonico (João Salvador Perez), faleceu no dia 13 de agosto de 1994, após uma queda da
escada do prédio onde morava.
Em 1992, "Uilton Santos" (nome artístico de Uilton Antonio dos Santos) trouxe a sua banda
para integrar o Show de Tonico e Tinoco. Com o passar do tempo, foi batizado como "Tinoquinho", e adotado de coração por Tinoco como filho.
Em junho de 1996 surgiu a nova formação "Tinoco e Tinoquinho" (..).
Tonico e Tinoco e Rita Lee no espetáculo Nhô Look, na Fenit, em 1970, na capital paulista
Foto: Abril Press, álbum MPB: Música Sertaneja, 1982, Ed. Abril Cultural, SP/SP
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