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NAVIO-PRISÃO: REPRESSÃO A SINDICALISTAS
Há 48 anos, Raul Soares "morria" no estaleiro do Rio
Navio, que havia sido transformado em presídio flutuante no Porto de Santos, onde recebeu
presos políticos e sindicalistas portuários, foi levado para o Rio, onde foi desmontado e vendido como sucata
Francisco Aloise
Naquela segunda-feira, 2 de
novembro de 1964, Dia de Finados, o navio-prisão Raul Soares "morria" no estaleiro do Porto do Rio de Janeiro. Chegava ao fim aquele que foi
considerado o símbolo da repressão da ditadura militar, deixando para trás um rastro de torturas, dor e humilhação. Ele foi desmontado e teve suas
peças vendidas como sucata.
O navio-prisão permaneceu no Porto de Santos de 24 de abril a 23 de outubro de 1964, servindo de
presídio flutuante para políticos, estudantes e principalmente sindicalistas portuários. Foi transformado em presídio pela ditadura militar e sua
presença, atracado no maior porto da América Latina, afrontou a sociedade santista.
De casco negro e enormes chaminés fumegantes, o Raul Soares ficou atracado nas proximidades
da Ilha Barnabé. Seus presos eram mantidos fortemente vigiados sob mira de metralhadoras e em péssimas condições de alimentação, higiene e
salubridade. Seus prisioneiros políticos eram tanto civis quanto militares.
Em 2 de novembro, Dia de Finados, depois de cumprir sua última missão, o navio foi levado de volta
ao Rio de Janeiro,onde virou sucata. Levou, com sua morte, o que havia restado dos ideais democráticos até então vigentes de uma cidade que tinha um
sindicalismo forte e atuante na luta por melhores salários e condições de trabalho no Porto de Santos.
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Série de reportagens do DL - Quarenta e oito anos depois da desativação, ainda hoje
busca-se resgatar os mesmos ideais sindicais. As vozes de seus presos vão, aos poucos, se calando. Mas existem ainda algumas vozes que ecoam, como
ficou provado recentemente na série de reportagens publicada pelo Diário do Litoral.
Entre 21 e 28 de outubro, o jornal publicou entrevistas sobre o navio-prisão, relembrou os fatos,
ouviu alguns de seus personagens. As reportagens estão sendo enviadas por políticos e sindicalistas para diversas entidades de direitos humanos do
País e internacionais, e também para a Comissão da Verdade do Governo Federal.
O DL relembrou uma época de liberdades restritas e vigiadas sob mira de metralhadoras, que
levou Santos a vários anos de estagnação política e econômica e principalmente a perder sua autonomia política, sem poder escolher seus próprios
governantes. Muitos anos de silêncio, tendo que calar sua angústia de dor provocada pelas torturas e humilhações sofridas no interior de um
navio-prisão, sem lei e sem respeito à dignidade humana.
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Série de reportagens do DL relembra período sombrio da história do sindicalismo de Santos |
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Histórico - O Raul Soares foi construído em 1900, pela empresa alemã Hamburg-Sud, e
batizado de Cap Verde. Sua função era transportar imigrantes da Europa para a América do Sul. Pesava mais de 5.000 toneladas e tinha
capacidade para 587 passageiros.
Vendido em 1919 para a Grã-Bretanha, passou a denominar-se Madeira, em 1922. Em 1925,
comprado pelo Lloyd Brasileiro, passou a ser chamado de Raul Soares, em homenagem ao político que governou Minas Gerais e que dá nome a uma
cidade mineira. O navio foi responsável pela condução de muitos migrantes do Norte e Nordeste do país para o Porto de Santos.
Na década de 60, o navio era um velho de 64 anos e não tinha mais forças para navegar. Já inativo,
o Raul Soares, no cais da Ilha de Mocanguê, no Rio de Janeiro, foi rebocado pela embarcação Tridente, da Marinha, chegando no dia 24
de abril de 1964 ao Porto de Santos. Com uma semana, começou a sua função de navio-prisão, recebendo os primeiros prisioneiros políticos, sob a
acusação de subversão, por se oporem ao governo militar que havia deposto o então presidente da República, João Goulart, em 31 de março.
Em 23 de outubro, a embarcação foi desativada como prisão flutuante, retornando ao Rio de Janeiro,
na manhã do dia 2 de novembro de 1964, onde foi desmontado e suas peças vendidas como sucatas. Assim chegou ao fim de forma inglória, aquele que é
conhecido na história, não por seus feitos na navegação mundial, mas sim, como o símbolo do navio-prisão da repressão no Porto de Santos, o maior da
América Latina.
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