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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O porto das laranjas

Até um duto especial foi criado para levar sucos cítricos do depósito ao navio

No final do século XX, outro produto agrícola começou a destronar o reinado do café como principal produto de exportação pelo porto de Santos: a laranja, procedente do interior paulista, primeiro ao natural, depois já com seu suco concentrado colocado em tambores, em seguida acompanhada de outros sucos cítricos, evoluindo para o transporte em conteineres-tanque frigoríficos e finalmente para a criação de instalações especiais para o transporte a granel, diretamente de depósitos refrigerados no retroporto para bordo de navios especializados.

Essa trajetória foi acompanhada pelo editor de Novo Milênio, então atuando como articulista da revista especializada carioca Portos e Navios, onde publicou, na edição de março/abril de 1988:

O sucoduto da Citrosuco Paulista, atravessando a Avenida Portuária (depois rebatizada como Av. Governador Mário Covas) e o teto do Armazém 29 externo do porto
Foto publicada com a matéria

EXPORTAÇÃO
Cítricos revolucionam operação portuária

Reportagem de Carlos Pimentel Mendes

Citrus juices have been responsible for the introduction, in the Brazilian port system, of the most modern techniques handling since the beginning of the decade of 1980. Like in the ore exportations, a large part of the exportations of juice is being made through modern and efficient private terminals.

Ainda não está definida quantitativamente a exportação de sucos cítricos pelo Brasil na próxima safra. Mas, este ano, formas tradicionais de embarque - em tambores ou a granel em navios especializados - e não tradicionais, como o recém-lançado sistema de conteiner-tanque frigorífico, serão acionadas a partir de maio, quando será iniciado o escoamento da produção.

Os próximos embarques estão ainda em fase de comercialização, mas como em anos anteriores, o principal porto de exportação de cítricos será Santos e o desembarque será feito principalmente em Ghent (Bélgica) e outros portos europeus.

No cais da Codesp, enquanto os embarques a granel crescem numa escala constante - passando de 160.379 toneladas em 1983 para 205.433 t em 1984, 236.044 t em 1985, 319.725 t em 1986 e 350.089 t no ano passado -, o embarque do produto em tambores sofre fortes oscilações: 399.214 t em 1983, 653.446 t em 1984, 254.830 t em 1985, 388.685 t em 1986 (mais 198 t na cabotagem) e 244.922 t no ano passado (mais 16 t pela cabotagem). Desde 1985, processa-se também o embarque de suco cítrico a granel pelo terminal privativo da Cutrale, na margem esquerda do porto santista, que movimentou inicialmente 72.603 t, passou para 145.068 t no ano seguinte e atingiu 166.705 t em 87.

Afora os sucos cítricos e exportações de frutas cítricas in natura, o porto santista vem embarcando também farelo peletizado (pellets) de cítricos, tendo sido exportados pelo cais da Codesp 1.696.490 t em 1983, 1.705.771 t em 1984, 2.066.399 t em 1985, 1.351.284 t em 1986 e 1.478.334 t no ano passado.

Pela navegação de cabotagem, foram embarcados nesses anos respectivamente 32.382 t, 28.653 t, 57.312 t, 83.222 t e ainda 25.265 t no ano passado. Por terminais privativos do complexo portuário santista foram ainda carregados 108.937 t em 85, 225.800 t no ano seguinte e 432.595 t na safra passada, quando também houve o embarque de 19.585 t de farelos para a cabotagem.

Vista interna das instalações da Citrosuco Paulista junto ao porto de Santos
Foto publicada com a matéria

Terminais - A importância dos sucos cítricos na pauta de exportação brasileira e a fragilidade de sua negociação externa (grandes negócios podem ser perdidos por pequenas diferenças de preço face a competidores estrangeiros) vêm determinando a criação de terminais especializados com área de armazenagem frigorífica própria no retroporto e instalações para suprimento direto de navios especializados.

Assim foi com a Citrosuco Paulista no início desta década. A empresa, do mesmo grupo Fischer que detém a armadora Aliança, valeu-se de sua experiência marítima para adquirir o navio Ouro do Brasil e transformá-lo em navio-tanque específico para o transporte de suco cítrico. Paralelamente, instalou um depósito próximo ao armazém 29 do porto santista, e um sucoduto que liga os tanques de suco da empresa diretamente ao navio.

Desta forma, após colhidas as laranjas nas zonas produtoras do interior paulista, é feito o esmagamento nas usinas da Citrosuco em Matão e carros-tanques especiais fazem o transporte até os tanques de Santos, sempre com rigoroso controle de temperatura e qualidade para evitar a contaminação do produto.

Uma carreta com mangotes é deslocada até o cais e faz a ligação entre a ponta do sucoduto e os tanques de bordo. Após testes de linha que incluem injeção de gás para limpeza da tubulação, o suco é bombeado para os tanques do navio. O duto possui controles de fluxo e pressão, além de válvulas automáticas para impedir a entrada de agentes contaminadores na tubulação. Após a viagem marítima o navio chega a Ghent, na Bélgica, onde existe instalação similar para a recepção do produto e posterior distribuição pela Europa.

Mais recentemente foi a vez da Cutrale, que já possuía instalações na margem direita do porto santista, e criou há cerca de três anos um terminal próprio na outra margem, no município de Guarujá.

Nos dois casos, apesar das pressões sindicais, as empresas conseguiram evitar o pagamento de estiva e conferentes, sendo que a Cutrale sequer necessita de capatazia em seu terminal. Mas a Cargill, que prevê para junho a inauguração de seu terminal privativo, poderá ter maiores dificuldades na obtenção dessas vantagens em função de modificações recentes na legislação com referência aos terminais privativos.

O terminal da Cargill, em construção desde abril de 86, compreenderá 10,8 mil metros quadrados de área construída, num total de 39,6 mil metros quadrados de área arrendada à Codesp. No início, movimentará três tipos de produtos: soja em grão - adquirida no mercado interno, para exportação -, pellets de polpa cítrica das unidades de Bebedouro e Uchoa, e pellets de soja das fábricas de Mairinque, Uberlândia e Monte Alto.

Concebido para operar com 70 funcionários, o terminal da Cargill deverá exportar inicialmente 500 mil toneladas anuais, mas sua infra-estrutura permite triplicar esse volume. Ele terá equipamentos para descarga tanto de vagões ferroviários (bitola larga e estreita) como de caminhões, silo para 60 mil t com três divisões, pier para navios de até 250 metros de comprimento e capacidade para 50/55 mil t de carga líquida, e calado de 37 pés.

Conteiner-tanque frigorífico, então uma nova opção para o transporte de sucos
Foto publicada com a matéria

Novo conteiner - Enquanto nos portos de maior movimentação compensa instalar terminais recebedores de suco a granel, para a maior parte dos países até agora a quantidade do produto importado é insuficiente para justificar investimentos em sistemas mais sofisticados como o de Guent. Por isso é que os tambores de suco ainda são usados, transportados por navios com porões frigoríficos. Nesses casos, o custo do produto agrega o dos tambores para 250 litros (US$ 20 por unidade). Não é compensador promover o retorno dos tambores ao Brasil após o uso, de forma que os exportadores não os recuperam.

Ao mesmo tempo em que operações-tartaruga da estiva - visando reduzir a capacidade das lingadas de carga - ameaçam comprometer a produtividade nos embarques até mesmo desses tambores, está surgindo em Santos uma terceira opção, intermediária entre o uso de tambores e os navios especializados. Trata-se do conteiner-tanque frigorífico, semelhante ao que a locadora britânica Sea Containers apresentou em meados de março ao mercado exportador brasileiro, em Santos. Foram combinados conteineres tanque e frigorífico num só equipamento, com capacidade para até 24 t ou 18 mil litros - considerando a densidade de 1,315 - de suco cítrico. Este tipo de conteiner pode ser utilizado também para cervejas, produtos químicos líquidos, gema de ovo etc.

Segundo Dominique Delamare de Bouteville, da Carioca Containers-SP, um conteiner tank-reefer de 20 pés equivale a 96 tambores. "Apenas o custo dos tambores vazios - afirma - chega a US$ 1.920, bem mais que a despesa com locação do conteiner especializado numa viagem de carga de 45 dias ao Japão".

O novo conteiner pode manter temperaturas entre 20 graus centígrados negativos e 50 graus positivos, e ser programado para alterações automáticas no decorrer da viagem.


Uma frota especial de caminhões-tanque faz o transporte do suco até o porto santista
Foto: Citrosuco

Em dezembro de 1991, comemorando  a centésima viagem do navio especializado Ouro do Brasil, a Cirosuco produziu um folheto, contando o funcionamento do sistema:

O presidente Sarney, junto com Carlos Fischer, acionaram o sucoduto de Santos, embarcando a milionésima tonelada de suco para o exterior, por meio de um sistema de alta tecnologia de processos que tem possibilitado à citricultura nacional atingir os mercados externos
Foto: Citrosuco

A centésima viagem do Ouro do Brasil

O Ouro do Brasil é um navio médio, com 140 metros de proa a popa. Foi construído na Noruega e até 1981 operou como navio frigorífico, com o nome de Pasadena. Em 1982, através de um acordo com o armador, a embarcação foi modificada, sendo dotada de grandes tanques frigoríficos para o transporte a granel de suco concentrado congelado de laranja. O navio foi então rebatizado com o nome de Ouro do Brasil.

Após a reforma, ele ficou capacitado a transportar 9.200 toneladas de suco congelado a granel, passando então a integrar o Sistema Tank-Farm implantado pela Citrosuco para o transporte a granel de suco de laranja concentrado e congelado a dez graus Celsius negativos. O sistema foi inaugurado dia 17 de novembro de 1982, com a primeira viagem do Ouro do Brasil transportando a granel 9.200 toneladas de suco congelado, do Porto de Santos para o Porto de Gent, na Bélgica; e aos portos de Tampa e Manatee, na Flórida (EUA).

Com a centésima viagem, o Ouro do Brasil completa o transporte de 920 mil toneladas de suco em nove anos. Isso equivale a cerca de 34 mil caminhões-tanque de suco, ou ainda, ao total das exportações brasileiras de suco de laranja em 1990.

Ampliação do sistema - A partir de novembro de 1994, o navio passou a ter também como opção de rota o porto de Wilmington, no Estado de Delaware, Costa Leste dos EUA. Juntamente com a ampliação do sistema de armazenagem e distribuição do suco congelado a granel, foi ampliado também o sistema de transporte, entrando em operação no dia 2 de novembro de 1984 o Sol do Brasil, segundo navio sucoleiro.

O terminal de Gent, na Bélgica, distribui o suco para toda Europa; o de Wilmington para o centro e Norte dos EUA e Canadá; enquanto que o Sul dos EUA é abastecido através dos portos de Tampa e Manatee, na Flórida.

A tripulação do Ouro do Brasil é composta de oito oficiais alemães e mais 17 marinheiros espanhóis. Carregado, ele desenvolve uma velocidade de 17,5 nós, o que equivale a 31 quilômetros por hora. A viagem de Santos a Gent, na Bélgica, é feita em 12 dias. Para Wilmington, nos EUA, a viagem demora 11 dias. Nas viagens de volta, em razão da maior velocidade, o navio ganha um dia em cada uma das rotas.

O navio Ouro do Brasil, no cais do armazém 29, recebe suco a granel pelo sucoduto
Foto: Citrosuco

O Sistema Tank-Farm

Para implantar o sistema Tank-Farm, inaugurado em novembro de 1982, a Citrosuco teve que investir bastante: foram construídos 96 tanques frigoríficos onde o suco é mantido congelado, sem perder as características; foi adquirida uma frota de caminhões com tanques térmicos para levar o suco a granel até o terminal de Santos (são 36 caminhões, a capacidade total da rota é de 972 toneladas). Foi construído um sucoduto especial com isolação térmica, para o bombeamento direto do suco congelado, do terminal em Santos ao navio. Foram fretados dois navios, o Ouro do Brasil com capacidade para 9.200 toneladas e o Sol do Brasil com capacidade para 10.500 toneladas, destinados ao transporte exclusivo do suco concentrado a granel, congelado a 10 graus Celsius negativos. A empresa contratou dois terminais semelhantes ao de Santos, para recepção e distribuição do suco em Gent, na Bélgica, e em Wilmington, no Estado de Delaware, costa Leste dos EUA.

Antes da implantação do sistema Tank-Farm, a Citrosuco tinha capacidade para estocar 65 mil toneladas de suco concentrado congelado. Hoje a capacidade é de 130 mil toneladas. Vale lembrar que no dia 1º de setembro de 1988 a Citrosuco comemorou um fato histórico: o embarque da milionésima tonelada de suco exportada a granel. A solenidade foi prestigiada pelo então presidente da República, José Sarney.

As vantagens - A grande vantagem desse sistema, o mais moderno do mundo no transporte de suco, é a eliminação dos tambores como meio tradicional de estocagem, transporte e distribuição. Como se sabe, esses tambores, além do manuseio bastante trabalhoso, vão para o exterior e não retornam mais, encarecendo o produto final.

A nível empresarial, a eliminação de tambores, sacos plásticos e estrados de madeira (pallets) possibilita uma redução nos custos diretos da produção. Os custos indiretos também são beneficiados com a racionalização da movimentação interna do suco, redução do consumo de energia elétrica devido à maior homogeneidade térmica do suco a granel.

O sistema permitiu ainda a redução dos custos de carregamento do navio, bem como a redução dos fretes marítimos, tendo em vista, entre outros fatores, a maior rapidez no carregamento e descarregamento do navio, que é de no máximo 2 dias, enquanto que pelo sistema tradicional de tambores esse tempo era de sete dias.


Embarque de laranjas ao natural para exportação pela empresa Cutrale, 
na margem direita do porto santista, no final da década de 1980
Foto: arquivo Novo Milênio

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