Um livro temático é sempre um desafio inglório. Por mais que se busque a
exatidão dos fatos, sempre haverá lacunas e enganos. Mesmo com todo esforço para torná-lo uma leitura geral e agradável, ocorrerão passagens
extremamente específicas e outras pouco felizes em suas forma. As análises, por sua própria natureza, tornam-se terreno escorregadio e sempre haverá
discordâncias.
Foi o caso desse trabalho em que se procurou traçar um perfil dos Conferentes de
Carga e Descarga de Santos, de sua origem aos dias atuais, abarcando mais de sessenta anos de uma história vívida, construída no trabalho cotidiano,
rigorosamente, a cada dia.
Muitos depoimentos foram colhidos, mas nenhum deles foi reproduzido na íntegra
ou literalmente, o que tornaria o trabalho excessivamente extenso. As informações foram tratadas sempre com atenção à sua importância para cada um
dos muitos momentos examinados. Várias estão atribuídas a seus autores; outras não. Agradecemos todas as contribuições valiosas recebidas.
O livro destaca personagens, em especial fundadores e presidentes, por sua
significação, seja no resgate histórico ou por sua representatividade a cada período. Isso foi feito como ilustração, com a consciência de que uma
entidade como o Sindicato dos Conferentes não deve sua construção a algumas pessoas em especial, mas à contribuição anônima de milhares de
trabalhadores deste porto de Santos.
Este trabalho é dedicado ao conjunto dos Conferentes de Santos, que com seu
trabalho e luta ajudaram a construir um grande porto e, com ele, o caráter de uma cidade.
Embora o livro conte a história da categoria e do Sindicato dos Conferentes de
Carga e Descarga do Porto de Santos, temos certeza de que será leitura agradável para todos.
Por fim, nossos agradecimentos ao presidente e diretores do Sindicato que, em
nenhum momento, interferiram no trabalho que você tem nas mãos.
Os autores
Março de 1996
Frontispício da publicação
Prefácio
Escrever a história do movimento dos trabalhadores é, no Brasil, um trabalho pleno de riscos. A
indiferença da história oficial, a escassez de documentos, a imprecisão dos registros da imprensa e a parcialidade dos relatos verbais são apenas
alguns dos perigos que se põem no caminho daqueles que se propõem a sistematizar uma luta que, algumas vezes pela desorganização própria e muitas
vezes pela intensa repressão, não pôde ter uma seqüência tranqüila e linear, dificultando o trabalho de investigação.
Com os Conferentes de Santos não foi diferente. Em condições sempre muito precárias, os antigos
caixeiros adentraram o século desassistidos e sujeitos ao domínio senhorial dos contratadores de serviços, até que começaram a reagir. Primeiro,
conquistaram com valentia e insubmissão o direito de trabalhar no porto; precisaram de muita paciência e muito diálogo para garantir sua organização
e sobrevivência, numa história de combates, obstinação e muitas tentativas fracassadas, até que a categoria fosse reconhecida, já na década de 30.
Essa luta, que reflete cada passo da história econômica do Brasil e, em conseqüência disso, cada
movimento da organização dos trabalhadores, ecoa no microcosmo de Santos importantes capítulos da nossa história, como o surto cafeeiro, a
influência dos imigrantes e dos movimentos anarquistas, as concessões trabalhistas da era Vargas, as conquistas do interregno democrático de 1951 a
1963, a repressão da ditadura militar e as recentes lutas em defesa do emprego e contra o esforço de desmobilização das estruturas sindicais.
Diante de tantas armadilhas e tentações para se enveredar pelos caminhos da imprecisão, é
preciso saudar o trabalho amplo e bem documentado de Carlos Mauri Alexandrino e Paulo Matos, "Caixeiro, Conferente, Tally Clerk". O livro atinge, e
muito satisfatoriamente, o propósito de contar a história dessa categoria com disciplina, mas sem enfado; com rigor, mas sem perder de vista a
necessidade do testemunho, da ambientação e de uma narrativa fluente, qualidade indispensável para navegar em meio a tantas datas, nomes e
interfaces com a história do País neste século.
Essa, aliás, que poderia ser uma lacuna, acaba sendo uma das virtudes do trabalho, na medida em
que os autores não fogem ao desafio de caracterizar o momento político, as peculiaridades da evolução da consciência trabalhista, os fatores
econômicos e a passionalidade das disputas sindicais, testemunho da constante tensão no confronto entre o capital e o trabalho.
Também não posso deixar de registrar o valor dessa pesquisa no sentido de resgatar mais um
capítulo da história de Santos. Aqui, como na absoluta maioria das cidades brasileiras, o esforço de recuperar os fatos, compreender sua evolução e
medir sua interferência no universo de valores e atitudes do presente ainda está na primeira infância.
Se quisermos pesquisar acontecimentos do nosso passado, pouco encontraremos, tanto em número
quanto em qualidade. Raras são as publicações que não reproduzem os clichês da velha história oficial, que exagerava na dose de mistificação.
Raríssimas as que não se deixam perder pelos caminhos da ideologia, no mau sentido, deixando de lado a independência intelectual necessária a um bom
livro de história.
Enfim, é preciso que surjam mais trabalhos como esse para que tenhamos um bom acervo de
registros de nossa evolução como comunidade. É um trabalho demorado e paciente, mas certamente ajuda a criar um padrão confiável e serve como
estímulo para o surgimento de novas pesquisas. Mais do que uma noção doméstica dos problemas, precisamos do esforço sistematizado e da assimilação
das lições gerais da história. Uma sociedade consciente da sua formação é uma sociedade mais preparada para enfrentar desafios e pensar o futuro.
David Capistrano Filho
Prefeito de Santos |