Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0156x25.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/01/10 15:57:11
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (25)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

Leva para a página anterior

Santos Libertária!

Leva para a página seguinte da série

Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE II - A imprensa da Barcelona Brasileira

Capítulo VI - 1879/1927

 

Tempo de mudança

A regressão das conquistas sociais seculares dos trabalhadores, na vigência do modelo econômico presente no Brasil e no mundo, mostra a emergência do capitalismo em resolver sua própria crise cíclica através do neo-liberalismo. Isso indica no sentido da necessidade do resgate de registros históricos da caminhada da classe trabalhadora - para o fortalecimento da organização popular. Como voz, a sua imprensa.

A memória específica da cidade de Santos, nestes tempos de surgimento do trabalho assalariado e do movimento operário, às portas do século XXI, foi gravada graças ao registro dos jornais da rica imprensa operária do período, sua mais importante fonte primária. Que reportamos, oferecendo um cenário de época.

A heterogeneidade nacional da comunidade do Bacharel, no século XVI, na infância da cidade, colonizava em uma estrutura social diversa daquela que vigia na metrópole, no modelo não vertical que seria evitado. E que ela transplantaria para a colônia, rigidamente constituído. Foi por isso aniquilada essa comunidade porque não derivada do sistema de poder instalado. E que teve equivalência no internacionalismo dos imigrantes, séculos após.

A pátria dos imigrantes era o trabalho e a sobrevivência, despojados dos credos patrióticos e nacionalistas, membros que eram das classes subalternas. Sua expectativa de superar a condição de explorados, no processo de acumulação de capital, foi objeto de intensa repressão.

Considerados seres de segunda categoria, não proprietários e assalariados, os imigrantes eram ainda estrangeiros e discriminados. Não por isso, embora fosse alegado, mas pela condição social de inferioridade. Os Mattarazzo e outros empresários também eram imigrantes, só que purificados pelo deus-dinheiro.

Os militantes das primeiras ações operárias foram reprimidos e discriminados pelos mesmos que tinham escravizado e violentado os negros, estes diferenciados pela cor, um dos fatores de sua preferência aos índios, como meio de caracterizá-los como "seres inferiores". Condição que igualmente lutaram para superar - modificando pela força da rebeldia o sistema colonizador vertical da metrópole.

Tempos modernos

A luta operária santista se organizaria, no período de maiores embates, no ideário anarco-sindicalista. Produzindo o que hoje se chamaria de um contraponto aos ideólogos do "estado mínimo", os que apontam para a retirada do estado de seu papel social, anulando as concessões do período populista. É seu contraponto, a ordem inversa.

Neoliberalismo e anarco-sindicalismo negam o estado, cada qual em uma direção. Os neoliberais desejam um estado administrador de suas riquezas, sem outras preocupações. Os trabalhadores desejavam uma sociedade que não lhes extraísse do suor o sustento de uma estrutura repressiva voltada contra eles mesmos.

O fator da independência de classe, que negava o estado, é uma das várias etapas desse enfrentamento. E diversas são as forças em jogo, que se modificam e que atuam em meio a múltiplas pressões, de diferente intensidade. A penalização pelo degredo - deportação - ao primeiro colonizador do território, quase quatro séculos após se utilizaria contra os militantes operários, como método repressivo. As práticas da classe dominante, tão distantes historicamente, são apenas traços dos seus métodos autoritários de preservação do modelo de classes estanques.

Se os neoliberais negam o estado na promoção humana, desejando-o apenas como instrumento de defesa dos interesses empresariais, tem atualidade este relato de um tempo da negação do estado pelas classes subalternas - identificando-o como um instrumento de defesa dos interesses patronais. A resposta viria com a incorporação do contingente operário pelo estado, mas para manipulá-lo e preservar o modelo social dos privilégios - impedindo seu colapso.

O despertar do século

Com a formação da classe operária, que se densifica no despertar do século XX em uma grande empresa, a Docas, vão se alterar as relações de um lado e de outro, ambos introduzidos no cenário santista: os patrões vêm do Rio de Janeiro, mandando para cá apenas seus feitores; os trabalhadores vêm da Europa, em busca da ascensão social. Novas disputas econômicas se incorporam nessa convivência recheada de conflitos, marginal ao universo das elites, voltada aos seus interesses próprios e "de costas" para o porto, para a "turba" operária.

Os trabalhadores chegam de uma Europa conturbada pela luta operária, da qual a maioria não participou, pois que egressa da área rural. Mas aqui encontram um território fértil em contradições, em que se expandem as teses "exóticas", como vão denominar as elites aqui à proposta anarquista. Que não é mais do que a resposta aos maus-tratos da exploração social violenta. APontando para a greve geral revolucionária como forma de liquidação desse cruel processo de dominação, que vai alterar seus métodos como forma de permanecer.

O destaque desse movimento, que atuou com metas na superação dos códigos morais das relações de produção, é menos os fins atingidos, que foram a afirmação dos direitos sociais. É mais suas características associativas, seus métodos de disseminação ideológica e reivindicativa.

Três séculos com trabalhadores cativos haviam criado um status patronal, que não foi derrubado pela lei mas por um extenso processo de desgaste -, que não caracterizou uma ruptura. Esse movimento aqui registrado vem como lição no impacto do refluxo do movimento operário hoje, aniquilado e incapaz de responder às investidas patronais, cupulista e centralizador.

Na Abolição, o estado interferiu pela primeira vez nas relações de produção, um "crime" para os "liberais" da época que impunham suas teses sociais. Era algo assim como repudiar um massacre policial hoje, na época fato rotineiro e aceitável para as elites.

Por longo período, considerou-se suficiente deixar a questão social estabelecida "naturalmente" através dos conflitos desiguais entre os trabalhadores e o patronato. Atendendo "apenas" os pedidos de repressão, a serviço dos interesses dos donos do estado. Era impróprio estabelecer regimes de trabalho, respeitando a posição dos "liberais".

Trabalho livre x trabalho escravo

Do ponto de vista do capitalismo, a diferença entre o trabalho escravo e o livre representava apenas a variação entre modalidades de investimento em mão-de-obra, nunca a negação do supremo direito privado de determinar a forma de locação da força de trabalho. Para transformar esse código moral, era preciso unir para a resistência - e foi o que se fez.

Desse processo nasce um sindicalismo legitimado apenas por usas bases sociais, sem nenhuma garantia ou privilégio. Garantido apenas pela base conquistada através do esclarecimento de uma ação cultural e de uma imprensa ativa e continuada.

Esse sindicalismo e essa imprensa eram proibidos, rejeitados, por ousar contestar o modelo de dominação, em uma época em que a Igreja ensinava "obediência". Sua única função é organizar para a luta e nisso cultiva seu privilégio. Repressão, desemprego, deportações e torturas não foram suficientes para abatê-lo. Mas a República de Vargas utilizou mais, misturando concessões e controle com manobras legais, reforçando a verticalidade social, a ótica da cominação. Depois, a repressão, como sempre.

Como método, o movimento operário das primeiras décadas do século XX utilizou anarco-sindicalismo, instrumento de combate. Estaríamos diante da clareza sobre sua modernidade, na sua forma de direção sindical? De suas deliberações coletivas e da atuação permanente de seus sindicatos, como fruto das direções renovadas a cada assembléia - ao invés da perpetuação da burocracia dos dirigentes profissionais?

Este é um sintoma fundamental dessa fase histórica, que garante sua expressão atual. São problemas que atravancam o sindicalismo hoje e que impedem, graças ao cupulismo, sua expressão como organização popular.

Entre uma fase e outra, entretanto, não pode haver uma comparação mecânica, pois entram em ação ingredientes sobre os quais a classe subalterna não tem controle. Atuam fatores diversos, como os mecanismos de propaganda sob controle das elites dominantes, que se ampliaram cobrindo o espaço de atuação da imprensa engajada na luta social, abalando sua eficiência. Rádio, cinema, televisão, jornais que se expandem, ao reverso da imprensa operária, que será vítima do processo de "domesticação" sindical que virá.

Essa atuação do que se chamará "mídia" abrirá novas perspectivas na população, que não são, é claro, de seu interesse - mas dos veículos da burguesia, dos patrocinadores. E isto produzirá a retração do sistema associativo e a disseminação ideológica transformadora, modificação estrutural para a qual foi decisiva a política sindical introduzida pela "República Nova" de Vargas.

Ass greves de 1917/18, a Revolução Russa e o Tratado de Versailles estavam mudando, a partir dos anos 20, a ótica trabalhista no plano legal. Surgia um "Direito do Trabalho", substituindo a "Locação de serviços", inscrita apenas no Código Civil - quando se dizia que a questão social no Brasil era "caso de polícia", por isso. Fazendo legislações "para inglês ver", que não tinham fiscalização para seu cumprimento. O pacto liberal vai ceder às pressões e exigências, concedendo inúmeras reivindicações após essas greves - como a jornada de 8 horas.

A "República Nova" de Vargas introduzirá um cenário de "colaboração de classes". Inovador, porque incorpora o proletariado na ação política e o utiliza para permanência no poder, ampliando sua base social para além das oligarquias. Em que os únicos que ganham são as elites, na nova estrutura econômica que moderniza o universo social. Com isso salvando o sistema de dominação em crise.

A Revolução de 1930

Foi uma das elites à organização operária descrita. E teve papel predominante o momento histórico brasileiro da chamada Revolução de 30. Momento em que o processo histórico mundial indicava a necessidade de superação do conflito operário, que impunha perdas econômicas. Em cada país, esse controle ocorreu de uma maneira diversa.

No Brasil, o fenômeno se processou através do controle da organização operária, na inspiração fascista vigente, ao final do nosso período. Absorvendo suas energias, instrumentalizando-o como sustentação do modelo institucional dos privilégios.

Já sob a direção dos comunistas, em 1935, cerca de 400 sindicatos operários, que recusavam a adesão ao sindicalismo oficial, se somam à Aliança Nacional Libertadora e promovem uma tentativa revolucionária centralizada, cupulista, em 1935 - fracassada -, a que o movimento operário massivo não conseguira operar. E que desencadeia uma onda repressiva cujo ápice é o golpe do "Estado Novo", em agosto de 1937.

No plano internacional, a derrota dos defensores da democracia operária - na transformação social de 1917 na Rússia, quando se tomou o estado e se abandonou a política do "todo poder aos sovietes", instaurando a visão das "vanguardas operárias" ao invés do poder dos sindicatos - recentralizou o processo revolucionário naquele país.

A adoção do centralismo político aniquilou o eixo fundamental da transformação social - em que a descentralização era a base da reversão do sistema de dominação das elites. O processo revolucionário mundial vai sofrer, a partir dos anos 20, essa irradiação - que inverteu o resgate das massas na caminhada revolucionária.

Por outro lado, o país sofria, em 1930, a introdução do que se convencionou chamar de "populismo", estabelecendo uma legislação social que gravava na lei direitos elementares dos trabalhadores, mas estabelecia o controle. Os prejuízos sociais decorrentes desse engessamento político das grandes massas, resultante da imposição do sindicalismo oficial nessa época.

Esse processo foi a determinante indubitável do atraso social que vive o país. Na continuidade de um processo de dominação que sobrevive desde a colonização, atravessou a Independência, a Abolição e a República - com a vitória das forças dominantes.

A ausência de ruptura do modelo político, conseguida através de bem elaborados métodos de controle social pelas elites, gerou um quadro atípico no mundo. Em que o Brasil é "campeão" universal em todas as taxas sociais negativas, da distribuição de renda à concentração da terra, do analfabetismo aos acidentes de trabalho, em assassinato de crianças, em violência policial, atropelamentos com automóveis e acidentes rodoviários, entre outros tantos. Fruto de seu atraso social.

Foram trágicos os efeitos destas transições sempre pactuadas, em um país de extensão territorial e populacional equivalente aos grandes do planeta. Seu fruto foi a perenização das infrações aos direitos das maiorias.

O sindicalismo corporativo dos anos 30 afastou as "ideologias exóticas" e seus militantes, em um processo que seria objeto de atenção até meados do século XX, na perspectiva de afastar os imigrantes da luta operária - o que se fará na lei dos 2/3 - já perto da quarta década do século XX.

Todo o esforço dessa restauração do poder das elites é voltado ao aniquilamento do sindicalismo livre e da reversão de seu processo organizativo, aqui retratado. E que merece ser compreendido em cada etapa, para compreensão do processo social e sua resolução.

70 anos

Transcorridos quase 70 anos (N.E.: em 1996, quando o original deste livro foi escrito) do final do período da primeira mobilização do contingente operário assalariado no Brasil, nesta incursão histórica que o resgata factualmente, desde a época do nascimento da articulação operária em Santos, destacamos a imprensa operária e a ação cultural como elementos vitais dessa caminhada reivindicatória. Que plantou os capítulos iniciais da instalação de princípios de justiça na relação capital x trabalho.

No momento em que a tecnologia, nas mãos do patronato, aprofunda as distorções no modelo capitalista, gerando desemprego e a maxi-exploração - decorrente da disputa pelo engajamento no trabalho, reafirmando a vanguarda do movimento operário descrito - está registrada esta análise. Da necessidade de colocar nas mãos do proletariado a direção da sociedade, para que as novas técnicas sirvam à felicidade humana e não ao lucro.

No registro das raízes revolucionárias de Santos desde sua origem como comunidade, anterior à fundação oficial, ratificamos a importância deste estudo como estratégia de regeneração social - em que as maiorias tenham seus justos espaços na sociedade. Esta é a busca inédita da história local dos explorados e oprimidos de ontem, que alteraram a face escravagista de uma sociedade, que a lei não conseguiu fazer evoluir.

Esse trabalho de união para a reivindicação foi obra de um sindicalismo autônomo, auto-organizado, que sobreviveu a ataques e combates, fortalecendo-se diante das adversidades. Foi o único desta natureza que o Brasil conheceu. Sobre ele interveio o poder das elites, impedindo seu avanço. E a consumação dos objetivos delineados em sua ação de propaganda, através dos jornais, além de reivindicativa também ideológica.

Esta ação operária propôs um modelo social baseado na fraternidade e na solidariedade, igualitário, sob a direção dos trabalhadores. Idéias chamadas "venenosas" no passado, constituindo um ideal de futuro, inexorável na história da humanidade que o resgatará.

No processo de construção da sociedade humana, de uma organização social voltada não para a acumulação irracional, mas para a felicidade, não para os privilégios e desperdícios mas para o igualitarismo livre dos falsos valores, a proposta de uma estrutura social horizontal, feita pelos trabalhadores de ontem, tem significado vanguardista. Pressupondo um mínimo de autoridade, que faça respeitar o indivíduo como unidade essencial do universo. Para isso, a organização popular é imprescindível. Aqui, tentamos resgatar esta caminhada.

O processo histórico não poderá ser barrado, apenas adiado à custa de retrocessos e prejuízos, que não podem aniquilar seu futuro. Um povo não pode modificar seu futuro sem repensar seu passado. Procurando contribuir nesse processo, fica aqui este registro de uma caminhada, acelerada e registrada pelo papel da imprensa.

FIM