Santos Libertária!

Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE II - A imprensa da Barcelona Brasileira

Capítulo V - Os jornais militantes

A imprensa operária no Brasil

A publicação de periódicos como meio de organizar e promover a luta operária por uma vida melhor, na fase inicial do enfrentamento com o patronato, é um marcante registro de sua vitalidade. E é através dela que se pode contar a história destes primeiros passos da classe trabalhadora assalariada em Santos, onde se iniciou no país esta caminhada reivindicatória. Reafirmando o fato de ser a imprensa um fator de organização social.

O mais antigo órgão debatedor das questões sociais surgiu em 1845, pelas mãos do médico Benoit Jules-Mure, seguidor do pensamento de Fourier [1]. O primeiro veículo identificado com a causa do proletariado, mas originário da sua própria organização, foi O Proletário - surgido no Recife em 1847. O jornal dos gráficos seria fundado nesta cidade em 1858, chamado Jornal dos Tipógrafos [2].

A presença do trabalhador imigrante é marcada pela fundação do jornal La Giustizia, em 1879, por Luigi Scharone, em São Paulo - no mesmo ano em que em Santos surge o primeiro órgão da imprensa operária, O Caixeiro. La Giustizia era editado em italiano e descrevia as miseráveis condições de vida aqui encontradas pelos imigrantes.

O lançamento do jornal L'Avenire em São Paulo, em 1893 [3], dirigido por Alfredo Casini, marca o início da imprensa bilíngüe - era publicado em italiano e português, visando atingir a cada vez maior comunidade italiana que imigrava para a cidade. Outros exemplos deste tipo de imprensa, largamente posto em prática no país, são O Amigo do Povo, A Lanterna e O Socialista. Este, fundado em 1886 em São Paulo, logo passaria a circular também em alemão, espanhol e italiano. E o La Barricata, de 1903, editado pelo heróico militante anarquista Gigi Damiani [4].

Em Santos, encontraremos o jornal A Questão Social circulando com colunas em italiano e em francês. Havia também os jornais que circulavam em cadeia, como El Grito del Pueblo, fundado por imigrantes espanhóis, circulando simultaneamente em São Paulo e Curitiba. O jornal La Scure, fundado pelo gráfico Alceste D'Ambrys (editor do jornal socialista Avanti! e que esteve em Santos ) circulava no Rio e em São Paulo.

De 1890 a 1920, surgiram 343 títulos espalhados pelo território brasileiro. Deste total, 149 eram de São Paulo, 35% destes em idioma estrangeiro. Dos 149 jornais de São Paulo, apenas 22 encontravam-se fora da capital, enquanto no Rio de Janeiro, dos 100 títulos publicados, apenas 7 faziam-se fora da sede administrativa da federação. Havia 94 jornais espalhados por outros estados, destacando-se o Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Minas Gerais e Alagoas.

Para melhor visualizar a distribuição da imprensa operária pelo Brasil, veja o gráfico a seguir [5]:

Imagem publicada com o texto

Dos 343 títulos encontrados nesse período, 60 eram editados em idiomas estrangeiros - sendo 1 em alemão, 4 em espanhol e 55 em italiano.

Dos jornais editados em língua estrangeira, 563 estavam em São Paulo, 3 no RIo de Janeiro e 4 em outros estados. São Paulo tinha 88,3% da imprensa em língua estrangeira no Brasil, enquanto que o Rio de Janeiro tinha 5,1% e os outros estados estavam com 6,6%.

Jornais editados em idioma estrangeiro [6]

Jornais editados em português no estado do Rio de Janeiro [7]

Jornais editados em português em outros estados [8]

Há uma possível equivalência no surgimento de novos jornais e a ocorrência de greves, que se demonstram como fatores conjugados que levam a concluir que eram estes veículos, efetivamente, pólos de mobilização. Observa-se a alternância entre as mobilizações práticas - as greves e as manifestações - e as teóricas, caracterizadas pelos veículos impressos. Nos períodos mais ativos da organização operária, havia uma retração dos jornais, por estarem as lideranças ocupadas com o movimento [9].

Quando não há greve, não surgem jornais, o que é justificado pois se o jornal for compreendido como instrumento da teoria, isto é, da doutrinação, evidentemente que nos momentos da ação concreta - a greve - a produção teórica sofria um processo de retração. Há, no entanto, boletins de greve.

Nos períodos de greves e mobilizações coletivas, era comum o surgimento de boletins, panfletos e manifestos, assim como era costumeira a publicação diária de órgãos porta-vozes das estruturas sindicais bem organizadas. Estes veículos, ao invés de se retraírem, publicavam edições além de sua periodicidade semanal, quinzenal ou mensal.

Os jornais operários não tiveram grande regularidade e poucos foram os que conseguiram sobreviver por um período relativamente longo. Chama a atenção nestes veículos a não existência do repórter, do profissional da notícia. As "salas de redação" - locais onde eram produzidos os jornais - recebiam um farto material sobre o movimento operário e notícias afins, o que demonstra haver uma ligação bastante integrada entre público e jornal. Era grande a quantidade, recebida por estes órgãos, de cartas pessoais, relatórios sindicais, notícias etc.

Nestes veículos, geralmente de formato tablóide, destaca-se a ausência de publicidade, exceção em alguns órgãos, o que obrigava o jornal a viver da contribuição dos trabalhadores e seus minguados salários ou dos sindicatos [10].

Greves e jornais [11]

Imagem publicada com o texto

Quando existe o anúncio de um produto, a publicidade aparece com recomendações da própria redação, dando um caráter de escolha política. A revista A Aurora, de Santos (1907), traz um anúncio de um alfaiate que, perseguido pela polícia, pede apoio e serviços. Campanhas de boicote também eram comuns, principalmente quando a empresa responsável estava em litígio com os operários [12].

O tratamento noticioso dos jornais operários tem um caráter processual, recuperando e analisando os fatos, com grande teor opinativo. Grande espaço é ocupado por textos e conferências, o que destaca o seu papel não meramente noticioso. As charges, raras no início do período em estudo, depois assumem papel importante na mensagem jornalística. Observa-se também a preocupação em tomar todo o espaço da página, sem espaços brancos - esta uma técnica de diagramação moderna.

O tamanho do jornal era, geralmente, uma folha dupla - ou seja, quatro páginas -. Entretanto, esse mesmo veículo podia sair com dezesseis páginas. Era o material editado o que determinava o tamanho da edição.

Jornais em português editados em São Paulo

É a partir da relação abaixo, dos jornais editados em nosso estado, que iniciamos a pesquisa de localização dos órgãos da imprensa operária santista no Arquivo Edgar Leuenroth - Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas -, Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio (em Santos), entre outros trabalhos. Os veículos editados aqui na cidade estão sublinhados, destacando-se cada um deles para que possamos após fazer observações acerca desse levantamento.

São os seguintes os jornais editados em São Paulo [13]:

A imprensa operária na literatura

A partir da relação publicada no livro de Maria Nazareth Ferreira, em contato com outras fontes de pesquisa, obtivemos as seguintes conclusões sobre os jornais citados nesta obra, relacionados de acordo com o número e o ano indicados no livro como o da edição dos órgãos de imprensa:

Nº 7 - Jornal do Operário - 1892

Foi invertida a colocação na lista com o jornal situado anteriormente, intitulado O Operário e atribuído como de São Paulo. Na verdade, o jornal santista editado em 1892 é O Operário. O Jornal do Operário ou Jornal Operário é o "órgão defensor das classes trabalhadoras", cujos editores são o professor Roldão de Barros e Isidoro Diego, só que editado em 1905 [14].

Nº 9 - A Questão Social - 1895

Está correta a colocação. Encontramo-lo no Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, sem ser microfilmado e próximo da dissolução do papel. Também pudemos encontrá-lo na Biblioteca da Sociedade Humanitária, onde o fotografamos.

Nº 15 - União Operária - 1899

A entidade Sociedade União Operária foi fundada em 1890 e o jornal surgiu em 1891, estando portanto incorreta a informação. Maran cita um jornal homônimo em 1904, no Rio de Janeiro [15].

Nº 31 - O Dois de Fevereiro - 1905

Na citada relação não consta o nome dos editores, que são Theotonio Mascarenhas Passos e Cesar Dantas Bacellar. Também a entidade que o tem como porta-voz não é citada - a Sociedade Beneficente Dois de Fevereiro [16].

Nº 44 - A Aurora - 1907

A referência que encontramos no Arquivo Edgar Leuenroth, na Unicamp, deste órgão citado na relação de Maria Nazareth como editado por Luiz Lascala (o correto é La Scala) e Elidio (o correto é Eládio) Antunha, é um exemplar por nós fotografado, assinado por Santos Júnior e sem relação com o trabalho desenvolvido na época por aqueles militantes. Presume-se que seja um veículo homônimo, sendo este da capital por seu endereço de redação (Rua Westphalla, 1.207). Não confundir com A Aurora Social. Estava no original.

Nº 46 - Tribuna Operária - 1909

Na relação consta como sendo editado pela União dos Operários, que é a Sociedade Internacional União dos Operários. No livro de Maran [17], consta uma Tribuna Operária no Rio de Janeiro, em 1900. O trabalho de Lucia Gitahy confirma o ano e o nome do editor oferecido por Nazareth Ferreira, acrescido do prenome colocado. O exemplar por nós fotografado estava na Unicamp, tendo sido enviado a Holanda (Amsterdam) e resgatado. É o número especial de aniversário, de 1º de Maio de 1909. Estava microfilmado.

Nº 50 - A Revolta - 1911

Este órgão dirigido por Florentino de Carvalho, conforme consta da citada relação, pudemos fotografar no livro 1º de Maio, cem anos de luta, onde consta o nome de Maurício Andrade como editor. Foi trocado pelo jornal inscrito com o número 64 da relação, este com o nome correto do editor Maurício de Andrade, mas atribuído a São Paulo como local de edição.

Nº 53 - A Dor Humana - 1911

A única referência encontrada foi a da citada relação.

Nº 54 -  Aurora Social - 1911

O ano citado na relação de Maria Nazareth Ferreira está incorreto, pois o exemplar microfilmado existente no Arquivo Edgar Leuenroth - e que fotografamos - é do terceiro aniversário de fundação da Federação Operária. Portanto, se a entidade foi fundada em 19/7/1907, este exemplar é de 1910, o único localizado. Também da relação não consta o editor, acima enunciado.

Nº 71 - A Razão - 1919

Retiramos este jornal de nossa relação de jornais santistas do movimento operário, em virtude de ser esta relação a única fonte que indica sua edição na cidade, onde o nome de seu editor - Francisco Sá - não é atuante. Leslie Maran [18] cita o jornal A Razão como sendo do RIo de Janeiro, editado entre 1916 e 1921.

Imprensa operária na história de Santos

No levantamento dos órgãos de imprensa editados em Santos publicado no livro de Olao Rodrigues, os jornais considerados como vinculados à causa dos trabalhadores têm alguns dados diferenciados das demais fontes. É possível encontrar algumas incorreções e, ao mesmo tempo, acrescentar novos títulos e informações ao nosso trabalho a respeito de órgãos citados em outros veículos.

O jornal A Metralha [19], por exemplo, é citado como editado em 1896 como veículo das poesias de Martins Fontes. De acordo com Maria Nazareth Ferreira [20], informação que consideramos correta, este órgão foi publicado em 1882, sendo o segundo de tendência trabalhista editado em Santos - já que nosso estudo considerou o jornal O Caixeiro, de 1879, como a primeira manifestação de organização proletária.

Nessa obra, em que também encontramos referências ao jornal O Tipógrafo, de 1885 - e que incluímos em nossa relação -, também pesquisamos o jornal O Operário, que confirma seu ano de edição (1892) e, entre outros dados, traz seu logotipo, que fotografamos [21].

A nossa lista se acrescenta o jornal A Ação Social, a partir deste livro, também editado em 1892 [22]. Sobre o registro de um jornal intitulado O Caixeiro em 1890, dirigido por Alfredo Ramirez Esquivel [23], frisando que se trata de um diretor da Humanitária, consideramos que se trata do mesmo órgão por nós relacionado como o primeiro da imprensa operária santista, em 1879.

Após o surgimento do jornal A Tribuna do Povo em Santos, em 1894 [24], órgão da grande imprensa não incluído neste estudo, em 1895 surge A Questão Social [25], confirmando dados que obtivemos na pesquisa em fonte primária.

O jornal A Greve também foi incluído em nossa relação a partir deste livro [26], surgido em 1897. A Vanguarda, de 1907, confirma o ano de sua edição [27], apenas omitindo-se aqui o nome de Benjamim Motta, registrado por Lucia Gitahy, atribuindo-se a sua edição apenas a Silvino Martins.

A Evolução, descreve esta obra analisada, surge em 1882, dado que consideramos para a cronologia dos órgãos da imprensa operária nesta obra [28]. O Proletário [29] também coincide com outras fontes que atribuem seu surgimento em 1911, assim como da Gazeta do Povo, de 1917, onde coletamos dados para análise deste veículo, conjuntamente com a fonte primária [30], na biblioteca da Sociedade Humanitária.

Foi a partir deste livro de Olao Rodrigues que incluímos em nossa relação alguns títulos, apesar de não encontrarmos sobre eles outras citações nas demais fontes. Como O Mutualista [31] de 1923, e o Ação Operária [32], de 1925. O jornal A Praça de Santos [33] foi incluído em nossa relação, apesar de não ser um órgão da imprensa dos trabalhadores, mas servir de veículo a manifestações de grupos a ela vinculados.

Encontramos citações sobre a presença dessas manifestações em Foster Dulles [34] e analisamos o jornal através das informações de Olao Rodrigues [35].

Não sendo uma obra histórica e sim de levantamento dos órgãos de imprensa publicados na cidade, sem preocupação com rigor histórico, com dados limitados à feição jornalística, o livro de Olao Rodrigues é uma cobertura local, com proximidade dos fatos analisados. Estabelecemos pois as hipóteses lançadas pelos veículos, oferecendo os dados para conclusão.

Notas:

[1] O jornal é o Socialista da Província do Rio de Janeiro. Benoit Jules-Mure é o introdutor da homeopatia no Brasil.

[2] FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa operária no Brasil/1880-1920, p. 93.

[3] Idem, ibidem, p. 93.

[4] Idem, ibidem, p. 103.

[5] FERREIRA, op. cit., p. 89.

[6] FERREIRA, op. cit., p. 91/3.

[7] FERREIRA, op. cit., p. 97/9.

[8] FERREIRA, op. cit., p. 99/102. Por serem em menor número, os jornais operários em português editados em outros estados estão relacionados conjuntamente.

[9] FERREIRA, op. cit., p. 106

[10] FERREIRA, op. cit., p. 106/7

[11] FERREIRA, op. cit., p. 107

[12] Vide análise do jornal A Aurora.

[13] FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil, 1880-1920, p. 94/5. Para efeito desta análise, consideramos jornais operários não só aqueles editados por trabalhadores e/ou organismos sindicais, mas também os de ideologia socialista, defensores da proposta de direção da sociedade pelos produtores, como chamavam na época ao proletariado.

[14] FERREIRA, op. cit., p. 153 - item 33.

[15] MARAN, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e movimento operário brasileiro/1890-1920, p. 179.

[16] GITAHY, Maria Lúcia Caira. Os trabalhadores do porto de Santos/1889-1910, p.78.

[17] MARAN, op. cit., p. 179.

[18] MARAN, op. cit., p. 179.

[19] RODRIGUES, Olao. História da Imprensa de Santos, p. 96.

[20] FERREIRA, op. cit., p. 94

[21] RODRIGUES, op. cit., p. 68/9.

[22] Ibidem, op. cit., p. 68.

[23] Ibidem, op. cit., p. 37

[24] Pretendemos incluir este jornal neste estudo, futuramente.

[25] RODRIGUES, op. cit., p. 92.

[26] Ibidem, op. cit., p. 100.

[27] Ibidem, op. cit., p. 112

[28] RODRIGUES, op. cit., p. 41.

[29] Ibidem, op. cit., p. 113.

[30] Ibidem, op. cit., p. 115.

[31] Ibidem, op. cit., p. 124.

[32] Ibidem, op. cit., p. 125.

[33] Ibidem, op. cit., p. 125.

[34] DULLES, J.W. Foster. Anarquistas e comunistas no Brasil. 1900/1935, p. 292.

[35] RODRIGUES, op. cit.,  p. 125.