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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (12)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

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Santos Libertária!

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Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE II - A imprensa da Barcelona Brasileira

Capítulo III - Ideologia operária

Anarco-sindicalismo

As determinantes étnicas e econômicas, como vimos, indicaram para os sindicalistas santistas o caminho radical da independência de classe, ideologicamente expressa pelo anarco-sindicalismo, aqui com a maior expressão do País.

Segundo os teóricos desta tendência surgida na França e irradiada para a Europa, a partir de 1890, na proposta de direção da sociedade pelos sindicatos e federações livres está a adaptação do anarquismo às necessidades da civilização moderna, disseminada e expandida pelo colonialismo, aniquilando as formas de vida original.

Nascido no mutualismo de Pierre-Joseph Proudhon, o anarquismo passaria por expressões individualistas e pelo coletivismo de Bakunin. Estruturando-se, como ideologia das massas operárias, no anarco-sindicalismo.

Evoluindo o pensamento anarquista, os socialistas-libertários, como iriam se denominar os anarquistas a partir do racha da Associação Internacional dos Trabalhadores, no encontro de 1868, concluíam que a mecanização e a industrialização conduziam ao desemprego somente quando controlado pelo capitalismo e a serviço de seus lucros. Quando colocada a serviço da humanidade, sob controle dos trabalhadores organizados, a mecanização seria instrumento de progresso.

Os anarco-sindicalistas eram defensores de entidades livres de burocracias e dos dirigentes profissionais, assim como da greve geral revolucionária. Era esse o supremo instrumento estratégico. Teóricos do anarco-sindicalismo como Daniel Guerin - em seu livro Anarquismo, da doutrina à ação - escreve que o anarco-sindicalismo "é a expressão máxima do anarquismo".

O método sindical também denominado "sindicalismo revolucionário" teve como primeiros incentivadores o francês Fernand Pelloutier, que foi responsável pela entrada de sua prática nos sindicatos. E Pierre Monate, também francês, que polemizou com o teórico e militantes anarquista italiano Enrico Malatesta - militante na Argentina -, que considerava inadequada essa proposta de destruição da sociedade capitalista.

Deliberada pelo Congresso Operário Brasileiro de 1906, no Rio de Janeiro, ensaiada no Brasil desde 1902, a postura anarco-sindicalista - lá defendida pelo líder do sindicato dos pedreiros de Santos, Luiz La Scala -, foi "denunciada" pelo líder reformista Pinto Machado, o articulador do encontro, como a "cidadela do anarquismo". É esta postura que desloca os socialistas reformistas da organização operária. A definição teórica da possibilidade de eliminação do Estado e sua substituição por organizações de trabalhadores, apontando para a liquidação da burguesia e dos "parasitas" - os representantes parlamentares -, exército, polícias e igrejas.

Segundo os anarco-sindicalistas, é no enfrentamento que o operário adquire a consciência de classe, pela própria experiência. É um conceito de maturidade frente a outro de infantilismo. Como diz o jornal anarquista A Terra Livre ("o homem livre sobre a terra livre", na expressão libertária), em novembro de 1906, atinge-se nessa batalha a expropriação revolucionária dos meios de produção - que resultará das greves.

Os sindicatos que adotaram o anarco-sindicalismo como postura não tinham cargos de direção ou de mando, que se renovavam nas assembléias - delegando-se incumbências. É considerado como uma fissura no dogma anarquista de anteposição a qualquer forma organizativa, pois admite os sindicatos como forma de associação.

Mas a proposta anarco-sindicalista justifica-se no sentido de que a meta da liquidação dos opressores é o fim ao qual marcha a humanidade, através de suas organizações de trabalhadores - livres da estrutura "pesada", como a chamam, das diretorias e presidentes. A vitalidade da entidade está em agir constantemente, o que se torna possível com essa estrutura.

A entidade declaradamente anarco-sindicalista que surgirá é a Federação Operária Local de Santos (FOLS), em julho de 1907. É a primeira manifestação anarco-sindicalista de Santos, supondo-se que pela linguagem dos documentos da Sociedade Primeiro de Maio, de 1904, esta também adotasse a mesma postura, anteriormente. Não fazendo concessões nem buscando alianças, organizando para o enfrentamento. A FOLS surge como um racha da SIUO, em que o líder dos pedreiros Luiz La Scala e Eládio Antunha (que, curiosamente, são brasileiros) clamam em uma assembléia por uma entidade sem estruturas verticais.

Há uma briga entre a FOLS e a SIUO, em 1908, por conta do envio de meninas da escola da primeira entidade para um "desfile patriótico" promovido pelo "rico capitalista" Júlio Conceição. A alegação é a distância que o socialista-reformista Júlio Conceição mantém da Primeiro de Maio.

A ação anarco-sindicalista tem dois lados, pois se enfrenta diretamente o patronato e arranca as reivindicações, por outro não as consagra na lei, o que faziam os reformistas cariocas com seus "partidos operários" desde há muito.

Os reformistas santistas

Inimigos das greves e das ações violentas, partidários da transformação pelo voto, os reformistas sempre tiveram seu tempo e seu lugar na política brasileira, incursionando sobre o movimento operário nestes tempos. Em Santos, ainda no século XIX, surgem os socialistas reformistas, antigos abolicionistas, como Silvério Fontes. Que lança, junto com Sóter de Araújo e Carlos Escobar, o Manifesto Socialista ao povo brasileiro, em fevereiro de 1889. E fundam o Centro Socialista de Santos, em 1895. Em 1892, havia surgido o Partido Operário, de Benedito Ramos. Essas entidades se reunirão em 1896 à Sociedade União Operária, entidade mutualista de 1891, para fundar o Partido Operário-Socialista de Santos.

O socialismo santista já é citado nos relatórios para o congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1896. Seu principal personagem, Silvério Fontes, foi considerado pelo militantes Astrogildo Pereira - fundador do PCB em 1922 -, como "o pioneiro do marxismo no Brasil". Pertence a um período de transição entre o mutualismo e o socialismo acadêmico, dos setores intelectuais progressistas restritos a setores da elite - engajados na batalha abolicionista e dela evoluindo para uma formulação social.

O Partido Operário edita o jornal O Operário, defendendo a instituição de cooperativas. O Centro Socialista edita A Questão Social. Entretanto, apesar de socialistas, estes agrupamentos não têm penetração no meio trabalhador, circunscrevendo-se aos círculos acadêmicos e elitistas, em sua pregação ideológica. Criada pelos mestres da construção civil, a SUO é destinada a dar educação aos filhos dos operários e existe até hoje.

Na greve geral de 1891, como personagem da negociação com a Docas surge o líder reformista tenente Augusto Vinhaes, presidente do Partido Operário do Rio de Janeiro. Termina por ajudar os grevistas e, em discussão com o líder dos krumiros fura-greves (ex-escravos) Quintino de Lacerda, é expulso da cidade a pedido deste. Amigo do presidente Deodoro da Fonseca, Vinhaes foi deputado federal de 1890 a 1893 e sua base eram os trabalhadores da Central do Brasil, onde organizou uma greve.

O ideário reformista nunca prosperou aqui entre os imigrantes. Inclusive por serem estrangeiros e analfabetos, não são sujeitos à inscrição eleitoral - o que resulta na conformação de um outro projeto de enfrentamento, construindo o período de "resistência".

No ano da fundação do POSS, que teve duração efêmera, o relatório à Associação Internacional dos Trabalhadores - da Associação dos Trabalhadores Alemães de São Paulo - escreve que essas entidades "...não podem ser consideradas como verdadeiras associações operárias, apesar de seus líderes, saídos da burguesia esclarecida, se esforçarem por difundir idéias socialistas no povo". E se credencia como "a única associação social-democrata de São Paulo".

Nomes como Carlos Escobar, Salles Braga e Júlio Conceição militam ao lado de Silvério Fontes. No livro de A. Hamon, Le socialisme et le congrés de Londres, de 1897 e editado em Paris, aparece a seguinte menção: "...existe em Santos uma união operária e um partido operário que são sociais-democratas", dizendo-os influenciados por Benoit-Malon, um teórico socialista, "que o senhor Magalhães Lima divulgou nessas regiões". E cita como militantes, além de Silvério Fontes, Sóter de Araújo, Carlos Escobar, Esperidião de Medicis, Mariano Garcia e Benedito Ramos.

Mesmo após a Abolição, a grande massa da população permaneceria marginalizada do processo político, dominado pelas elites. A lei do sufrágio direto de 1881 excluiu os analfabetos. E a exigência de prova de renda, no "voto censitário", dificultava mais ainda o alistamento eleitoral. A nova lei reduziu o eleitorado de mais de um milhão de votantes para menos de 150 mil, a oitava parte do que havia em 1874 - menos de 1,5% dos habitantes do País, cerca de 10 milhões em 1881. Essa percentagem baixava para menos de um centésimo, já que nem metade do corpo eleitoral comparecia às urnas.

No caso dos trabalhadores imigrantes, a quase totalidade da mão-de-obra santista, as ações dos grupos "amarelos" tiveram expressão, as que tentavam atrelar ao parlamento as causas do proletariado. Em 1905, há registro do surgimento de uma Sociedade Progresso dos Trabalhadores Brasileiros, que tenta dividir o movimento sob a questão étnica e racial, sem sucesso.

Após as greves intensas de 1917/1918, abre-se um período de concessões legais, instituindo-se órgãos de amparo aos trabalhadores, na tentativa de impor o controle. Em 1917, o deputado socialista reformista Maurício de Lacerda havia colocado no parlamento federal uma síntese das reivindicações operárias, sendo por isso preso e torturado, acusado de "bolchevista", em 1919. Elas reuniam a essência das reivindicações de décadas. Agora, as concessões começam a frutificar, notadamente entre os funcionários das estatais.

Em 1923, colocado na ilegalidade desde a fundação no ano anterior, o Partido Comunista do Brasil entra nos sindicatos com a proposta de "ação indireta", via parlamentar, criando células entre os marítimos.

A natureza do componente imigrante indicou no sentido de que não prosperassem aqui os "amarelos", após a introdução desse componente, formulando antepostos ao papel do Estado, considerando-o agente patronal e de opressão e propondo sua substituição por uma federação sindical. Disse Leuenroth que "é impossível se curar uma doença mantendo-se o órgão que a produz". E esse órgão é o Estado.

Os movimentos sociais tenentistas de 1922 e 1924 oferecem outro contorno na batalha pela renovação das práticas sociais oligárquicas, que se perpetua no poder através de fraudes eleitorais, reprimindo os movimentos sociais dos trabalhadores.

Na classe dominante, já surgem os defensores da "humanização" do tratamento à classe trabalhadora. Mesmo porque é a única saída para uma burguesia acuada pelas pressões reivindicatórias. E também pelas pressões internacionais do pós-guerra.

Este é o tempo das legislações trabalhistas "para inglês ver" - daí nasce a expressão -, que não têm uso interno. Pertencem ao universo das "coisas da diplomacia". É preciso que se defenda uma nova ordem social que garanta os sistemas de poder instalados. Para que não fossem abalados por revoluções populares como a soviética, em que os trabalhadores tinham tomado o poder.

Os reformistas foram marginalizados do movimento operário na ascensão do anarco-sindicalismo. Dependendo do apoio das elites para efetivar as reformas, no momento de agudização da crise social e do movimento operário, esta preferiu a repressão. Eles tinham força entre os funcionários públicos, uma classe acomodada pelo favoritismo político. E também o apoio dos sindicatos avessos às lideranças imigrantes, fora dos grandes centros.

Reformistas no Brasil

Entre as principais expressões reformistas, estão França e Silva - editor do jornal Echo Popular - e "dono" de um partido operário. Era adepto de Gustavo de Lacerda, um dos primeiros líderes dessa corrente. Soma-se Evaristo de Moraes, mulato que fez fortuna na carreira jurídica, embora fosse oriundo da classe pobre, gratuita a muitos trabalhadores. Foi orador do partido operário de França e Silva, em 1890. Tornou-se famosa sua defesa do líder libertário Edgar Leuenroth, em 1918, quando colocou o anarquismo como um ideal de justiça, comparando-o ao cristianismo.

Evaristo fundou diversos partidos socialistas e fez a campanha de Ruy Barbosa à presidência, em 1910 e 1919. Foi cooptado para fazer parte do Ministério do Trabalho criado em 1931, com Lindolfo Collor ministro e Vargas na presidência da República. Ao lado de Joaquim Pimenta e Agripino Nazaré, em episódio criticado e ironizado pelos anarquistas. Como no poema de José Oiticica (1882/1957), assinado com o pseudônimo de "João Vermelho" - publicado no jornal operário Ação Direta:

"Pessoal, dê um viva ao chefe do trabalho!

Collor merece manifestação

Deu-vos brida, selim, chincha e vergalho

e uma alfafa legal à prestação

Viva iô-iô Lindolfo e seu esgalho

O Evaristo, o Agripino e o Pimentão

eles vos levam, águias, para o talho

bem amarrados na legislação

Gritai, ovacionai, enchei de vento

a empáfia do Lindolfo safardana

ex-bernardista que vos perseguiu!

gritai com vosso grito uno e violento

mandando a classe viu que vos engana

a grandissíssima pata que os pariu!"

Os congressos operários

Na fase de predomínio dos reformistas, eles realizaram diversos congressos. Em 1892, em 1 de agosto, o I Congresso Socialista Brasileiro. Em 12 de janeiro de 1898, o I Congresso dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul. E em 1902 é criado o Partido Socialista Brasileiro em São Paulo, no II Congresso dos Socialistas, de 28 de maio a 1 de junho. De 37 associações de classe que participam, 25 são paulistas. O modelo do PS pretendido era o italiano e essa era a nacionalidade da maioria dos delegados. Silvério Fontes é um dos fundadores do PSB.

O Congresso Operário Brasileiro foi realizado em 1906, articulado pelo líder reformista Pinto Machado, mas tomado pelos anarco-sindicalistas - que fazem vencer suas propostas. Foi realizado no Centro Galego do Rio de Janeiro, de 15 a 22 de abril. É nesse encontro que nascem as propostas de democracia operária, com a abolição dos cargos diretivos nas entidades, debatendo-se a luta pelo fim das multas nas fábricas e oficinas - impostas à revelia pelo patronato. Ao final, foi fundada a Confederação Operária Brasileira, que editaria o jornal A Voz do Trabalhador. Este órgão só sairia em 1908 e teria 4 mil exemplares.

A imprensa tomava conhecimento do poderio da organização operária, nesse congresso, desferindo-lhe ataques. Ainda em 1906, surgem as federações operárias de São Paulo (FOSP) e do Rio de Janeiro (FORJ). E é realizado o I Congresso Operário do Estado, procurando reforçar o movimento dos trabalhadores no interior paulista. Em 1907, o congresso de trabalhadores em Curitiba concretizava as tentativas vãs dos alemães que emigraram e buscaram a organização. Foi entretanto a presença da nova corrente migratória e a liderança do italiano Gigi Damiani - fundador do jornal Il Lavoratore, em 1893 -, quem efetivou essa unidade.

De 17 a 19 de abril de 1908 realizava-se o II Congresso Operário de São Paulo, do qual participaram mais de 20 ligas e uniões de todo o estado. O temário pedia a exclusão das programações operárias festivas, bailes e jogos. E sugeria a criação de universidades populares para os trabalhadores, além de escolas livres. Luiz La Scala participou desse congresso, pelo sindicato dos pedreiros de Santos; Luiz Bento pelo sindicato dos carpinteiros e Inácio Dertonio e Alfeu Ambrogi pelo sindicato dos funileiros - que propôs as universidades operárias.

Em julho de 1908, reorganiza-se a Confederação Operária Brasileira, no Rio de Janeiro, estando presentes, de Santos, apenas os trabalhadores da construção civil. Em 1912, tem lugar uma tentativa reformista, disposta a tentar amainar o ímpeto dos trabalhadores: é o que foi chamado de IV Congresso Operário Brasileiro. Considerando os dois congressos socialistas como congressos operários e o primeiro congresso operário como o terceiro.

Organizado pelo filho do presidente da República, Hermes da Fonseca, foi realizado no Palácio Monroe, a sede do Senado. Lá estiveram 68 operários de todo o Brasil, representando 22 associações. Idealizado como forma de reforçar a posição dos "amarelos" no movimento operário e atuar como um partido político - como coloca Everardo Dias em seu livro História das lutas socais no Brasil. Ele lembra que foram fornecidas passagens gratuitas aos participantes pelo Lloyd Brasileiro, companhia de navegação estatal.

Este congresso pretendeu a "nacionalização do operariado" e a criação de um "vasto partido político operário", uma manobra para tentar retomar o espaço dos reformistas, sem sucesso. Fez-se defensor da jornada de 8 horas, do incentivo ao alistamento eleitoral e de um programa de construção de asa para os trabalhadores - parte da estratégia dos republicanos positivistas para estenderem sua base social ao proletariado.

Uma posição contra a guerra foi a principal tarefa do II Congresso Operário Brasileiro, realizado de 8 a 13 de setembro de 1913, organizado pela Confederação Operária Brasileira. Realizado no Rio de Janeiro, este encontro teve como secretário o então ainda militante anarquista Astrogildo Pereira, que funda, em 1922, o PCB.

O II Congresso reuniu 117 delegados e reativou o jornal A Voz do Trabalhador, tendo sido lançada uma campanha contra os atos de selvageria praticados em Santos, aos trabalhadores da Docas em greve. Diversos operários deportados foram nomeados para atuarem junto aos países europeus, na meta de anular a campanha de aliciamento de trabalhadores então realizada, narrando o que se passava aqui.

Em 1914, o Centro Libertário de São Paulo convocava uma conferência. Em Santos, a 2 de agosto, se realiza um comício contra a guerra - com "enorme massa humana", conta Everardo Dias. A polícia fecha em seguida a sede da FOLS e prende os dirigentes sindicais Manuel Campos e Angelo Perez, que tinham falado no comício.

Em 1919, ocorre o congresso do Partido Comunicas Anarquista, no Rio de Janeiro, de 21 a 23 de junho, na sede do Centro Cosmopolita - a sede dos trabalhadores em bares, hotéis e restaurantes. O PCA havia sido fundado em 9/3/1918 no Rio de Janeiro e em São Paulo em 16/6 do mesmo ano, como nos informa Edgar Leuenroth, em seu livro Anarquismo, roteiro de libertação social. Sua vida é efêmera, pois logo ocorre o rompimento entre as correntes libertárias e autoritárias.

Em 1920, tem lugar o II Congresso Operário Brasileiro. Participou da organização João da Costa Pimenta, junto com Edgar Leuenroth. Pimenta foi o presidente da sessão inaugural em 25 de abril, com voz para a imprensa operária - que, entretanto, não poderia votar. Foi proposta a adesão à Internacional Comunista, contestada por Leuenroth (que permaneceu fiel ao anarquismo) e apoiada por Astrogildo - que mais tarde se tornaria bolchevista, repudiando as teses libertárias.

Os delegados paulistas Isidoro Diego e João da Costa Pimenta propuseram a "censura vermelha", ou seja, a recusa dos gráficos em comporem notícias caluniosas aos operários - que foi aprovada.

Um estado dos trabalhadores

Uma outra perspectiva se incorpora entre os militantes sindicalistas, com a existência de um "estado socialista" dos trabalhadores, após a Revolução Socialista na Rússia de 1917 e a crise interna, posterior ao fracasso das greves de então. Os conflitos entre as lideranças são inevitáveis e cada vez mais fortes. Passa a existir a divisão entre libertários e autoritários, anarquistas e comunistas, entre os partidários da dissolução do Estado ou de sua utilização para promover a igualdade social. Entre centralização e descentralização.

Esse conflito nasceu teoricamente em 1868, na Associação Internacional dos Trabalhadores - nos debates entre G. Eccarius, o alfaiate enviado de Marx, e Bakunin - e dividiu os socialistas entre "libertários" e "autoritários". Ele vai acelerar a liquidação dos anarquistas como sindicalistas, modificando a feição do movimento operário, na substituição da "ação direta" pela ação político-parlamentar "indireta".

A legislação paternalista do Estado, na fase corporativa/repressiva que sucedeu à da resistência, após o final do período aqui analisado, irá condicionar à adesão ao sindicalismo oficial para fazer as concessões legais. E isto colocará em conflito a base versus direção - destruindo o sindicalismo enquanto força reivindicatória e transformadora. Uma nova casta de dirigentes sindicais, pagos e pelegos, surgirá - retrocedendo a mobilização na ditadura da unicidade sindical.

Mas no porto santista, como em todo o mundo, nessas portas abertas para o comércio internacional, a relação de forças constituiu uma rede de conquistas sociais. Por suas lutas e a eficientes articulação de seus jornais, que lhe traduzem, compõem uma fase histórica de rara importância no contexto da evolução humana.

Santos é vital nesse processo que se desenrola no País. Que atravessa a intensa luta abolicionista, o mutualismo e o reformismo social, o socialismo acadêmico e o anarco-sindicalismo - o período de "resistência". Em 1920, segundo o censo, o Brasil tinha 9 milhões de trabalhadores rurais e menos de 300 mil operários urbanos. A atmosfera que criaram, entretanto, projetou o universo operário que viria, em melhores condições de vida e trabalho.