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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (7)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

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Santos Libertária!

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Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE I - SANTOS LIBERTÁRIA! (cont.)

Jornais de Santos - 1895

É em 1895 que surge o jornal Questão Social, em setembro, substituindo o Ação Social, editado pelos mesmos desde 1892. São estes os socialistas: Silvério Fontes, que editara o Manifesto Socialista em 1889; Carlos Escobar e Sóter de Araújo. Há inúmeras citações em livros, embora não haja referência documental primária, sobre o fato de que esta entidade teria comemorado pela primeira vez no Brasil o 1º de Maio, após a tentativa do marmorista Arthur Campagnoli em São Paulo no ano anterior, quando foram todos presos.

O ainda não-reconhecimento das lutas dos trabalhadores, cem anos depois, no século comemorado da Questão Social, projeto o que significava naquele tempo a nova compreensão da sociedade que deveria ser de todos e não de alguns, adotada por Silvério Fontes junto com Julio Conceição e o professor Carlos Escobar, titulares do CSS. Fontes, nascido em São Cristóvão, Sergipe, em 1º de fevereiro de 1858, estudou na Bahia e lecionou Geometria e Latim para sustentar-se e custear seus estudos médicos. Foi Silvério que, chegando aqui em 1884, lançaria o Manifesto Socialista em 1889.

Aquele ano de 1895 seria fértil no jornalismo santista, pois em 6 de janeiro chega O Bonde e em seguida A Lanterneta, em fevereiro A Luva, O Corretor (tipo boletim, marítimo e comercial) e O Louvre. O Combatente, em 17 de junho; a A Gazetinha, em 15 de junho, redigida por Henrique Machado, Gastão Bousquet e Carlos Affonseca, o grande animador da arte musical e teatral de então.

O Santos Comercial e A Folha, fundada e dirigida por Alberto Veiga (notável jornalista português, autor do livro Na esteira da luz, entre outros), a partir de 19 de junho. Em novembro, Alberto Lopes substituiu Veiga e lhe deu o subtítulo "Vespertino republicano de combate", que desapareceria em dezembro, comenta F.M. Santos por sua "pouca combatividade". Em seu lugar surgiu O Correio da Tarde, sob a direção de A.C. Santos Júnior, que descobrimos em nossa pesquisa de há vinte anos, como editor do jornal A Aurora, incluído entre as análises da imprensa operária.

Em novembro de 1895 sairia à luz O Lidador e, em 1896, Martins Fontes lança seu explosivo A Metralha (incluído na nossa relação da imprensa operária, no segundo capítulo deste livro) e O Democrata, em parceria com João Carvalhal Filho. Neste mesmo ano, chegaria A Arte, do Grêmio Dramático Artur Azevedo, fundado por José Moreira Sampaio Júnior.

O Brasil, Correio Paulista, Gazeta da Tarde, em maio, A Matraca, A Tempestade e O Sequilla. Em 1898 Alberto Souza funda o Cidade de Santos, terceiro desse nome, órgão oficial do Partido Republicano Santista, tendo como companheiros Sebastião Faria e Samuel Porto. Em 1896 a cidade já possuía cerca de três mil prédios e era iluminada. Um novo Código de Posturas e o fenômeno do "Vulcão do Macuco" têm lugar este ano, gases em putrefação que explodiram causando grande atrativo popular.

Em 1897, a Câmara Municipal, já no regime republicano, passou a ocupar um dos palacetes do comendador Ferreira Neto, os de número 8 e 10 no Largo Marquês de Monte Alegre. Em 1898 foram descarregados 572.977.981 kg no porto, declinando para 505.774.514 kg no ano seguinte, em virtude das epidemias que os europeus evitavam.

Em 1899 é declarado pelo governo federal o "empestamento" da cidade e isso provoca prejuízos, o que de fato preocupa a Docas, que tem sua sede no Rio de Janeiro e aqui apenas os feitores. Eram tempos de organização sindical nascente, no que foi considerado o mais lucrativo empreendimento do planeta, o cais do porto, tempos de anarquismo e de imigrantes nesta que foi uma das três principais cidades brasileiras do movimento social que resgatou o fim da escravidão.

E isso ocorreu a partir da evolução do movimento abolicionista na cidade que trazia suas tradições, do papel do jornal O Caixeiro, na definição que faria Lenin em Arte, Literatura e imprensa: "A missão do jornalismo não se limita a difundir idéias, a educar politicamente e atrair aliados. O jornal não é apenas um agente coletivo de propaganda, mas um educador social".

O impresso que trazemos chegou para fundar a entidade, no movimento para prover de médicos, remédios e assistência aos doentes e acidentados, que até então morriam de fome nos afastamentos forçados do trabalho. São estes os germinadores de toda a estrutura social de assistências existentes hoje, muitos que pagaram com a vida por essa luta.

Com isso, a Docas se engaja no saneamento da cidade, para não ter mais prejuízos, pois várias empresas se recusavam a aportar seus navios aqui. De 1899 para 1900 a movimentação se reduziu ainda mais, com 411.143.770 kg, como consta do livro de César Honorato, O Polvo e o Porto, editado pela Hucitec e pela Prefeitura de Santos em 1996. A rotatividade da mão-de-obra dos operários em 1902 foi de 42%, ao contrário dos cargos superiores, muitos acidentes de trabalho e a comemoração dos dez anos da inauguração dos primeiros 200 metros de cais em 1892.

Em 1900, em meio à greve da SPR, a estrada de ferro São Paulo Railway, muitas prisões e demissões, surge o jornal Vanguarda Portuguesa, órgão da colônia dirigido por Paulo Cunha, e em dezembro o menor dos jornais reportados, O Bôer, em janeiro o Santos Ilustrada - o segundo do nome -, um semanário, tipo revista de arte com literatura, crítica e humorismo, sob a direção de Anatólio Valadares, com Cícero Valadares e Wladimir Alfaia na redação, dois apurados artistas do pincel e do lápis, aos quais se juntaria Astolfo Correia, grande caricaturista.

Em 1901, Santos tinha 52 mil habitantes e perto de cinco mil casas, compreendidas as dos morros e a dos varjedos do Macuco e da Vila Mathias, para onde haviam se retirado os moradores dos numerosos cortiços desmantelados pelas campanhas da Comissão Sanitária de 1896 a 1900. O rendimento do Município passava de 500 mil para 800 mil contos de réis em 1896 e a mais de dois mil em 1901, quando atinge Santos uma fase de progresso de 1901 a 1910, mas com grande fase até 1915.

Em 1904, ano da greve de 27 dias contra a Docas, coordenada pela Sociedade Internacional União dos Operários (Siuo), fundada neste ano, surge outro jornal do estilo literatura e humorismo com crítica, a revista Cri-Cri e, em 1905, O Jornal, segundo desse nome, fundado e dirigido por Vicente de Carvalho, seu último trabalho na imprensa, ele que se fixaria em São Paulo em 1908.

Também em 1904 surge a Sociedade 1º de Maio, confederação de sindicatos de trabalhadores santistas, pedreiros, carpinteiros, pintores, serventes. E em 1905 apareceria o jornal O Mercantil, dirigido por Lúcio Brasil e Leovigildo Andrade; dizia seu expediente, uma folha "... propagadora, literária, noticiosa, humorística e... buliçosa". Uma greve geral da Siuo movimenta a cidade, com marinheiros e soldados cercando o cais. Em 1906, o primeiro congresso da Confederação dos Operários do Brasil, a COB, que decide a luta pelas 8 horas de trabalho. Em 1907, a greve da construção civil pela redução de jornada alcança seus objetivos.

Em 1906, a primeira grande manifestação pelas 8 horas de trabalho, conquista dos trabalhadores da construção civil após uma greve de 18 dias, e em 1910 era inaugurada a Estrada de Ferro Santos-Juquiá - a "Southern S. Paulo Co." -, que em 1928 seria encampada pelo governo e se tornaria a Sorocabana.

Em 1908 começava a circular A Vanguarda, de Silvino Martins, incluída em nossa relação dos jornais ligados ao movimento dos trabalhadores por seu engajamento - folha que durou seis ou sete anos.

Novo sindicalismo

Em 22 de julho de 1907 é fundada a Federação Operária Local de Santos (Fols), reunindo as categorias da 1º de Maio. Entre 1908 e 1912, a federação consegue organizar os sindicatos dos carroceiros, chauffeurs, padeiros, Moinho Santista, ternos de café e outros ofícios, além dos pedreiros e serventes, carpinteiros, pintores, funileiros e metalúrgicos, no trabalho de Luiz La Scala e Severino Antunha que rompem com a velha ordem sindical, nas bases do anarco-sindicalismo, não-burocrático e sem diretorias fixas. Em 1909, a eletricidade substituía o gás, alastrando-se pelas avenidas e pelos arrabaldes.

Greve da limpeza pública em Santos, com invasões de casas pela polícia, surge O Verso, feito em versos, até mesmo os anúncios, criação de um punhado de artistas, entre os quais o poeta Fábio Montenegro, Gonçalves Leite, Custódio de Carvalho e Terêncio Porto, que durou três anos. Greve também nos transportes, com cocheiros e condutores de bondes agredidos, um conflito na Vila Mathias em que morre um dirigente da City.

Em 23 de outubro de 1909 ocorre uma greve em um prédio isolado na Rua XV de Novembro, dirigida pelo Sindicato dos Pedreiros e Serventes contra o empreiteiro João Petoni. Nesse mês, o promotor público Norberto Cerqueira apresenta denúncia contra 154 operários, a maioria estrangeiros, acusada a Fols, anarco-sindicalista, de incitar os padeiros à greve.

Cinemas

Existiam alguns cinemas em Santos na Rua XV de Novembro, local onde então se reunia a juventude e a sociedade da época. Lá existiam o Cine Moderno, chefiado pelo senhor Pinfildi, o Bijou Cinema e o Pathé, que exibia filmes importados da França. O período acompanha a mudança do cinema europeu predominante para o norte-americano, após a Primeira Grande Guerra. Já existiam cadeiras próprias nos cinemas, pois antes elas tinham que ser trazidas de casa, com boas orquestras acompanhando os filmes mudos.

Chega o Polyteama Rio Branco, um grande cinema no antigo Largo do Rosário, e o Cine Central, na Rua Amador Bueno, o Teatro Guarani transformado em cinema e o Teatro Carlos Gomes, idem.

Ao fim do nosso período, surgiram o Parisiense e o Seleto. Em 1926 surge o cinema falado. E o Miramar, uma casa de diversões no Boqueirão, de 1.800 metros quadrados, que a partir de 1924 teve não só o cinema ao ar livre, mas cassino, bilhares e espetáculos artísticos.

A lei de expulsão de estrangeiros do país já estava em vigor e a repressão se acentuava, com greves na City e na Docas. Entre 1910 e 1912, a Fols mantém uma escola para os filhos de seus associados e o jornal O Proletário - que está analisado e fotografado em nossa Parte 2.

As ligas e uniões surgem para defender os interesses dos trabalhadores sobre os quais se impõe a tradição escravagista, que não foi rompida. Elas fazem seminários, cursos de alfabetização, aglutinam, organizam pela mensagem cultural que, nesta fase, é favorecida pela proximidade geográfica de suas moradias.

João Otávio e o Escolástica Rosa

Em nove de julho de 1900, desaparece João Otávio dos Santos, ele que fez construir em concreto e arte o Instituto de Educação Dona Escolástica Rosa com sua herança, uma escola para as crianças abandonadas da cidade. Escolástica era o nome de sua mãe e visava a promoção de sua condição primitiva, homem de raízes - a de menino pobre que um dia tinha sido. Ele deixou seus numerosos imóveis para que a Santa Casa, à qual dedicou sua vida, os administrasse em prol do Escolástica. E isso não se fez.

O Instituto fora cuidadosamente erigido pelo amigo e testamenteiro Júlio Conceição, o notável socialista e criador do Parque Indígena. Para as crianças pobres - como a que um dia foi Otávio -, lhes dando formação e abrigo, inaugurado em 1907. Mas isto não se consumou, exigindo-se, por dever moral e legal, o pleno cumprimento de sua herança expressa. Uma vontade coletiva que inexiste hoje e que necessita ser argüida, no ser degradado pelo sistema econômico do consumo e da propriedade sagrada.

A Santa Casa, sonho de Isabel, a rainha e santa padroeira, por equívoco histórico incorporou o patrimônio lhe conferido para administrar. E cedeu ao Estado a gestão do Escolástica - que eliminou os cursos inerentes e determinou sua atuação, alterando os fins colimados na intenção post-mortem.

De humilde origem, Otávio não se perverteu na riqueza: e na antevisão dos contingentes abandonados multiplicados, projetou e viabilizou o Escolástica. Não esperava, porém, que o núcleo, construído no espaço de sua chácara na Ponta da Praia e finalizado em 1907, tivesse esse destino, desatino.

Nascido em 8 de março de 1830, há longínquos 175 anos (N.E.: o texto foi escrito em 2005), menino pobre trabalhador, João Otávio se tornou comerciante e proprietário de inúmeros imóveis na cidade. Caridoso, irmão da Santa Casa desde 18 anos, foi seu maior provedor, de 1875 a 1878, durante 16 anos, também de 1883 a 1896. Manteve a instituição na dificuldade, fez doações, como as ações do Teatro Guarani. Abolicionista, solteiro, tinha na Santa Casa sua filha predileta, dizia.

João Otávio confiou à Santa Casa administrar o que conquistou e devolveu à comunidade que o abrigara. A Prefeitura não paga à instituição o estabelecido em lei: esta também não foi leal com Otávio. Desde sua morte, observe-se; Conceição descreve as dificuldades impostas pela instituição para locar os despojos do antigo dirigente e benfeitor, no livro que escreveu sobre o processo em que, como testamenteiro, cumpriu a tarefa de perenizar a vontade desse Otávio.

Otávio alforriou escravos do próprio bolso, ajudou a manter o Quilombo do Jabaquara, abriu as portas de sua chácara para os cativos na cidade libertária - território livre dos escravos, como era conhecida. Vereador e presidente da Câmara, o foi no Império (1876 a 1880) e na República (1892/3). Deixou escrito: o Escolástica Rosa serviria para dar "educação intelectual e profissional de meninos pobres, em princípios pré-vocacionais".

A Escolástica era seu sonho, que por sua nobreza e altruísmo devemos resgatar, em respeito e homenagem à visão social ampla de João Otávio. A rua que o homenageia degradou-se socialmente. Não deixemos que tal ocorra com o que pretendeu perpetuar.