O TRABALHO de estiva é árduo. Quando é feito. Mas sempre há tempo de pausa e para ler no jornal os resultados dos últimos jogos e notícias daqui e dali, o que vai pelo Mundo
Foto e legenda publicadas com a matéria
O porto: de João (VI) a João (Teimoso)
Texto de Antenor S. Fagundes
Fotos de José Pinto
Se o bom Homero ressuscitasse não na velha e lendária Grécia, mas neste inefável Brasil, na certa teria argumento para fazer outro poema épico nos moldes da
Odisséia.
Seu herói, certamente, não seria desta feita o bravo Ulisses, mas o modesto João Teimoso, brasileiro, vacinado, reservista, casado e exportador.
Tenaz, como seu nome indica, João cismou que vai exportar produtos manufaturados brasileiros, haja o que houver, custe o que custar. Nada o fará desistir dos seus patrióticos propósitos. Não há
burocracia, não há greve, não há desestímulo que o faça desistir. De qualquer forma ele fará divisas.
O Brasil precisa exportar para obter divisas destinadas a equilibrar a sua balança de pagamentos e ele, João Teimoso, quer contribuir com seu esforço para obter uma parte delas.
Esse novo herói homérico, João Teimoso, dentro de sua aparente ranzinzisse é um impenitente otimista. Ele acredita piamente naquele ditado: "De hora em hora Deus melhora".
E melhora mesmo. O presidente da República já fez um discurso dizendo que o ano de 1964 seria o "ano da exportação". Nós já estamos portanto n ano da exportação. A Superintendência da Moeda e do
Crédito (Sumoc) expediu Instrução nº 258 fixando normas para a concessão de vantagens aos exportadores de produtos manufaturados. Só uma coisa não é feita: a simplificação da burocracia. As quarenta e duas vias dos oito formulários continuam
imperando e corroendo a paciência e, por que não dizer, a própria saúde desse bravo: o exportador.
Mas tudo virá a seu tempo. Nada de desesperança.
João Teimoso sorri deliciado, mas logo volta à seriedade numa careta de angústia. E o porto?
Meu particular amigo e insigne sabedor da língua portuguesa, mestre Aurélio Buarque de Hollanda, autor do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, no verbete PORTO, diz: "Lugar
de abrigo e ancoradouro de navios, na costa ou junto à foz de um rio; lugar de embarque e desembarque".
Em se tratando de Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, ousamos divergir da definição dada por mestre Aurélio. Isso com todo
o respeito e acatamento que ele nos merece. Achamos, no entanto, sua definição incompleta e pedimos que nas outras edições seja acrescentado à mesma in fine a restrição se não houver greve.
Convenhamos que brasileiramente ficará muito melhor: Porto é um lugar de embarque e desembarque, se não houver greve.
No convulso e agitado ano de 1963, que já se foi tarde, houve nos portos as mais disparatadas greves: de advertência, de solidariedade, de reivindicação e até uma muito engraçada: brigaram os
estivadores e arrumadores e veio a greve. Até briga em família foi motivo para greve.
Chegado à brasileira terra o sempre injustiçado Bragança, d. João VI, aconselhado pelo grande Cairu, abriu os portos da sua nova pátria ao comércio das nações amigas.
A meu ver, foi o maior dos seus atos dentro da grandeza com que ele se conduziu no Brasil.
O Brasil floresceu, comerciou, desenvolveu-se e conseguiu ultrapassar duas conflagrações mundiais.
Depois viu-se na necessidade de aparelhar seus portos. Lançou seu primeiro empréstimo compulsório cobrado com o imposto sobre a renda: o adicional restituível. Ele tinha como finalidade precípua o
aparelhamento dos portos. Mas, pouco ou nada foi feito. O porto de Ilhéus não funciona senão à base de alvarengagem, encarecendo sobremaneira a carga e descarga. Dele se afastam os navios pelo alto custo da estiva. O cacau, agora, é transportado
para Salvador, onde é embarcado. É mais barato.
No porto de Santos, um navio polonês, há pouco tempo, levou 30 dias para carregar milho. Por falta de sugadores, no fim desse tempo estava apenas com metade da carga. Zarpou para evitar maior
prejuízo.
Houve, também, o caso de um transformador que deveria ser desembarcado no porto de Santos. Quando ali chegou o navio que o transportava, a cábrea, para descarregá-lo, estava quebrada. O navio foi a
Buenos Aires e na volta, também, não pôde descarregar o transformador porque havia greve no porto. O navio zarpou, fez a volta ao Mundo e, chegando a Santos, pela terceira vez, pôde afinal descarregar o transformador, nessa altura muito viajado.
Qual foi o valor do frete, nem vale a pena pensar.
NUM DIA de greve o porto de Santos é assim: regurgita de navios parados, criando-se uma longa fila para a atracação e para o pagamento de demurrage pelo importador, sobretudo pela demora de
atracação. Um triste espetáculo de consequências danosas à economia privada e pública do País (N.E.: demurrage é uma cobrança ocasionada pelo retardo demasiado na operação do navio)
Foto e legenda publicadas com a matéria
A privilegiada classe dos portuários tem salários de tal forma altos que se dá ao luxo de ter empregados para trabalhar por eles: os bagrinhos.
Nos portos brasileiros, uma verdadeira gangue se estabeleceu. Seus salários causam inveja a qualquer um profissional que deva ter nível universitário. Mais vale ser estivador do que professor
catedrático de escola superior. É melhor mesmo que ser jogador profissional de futebol.
|
Porto parado é pulmão paralisado na economia brasileira |
|
O engenheiro Miranda Carvalho, com a autoridade que lhe confere o ter sido um dos melhores administradores do porto do Rio de Janeiro, numa conferência feita em um seminário sobre os portos
nacionais, apreciando os altos custos operacionais, atribuiu isto aos seguintes fatores:
a) elevados salários e exigências contra a produtividade dos trabalhos, impostos pelos sindicatos de classe, por meio de greves ilegais e freqüentes e, quase sempre, bem acolhidas pelos meios
governamentais; e
b) falta de manutenção e aparelhagem portuária e de sua necessária ampliação.
O engenheiro Fernando Viriato de Miranda Carvalho é uma autoridade insuspeita no assunto, pois reconhece na sua conferência que o serviço dos portuários e estivadores é árduo e arriscado e que lhe
parece justo que eles percebam salários compensadores, mas em harmonia com os direitos de outras classes de operários e, especialmente, com a economia do País.
Infelizmente, isso, no entanto, não ocorre. Esses marajás da nova classe percebem salários de tal forma altos que o transporte marítimo está sendo abandonado. Chegamos ao paradoxo de que o feito
pelas rodovias é mais econômico.
Na sua conferência, ainda, o sr. Miranda Carvalho conta o caso ocorrido no porto do Rio de Janeiro com a descarga de quatro rebocadores e um gerador, pesando 312 toneladas, que custou Cr$
1.544.396,70, ou seja, Cr$ 4.950,00 por tonelada.
Nessa operação, os salários pagos, por dia, foram os seguintes:
No navio:
Contramestre chefe...... Cr$ 128.276,40
Contramestre do porão.. Cr$ 96.207,30
Estivadores................. Cr$ 64.138,20
Na cábrea:
Contramestre.............. Cr$ 110.152,30
Estivadores................. Cr$ 73.701,70
Como se vê, vale a pena trabalhar no cais. Naturalmente, enquanto houver trabalho, pois, pelo jeito que vão as coisas, dentro em breve vão matar, sem remissão, a galinha dos ovos de ouro.
O sr. Paulo Ferraz, outra autoridade no assunto, diretor da Companhia Comércio e Navegação, em conferência pronunciada no Clube de Engenharia, declarou que no período de 1957 a 1962 foram expedidos
15 atos favorecendo os salários dos marítimos e que na estiva, de janeiro de 1949 a fevereiro de 1961, os salários sofreram aumento de 1.317%. É isso mesmo: mil trezentos e dezessete por cento.
Se não for posto um paradeiro neste estado de coisas, dentro de mais um pouco os portos fecham e não mais se reabrirão. Nesse dia d. João VI estremecerá na sua sepultura mas, em compensação, os
portuários terão que procurar outra profissão para poderem sobreviver.
Além do encarecimento do custo de vida produzido pelos altos fretes e salários, há, ainda, outro aspecto a considerar. É a Marinha Mercante que arrecada os fretes e emolumentos que lhe não bastam
para custear tais serviços. Para cobrir seus déficits, recebe subsídios do Tesouro Nacional. Até outubro do ano passado o valor deles atingiu a 26 bilhões de cruzeiros.
Vinte e seis bilhões de cruzeiros que deveriam ser devolvidos ao povo em serviços de utilidade pública foram desviados de sua verdadeira finalidade para atender a desníveis de renda de empresa
paraestatal que se dá ao luxo de pagar salários gordos a uma nova classe que se apossou, com a conivência das autoridades, da orla marítima brasileira.
No governo de um João, o Bragança, VI do seu nome, abriram-se auspiciosamente os portos do Brasil. No governo de outro João, os demagogos, que infelizmente infelicitam o Brasil, estão tentando fechar
os portos. Conseguirão sem dúvida o que pretendem.
E por que pretendem isso? Só o futuro o dirá.
Esta é uma cena que deveria ser sempre repetida sob os céus do Brasil:
o porto trabalhando para o enriquecimento do nosso País
Foto e legenda publicadas com a matéria
|