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o início do texto
DOCUMENTÁRIO
Um dos primeiros documentos sobre o Engenho dos Schetz em São Vicente
Eddy Stols (*)
I - Introdução.
Contagiado pelo interesse e pelas esperanças,
que entre os historiadores brasileiros levantam o engenho São Jorge dos Erasmos e a documentação da família Schetz, aproveitei uma recente viagem à
Bélgica para uma rápida pesquisa nos Archives Généraux du Royaume em Bruxelas [1].
Quase de imediato, graças ao novo catálogo especializado sobre "as coisas
da América" [2], topei com um documento assaz revelador para ser apresentado
aqui, isoladamente. Preliminarmente, queria tecer umas considerações gerais sobre a documentação dos Schetz, pois não podemos mais contentar-nos com
achados esporádicos. É preciso estabelecer um plano de trabalho, mesmo que ele exija os esforços de vários pesquisadores e nesse sentido queria
fazer algumas observações quanto à orientação das pesquisas em arquivos europeus.
De início, deve-se ampliar o campo de pesquisas sobre o específico engenho dos Erasmos em São
Vicente para o conjunto das empresas comerciais da família Schetz e seus congêneres na Península Ibérica e no ultramar. Isto não só para ter maiores
chances de descobrir material referente ao Brasil - pois deve haver muitas referências espalhadas por aí -, mas porque é indispensável situar a
compra e a exploração de um dos primeiros engenhos de açúcar na América por um comerciante antuerpiano em relação à problemática geral do
capitalismo comercial, como por exemplo a visão antuerpiana dos descobrimentos e a experiência flamenga nos seus empreendimentos açucareiros nas
Ilhas Canárias, o investimento imobiliário e a técnica empresária no ultramar ou ainda o êxito do açúcar brasileiro no mercado antuerpiano em
prejuízo daquele da Madeira ou de São Tomé. De certa maneira, necessitamos de um estudo diagonal da Casa Schetz como já existem outros sobre os
Fuggers ou os Ruiz.
Evidentemente, isto acarreta uma pesada ampliação no campo de pesquisas. Nos Archives Géneraux du Royaume em
Bruxelas entram, então, em nossa mira não só o próprio fundo familial dos Schetz como também o fundo da Chambre des Comptes, que agrega registros
portuários e contas de taxas alfandegárias que devem, por certo, revelar o movimento comercial de Erasmo e Gaspar Schetz, ou ainda o fundo dos
Jesuítas, coniventes com a segunda e a terceira geração dos Schetz.
Aliás, quanto aos Jesuítas e ao Brasil quinhentista, o padre Serafim Leite examinou os manuscritos da Biblioteca
Real e daquela dos Bolandistas, mas restam para examinar os papéis dos Jesuítas da província belga em suas outras casas residenciais, mormente em
Antuérpia, não esquecendo o importante centro jesuítico do Douay, ora integrado em território francês. Outrossim, têm os Archives Généraux du
Royaume vários depósitos provinciais em Antuérpia, em Gand, onde muitos documentos estão dispersos e, geralmente, esquecidos pelos pesquisadores
estrangeiros.
No entanto, é, indubitavelmente, o Arquivo Municipal de Antuérpia que pode levantar a maior expectativa. Conserva
este arquivo, exemplarmente organizado, várias coleções que registraram o pulso comercial de Antuérpia: Certificatieboeken, Requestboeken
e sobretudo o riquíssimo Insolvente Boedelkamer, depósito da documentação de inúmeros comerciantes falidos.
Já verifiquei, no índice geral publicado por J. Denucé, a ausência de qualquer referência direta aos Schetz
[3]. Mas é prudente examinar peça por peça os papéis deixados pelos Affaitadi,
grandes negociantes italianos com escritórios tanto em Antuérpia como em Lisboa e que nas suas importantes transações açucareiras tiveram frequentes
contatos não só com os Schetz - por sinal seus parentes através do casasmento da viúva de Jehan-Carlo de Affaitadi com Baltasar Schetz - como também
com os Cavalcanti e os Giraldi, igualmente interessados no comércio brasileiro [4].
É ainda a presença de um feitor italiano em São Vicente, João Batista Maglio, que me faz acreditar na
conexão entre os Schetz e os comerciantes italianos.
Ao lado dos Affaitadi existem ainda vários outros inventários de falidos a
serem percorridos minuciosamente, não só à procura dos Schetz como também de seus associados como os Pruynen, os Van hilst ou os Vleminckx
[5].
Caso estas pesquisas se revelassem infrutíferas, deve-se
recorrer aos arquivos notariais. J. Strieder já publicou uma primeira coletânea de atas notárias, cheias de surpresas em relação aos empreendimentos
ultramarinos dos comerciantes antuerpianos [6].
Mas seu trabalho está longe e ter esgotado as abundantes séries e na verdade pode-se encarar aqui apenas umas sondagens ou então um largo e penoso
trabalho de equipe.
Finalmente, oc aráter realmente internacional da firma Schetz obriga a não limitar as pesquisas aos arquivos da
atual Bélgica e sim a prossegui-las em arquivos holandeses - diga-se de passagem que estes, sobretudo nos seus depósitos municipais e provinciais,
nunca foram até agora devidamente e sistematicamente investigados quanto à sua inevitável documentação brasileira -, franceses (por exemplo Ruão que
na segunda metade do século XVI servia de porto de expedição para os comerciantes antuerpianos), portugueses e outros.
Por enquanto, eis aqui um documento, de oito páginas, incompleto, numa escritura bem regular, sem indicação de
autor ou de destinatário, tratando-se provavelmente da cópia de uma carta original recebida, esta, em Lisboa por um dos representantes dos Schetz e
transmitida, aquela, a título de informação, para o escritório central em Antuérpia.
Para a identificação do autor avançam-se as seguintes evidências: era ele flamengo, com conhecimentos de
português, especialmente de um vocabulário técnico, recém-chegado ao Brasil mas entendido na indústria e no comércio açucareiro, excluindo-se o
próprio feitor, Pedro Rouzée, repetidamente mencionado no documento, e ainda João Baptista Maglio, João Martins, Paulo Werner ou Jeronymo Maio, pois
todos chegaram mais tarde.
Dificilmente pode tratar-se
de João Van Hilst, uma vez que este estava muito mais familiarizado e diretamente interessado, havia então mais de uma década; antes teria ele sido
o destinatário, já que residia em Lisboa. Presume-se que Heliodoro Eobano, amigo de Gaspar Schetz e, posteriormente, feitor dos Adornos, embarcou
por volta de 1548 para São Vicente, mas será possível que este jovem humanista se tornasse tão logo um bom conhecedor dos engenhos e escrevesse um
flamengo sem germanismos? [7].
Quanto ao conteúdo, o documento deixa-se interrogar tanto
sobre a disposição das construções do engenho como sobre sua produção açucareira, além de oferecer várias referências de comparação no que toca à
alimentação, o potencial de escravos, os salários e gastos de manutenção.
Entretanto, sua significação mesma reside em que ele já em 1548 figura toda a problemática da manutenção e do
rendimento de um engenho na capitania de São Vicente, que no século seguinte seria, totalmente, superada pela produção açucareira de Pernambuco.
O malogro do engenho dos Schetz atribuía-se, geralmente, a uma série de fatores um tanto quanto fortuitos, desde
o desinteresse dos próprios Schetz na segunda e terceira geração, enobrecidos e ocupados em outras especulações, até a malversação da propriedade
por feitores desonestos ou ainda as implicações das hostilidades entre espanhóis e holandeses, como a interrupção das comunicações ou a destruição
por Van Spilbergen.
A análise desta carta parece, entretanto, indicar que havia para tal malogro razões mais profundamente
econômicas. Os Schetz, através do autor desta carta, pretendiam gerir sua propriedade dentro das normas mais racionais de um capitalismo
escravocrata. Para um engenho, que moía a cana dos lavradores vizinhos, que empregava oficiais livres assalariados, que ainda subsidiariamente
lucrava com a venda de mercadorias importadas, não havia condições de desenvolvimento. Pelo contrário, parecia-lhes indispensável que o engenho não
só fosse proprietário das máquinas como também da mão-de-obra, dos canaviais, do abastecimento, dos meios de produção em sua totalidade.
Tal procedimento bastante racional, tal mentalidade capitalista, adquirida
na Europa na exploração das minas ou no domínio da produção têxtil, chocava-se na capitania de São Vicente com costumes e forças feudais
transplantadas de Portugal e personificadas pelos "moradores", lavradores de partido [8].
Estes não só beneficiavam-se da moagem de sua cana no engenho, como também continuamente aumentaram suas terras às custas da propriedade dos Schetz,
enquanto estes não estavam em condições de exercer plenamente seus direitos feudais.
Um consciencioso feitor podia
defender-se contra estes abusos, se não pelo recurso a uma justiça inexistente, ou então pela violência ou simplesmente pela compra de novas terras.
Foi o caso de Pedro Rouzée, que comprou terras de um tal Barigo, mencionado no documento, e que seguiu nos anos de 1550 a 1554 comprando de outros
moradores como Pedro Leme ou Pedro Vicente [9].
No entanto, seus sucessores flamengos, italianos ou alemães, como aliás seus predecessores portugueses, não
demonstraram o mesmo zelo, deixaram perder muitas terras nas mãos dos moradores. E é nisto que
topamos com uma possível segunda explicação do malogro, desta vez não de ordem puramente econômica, mas de ordem social.
O feitor, aparentado ou associado, tinha sido um importante elemento no desenvolvimento das grandes casas de
negócio italianas ou alemães em bases, predominantemente, familiais. Mas numa seguinte etapa de comercialismo mercantil, que começa com as guerras
de religião, a iniciativa passou seja para as grandes companhias, seja para pequenas firmas individuais ou quando muito bicéfalas.
Estas baseavam suas relações comerciais internacionais ou mesmo ultramarinas no sistema da correspondência,
regido por um código moral de obrigações mútuas, com participação recíproca de capitais e com divisão de riscos e de responsabilidades. Aquelas se
encaminhavam para uma burocratização total dentro de um mercantilismo estatal ou bélico. Dentro de ambos sistemas, o feitor, tipo século XV ou
primeira metade do século XVI, tinha perdido sua eficiência.
Ora, a firma Schetz da segunda metade do século XVI, ligada à estrutura de família e ainda de uma família em
ascensão para a nobreza, poderia, dificilmente, adaptar-se a esta nova conjuntura de organização comercial e, portanto, devia desgastar sua
tentativa de exploração capitalista no ultramar nas mãos de feitores, quase que necessariamente desonestos.
Estas duas explicações, ou melhor, hipóteses de trabalho, de um lado a resistência de elementos feudais contra um
empreendimento capitalista e de outro lado a superação do sistema de feitoria, quando devidamente verificadas em documentação suplementar, mostrarão
o porquê do malogro do engenho dos Erasmos e, com ele, do declínio dsa plantações açucareiras em São Vicente.
A transcrição do documento foi feita segundo normas estabelecidas, ao passo que na tradução procurei seguir
fielmente o texto flamengo sem forçá-lo, uma vez que várias passagens se prestam à interpretação dupla ou ficaram incompletas.
***
II - Texto
Laus Deo anno 1548, ade 13 mayo in Santos in eylant van San Vicent costa/de Brizil.
Mijnen gants willige dienst, eerzame ende zeer gusti/ge heeren, naer alle recommandacie zal U. 1. believen/te
weten hoe datt wij metter hulpen Gods hier wel/gearribeertt behalven intt incomen in grooten perikel/ geweest mits hett schip bicans geznken in deze
ribiere/ende vele comescappen bedorven zijn alzoe oeck vande/onden waeraf oock een instrument zende, mer Gott/hevett noch te besten duer zijn grasie
brocht als/ U. 1. mett de brenger van dezen wel vernemen zultt/.
Terst zal U. 1. believen te weten hoe datt op datto noch/geen anttwoort van U. 1. anttfangen mits een brief van/
Cabo Verdo, aen U.1. geremitteert hoepe per primeiro anttwoortt te/accepteren wantt allen dach verwachtende zijn hett/schip van Portugal datt voir
de armadores bevrachtt, niett/ tegenstaende datt hier gecomen is een schip van/ Martim Frera, hier aen Louis de Gois gekoemen om/ zuiker te laeden,
oock geen brief brocht en zeggen datt/al de brieven over bortt geworpen en gelezen van den/feitor ende Joseppa Adoria, ende ons altezaemon mits al/raubauwen
hier int lant zijn en niett te confieren/ en zijn. Aangaende van dezen lande zeer goett/ende gezontt sijn indien dalcte volck goett ware ende/goede
iusticie waere wantt op datto al mett raubauwerijej/ omgaett en meesten deel degradados zijn ende mett borles/ inde tijdt van betalinge omgaen, om
comescappen/te vercoopen ist goett ende wel vercoepen mer te recaderen/ is hier trabalho, droms indien datter geen beter tidinge/ per primeiro kompt
zoe van justicie als van volck, hier/te tracteren en is anders niett dan die hier een enginio;hebben oft ander fazenda, wantt hier geen geltt om
gaett/ende moett hier per forca een jaer borgen ende eer datt men/ betaelt wortt gevaltt wel 2 jaer, 30 die hier een/ enginio heeft, die betaeltt al
die werckliedens in/ comescappen zo datt al hett zuiker datt man inden/ enginics maectt machmen dan alle jaer laeden die/ geprobeertt is van
commescappen/.
Ende wij hier verscreven waren aen Pedro Rouzee, de welcke wij/ niett zeer willecomme en waren ende tott noch
ter/ tijtt luttel raett oft daett van hem hebben god heb loff/.
Voorts valt wennich op de gemelde commescappen te anttwoorden/ allein aengaende oeck U. 1. declaracie van hett
enginio al hier overzien deze fazende is zeer goett mer de/ feitores pazados hebben hun eygen profijtt te zeer gesochtt/ en veel lantz laten vergaen
onder die moradoren handen/ alzoe datt Pedro Rouzee daer breeder en larger/ af avizeren zal ende alzoe in ander dingen die zich/noch beter
dysymuleren zullen alser beter / justicie intt landtt is, mits op datto al mett favor / thoe gaett U. 1. fazende gegeven waer zeer tegen / is de
feitor pedro Rouzee an justicie te hebben hoepe / datt per primeiro beter tidinge hebben zullen /.
Aengaende van de huisinge al hier hebben zijn zeer goett ende / sterck voer de contrarios, wantt Pedro Rouzee
veel gemact / sij de een huis van 6 lansen zeer groott is ende een / slaven huis mett een ferreria al die altemale mett / ballcartos dienen ende dan
noch 2 huizen mett / tichels gedect zeer goett ende sterck als Bras de Rocha / gemaect heeft ende alle deze huizen staen op eenen / berch ende al
tzamen ende kortt alzoe datt geen fazen / da zoe sterck voir de contrarios noch better huisen ; en heeft in alle deze enginios alzoe datt men hem /
mett 3 oft 4 berzen lichtelijck defenderen mach / mits dezen fetor wel geordineert heeft /.
Van hett engginio is oudtt ende staett om vallen ende moett / men deerste jaer gemaect worden datt radtt staett
om / vallen hett is te leech ende hett watter onder blyft / staen, mits ende die marea somtijts inde levade / kompt datt grootte impisimento van
malen is, alzoe/ moett opwaerts gegmudeertt zijn ende een schoen / gemaect worden mits int hangen vande berch staen zal / ende de feitor niett
beginnen voer hij tijdinge van U. 1. / te hebben om te bezien hoe zij staen, mits veel / costen zal ende moett van tapias gemaect worden wantt /
datt ewelick werck is, hett oudtt enginio heeft / ditt jaer wel van maken ende hermaken gecost meer dan / 100 cruzados, wantt heel gedestruweertt
ende al nieu / gedect is van stroo, ende ditt jaer groott ongeluck / geweest van enginios, mits drij nieu int malen gemaect / zijn die intt oorzake
van datt die agillions niett agarderen / wilde alzoe datt veel tijts verloren hebbe oock sommige / moradores af gegaen zijn mits de tijtt te spaede
/ viel voer deze enbarquason als rede tijdtt per marzo mer / noch tegen kosten koemen alzoe datt veel zuiker ge / maect alzoe van die fazende als
moradores ende ander / luttel nin oft meer gemaect 900 aroben zuikers / waer af per Portugal gaen ontrent 400 aroben / voer de armadores ditt jaer
gheen comescapen / gezonden en hebben aen de feitor om hett volck / te betalen per forca zuiker oft letra passeren moett / ende de feitor die
passeertt mij van goett datt ic / hem hier gedaen hebbe ende van traballadores die / hier betaelt hebbe passeert mij voir Antonio Becudo / om daer
te recaderen de somma van 123.500 reis / de welcke mij de feitor wel sommiige zuiker gegeven / mocht hebben gelijck hij ander liedens gedaen / heeft
in zuiker meer dan 300 aroben betaeltt / dezen enbarquason ende de fazende ditt jaer veel / schuldich is geweest ende van mantamento hier groot /
gebreck is ende die fazende in lange geen manta / mento van Portugal gehadt, ende hett vlees / datt ic mede brocht voir de fazende datt is altemael
/ bedorven geweest van zeewater want wij niett / vuyt de schepen costen gecrigen wantt wel 14 dagen intt / watter lach intt schip ende daer zo lange
lach tot dat / hett schip al los was /.
Om hier fazende te onderhouden zo en machmen niett beter / hebben van mantamento te weten goett gezouten vlees
ende / vis die daer gedroocht is van stocvis ende meer ander die / daer genoech zijn van luttel prijs, en Vlemse kesen / en Hollanttse kezen wantt
deze trabalhadores van / deze mantamento geen macht en hebben ende hier an / ders niett dan meel van houte gemalen ende daer / thoe spise is
altemett een stuck gezouten vis alster is / dus hepe per primeiro beter geprobeert comen zal /.
Aengaende van de escraverias als hier hebbe is zeer / goett ende ontrent 130 stukken alzo machos ende femias /,
welck de helft niett de trabalho, mits mett / kinderen ende outt die niett profitellick zijn ende geen / better slaverije intt landtt mits veel
escravos / zijn die offycie in enginio hbebben, als tache / ros ende caldereros, ende oock negros van Genea / zijn oock 7oft 8 datt altemael
officiaes zijn / sijnde de eenen zwerten is meester vande zuiker datt / de Armadores plegen te geven eenen meester van lismadere / 30.000 reis welck
nu alle jaer excuzeren mogen ende / de zwerten beter zuiker nu gemaect heeft gelick / alst blijct bij hett zuicker datt de feitor nu daer zentt naer
Lixbona /.
De tweeden is porgador des self gelyck die ander twee cal / dereros oock alle maentt 4 aroben zuikers profite /
lijck, alzoe datt zeer wennick volck asolda int enginio / hebben, ende veel escravos daterra datt ander enginios / niett en hebben ende moeten al
zolda geven per homens / blanco, ende oock heeft deze fazenda noch / van node 6 oft 8stukken machos die niett excuzeren / nach wanter te wennich is
mits geen asschen noch / carbon gemaken en kan opt jaer ende copen moeten / van die moradores dwelck tott grote costen belopen / ende ellick
alqueiro tott 15 oft 30 reis por alqueiro wantt geen / meerder costen int enginio beloopen dans assen mijns / bedonckens datt meer dan 40 oft 50
dukaten in gemelde / asschen gegasteertt hebbende deze escravos muegen al / die oncosten excuzeren ende zeer wel voer ewelick sijnde / ende alle
dingen binnen huise te maken /.
Aengaende van de lande ende canneverais ist U. 1. hier bij / de enginio hebben zij zeer goett ende schoen ende
allen / dach vermeerderen en gerosseert worden tott cannos / te planten ditt jaer wel 32 terrefes van die / eygen lande gemaect beloopen luttel als
/ meer arobas 400 ende een canneveral oft 2 orri te / malen tegen julio naestcomende hebbende doen planten / Pedro Rouzee mits maer een jaer oudtt
en was ende / moeten hebben 17 oft 18 maenden tott hare tijt om / te malen hopende datt tegen julio gescieden ende / oock sommige cannos van de
vezinhos alzoe / datt tegen naestcomende jaer wel gereett hebben / zullen meer dan 1000 aroben zuikers luttel min / oft meer, ende oock zal mogen
laden zo verre en anders / de fazende wel geprobeertt compt datt hij mett / hett-zuicker niett en derf betalen de werck / liedens, Pedro Rouzee die
heeft hier gecocht / van een morador genaempt Barigo, een groot / schoon landtt weer wel gelegen is der fazende ende / mett veel cannos geplant
wellick ditt jaer niett / en termineertt te malen ditt wel bequame / koemen zal om te planten ende oock een penninck / excuzeren zal datt nieft
heeft te coopen van / de moradores, alzo zegegn datt landtt heeft oock / een groote hutte van 2 lancen om daer 4 oft / 5 slaven in zijn die anders
niett dan rossa te / maken om mantamento voor de fazenda wennich rossas / heeft ende niett excuzeren en mach zullich landtt / te hebben om haer
selfs mantamento te hebben want / zeer grote costen beloopen zouden coopen alle jaer van die / moradores, ende een pannekoe mandioqua zijn hier /
wortelen van houtt, gelt 100 reis daer een perzoon / 3 oft 4 dagen aft eett, alzo die fazenda / zullich lande noch niett excuzeren mach, doch die /
lande van die moradores der fazende zeer wel / gelegen ende al meesten deel gerobeertt hebben ende / die feitoren geallargeert hebben mits al
Portuguesen / onder de anderen geweest zijn ende U. 1. zeer wen / nich rechte geschiett is de overleden tijtt, alzo seggen / datt deze landen zeer
lichtelijck weder te krijghen / zijn en oock dein datt de fazenda blijven zal / moeten alzulken landen hebben zal zij profijtt doen / wantt in
geender maniere profijtt is die moradores / cannos te malen ende meer gasteert in asschen ende in solda te betalen de trabalhadores die inde /
enginio werken, alzoe seggen ist necessario zelven / zoe veel cannos te planten datt die vavn de mora / dores niett van doene en hebben mits op
datto / de feitor per força hun landtt allergeren zullen oft / hett vier in hun canneverais steken, wantt in geen / enginio gedragen en mogen dan in
de fazenda ende dan / lichtelijck ende voer eenen penninck allergeren zouden / ende per forza alzoe doen moeten want grotte schade dise moradores te
malen is ende oock die enginios /.
***
III - Tradução.
Laus Deo, a 13 de maio de 1548 em Santos na ilha de São Vicente, costa do Brasil
Meu serviço todo benévolo! honrosos e muito generosos senhores. Com toda a recomendação queiram Vocês saber como, com a ajuda de Deus, nós
chegamos bem aqui, embora que na entrada passamos grande perigo, pois nosso navio quase afundou nesta ribeira. Muitas mercadorias se estragaram,
inclusive das nossas, das quais mando uma relação. Felizmente Deus ainda o levou para o melhor, como virão a saber através do portador desta.
Primeiro queiram saber como nesta data ainda não recebi resposta sua sobre
uma carta remetida a vocês de Cabo Verde. Espero recebê-la logo, pois estamos aguardando cada dia o navio de Portugal, que vem fretado pelos
armadores [10] e que até hoje não chegou.
Embora tenha chegado aqui um navio de Martim
Frera [11]. para Luís de Góis [12]
para carregar açúcar e que também não trouxe cartas. Dizem que todas as cartas foram jogadas fora do navio e lidas pelo feitor e por Joseppa Adoria
[13] e nós todos, pois são todos uns gatunos nesta terra e nã se pode confiar
neles.
Quanto a esta terra, seria muito boa e sadia, se o povo fosse bom e se tivesse boa justiça, porque até agora tudo
se faz com malandragem e são pela maior parte degredados e só praticam burla na hora do pagamento. É boa para tratar em mercadorias e vendem bem,
mas cobrar é que dá trabalho. Portanto se não vem logo melhores tempos no tocante ao povoamento como à Justiça, não tem aqui de que comerciar a não
ser para aqueles que têm um engenho ou outra fazenda. Pois aqui não tem circulação de dinheiro e deve-se por força dar fiado por um ano e até ser
pago passam bem dois anos. De maneira que aquele que tem aqui um engenho, paga todos seus trabalhadores em mercadorias e, provido de mercadorias,
ele pode carregar todo ano todo o açúcar produzido no engenho.
Nós fomos aqui recomendados a Pedro Rouzée
[13], para o qual não fomos muito bem vindos e
até agora tivemos dele pouco conselho ou ajuda, louvado seja o senhor.
No mais tem pouco a responder sobre as mercadorias relacionadas, só a respeito de sua declaração sobre o engenho,
que foi aqui toda verificada. Esta fazenda é muito boa mas os feitores passados procuraram demasiadamente sua própria vantagem e deixaram perder-se
muita terra entre as mãos dos moradores. No tocante a isso Pedro Rouzée dará mais amplo e largo aviso, como também de outras coisas que ainda se
dissimularam melhor, quando terá melhor justiça no país, porque nesta data em tudo se procede com favores.
Fazenda sua foi cedida, ao que o feitor Pedro Rouzée se opõe para conseguir justiça
[14]. Espero
que em breve teremos melhores notícias.
Quanto ao casario todo ele que temos aqui é muito bom e forte para os contrários
[15].
Porque Pedro Rouzée fez muito, a saber uma casa muito grande de 6 laços e uma senzala com uma ferraria, todas providas com baluartes, e ainda duas
casas cobertas de telhas, muito boas e fortes, tais como fez Bras de Rocha.
Todas estas casas se erguem numa altura e todas juntas e próximas de maneira que nenhuma
fazenda seja tão forte para os contrários, nem tenha melhores casas em todos estes engenhos. Daí que se pode defendê-lo facilmente com 3 ou 4 berços
[16].
Pois este feitor ordenou bem.
Quanto ao engenho, é velho e está para cair e deve ser refeito neste primeiro ano. A roda está para cair, fica
arriada demais e a água submerge-a, pois a maré entra às vezes na levada, o que dá grande impedimento para a moagem. Daí que deve ser mudado para
cima e deve ser feito um bom que ficará na descida da colina.
O feitor não pode começar antes de receber notícias de vocês para ver como estão. Pois custará muito e deve ser
feito de taipa, porque é obra eterna. O velho engenho custou este ano de feitio e de reparação mais de cem cruzados, porque estava todo destruído e
foi todo recoberto de palha. Este ano deu grande azar nos eixos pois três foram refeitos na moagem, isso porque os aguilhões não suportavam.
Assim perdeu-se muito tempo e também alguns moradores foram embora, porque o tempo não dava para esta embarcação,
como já é tempo por volta de março. Entretanto, ainda puderam ficar prontos, de maneira que se fez muito açúcar tanto na fazenda como dos moradores
e outros, mais ou menos novecentas arrobas de açúcar, das quais aproximadamente quatrocentas vão para Portugal para os armadores.
Este ano não mandaram mercadorias ao feitor para pagar o pessoal e este deve por força passar
açúcar ou letra. O feitor me passa de avanço que lhe fiz e dos trabalhadores que paguei aqui a soma de 123.500 réis perante Antonio Becudo
[17]. para cobrar lá. O feitor
poderia bem me ter dado algum açúcar como fez para ouros com mais de trezentas arrobas nesta embarcação. A fazenda teve muitas dívidas este ano.
Aqui tem grande falta de mantimentos e não recebeu-se de há muito mantimentos de Portugal. A carne que eu trouxe para a fazenda ficou toda estragada
pela água do mar, pois não conseguimos tirá-la dos navios e permaneceu na água dentro do navio, até que este ficasse solto.
Para manter aqui a fazenda não se pode ter melhor em mantimentos do que a saber carne salgada e peixe, que se
seca lá de bacalhau e de outros peixes que se tem lá em abundância a baixo preço, e queijos flamengos e queijos holandeses. Pois os trabalhadores
não têm forças destes mantimentos de aqui e não têm outra coisa que farinha moída de madeira e às vezes acompanha isso um pedaço de peixe salgado,
quando tiver. Assim espero que logo virá melhor provimento.
Quanto às escravarias que temos aqui, são muito boas e de aproximadamente
cento e trinta peças, tanto de machos como de fêmeas, das quais a metade não trabalha pois são crianças e velhos que não são aproveitáveis. No país
não existe melhor escravaria, porque muitos escravos têm ofício no engenho como tacheiros e caldeireiros. Também tem negros de Guiné, sete ou oito.
São todos oficiais, a saber: um preto que é mestre de açúcar,pelo qual os armadores costumam dar a um mestre de lismadere
[18]
30.000 réis
[19], o
que agora pode-se cada ano economizar, e o preto tem feito agora melhor açúcar como parece pelo açúcar que o feitor manda agora para Lisboa.
O segundo é purgador e tal como os dois outros, caldeireiros, dão também vantagem de quatro arrobas de açúcar
cada mês. Assim temos muito pouco pessoal a soldo no engenho e muitos escravos da terra que outros engenhos não têm e devem dar todo o soldo para
homens brancos.
Também tem esta fazenda ainda necessidade de seis ou oito peças de machos, que não se pode dispensar, porque
faltam. Pois não se chega a fazer num ano suficientes cinzas e carvão e deve-se comprá-los dos moradores, o que traz grande despesas a 25 ou 30 réis
por alqueire. Por isso que não montam maiores despesas num engenho do que em cinzas. Ao que me parece gastaram-se mais de 40 ou 50 ducados nas
cinzas mencionadas. Estes escravos podem eliminar tais gastos e estão lá para muito tempo e para fazer todas as coisas dentro da casa.
Quanto às terras e aos canaviais, saibam vocês que o engenho tem-nos muito bons e bonitos e
aumentam cada dia e são derrubados para plantar cana. Este ano foram feitas umas trinta e duas tarefas
[20]
nas terras da propriedade que dão mais ou menos quatrocentas arrobas.
Pedro Rouzée fez mais plantar um ou dois canaviais para moagem em julho vindouro, pois tinham só um ano e devem
ter dezessete ou dezoito meses para seu tempo de moagem, o qual, espera-se, será em julho. Mais alguma cana dos vizinhos, de maneira que para o
próximo ano terão prontas mais de mil arrobas de açúcar, pouco mais ou menos. Poderão ser carregadas, desde que a fazenda seja bem provida e ele não
deva pagar os trabalhadores com açúcar.
Pedro Rouzée comprou aqui de um morador chamado Barigo uma grande e boa terra bem situada em relação à fazenda e
plantada de muita cana. Este ano ainda não aprontará para moagem, mas ficará capaz para plantar e também economizará um tostão com aquilo que não se
deverá comprar dos moradores. Também dizem que esta terra tem uma grande choça de dois lanços onde cabem quatro ou cinco escravos que não fariam
outra coisa senão roças para os mantimentos da fazenda. Esta tem poucas roças e não pode dispensar tais terras para ter seus próprios mantimentos.
Pois trariam grandes gastos, caso os comprassem cada ano dos moradores.
Uma panqueca de mandioca, que são raízes de madeira, vale 100 réis, com a qual uma pessoa come três ou quatro
dias. De maneira que a fazenda ainda não pode dispensar tais terras. Mas as terras dos moradores são bem situadas em relação à fazenda e todas pela
maior parte foram roubadas. Os feitores tem-nas alargado, pois foram eles todos uns portugueses entre si e a vocês foi feito muito pouca justiça no
tempo passado. Mas dizem que as terras são facilmente recuperáveis e se a fazenda vai continuar, deve ter tais terras e levará vantagem, pois de
maneira nenhuma é vantagem de moer a cana dos moradores e gasta-se mais com cinzas e com pagamento de soldo aos trabalhadores que operam no engenho.
Assim dizem que lhes é necessário plantar-se tanta cana que não se precisa daquela dos moradores.
Pois nesta data o feitor alargará por força as terras deles ou colocará fogo nos seus canaviais. porque eles não
podem levar a cana para outro engenho senão para a fazenda e assim eles as alargariam facilmente e por pouco dinheiro e devem forçosamente fazer
assim pois é de grande dano moer para os moradores e também os engenhos...
(*) Eddy Stols,
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília (Estado de São Paulo).
NOTAS
[1] M. R. DA CUNHA
RODRIGUES, O Engenho São Jorge dos Erasmos. Estado atual do problema da preservação das ruínas e considerações sobre a documentação dos arquivos
belgas, in Revista de História, São Paulo, 1957 n. 71, p. 229-297.
[2] L. LIAGRE e J. BAERTEN,
Guide des sources de l'histoire d'Amérique Latine conservées en Belgique, Bruxelas, 1967.
[3] J. DENUCÉ, De
Insolvente Boedelskamer, in Antwerpsch Archievenblad, 1927-1933.
[4] J. DENUCÉ,
Italiaansche koopmansgeslachten te Antwerpen in de XVIe-XVIIIe eeuwen, Amsterdão-Malinas, s.d., p. 57-105; J. DENUCÉ, Inventaire des
Affaitadi, banquiers italiens à Anvers, de l'année 1568, in Collection de documents pour l'histoire du commerce, t. 1, Antuérpia, 1934.
[5] No começo do século XVII
viveu sucessivamente em Valladolid e Madrid Maximiliano Van Hilst, financista na Corte de Felipe III.
[6] J. STRIEDER,
Aus Antwerpern Notariatsarchiven, Leipzig, 1930.
[7] F. SOMMER, Os Schetz
de Antuérpia e de S. Vicente, in Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, 1943, t. 93, p. 79.
[8] A. MARCHANT, Feudal
and Capitalistic Elements in the Portuguese Settlement of Brazil, in The Hispanic American Historical Review, 1942, t. 22, p. 493-512.
[9] J. P. LEITE
CORDEIRO, O Engenho de São Jorge dos Erasmos, São Paulo, 1945, p. 29; P. TAQUES DE ALMEIDA PAES LEME, Nobiliarchia Paulistana Histórica e
Genealógica, editada por A. DE E. TAUNAY, São Paulo, 1953, t. 2, p. 2 e t. 3, p. 11.
[10] Provavelmente os
acionistas do engenho, os Schetz e João Van Hilst, dos quais fala frei Gaspar da Madre de Deus nas suas Memórias para a história da Capitania de
S. Vicente, in Biblioteca Histórica Paulista, São Paulo, 1953, t. 3, p. 87.
[11] Trata-se de Martim
Ferreira, associado de Pedro de Góis, irmão de Luís de Góis. Historia da Colonização Portuguesa do Brasil, editado por C. MALHEIRO DIAS,
Porto, 1924, t. 3, p. 262-263.
[12] Giuseppe ou José
Adorno, genovês, proprietário do engenho São João em São Vicente. H. STADEN, Viagem ao Brasil, Salvador, 1955, p. 84; S. LEITE, Cartas dos
primeiros Jesuitas do Brasil, São Paulo, 1958, t. 3, p. 1.
[13] Pedro Rouzée, aliás
Peter Roesel. No começo do século XVII havia em Lisboa dois mercadores Rouzée, originários da Artésia.
[14] Não está
claro se Rouzée se opunha à cessão das terras ou ao recurso na justiça.
[15] Os
contrários podiam ser os índios ou os franceses.
[16] Pequena
artilharia.
[17] Seria ele o
Antônio Bicudo Carneiro, mencionado por P. TAQUES DE ALMEIDA PAES LEME, Nobiliarchia Paulistana Histórica e Genealógica, São Paulo, 1953, t.
3, p. 171?
[18] Talvez da
Ilha Madeira.
[19] Salário
comparável com os 40.000 réis que recebia na Bahia um mestre de açúcar. E. PEREIRA, Descrezão da fazenda que o Collegio de Santo Antão tem no
Brazil e de seus rendimentos, in Anaes do Museu Paulista, 1931, t. 4, p. 787.
[20] Uma tarefa
é uma área de 4.365 m². J. A. ANDREONI, Cultura e opulência do Brasil, São Paulo, 1967, p. 114. |