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O Mosteiro de São Bento
Jorge Martins Franco (*)
Colaborador
Nasci no Morro de São Bento. Minha infância, no entanto,
alegre e saudosa, passei-a em São Vicente, na Vila Melo, num chalé erguido por meu pai na terceira travessa da Rua General Marcondes Salgado. Foi
logo na formação da vila. Por volta de 1929 e 30.
Na parte da madeira ele foi ajudado por colegas ferroviários e nas partes de
eletricidade e alvenaria em mutirão formado por outros colegas de trabalho. Prontas as paredes, a cobertura e a parte de alvenaria, isto em 1930,
mudamo-nos para lá. Não havia portas nem janelas, nem cercas divisórias no lote de terreno, nem portão de entrada. Pedaços de lona vedavam as
janelas e portas à noite.
Tinha eu sete irmãos. O salário de meu pai, como ferroviário, era pequeno; por isso,
minha mãe lavava roupas para colegas dele e para os padres do Mosteiro de São Bento. Aos sete anos era eu quem ia buscar as roupas para lavar e,
depois, levava-as de volta, recebendo a paga correspondente. No Mosteiro, sempre conversava com o padre que vinha recebê-las. Daí me veio a vontade
de ajudar nas missas.
Um dos padres, dom Luiz, português, que mais tarde viria a ficar cego em Sorocaba, se
dispôs a me ensinar as respostas daquela oração. Naquele tempo as missas eram celebradas em latim. E a primeira oração do celebrante era:
Introibo ad altare Dei. Ao que o ministro respondia: Ad Deum qui laetificat iuventutem meam. E daí para a frente.
Não será preciso dizer que essa intimidade com a oração infundiu-me o desejo de
tornar-me sacerdote. A sedução pela pessoa do celebrante no altar, pela sua postura, seus gestos, sua pregação no Evangelho, na elevação do pão
eucarístico e a sua distribuição, foi sedução espiritual inafastável. Assim, tornei-me em pouco tempo seminarista. O ano de 1940 passei-o em Santos,
estudando no Colégio Santista, morando no mosteiro. Então, a comunidade beneditina era composta pelo prior, d. Aidano, d. Martinho, d. Roberto, d.
Policarpo, d. Matias, um irmão religioso chamado Estanislau, e outros cujos nomes o tempo levou-me da memória.
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O desejo de subir no altar passou, mas não morreu
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A entrada do mosteiro era a mesma de hoje. Um portão, na escadaria de acesso ao morro,
que era fechado a chave, às 18 horas, e aberto, diariamente, às 6 da manhã. Do portão, até a porta do convento mediava, talvez, uns vinte metros. A
capela à esquerda e, à direita, a entrada do convento numa só construção. A admissão se dava num pequeno átrio e depois duas portas para o
adentramento ao convento propriamente dito, chamado claustro. Dali para dentro era vedada a passagem de mulheres.
No interior, um pequeno jardim, ladeado por uma passarela que servia, depois das
refeições, para caminhadas de trinta minutos para os padres.
Nos fundos, o refeitório, e, no lado da viela que começa na Rua Visconde do Embaré, as
celas, como eram chamados os quartos. O que dava para a frente, bem na esquina, no passado tinha sido ocupado por frei Gaspar da Madre de Deus.
Atrás da construção, há na encosta do morro uma pequena construção que encerrava a cozinha. A capela se comunicava com o claustro por uma porta,
onde o celebrante, ao lado do coroinha, aguardava, desde cinco minutos antes, o relógio anunciar a hora do início da cerimônia, quando ambos
adentravam-na, dirigindo-se para o altar. O horário da cerimônia era obrigatoriamente seguido.
As celas, eram grandes, 4x4 metros. No andar de baixo, onde se chegava por uma escada
junto à cela de frei Gaspar, na face que dá para o lado direito do mosteiro, um corredor com mais celas. Uma delas foi por mim ocupada por mais de
um ano. Na capela, sobre a porta de entrada, o local do coro. Ali os padres rezavam e cantavam as orações do breviário, como matinas, laudes,
vésperas, noturno. Do andar de baixo, descendo mais um lance de escadas, passando-se por uma porta (a parede tinha quase um metro de largura),
chegava-se à parte externa que conduzia a um prédio que fazia frente para a escadaria de acesso ao morro. Esse prédio foi destruído pelo fogo.
O lema de São Bento é Ora et labora. Terminado o primeiro ano no Santista, fui
mandado para o São Bento, em São Paulo, onde terminei o curso ginasial. Aquele desejo ardente de subir num altar, pregar a Palavra e viver
exclusivamente para Deus e para os irmãos, passou em 1946, mas não morreu nunca em mim. A espiritualidade de São Bento, que me foi incutida na alma,
essa nunca acabou a ponto de, ainda hoje, alguém conversando comigo sobre assuntos gerais, costumeiramente pergunta: "Você é padre?"
(*) Jorge Martins Franco é advogado. |