Serviço é realizado na madrugada, período em que a tubulação não opera com toda a capacidade
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
INTERCEPTOR OCEÂNICO
Sob o asfalto
Depois de 30 anos, empresa realiza serviço de manutenção na rede coletora de esgoto
Vinicius Holanda
Da Redação
A expressão "varrer a sujeira para baixo do tapete" pode ter
um sentido saudável - pelo menos quando o assunto em questão é o saneamento básico de uma cidade. Oculta sob ruas, calçadas e a areia da praia, a
rede coletora de esgotos de Santos passa despercebida por moradores e turistas. Construído há cerca de 30 anos, o interceptor oceânico da Sabesp -
parte essencial desse sistema - atualmente passa por obras de manutenção,as primeiras desde que foi inaugurado. Durante a madrugada, quem passa pela
Rua Newton Prado, no José Menino,
não imagina que a seis metros abaixo do asfalto há homens trabalhando.
O trecho em obras possui 40 metros. O serviço começou em agosto e tem previsão de finalização até
o dia 31. "Esgoto é como feira: todo mundo usa, mas ninguém quer em frente de casa", brinca o encarregado das estações elevatórias da Estação de
Pré-Condicionamento de Esgotos (EPC) da Sabesp, José Luiz de Oliveira. No local, próximo ao Orquidário, é realizado o processo de tratamento de todo
esgoto coletado em Santos e na área insular de São Vicente.
O interceptor oceânico recebe o esgoto vindo da rede coletora espalhada pela Cidade. Trata-se de
um túnel de subsolo, que tem início no Canal 6 e segue, sob a areia da praia - paralelo ao jardim da orla -, até a praia do José Menino, onde é
desviado em direção à Avenida Presidente Wilson, avança pela Rua Newton Cardoso e chega à EPC. Totaliza 4.800 metros de extensão.
Até o Canal 3, o túnel possui 2 metros de largura por 2 metros de altura. Dali até a EPC, as
dimensões são maiores: 3 metros de largura por 2,70 de altura. A vazão média na tubulação impressiona - nela, passam 3 mil litros de esgoto por
segundo.
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Antes da inauguração do Emissário, em 1979, dejetos de Santos tinham como
destino o Canto do Forte, em Praia Grande
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Reparos - O interceptor começou a ser construído em 1974 e entrou em
atividade cinco anos depois. A Sabesp detectou que, após quase três décadas de uso, o trecho de 40 metros que engloba a EPC, a Rua Newton Prado
e chega até a praia necessitava de reparos. Com o passar do tempo, a combinação de gases sulfurosos e gás sulfídrico no ambiente fechado causou
corrosão no concreto das paredes, ocasionando ferrugem da estrutura metálica que envolve o túnel.
O trabalho de recuperação no local é árduo, devido ao confinamento a que os trabalhadores -
contratados da empresa Unicom - são submetidos. Na última segunda-feira, A Tribuna acompanhou o serviço, realizado das 22 horas até as 6
horas do dia seguinte, quando a 'contribuição' - termo técnico que designa o volume de esgoto que passa pelo sistema - é menor. Durante o
período, é possível andar nos corredores com o material acumulado numa profundidade de cerca de um metro.
"A dificuldade é que, em horários de pico, seria impossível trabalhar aqui", explica José Luiz de
Oliveira. Ele diz que na hora do almoço, começo de noite, finais de semana e durante o verão - quando a Cidade está mais cheia - o esgoto preenche a
totalidade do túnel.
A equipe que opera no local conta com seis membros, acompanhados de um encarregado de obra, um
engenheiro no apoio e um técnico de segurança. Este último verifica as condições físico-químicas do ambiente, prejudicado pelo confinamento, durante
o plantão. Se houver algum problema, os trabalhadores são orientados a deixar imediatamente o lugar. Em cada jornada, é recuperado um trecho de no
máximo 2,5 metros.
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"Acabamos nos habituando a trabalhar em um local isolado, abaixo da terra, com o cheiro
desagradável"
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João César Figueiredo, engenheiro |
Piadas - Por conta das características do material com que mantêm contato,
todos que adentram o interceptor têm de obrigatoriamente utilizar roupa especial de isolamento (incluindo luvas e botas), capacete e máscara. Como
forma de descontração, as piadas sobre o ambiente são constantes. "Pode haver trabalho mais cansativo na Sabesp, mas este é com certeza o mais
ingrato", diz Oliveira.
Se o pouco que escapa para o exterior causa reclamações dos moradores dos arredores,
o odor dentro das galerias é bastante intenso. Mas, conforme afirmam os trabalhadores, acostuma-se com o fato. "Cafeteria tem cheiro de café,
pizzaria de pizza. Aqui não é diferente", brinca um deles.
Escada de acesso à galeria está localizada na área do interceptor
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Material é tratado antes de ir ao mar
"Para algum lugar
o esgoto tem de ir", pondera o gerente do Departamento Distrital de Santos da Sabesp, João César
Queiroz Prado.
Antes de ser lançado ao mar - já tratado - o material recolhido na Cidade passa por um longo
processo. É capturado na rede coletora, que conta com 52 estações elevatórias na Ilha de São Vicente, chega à Estação de Pré-Condicionamento de
Esgotos (EPC), é submetido a tratamento e, só depois, é enviado pelo Emissário Submarino, ao oceano.
Na EPC, o material chega às duas estações elevatórias finais - uma delas
foi criada pelo sanitarista Saturnino de Brito, em 1912. A maior foi implantada em 1979, no mesmo período de construção
do Emissário Submarino. O esgoto recebe um cloro bactericida e é enviado às peneiras rotativas, conjunto de grades que filtra os dejetos.
Em seguida, a coleta vai para a chamada caixa de areia - local onde os elementos sólidos que ainda
restam são excluídos. O material, então, é encaminhado ao Emissário Terrestre, que passa por cima do trecho do interceptor oceânico que liga a EPC,
a Rua Newton Prado e o Emissário Submarino, em frente à Ilha de Urubuqueçaba.
Difusores - O líquido avança os 4,5 quilômetros do emissário e é lançado em alto-mar, em um
local onde as correntes marinhas realizam sua dispersão. "O esgoto é espalhado pelos difusores (bocais de distribuição) de maneira uniforme,
dissipando o conteúdo", explica Prado.
"Ocorre uma autodepuração do material, no qual as bactérias e organismos são diluídos em um grande
volume de água (do mar), o que representa um impacto mínimo", afirma.
Máscara também faz parte da roupa especial utilizada de isolamento
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Ampliação aumentará vazão
Se hoje opera com uma vazão de 3 mil litros de esgoto por segundo, a EPC deve atingir a marca de
5,3 mil litros por segundo quando uma das estações elevatórias do complexo for ampliada.
A obra está prevista no Programa de Recuperação Ambiental da Região Metropolitana da Baixada
Santista, do Governo do Estado. Orçada em R$ 1 bi - com empréstimo proveniente do Japan Bank for International Cooperation (JBIC) -, visa implantar
melhorias no saneamento das 9 cidades da região.
3.000 |
litros por segundo é a vazão média verificada durante o dia
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Em fase de licitação para contratação da empresa executora do serviço, o programa também prevê a
ampliação do Emissário Submarino de Santos. Aos atuais 4,5 metros de extensão serão adicionados outros 400 metros.
Extensão
Ilustração publicada com a matéria
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