As praias da Baixada foram cenário, já em 1933, de Anchieta – Entre o Amor e a Religião
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Cinema santista
Máximo Barro (*)
O presente trabalho pretende servir de um primeiro achego às fontes primárias para o futuro levantamento completo das atividades cinematográficas em Santos.
Abordaremos com especial atenção as que usaram a Cidade como ambiente total ou mesmo parcial na realização da produção. Também fica estabelecido que o adjetivo santista se
aplicará indiferentemente à paisagem vicentina e do Guarujá, porque são vários os filmes que temos embaralhando estes três locais.
O exemplo mais recuado levantado na filmografia santista é típico desta possível mesclagem, porque tudo indica que na produção de Guelfo Andaló, com argumento de Olavo Bilac e fotografia
de João Stamato, intitulada Pátria Brasileira, a câmera passeou por várias praias.
A assinatura de Bilac e o título podem oferecer um panorama bastante aproximado da patriotada que estavam cometendo em 1917. Os atores, Giorgina Marchiani e Antônio Latari,
completam um círculo dos mais representativos que tinha o cinema brasileiro na década de 10.
Ainda beirando estes anos, de 1920, é o segundo exemplo conhecido, Jóia Maldita, de responsabilidade de Antônio Tibiriçá e Luiz de Barros, fotografia do grande pioneiro Paulino
Botelho e argumento de Paulo Sulis. No elenco, Pedro Lima, Alice Ribeiro e Yole Burlini.
A produtora Luz Arte, dos irmãos Arturo, Hélio e José Carrari, filmou em São Vicente e imediações, em 1932, Anchieta, Entre o Amor e a Religião, possivelmente com a participação
da escolinha de cinema que funcionava ligada à produtora.
A segunda biografia do jesuíta, Anchieta, José do Brasil, de Paulo César Sarraceni, também utilizou algumas paisagens da região, mais precisamente de
Urubuqueçaba, sendo a maioria dos exteriores, cariocas.
Nos três primeiros exemplos, do cinema santista, todos com cópias e negativos desaparecidos e escassas informações jornalísticas, o termo longa-metragem precisa ser encarado na
perspectiva da época.
Qualquer filme, não documental ou jornalístico, com argumento e atores, era um posado segundo o jargão da época, portanto, enquadrado como ficção e longo, pouco importando que seu
tempo fosse de 10, 20 ou 60 minutos. Esta classificação não era apenas a adotada no Brasil, mas em todo o mundo. Basta recordar que os primeiros Mack Sennetts e Chaplins raramente excediam as famosas duas partes.
Em Alameda da Saudade, 113, de 1951, a praia santista com poucos prédios
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Haverá um longo hiato de 20 anos para surgir o quarto filme santista. Em 1951, no início do ciclo Vera Cruz e Maristela, a Bandeirantes Cinematográfica, produtora especializada até então
em noticiosos que apoiavam a candidatura de Adhemar de Barros, ampliou suas instalações da Rua Fortaleza, em São Paulo, para voos maiores.
A primeira experiência foi uma coprodução com a Lotus, Alameda da Saudade, 113, de Carlos Ortiz e Ortiz Monteiro, que nunca deixaram dúvidas de que escolheram esta Cidade, para as
filmagens, não pelas belezas topográficas, mas por motivos funcionais.
Uma cópia do filme foi redescoberta ultimamente, projetada no Museu da Imagem e do Som, e, portanto, com possibilidade de avaliação atual. Deixemos de lado, que não é esse o intuito
deste trabalho, o fator estético da obra, e fiquemos somente na da participação da Cidade no filme.
Carlos Ortiz, em vários depoimentos da época, principalmente para a revista Aster, afiançava que o roteiro partira de uma ideia que fazia parte da temática popular santista. O
caso, verídico ou não, andou dos jornais à boca do povo, ou vice e versa. Espiritismo, metempsicose e alienação estão misturados no entrecho.
Um rapaz conhece uma moça na noite de carnaval, convive com ela por alguns dias e, quando vai finalmente procurá-la na residência, a mãe o informa de que ela faleceu há vários anos. As
filmagens de exteriores e mesmo alguns interiores foram todas feitas em Santos, restando pouca coisa para os estúdios da Bandeirantes.
O tempo deu-lhe um caráter documental inestimável, porque retrata aspectos da paisagem santista que já não mais existem, além de cenas da Via Anchieta ao tempo
de uma só pista, assim mesmo apenas com um automóvel, que não é Volkswagen. O efeito, hoje, é ainda mais insólito do que o próprio argumento.
De qualquer maneira, é importante salientar que a Cidade, infelizmente, participa exteriormente, em nada contribuindo para o clima místico procurado.
Quase o mesmo poder-se-ia dizer de O Tigre, do ano seguinte, se para isso valerem os parcos depoimentos que sobraram de um trabalho produzido quase no anonimato por João e Landa
Lopes, em meio a uma torrente de percalços, exibido apenas em cinemas de segunda linha, agora sendo recuperado da decomposição pelos dedicados técnicos da cinemateca paulista.
Nestas duas produções, alguns santistas, frequentadores de cine-clubes ou rodinhas de cinema, terçaram suas primeiras armas na prática cinematográfica, entre eles Araken Campos Pereira
Jr., que tanto auxiliou neste levantamento.
Em 1969, o português Rui Gomes filma Sou Louco Por Você, abordando problemas da juventude. Segundo o depoimento da produtora Aurora Duarte, somente 20% foi rodado fora de Santos,
mas ninguém se dá conta disso, porque os exteriores são parcos perto da enxurrada de hotéis e casas particulares.
Somente o ambiente do cais, com a usual fauna de prostitutas, proxenetas, passadores, guardas, marítimos e estivadores, serviu de fundo para dois casos específicos: Cais do Vício,
de 1953, dirigido por Francisco José Ferreira, outra coprodução com a Cinematográfica Bandeirantes e Mulheres do Cais, de José Miziara. Também Aluga-se Moças Nº 2 visualizou o ambiente pelo ângulo do
passador de drogas.
Motivos históricos levaram H. C. Christensen a filmar boa parte de Rei Pelé no campo do Santos e subúrbios. Anos depois, o mesmo
Pelé cederia a sua casa para Anselmo Duarte filmar Os Trombadinhas, onde ele voltava a representar e, dizem, financiar.
Outros produtores aproveitaram aspectos mais antigos da paisagem para efeito da reconstituição histórica como a estação de trem no Independência ou Morte de Massaini-Coimbra, A
Marcha de Osvaldo Sampaio e, novamente o cais, no Gaijin de Tizuka Yamazaki.
Tony Vieira precisou do Morro de Santa Terezinha para dramatizar Desejo Proibido. Nilton Nascimento realizou, em 1973, Meu Brasil Brasileiro,
documentário turístico onde Santos figurava ao lado de Salvador, Belém, Iguaçu, Copacabana, Recife etc. Três anos depois ele produzia uma comédia com José Vedovato, Zé Sexy Muito Louco por Mulheres, com pequena porcentagem de exteriores
ambientada neste litoral.
Até produções americanas ou coproduções, como o inacabado O Americano com Glen Ford e Mistério da Ilha de Vênus, de Douglas Fowley, mantiveram a atração que os ianques têm
pelas praias santistas, que já era apresentada como uma foto no livro dos anos 40 de John Alton, Painting With Light, que foi por longo tempo a bíblia fotográfica de Elizeu Fernandes, Hélio Silva, Toni Rabatoni e toda a jovem guarda da
iluminação da década 50.
Uma equipe francesa de Pierre Kalfon, em coprodução com a Vera Cruz, filmou o policial Verão de Fogo no Guarujá, que sempre foi uma espécie de apêndice cinematográfico de Santos.
Neste último período é mais procurado, às vezes pela hotelaria requintada, outras pela relativa facilidade de filmagem - encontrando-se número menor de frequentadores nas praias mais distantes - e também porque sofre em menor grau o desgaste
imobiliário.
Toda a orla santista está tomada de espigões que viabilizam apenas tomadas onde a Cidade possa participar como metrópole. Mas como a maioria dos argumentos em voga na atualidade pede a
dupla de casais que vai à praia ou montanha para exorcizar-se de complexos, tudo misturado a muita promiscuidade, o quase fatal deus ex-maquina que chega encarnado pela estudante de mochila nas costas ou pelo caseiro-pescador viajante
que desindexa a trama, é lógico que uma casa montada em local afastado é mais fácil de achar no Guarujá, por enquanto.
Este é também o motivo principal porque na última década as equipes emigraram para Bertioga, Caraguatatuba e Ubatuba.
Mais ou menos enquadrados naqueles parâmetros, podemos assinalar: As Gatinhas, Ilha do Desejo, As Secretárias Fazem de Tudo, Super Manso, Já Não Se Faz
Amor Como Antigamente, Fugitivas Insaciáveis, Os Imorais, Prisioneiras da Ilha do Diabo, Lua de Mel com Amendoim.
Em 1969, Roberto Freire, ao invés da praia, usou a cachoeira da Praia de Iporanga para Cleo e Daniel, numa sequencia de poesia memorável, que os demais filmes que a imitaram nem
de longe souberam aproveitar, preferindo apenas fixar-se na parte erótica da situação.
Também com aproveitamento de escassos exteriores precisam ser lembrados Os Incríveis Neste Mundo Louco, Bebel, Garota Propaganda e As Libertinas.
Por estes dias será lançado Vai e Vem à Brasileira de Manoel Carlos, filmado quase inteiramente em Itararé e A Flor do Desejo, em fase de
sonorização.
Foi tudo? Cremos que não.
Enquanto preparamos um levantamento sobre o curta-metragem e as produtoras santistas, ficamos gratos por qualquer informação ou retificação para, quem sabe, termos um dia a
historiografia cinematográfica completa desta região.
O telefone 36-9600 está à disposição.
(*) Máximo Barro é professor da área de Cinema das Faculdades Armando Álvares Penteado, montador e pesquisador de Histórica, com livros editados. É
também colaborador de diversos órgãos da imprensa paulista |