SIRENE toca sempre ao meio-dia
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Segunda-feira, 8 de Maio de 2006, 08:05
TRADIÇÃO
Ao som da história
Sirene de A Tribuna que ecoa no Centro de Santos diariamente ao meio-dia
registrou há exatos 61 anos o fim da Segunda Guerra Mundial
Bruno Guedes
Da Reportagem
Um som estridente ecoou nas ruas do
Centro na manhã do dia 8 de maio de 1945, há exatos 61 anos. O barulho persistente causou surpresa por alguns momentos de
santistas que trabalhavam no próspero bairro, acostumados a ouvi-lo sempre ao meio-dia, sinalizando uma pausa no expediente.
No local de onde vinha o som, o prédio de A Tribuna, na movimentada Rua General
Câmara dos anos 40, uma faixa informava em tom de festa o motivo de tanto alarde: "Viva a Força Expedicionária Brasileira". Acabara a
Segunda Guerra Mundial.
As letras garrafais e o toque da sirene motivaram grande aglomeração de pessoas em
frente ao prédio, que festejaram com uma passeata a vitória dos Aliados na guerra, grupo pelo qual muitos brasileiros lutaram na Itália. Bandeiras
da Inglaterra, França, Estados Unidos e União Soviética tremulavam junto à do Brasil na fachada do edifício.
O toque durou 10 minutos. O som da sereia, como era popularmente conhecido na Cidade
pelo ruído que produzia diariamente sinalizando o horário de almoço, marcou a história de Santos. No mesmo dia, uma edição extraordinária do jornal
foi às bancas anunciando o fim de seis sangrentos anos.
10 minutos |
foi o tempo em que ecoou pelo Centro de Santos o som da sirene de
A Tribuna que anunciou o fim da Segunda Guerra Mundial,
com a rendição da Alemanha
|
|
Desde então, o tradicional sinal, que já fazia parte do cotidiano do Centro desde a
década de 20, passou a anunciar vitórias históricas. Até hoje, está incorporado à rotina da Cidade. "A sirene marcou a vida dos santistas", lembra
com nostalgia a historiadora Clotilde Paul, de 74 anos.
"Eu era menina quando a guerra acabou. O Centro Velho, que era a vida da Cidade,
festejou muito o fim (do confronto) porque havia muitos santistas na Força Expedicionária", comentou. Ela conta que a notícia foi bem comemorada em
sua casa porque seu irmão mais velho fazia parte do terceiro esquadrão que embarcaria para a Europa em alguns dias, mas nem chegou a partir.
Hamleto Rosato, 92 anos, acionou o sinal em 8 de maio de 1945
Foto: Davi Ribeiro, publicada com a matéria
Incontestável conhecedor da história de Santos, jornalista de A Tribuna durante
os últimos 75 anos, Hamleto Rosato, aos 92 anos, orgulha-se de ter acionado a sereia no memorável 8 de maio de 1945. "O equipamento já estava quente
de tanto tocar", recorda Rosato.
"Esta sirene registrou todos os eventos importantes". Ele conta que, em todas as
ocasiões, estendia-se um enorme cartaz na fachada do prédio do jornal para explicar o que motivava o soar do equipamento em horário extraordinário.
"Depois, choviam telefonemas aqui para a Redação".
Rosato, que foi repórter durante anos e hoje escreve a coluna A Tribuna nos anos 60,
lembra que a histórica sirene anunciou a conquista dos três primeiros títulos mundiais da seleção brasileira de futebol (1958, 1962 e 1970). "Também
tocávamos sempre que o Brasil ganhava um jogo na Europa", afirma ele.
Jornalista que já atuou em diversas editorias do jornal nos últimos 46 anos e atual
editor de Opinião, Clóvis Galvão lembra também das duas conquistas mundiais do Santos Futebol Clube, em 1962 e 1963,
quando a sirene também exaltou o momento de festa vivido pela Cidade.
"Ela também foi acionada quando chegou a notícia de Brasília que Santos havia
conquistado sua autonomia política, nos anos 80, depois do período militar", ressalta ele. "Todas as pessoas reconheciam este som. É uma tradição no
Centro".
Mas nem sempre o histórico sinal simbolizou vitórias e conquistas. Quando o corpo do
ex-governador Mário Covas chegou a Santos, morto em março de 2001, a sirene também foi acionada, em homenagem ao santista que marcou a política
brasileira.
Ano-Novo - Até hoje, o toque da sirene é esperado especialmente no último dia
do ano, quando, ao meio-dia, marca o fim do expediente. Clóvis Galvão lembra que tradicionalmente neste momento, os trabalhadores do Centro lançavam
pelas janelas uma chuva de papéis picados. Em alguns escritórios, o costume se mantém. "Mas os tempos são outros. A sirene já teve uma presença
maior na dinâmica do Centro".
Tarcício Vieira dispensa o relógio
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Segunda-feira, 8 de Maio de 2006, 08:07
Tradição se mantém entre os trabalhadores do Centro
Muita coisa mudou desde a década de 40, mas a sirene de A Tribuna, localizada
no topo do prédio de 10 andares na Rua João Pessoa, ainda é referência para muitos. Costumes e hábitos foram esquecidos. A pressa foi incorporada à
rotina do brasileiro. Mas alguns trabalhadores do Centro não vão almoçar enquanto não ouvem o som de alguns segundos que ressoa diariamente, ao
meio-dia.
Zelador de um prédio de escritórios no Centro há dois anos, Tarcísio Vieira já nem usa
o relógio para saber o horário do almoço. Acostumou-se com o pontual toque da sirene. Quase sempre, faz seu intervalo ao meio-dia, junto com
diversas pessoas que trabalham nos escritórios do edifício e também são avisados pelo som. "É um grande movimento neste horário". Ele foi morador do
Monte Serrat durante 20 anos, de onde também ouvia o sinal diariamente.
Já para a vendedora de uma loja de calçados da Rua João Pessoa, Analu de Souza Santos,
a sirene marca o horário que ela deve retornar ao trabalho. Seu intervalo começa às 11 horas. "Eu espero ela tocar para voltar", afirma ela.
Desacostumada com a rotina do Centro, a vendedora de uma loja de roupas Fabiana
Umbelino conta que em seu primeiro dia de trabalho, há pouco mais de um mês, assustou-se com o barulho da sirene. "Agora, quando toca, sei que
chegou a minha hora (de almoço)".
Analus sabe que ao toque da sirene é hora de voltar ao batente
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Pontualidade - Para não comprometer a rotina de tantos trabalhadores do Centro
que se orientam pelo toque do equipamento, e também para não deixar morrer uma tradição de décadas, a responsável pelo acionamento da sirene, a
telefonista Silvia Elaine Ferreira Cruz, confere a hora certa todos os dias no serviço de telefonia.
Desde quando ela começou a trabalhar na rádio Tribuna FM, aciona a sirene no 9º andar
com uma chave, quando o relógio marca meio-dia. "Quando não posso vir ao trabalho, tenho que avisar o pessoal do (setor) Administrativo, para que
eles acionem com uma chave reserva", conta Silvia.
"Algumas pessoas até brincam, quando encontram comigo na rua, e perguntam porque eu
não toco mais cedo, para que possam sair mais cedo para o almoço".
A sirene que fica no 10º andar de A Tribuna é
acionada pontualmente ao meio-dia desde os anos 20
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria
|