Início do texto, no livro Anchietana
O Caminho do Padre José
Primórdios e Evolução
Mário Leite
A esforçada e nobre atuação, no Brasil, do Padre Manoel da
Nóbrega foi entremeada de apelos, ao rei D. João III e ao provincial da Metrópole, para que, em vários sentidos, acudissem à Colônia que nascia.
Partiam de um abnegado, entusiasta pela obra grandiosa a realizar, integração, ao mundo conhecido, de vasta região, quase um continente, com
grandeza desmedida e cujos habitantes, numerosos e dispersos, inteiramente alheios ao convívio civilizado, era mister arrancar do bárbaro
primitivismo, para trazê-los, não por apresamentos, mas com atrativos suaves, pautados de persuasão, ao ambiente social, humanizado pela religião de
que era lídimo representante e intemerato defensor.
Das solicitações, duas foram feitas com insistência e calor: a que, para sucesso da obra
missionária, se referia ao encaminhamento de maior número de padres e aquela, reveladora do tino de sociólogo e da grande virtude do ilustre
superior, que dizia respeito ao envio de povoadores "que rompão e queiram bem à terra", de casais, de órfãos e mulheres, estas mesmo erradas, mas
que não fossem de má vida.
Os pedidos de mais padres só foram parcimoniosamente atendidos, é de se crer, por motivo da
Ordem, praticamente no seu início, sendo ainda poucos seus elementos em Portugal, ter que atender também a outras colônias do Reino.
Quatro padres, Nóbrega nesse número, e dois irmãos, foram os primeiros chegados em 1549.
Eram poucos e não poderiam prover, com a desejada eficiência, os misteres da conversão e da pregação da fé nas extensas regiões do Brasil, onde os
primeiros colonos já estavam em contato com os silvícolas.
Um ano após, mais quatro missionários eram enviados de Portugal.
A terceira leva, vinda na armada de Duarte da Costa, em 1553, depois da qual se passaria um
largo hiato para o envio de outras, era composta apenas de três padres. A insuficiência desse número foi compensada pela sua complementação com
quatro irmãos, entre eles, um jovem de menos de vinte anos: o noviço José de Anchieta.
Frente à vastidão dos sertões, inçados de tribos a serem convertidas, em Pernambuco, Bahia,
Espírito Santo e São Vicente e tendo ainda, na defesa da fé, que assistir aos primeiros povoados da orla marítima, bem pesados tornaram-se os
encargos para os padres e irmãos, verdadeiramente denodados no empenho de bem realizá-los.
A responsabilidade por uma grande obrigação gera estímulo naquele de possibilidades para
levá-la a bom termo. A Anchieta, apesar de adolescente, sobrava capacidade para se empenhar na execução da árdua tarefa. O estímulo lhe veio,
fortificado pela virtude e pela fé.
Chegado a São Vicente, conservando a humildade, que foi um dos atributos da grandeza de sua
obra, deve ter patenteado, ao Padre Manoel da Nóbrega, tais dotes para a missão: cultura, discernimento, compreensão e desprendimento, que, não
obstante a pouca idade e compleição franzina e sendo apenas irmão, tornou-se, de imediato, no alter-ego do seu superior.
A esse primeiro encontro dos dois inacianos, um já padre, também moço e cheio de ardor no
empreendimento da Companhia, outro mais jovem, mostrando algo de surpreendente na disposição e firmeza para a árdua missão, o antigo biógrafo
anchietano Charles Sainte Foy assim se refere:
"Apenas este (fala de Nóbrega) deu com os olhos em José, pela experiência que tinha e
discernimento d'espírito de que Deus o dotara, logo divisou nele um homem destinado pelo Onipotente a obrar maravilhas na salvação dos infiéis".
Anchieta, ligado a Nóbrega por grande respeito e admiração, que sempre manifestava em suas
cartas aos irmãos de Portugal, assim como pela confiança que lhe dispensava o superior, as idéias de ambos tinham que se juntar nos mais
interessantes e úteis propósitos e realizações.
Está em uma das primeiras cartas de Padre Manoel da Nóbrega ao provincial Simão Rodrigues:
"Desta Capitania (refere-se à de São Vicente), se deve da hazer mais fundamiento que de ninguma, por quanto por esta gentilidad nos podremos
extender por la tierra a dentro".
Vem em outra, a D. João III: "he por aqui a porta e o caminho mais certo e seguro para
entrar nas gerações do sertão".
Essa convicção de Nóbrega sobre São Vicente, como melhor entrada do sertão, teria que se
seguir dos propósitos de melhoria das comunicações com o vasto interior, até então só existentes através das ásperas veredas dos silvícolas. Idéias
e intenções não deixariam de se passar ao esforçado noviço, que já se desdobrava em duras caminhadas, de idas e vindas do Planalto, ali sulcando o
Anhembi, para baixo e para montante, na procura de locais apropriados para suas igrejas, escolas e aldeamentos. Assim, também a serviço da
civilização vicentina, estudando a possibilidade da melhoria das sendas existentes, juntava, aos seus múltiplos encargos missionários na Capitania,
o de abridor de caminhos, de desbravador de caudais.
De São Vicente, para os já conhecidos Campos de Piratininga, a trilha batida era a mesma
pela qual descera João Ramalho, acompanhado de Tibiriçá e seus numerosos arcos, ao encontro de Martim Afonso de Souza.
Entre o boqueirão, onde aportara o fundador da Capitania, e o chamado porto das Armadias,
atual Piaçaguera, a viagem era feita em pirogas ou igaras. Dali por diante, estendia-se o caminho por terra, vencendo os alcantis e os socalcos da
serrania, uma tortuosa vereda, que obrigava a passadas as mais penosas, freqüentemente, ajudadas pelas mãos, agarrando-se às raízes e
anfractuosidades das rochas. No alto, delineava-se mais suave, para chegar aos aldeamentos.
Só permitia a pedregosa vereda, no extenso trecho da serra, o trânsito de pedestres. Antes
da vinda de Martim Afonso, por ela já descia a única mercadoria de produção no interior, caminhando pelos próprios pés, para o escambo na ilha de
São Vicente: o escravo índio, preado por João Ramalho e sua gente. É o que vem em Eugênio Teixeira de Castro, citado e corroborado por Afonso D'E.Taunay:
"João Ramalho, pela trilha primitiva da serra acima iria formando e consolidando seu
prestígio, preando silvícolas que aumentariam a população escrava de São Vicente. Assim, aos poucos, esse recanto acessível à navegação oceânica se
tornaria em um porto de escravos a cuja feira acudiriam expedições clandestinas".
Pela senda aspérrima subira o Padre Leonardo Nunes, o primeiro jesuíta que atingiu o
Planalto, em 1550. Ali, o esforçado Abarebebê havia conseguido que João ramalho e seus dependentes, dispersos em pequenos aldeamentos, "se
ayuntassen todos en un lugar y hiziessen una hermita". Teve boa acolhida e deu bom resultado o conselho do inaciano. Ele mesmo, em seguida,
informa em sua carta: "pusienronlo luego por obra y tomaron luego campo para la iglesia".
Daí teria surgido o burgo ramalhense, para receber, três anos depois, de Tomé de Souza, o
predicamento de vila.
Além desse caminho, de Porto das Armadias aos aldeamentos da serra, o mais batido, pelos
índios, padres, portugueses e primeiros mamelucos, outros de silvícolas, também existiam para o acesso ao extenso planalto.
O que partia de Bertioga, para atingir as cabeceiras do Tietê, possivelmente teria servido a
Braz Cubas para percorrer uma parte da sua extensa sesmaria e, muito provavelmente, ainda para o fundador de Santos, depois de transposto o divisor
constituído pela serra de Itapeti, passar ao vale do Paraíba, rumo à região do ouro, assim realizando a entrada de 300 léguas nas Gerais, das
primeiras no registro do bandeirismo.
Capistrano de Abreu refere-se a um caminho de índios, antiqüíssimo, que, partindo de Parati,
vencendo a Serra do Mar e passando no sítio onde se formou a cidade de Cunha, chegava ao vale do Paraíba, na região de Taubaté.
A mais procurada dessas trilhas, essa do porto das Armadias aos Campos do Planalto,
permaneceu sem qualquer melhoria, pelo menos até o estabelecimento dos jesuítas, no alto, em 1554. Eles próprios, quiçá orientando os trabalhos do
irmão José de Anchieta, nela, talvez tivessem introduzido os seus primeiros reparos.
Tudo indica que esse caminho primitivo dos índios gizava a serra pela encosta da margem
direita do rio Mogi, melhor direção ao aldeamento ramalhense. Daí continuava para o modesto povoado, de início a 25 de janeiro de 1554, no cimo da
colina, entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, pela "casa pobrezinha, feita de barro e paus e coberta de palha de 14 passos de comprimento e 10 de
largura" assim referida na carta de setembro de 1554, de Anchieta ao superior geral, Inácio de Loiola.
Assaz controvertida é a situação que teria tido a antiga vila de João Ramalho, ao longo
desse caminho.
Mesmo sem intuito de dirimir a dúvida que persiste, quem queira, num
mapa de escala suficientemente avantajada, medir, desde o Tumiaru, ou da entrada do boqueirão do meio, até o porto das Armadias (esses dois trechos
marítimos têm aproximadamente igual extensão) e daí para cima, na direção das cabeceiras do Tamanduateí, as nove léguas que o diário de Pero Lopes
marca como distância do mar ao sítio de João Ramalho, nos altos da serrania, poderá situar, com alguma aproximação, dentro do município de Santo
André atual, à margem desse mesmo Tamanduateí, que é, como afirma Frei Gaspar da Madre de Deus, o antigo rio Piratininga, o local onde existiu a
vila que foi extinta em 1560. A légua deve ter sido de 16 2/3 por grau, a adotada na época, como assevera Varnhagem. Aliás, é quase a mesma de 3.000
braças, referida por Bluteau, como a antiga légua portuguesa.
Esse caminho, pela vertente direita do vale do Mogi, foi mandado transferir-se para a serra
do Cubatão, por Mem de Sá, quando da viagem a São Vicente. A determinação do governador geral, grande amigo dos jesuítas, teria sido um aditamento à
ordem de 1560, da transferência de Santo André para São Paulo de Piratininga. Deu, como motivo, a primitiva vereda sujeita ao ataque dos índios
contrários, tupiniquins e tamoios. Mas, é de se dizer que só tivesse decorrido de solicitação dos padres, como foi a da extinção da vila ramalhense.
O caminho pelo Cubatão, desviado do burgo de Ramalho, teria sido mais um golpe para seu definitivo desaparecimento.
A tarefa de orientar, em 1560, a abertura do novo caminho, pela serra do Cubatão, confiada
ao noviço José, guenzo, mas sempre avançando para o sacrifício, devia ter sido recebida com a mesma disposição com que vinha atuando nos mais
variados e árduos misteres, desde o de mestre de meninos e de irmãos, até o de alparcateiro, já então, alternados de feitos notáveis, que
culminariam, mais tarde, naqueles da defesa do Pátio do Colégio, da epopéia de Iperoig e da cooperação dada a Mem de Sá e a Estácio de Sá, no Rio de
Janeiro.
Há certa confusão de datas na parte dos Apontamentos de Azevedo Marques em que trata
desse caminho. Vem nos mesmos, em seguida a uma referência à viagem, em 1532, de Martim Afonso aos Campos de Piratininga: "Posteriormente, em 1553,
foi aberto outro caminho também pelos índios, sob a direção do Padre José de Anchieta; este foi em 1560 mandado preferir ao outro pelo governador
geral Mem de Sá e foi conhecido durante muitos anos com o nome de Caminho do Padre José".
Essa impropriedade com respeito ao ano de 1553 assinalando a abertura do caminho pelo irmão
Anchieta, quiçá decorrente de revisão apressada, vem repetida no livro de Afonso Taunay, São Paulo nos primeiros anos.
Chegado Anchieta a São Vicente a 24 de dezembro de 1553, como está em seus biógrafos,
inclusive em Serafim Leite e neste com argumentos positivos, dentro dos sete dias que faltavam para completar o ano, ainda alheio ao trato com os
índios, não poderia orientar trabalhos, nem mesmo da desmatação da estreita faixa necessária.
Na expressiva obra do padre Simão de Vasconcelos, Vida do Venerável Padre José de
Anchieta, está a seguinte referência a fato edificante, passado com o Taumaturgo, mais ou menos no ano de 1556: "Ajudando a abrir o caminho nas
serranias, ditas de São Paulo para a vila de Santos viram os companheiros com quem andava um portento grande". Continua o informe com a narrativa de
episódio místico, dos muitos da vida do inolvidável jesuíta. Esse relato, positivando Anchieta na faina da abertura do caminho para o Planalto, pode
referir-se ao conserto da trilha primitiva ou à construção da nova, neste caso, admitindo-se um equívoco do autor, apenas quanto ao milésimo.
O padre Antônio Franco, citado por Taunay no mesmo livro, "São Paulo nos primeiros anos",
diz que o padre Manoel da Nóbrega determinou a abertura, em 1560, de nova via de Piratininga para São Vicente. E completa a referência: "Por agência
de dois irmãos leigos engenhosos se abriu com grande trabalho este caminho, de que todos receberam grande segurança e proveito". Nesse registro, é
inexplicavelmente omitido aquele que tudo indica como o executor da tarefa da modesta estrada, nada mais que uma trilha, mas que muito serviu nos
albores da civilização paulista.
Em reafirmação de que Anchieta teve, de fato, o encargo da abertura de melhor vereda que a
primitiva, de serventia de índios, para acesso aos sítios de serra acima, atente-se ainda ao seguinte trecho das Memórias para a História da
Capitania de São Vicente, de Frei Gaspar: "Aqui deu princípio à sua viagem para o Campo de Piratininga (refere-se à excursão ao Planalto de
Martim Afonso e ao Porto das Armadias) pelo caminho de que se serviram os portugueses até 1560, em que o Governador Geral do Estado, Mem de Sá,
vindo a esta Capitania, ordenou que ninguém o freqüentasse por ser infestado de índios nossos contrários, substituindo em seu lugar a estrada do
Cubatão Geral, a que as sesmarias antigas chamam Caminho do Padre José, por o ter aberto ou consertado o Padre José de Anchieta".
Nenhuma dúvida portanto, senão de datas, aliás a mais plausível a de 1560, quanto à
participação do esforçado noviço na construção ou reconstrução do caminho de subida ao Planalto, que por muitos anos, foi chamado "Caminho do Padre
José".
Essa denominação, que, por certo, persistiu enquanto José de Anchieta viveu em São Vicente,
em messes de notáveis realizações, teria advindo de ser, dos jesuítas, o mais conhecido entre os índios, portugueses e mamelucos, por seus inúmeros
afazeres, junto deles e para eles, por sua atitude suave e mística, acolhedora e conselheira, e ainda da sua continuada presença, palmilhando o
"seu" caminho, em idas e vindas. Assim dava assistência, cristã e material, à vida em começo no burgo, marcado com grande desígnio, iniciativa feliz
de Manoel da Nóbrega, de que ele, o noviço, vinha sendo o principal edificador, e a São Vicente, onde estava a maior parte da população da
Capitania, já com seus problemas, para cuja solução era freqüentemente solicitado.
Ao depois, tornando-se mais intervalada sua permanência em São Vicente, pois tinha que dar
cumprimento às expressivas obrigações de padre, superior e provincial, no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, até se acabar, preso à sua
humildade, no sertão de Reritiba, rarefeita foi ficando a lembrança do seu nome no caminho que abrira. Isso não obstava a que continuasse no coração
dos vicentinos, já como santo, o que é atestado pelo processo informativo do primeiro quartel do século 17, pródomo da campanha para sua
beatificação.
Em 1597, segundo averiguou Afonso D'E. Taunay, foi determinado, às Câmaras Vicentinas, que
tornassem transitável o "Caminho do Mar", para viagem de D. Francisco de Souza a São Paulo.
Com essa denominação, às vezes transmudada em "Estrada do Mar", veio recebendo, com longos
intervalos, precários melhoramentos, mais ou menos semelhantes aos possibilitados pelo antigo sistema da "mão comum", que consistia, diz-nos ainda
Afonso D'E. Taunay, em fazer cada morador "o que lhe coubesse por sua repartição".
De alguma melhoria da velha trilha, cuidaram os muitos capitães-generais, que se sucederam,
no governo de São Paulo, nos séculos 17 e 18.
Segundo Azevedo Marques, tiveram alguma relevância os melhoramentos procedidos na
administração do Morgado de Mateus, que aplicou, no custeio dos serviços, o produto de certa arrecadação na Capitania, conhecida pelo nome de "Novo
imposto para reedificação de Lisboa", assim como os de iniciativa dos capitães-generais Martim Lopes Lopo de Saldanha, José Raimundo Chichorro e
Bernardo José de Lorena.
Este último, a quem São Paulo ficou devendo um bom governo, além de obras de algum relevo
com que dotou a Capital, deu, ao "Caminho do Mar", uma feição nova, com a retificação dos trechos mais tortuosos e o empedramento de outros.
Com as modificações mandadas proceder pelo capitão-general Bernardo José de Lorena, ficou a
única via de comunicação entre São Paulo e Santos assaz melhorada, assim permitindo, certo com mais segurança, além da passagem, já freqüente, das
manadas para embarque no porto, também o trânsito de tropas, carros de bois, banguês e liteiras. Verdade é que não existiam outros meios para
movimento de cargas e de pessoas. Atendiam contudo ao desenvolvimento, um tanto moroso, da Capitania.
Recebeu a estrada um importante melhoramento, que consistiu na construção do trecho entre
Santos e Cubatão, então passando a ser via inteiramente terrestre. Foi a construção de iniciativa do primeiro presidente da Província, Lucas Antônio
Monteiro de Barros, Visconde de Congonhas do Campo. O caminho, assim transformado, teve sua inauguração a 17 de fevereiro de 1827. Com essa data,
está o acontecimento inscrito nas Efemérides do Barão do Rio Branco.
Sobre a estrada, com novos consertos procedidos em 1840, na administração do Brigadeiro
Tobias de Aguiar, encontra-se a seguinte nota, aposta por comentador das "Memórias" de Frei Gaspar da Madre de Deus, em um dos capítulos da
magnífica obra: "Hoje, transita-se a Serra de Paranapiacaba, por nova estrada, com o nome de "Maioridade", projetada e feita no tempo da presidência
do Sr. Tobias de Aguiar".
A proclamação da maioridade de Pedro II, a 23 de julho de 1840, foi episódio nacional
marcante e daí um sem número de denominações, como essa dada ao caminho reconstruído.
Apesar desses reparos procedidos no curto, mas operoso, governo do ilustre sorocabano e sem
lhe valer o "panache" da nova denominação, a estrada, passadas pouco mais de duas dezenas de anos, viria a entrar num período de decadência, causado
pelo aparecimento de outro meio de transporte, a ferrovia, cuja eficiência vinha revolucionando a economia das comunicações em países mais
adiantados.
Nesse meio tempo iria receber nova designação, "Estrada do Vergueiro", vinda do nome de quem
trouxera, ao velho caminho, em 1863, alguma melhoria. Foi José Vergueiro, filho do Senador Vergueiro.
Na época, já estava, à vista, o abandono que viria sofrer, pois se construía a linha férrea
de Santos a Jundiaí, que, em prenúncio de vitoriosa competidora, seria inaugurada em 1867.
Desaparecida sua expressão econômica e social, perdida a relativa eficiência, foi sendo
esquecida. Por isso, é de se crer que em 1897, quando os paulistas exaltavam a figura e a obra missionária de Anchieta, não tivessem cogitado de
trazer, de novo, seu nome para essa via, tão ligada aos feitos do Taumaturgo.
Isso, porém, teria de acontecer, tempos depois, já em nossos dias, readquirida sua feição
econômica e certa importância, trazida pelo rodar do automóvel.
Tomaria, porém, antes, uma das suas antigas denominações, continuando ainda olvidado, num
curto período, o nome de quem lhe emprestara a mística notoriedade de antanho.
Em 1913, o automóvel já exigindo traçados mais convenientes, por iniciativa privada, foi
mais ou menos refeita e mudada a sua designação, de "Estrada do Vergueiro" para a de "Caminho do Mar".
1923 - O Governo do Estado encampa a estrada, no seu trecho de via privada, onde se cobrava
pedágio. Reconstrói toda ela, dando-lhe condições para receber mais acentuadamente o tráfego automobilístico, sem afastar a sua risca, no planalto e
na encosta abrupta, da trilha rasgada pelo irmão José de Anchieta.
Cerca de 1934, o poder público no Brasil, mesmo sem qualquer plano viário de conjunto,
voltava-se, acentuadamente, para a estrada de rodagem, verdade que não se atendo, no seu delineamento, à feição supletiva que deveria ter o novo
meio de transporte. A real necessidade de uma boa rodovia, entre São Paulo e Santos, fundada cogitação do Governo Paulista, constituiu, porém, uma
exceção a essa maneira de equacionar o problema.
Disso decorreram estudos e elaboração do projeto da nova via, de alta classe, cuja
construção teve começo em 1939.
Assentou-se o traçado, na mesma serrania e pela mesma região do Planalto, onde passara o
"Caminho do Padre José".
À nova estrada, concluída com acabamento que a fez igual às melhores do mundo, num
ressarcimento do olvido, por mais de três séculos, do venerável jesuíta, no caminho que ele próprio abrira e percorrera, em jornadas para o bem da
terra e da gente, não poderia deixar de ser devolvido o seu nome.
Na antevisão carismática do lúcido irmão canarino, relativa ao futuro do modesto povoado dos
Campos de Piratininga, transmudado na soberba metrópole de agora, pode bem incluir-se a da transformação, da vereda antiga, na magnífica estrada
atual, de finalidades semelhantes, uma e outra: aquela de dar vida ao burgo planaltino, esta de cooperar no brilho da grande cidade, advinda desse
burgo.
A essa grande estrada, término presente da evolução do "Caminho do Padre José", houve por
bem a nobre compreensão paulista de dar o designativo, que será inapagável e definitivo, de "Via Anchieta". |