Vista do interior de uma das máquinas fixas dos Novos Planos Inclinados, que tracionam
os cabos-sem-fim, que fazem subir e descer as composições
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Estrada de Ferro Santos a Jundiaí
A Estrada de Ferro Santos a Jundiaí foi fundada
pelo decreto do Governo Imperial nº 1.759, de 26 de abril de 1856. Foram seus concessionários o conselheiro dr. José da Costa Carvalho, 13º
presidente da Província de São Paulo e marquês de Monte Alegre, ilustre baiano radicado na terra paulista, o conselheiro José Pimenta Bueno, de
estirpe bandeirante e depois marquês de São Vicente, e Irineu Evangelista de Sousa, nascido no Rio Grande do Sul e mais tarde barão e depois
visconde de Mauá.
Todos esses três ilustres personagens tornaram-se influentes figuras no segundo
império justamente por escreverem páginas indeléveis de fecunda ação junto ao governo, cabendo a Mauá, todavia, sobressair-se mais nas atividades
particulares, pois criou no País empresas portentosas que contribuíram para o seu progresso, entre as quais a primeira estrada de ferro - a E. F.
Petrópolis - inaugurada em abril de 1854, da baía da Guanabara ao sopé da Serra dos Órgãos, em demanda àquela cidade serrana. Coube também ao grande
brasileiro a fundação da companhia de Gás do Rio de Janeiro, as oficinas de fundição e estaleiros da Ponta da Areia (de onde saíram quase todos os
barcos de guerra para a campanha do Paraguai); a introdução do serviço de navegação do rio Amazonas, o cabo submarino; a fundação de um
estabelecimento bancário que foi o maior do continente, além de outras dezenas de prodigiosas realizações.
Construíam-se estradas de ferro em todos os países, desde seu advento entre Liverpool
e Manchester, após Stephenson ter criado a sua famosa "The Rocket", a primeira locomotiva realmente digna desse nome, e o Brasil, com seu vasto
território e enorme caudal de produtos para oferecer ao mundo, sentiu também a necessidade de ter o solo sulcado pelas paralelas de aço.
Foi assim que o regente Feijó, pelo decreto nº 101, de 31 de outubro de 1835, deu o
passo inicial para a introdução de tão importante melhoramento no País, recomendando que as empresas ferroviárias a serem criadas ligassem a Corte
às Províncias da Baía, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, passando por São Paulo.
Os homens representativos da terra paulista, contudo, desejavam antes de mais nada que
a sua primeira estrada ligasse o Interior ao porto de Santos, certos de que esse seria o passo mais acertado, e dessa forma, no ano seguinte ao
decreto da Regência, foi sancionada na Província a Lei nº 51, de 18 de março de 1836, que, antes de entrar em execução, foi revogada e substituída
pela de nº 115, de 30 de março de 1838, e que autorizava a Companhia de Aguiar, Viúva, Filhos & Cia. Platt e Reid a construir uma via férrea e
outros empreendimentos ligados ao transporte em geral.
À frente da firma, encontrava-se o sócio Frederico Fomm, um prussiano de grande
prestígio no comércio cafeeiro sediado na cidade portuária, e que desde logo mostrou interesse em levar avante o plano, tanto assim que se dirigiu a
Pernambuco, a fim de trazer um dos irmãos Mornay para estudar o traçado em perspectiva.
Todavia, nem o mesmo Frederico Fomm e nem o marquês de Barbacena, que haviam se
dirigido à Inglaterra para conseguir capitais necessários à implantação da estrada de ferro no Brasil, lograram interessar os capitalistas
britânicos, e assim, somente 18 anos depois é que São Paulo obteria meios de construir a sua tão sonhada estrada de ferro com início no porto de
Santos. Mas então, Mauá já inaugurara a sua primeira ferrovia, e já iam bem adiantadas as construções das estradas de Pernambuco, a E.F. D. Pedro
II, com traçado assegurado para São Paulo e a E. F. da Baía. Entrementes, o dr. Thomaz Cochrane teve caducadas duas concessões de estrada de ferro
ligando a Corte a São Paulo, também em virtude de não conseguir interessar capitais em tão relevante empreendimento.
O marquês de Monte Alegre foi quem, na realidade, sentiu com maior intensidade os
reclamos dos centros produtores da Província, que ansiavam por melhores meios de transporte em direção ao porto de Santos, e juntando-se ao
conselheiro José Pimenta Bueno, conseguiram ambos interessar o barão de Mauá, mediante promessa de auxiliá-lo em tudo para levar avante o seu plano
de ação, inclusive subscrevendo quotas elevadas do capital reclamado.
De início, o notável gaúcho – que participava direta e indiretamente de todos os
empreendimentos ferroviários da época – resistiu ao convite, a esse respeito tendo escrito mais tarde: "A magnitude da empresa criou alguma
hesitação em meu espírito..." Mas, diante do apoio que ambos os seus nobres amigos lhe ofereceram, resolveu aceitar a incumbência e ligar seu nome
aos deles, sem adivinhar que o empreendimento trar-lhe-ia os maiores dissabores, se bem que a glória da realização lhe pertencesse inteiramente.
Também, os amigos não desejavam participar dos lucros pecuniários resultantes da via férrea, lucros esses que Mauá não usufruiu, em virtude de ter
perdido mais de 800 mil libras esterlinas aplicadas na cobertura dos serviços de empreitada e que a companhia sediada em Londres se recusava a
pagar.
Formada a empresa em Londres, ainda de acordo com o decreto nº 1.759, já Mauá, de
posse dos estudos realizados por Mornay, contratava os engenheiros Roberto Miligan e D'Ordan, para abrir uma picada na Serra do Cubatão (com 800
metros de altitude), dando início assim à transposição do maior óbice que impedia a realização do sonho da gente bandeirante. Em seguida, Mauá
contratou o famoso engenheiro James Brunlees para os trabalhos propriamente ditos da ferrovia, o qual escolheu o seu discípulo Daniel Fox para que
viesse ao local terminar os estudos necessários, os quais foram completados à custa de sua própria bolsa.
A 15 de maio de 1860 era batida a primeira estaca, na atual estação de Santos, sob
intenso regozijo popular, e em julho de 1864 deu-se a inauguração do primeiro Plano Inclinado da Serra, chamado funicular, que se utilizava de cabos
de aço para fazer subir e descer as composições, sistema que se completou mais tarde com a construção de mais três planos, completando-se os quatro
até hoje em funcionamento. Foi o engenheiro Welby o planejador do sistema, e que veio ao Brasil para construí-lo em cooperação com o engenheiro
Daniel Fox, por esse tempo ocorrendo a negativa da companhia sediada em Londres de efetuar os pagamentos aos empreiteiros, sendo então a situação
socorrida por Mauá, que a bem dizer lavrou com esse gesto de grande patriotismo a sua própria derrocada financeira.
Finalmente, a 16 de fevereiro de 1867, a E. F. Santos a Jundiaí era entregue ao
público, sem grandes alardes e aclamações populares, já que extenuante fora a refrega por que todos passaram, mas em menos de uma década a companhia
desistia da garantia de juros concedida pelo governo e sem a qual jamais se teria criado estradas de ferro no País.
A E. F. Santos a Jundiaí dava bons lucros e São Paulo progredia através daquilo que
mais almejaram os seus filhos, isto é, a notável via férrea que foi sem dúvida o verdadeiro instrumento do enriquecimento de toda a região central
do Brasil.
Somente em 1875 a E. F. D. Pedro II chegava ao território paulista, em Cachoeira, e
nesse mesmo ano nada menos de três estradas eram inauguradas na Província, a saber: a Sorocabana, a Mogiana e Cia. São Paulo e Rio, esta última com
linha até Cachoeira.
Antes de finalizar o século, a E. F. Santos a Jundiaí, construída pelo modelo das mais
perfeitas congêneres européias, já necessitava de grandes reformas, as quais foram projetadas e executadas para surgir mais poderosa no alvorecer
deste século, de sorte que a ferrovia teve as linhas duplicadas em todo o traçado, construindo-se ademais estações intermediárias em elevado número,
inclusive a da Luz, e melhorando-se a de Santos.
Outrossim, foi construído na Serra um novo sistema de cabos de aço, o chamado
cabo-sem-fim, subdividido em 5 patamares e com máquinas fixas possantes, e adquiriu-se locomotivas modernas, carros de passageiros mais amplos e
confortáveis e vagões de carga de elevada tonelagem, com os quais o Brasil deu escoamento à sua grande produção da rubiácea e iniciou uma nova era
de progresso inenarrável.
Por sua vez, a E. F. Santos a Jundiaí tornou-se a estrada de maior tráfego
quilométrico do Brasil, e em certo tempo a de maior renda quilométrica do mundo, sendo mesmo uma das pouquíssimas que pagou renda aos acionistas na
calamitosa derrocada financeira mundial de 1929. Ao findar-se, porém, o prazo contratual de 90 anos, quase concomitantemente com os 7 da segunda
grande guerra, a companhia concessionária deixava a estrada senão em situação financeira precária, pelo menos com a totalidade do material rodante
obsoleto e os equipamentos dos múltiplos setores necessitando de reforma ou substituição completa. Isto, contudo, já fora previsto por Teófilo Otoni
há quase um século, pois o construtor da E. F. D. Pedro II, atual Central do Brasil, fizera apreciações justíssimas acerca do perigo de fazer
concessões a capitais estrangeiros...
Logo após a encampação executada pelo decreto-lei nº 8.969, de 13 de outubro de 1946,
durante a gestão do presidente Eurico Gaspar Dutra, coube ao primeiro administrador federal, eng. Romero Fernando Zander, providenciar a
substituição da lenha combustível que escasseava por óleo, determinando que se adaptasse às locomotivas a vapor maçaricos para a queima do referido
combustível.
É que o plano para eletrificação da ferrovia, desde a antiga concessionária, marchava
a passos lentos, dada a dificuldade de importação do material necessário (encomendado na Inglaterra), e somente a 20 de junho de 1950 foi inaugurado
o primeiro trecho beneficiado pela tração elétrica, entre São Paulo e Jundiaí, já na gestão do atual administrador e terceiro desde a encampação,
eng. Renato de Azevedo Feio.
Coube a este dirigente os estudos e projetos concernentes às modificações pelas quais
a Estrada tem passado, possibilitando-lhe um surto de extraordinário progresso nesta época de terrível inflação, pois não fora a elevação
astronômica da despesa decorrente do encarecimento de materiais, manutenção e salários, a empresa seria indubitavelmente a única a apresentar
resultados compensadores no âmbito federal.
Um dos problemas mais sérios enfrentado pela atual administração da EFSJ foi o de
transporte de subúrbios e também o que se refere aos pontos urbanos, pois São Paulo agigantou-se extraordinariamente dentro do perímetro
compreendido pelas estações de Ipiranga e Perus, crescendo o movimento de passageiros de modo a exigir urgentes medidas para que o tráfego de trens
de pequeno percurso fosse aumentado em número suficiente.
Com a ampliação do tráfego de grande e pequena velocidade, observou-se a necessidade
de construir-se um oleoduto que tornasse menos pesada a sobrecarga da Estrada, pois já em 1951, 20% da tonelagem total (1.300.000 tons.) consistia
de produtos petrolíferos que requeriam não apenas um cuidado especial, mas que utilizavam os meios de transporte necessários para outros gêneros de
carga.
Essa situação levou a Estrada a solicitar permissão ao Governo para construir e fazer
funcionar o citado oleoduto, sendo que a obra foi autorizada em 27 de agosto de 1948, para em fins de 1951 entrar a funcionar normalmente. A
construção foi financiada parte pela Estrada e parte pelas verbas do Plano Salte.
No ano de 1950, a receita dos serviços ferroviários resultantes dos transportes de
petróleo atingiu Cr$ 67.940.231,00, alcançando Cr$ 56.643.094,00 nos primeiros meses de 1951, antes do Oleoduto entrar em funcionamento. Daí por
diante, se o volume de petróleo se mantivesse inalterado a Estrada perderia por ano aproximadamente Cr$ 62.000.000,00 em sua receita de operação
resultante do transporte de produtos petrolíferos, ficando com apenas Cr$ 20.000.000,00 de produtos congêneres que não pudessem ser transportados
pelo Oleoduto.
Mas, como a tubulação é de sua propriedade, a receita resultante da mesma compensaria
quaisquer depressões orçamentárias, ou melhor, das rendas de operação ferroviária, e já em 1953 o Oleoduto produzia uma renda líquida de Cr$
65.642.000,00, ou 45% do total da receita da ferrovia, além do mais aumentando a capacidade de transporte pelas linhas em aproximadamente 1.400.000
toneladas anuais.
O oleoduto inicia-se no nível do mar nos reservatórios de armazenagem da ilha Barnabé,
em Santos, e tem seu ponto terminal em São Paulo, isto depois de ter subido a um máximo de 800 metros aproximadamente, acima do nível do mar. A rede
acha-se ligada com a Refinaria de Cubatão, com capacidade para 20.000 barris. Outras ligações foram executadas com as companhias importadoras, a
saber: Shel Mex do Brasil, Texas Company, Cia. Brasileira de Petróleo, Gulf e Standard Oil Company do Brasil, além da usina termo-elétrica
Piratininga, da Light.
O transporte rodoviário, em certa época após a encampação da Estrada, trouxe mal estar
à sua situação econômica, já que a estrada entre São Paulo e Santos, moderna e com pistas excelentes, permitia maior velocidade e menor desgaste de
material. É que surgiram numerosas empresas explorando o ramo, forçando então a que a administração da empresa – diante do fato de que o tráfego
rodoviário em março de 1949, pela primeira vez, superou o da ferrovia – resolvesse criar o Rodoviário Santos a Jundiaí, como serviço complementar do
organismo, com a finalidade de entregar mercadorias de porta a porta, o que veio melhorar a sua posição e conseguir no prazo de 4 meses superar o
movimento de suas competidoras. O serviço foi iniciado com 30 caminhões de 4.500 kg cada, e atualmente conta com 195 veículos, que lhe permite
enfrentar qualquer concorrência e contribuir para maior progresso da Estrada.
Presentemente, a EFSJ está em fase de remodelação, mercê do empréstimo que lhe foi
concedido por recomendação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, no importe de 25 milhões de dólares. Do planejamento consta a compra de vagões
de carga, de trens-unidades-múltiplas para subúrbio, renovação do equipamento de oficinas, substituição da sinalização automática por moderno
sistema elétrico, troca de engates de correntes pelos automáticos, renovação da rede telefônica e telegráfica e compra de máquinas Diesel para
serviço de manobras.
Dentre todas essas realizações destaca-se a introdução no tráfego suburbano das
composições de unidades-múltiplas, que além de desenvolverem grande velocidade, por conseguinte diminuindo o tráfego, poderão conter grande número
de passageiros sentados e em pé, ademais exigindo um único homem para movimentá-las: o piloto. Da própria cabina, na parte dianteira, o piloto com
um simples movimento de mão abrirá todas as portas da composição, facilitando a saída e entrada de passageiros dentro da melhor ordem. As
unidades-múltiplas serão construídas de aço inoxidável e não necessitarão de continuados reparos, o que beneficiará o público de modo amplo e
seguro.
Estes são, em traços gerais, os pormenores de tudo o que se realiza na E. F. Santos a
Jundiaí, para torná-la cada vez mais progressista e digna de suas tradições como ferrovia pioneira do Estado de São Paulo. Ainda há pouco completou
a ferrovia cem anos de existência e, quem se detiver a analisar a história das paralelas de aço, verificará que o sonho de Mauá realizou-se
completamente, pois, hoje, o porto de Santos é a espinha dorsal da economia nacional, mas depende em grande parte da perfeição do sistema de
comunicação que o ilustre gaúcho levou a cabo mesmo com o sacrifício de seus bens, que a companhia inglesa jamais ressarciu.
Um das novas locomotivas Diesel, para manobras,
quando era desembarcada no porto de Santos em dezembro de 1956
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