VILA MATHIAS, EM CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO - Tipicamente comercial, a Vila Mathias vive mais uma
onda de transformações. Caracterizado por suas lojas de móveis, tintas e peças automotivas, o bairro tem ganhado ares intelectuais, reunindo
unidades de quase metade das instituições de Ensino Superior de Santos. Por outro lado, é a única área da Cidade onde o número de moradores tem
diminuído
Imagem: reprodução parcial da primeira página de A
Tribuna de 28/12/2009
VOCAÇÃO
De olho num futuro promissor
Nascido na esteira dos antigos bondes e reduto de portugueses, bairro quer
atrair mais empreendimentos comerciais
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
Houve um tempo em que os bondes mandavam na
Vila Mathias. Em princípio, eram puxados a tração animal (leia-se: burros) e ligavam o bairro, a partir de onde hoje é a sede da Companhia de
Engenharia de Tráfego (CET), na Av. Rangel Pestana, à praia e ao Centro. Hoje, os bondes ficaram para trás e quem manda são os carros: uma das
maiores queixas dos comerciantes é justamente a falta de vagas e de regulamentação para estacionar nas ruas.
Essa carência, contudo, é efeito direto das transformações que vêm ocorrendo na Vila Mathias,
principalmente a partir das três últimas décadas. O comércio do bairro, antes praticamente restrito às lojas de móveis, tintas e tudo o que fosse
relacionado a carros e motos, vem se diversificando - inclusive ganhando ares bem mais intelectuais.
Isso porque,
das 12 instituições de ensino superior da Cidade, cinco têm presença no bairro. Por outro lado, pode-se afirmar que o bairro sempre teve vocação
para as letras, afinal é lar da centenária Escola Cesário Bastos.
Além disso, clínicas médicas de todas as especialidades, restaurantes variados e lojas de outros
ramos completam o amplo espectro comercial.
Como se não bastasse, o bairro abriga ainda o que pode ser considerado o coração da cultura na
Cidade; o Centro de Cultura Patrícia Galvão, onde funcionam a Secretaria de Cultura, o Teatro Municipal Brás Cubas, a Hemeroteca Roldão Mendes
Rosa e o Museu da Imagem e do Som de Santos (Miss).
Mas nem tudo são flores. "É o único bairro em que o número de moradores está diminuindo. E 80%
deles são carentes. Não tem milionário morando na Vila Mathias", afirma Jessé Teixeira Félix, presidente da Associação de Moradores e Amigos da
Vila Mathias.
A maior concentração dessa população carente, segundo Jessé, ficaria no trecho compreendido
entre a Av. Conselheiro Nébias e o porto. "Tem muitas casas antigas com sublocação, onde chegam a morar 200 pessoas", calcula.
Situada no coração da Cidade, a Vila Mathias preserva muitas características de suas origens,
mas cobra do Poder Público uma mudança de status, para atrair mais empreendimentos
Foto publicada com a matéria
Portugueses - Mas nem sempre foi assim. No início, tinha, sim, milionário morando na Vila
Mathias. O mais famoso deles foi, sem dúvida, Mathias Casimiro Alberto da Costa. Nascido em Portugal, Mathias chegou ao Brasil em 1870. Por volta
de 1886, já era dono de muitas das terras do que viria a ser o bairro batizado em homenagem a seu nome. Aliás, a identificação com a área era
tanta, que sua esposa inspirou o nome da via de acesso que liga a Vila à praia: Avenida Ana Costa.
Por conta disso, empenhou-se em várias benfeitorias para o bairro. Loteou suas terras, abriu
ruas e avenidas e doou partes de suas propriedades ao município. As linhas de bonde, as primeiras de Santos, foram conquistas suas - e marco
inicial do bairro.
Uma desavença com proprietários de terras vizinhas encerrou abruptamente a saga de Mathias: um
dos membros da família rival deu um tiro em sua cabeça. Mathias faleceu em 8 de maio de 1889.
A presença portuguesa, simbolizada por Mathias, foi a tônica do bairro em boa parte de seus 120
anos de idade. Tanto que, durante muito tempo, o Rancho Folclórico Tricanas de Coimbra teve endereço ali. Já o consulado português ainda marca
presença no bairro, no prédio do Sindicato do Comércio Varejista de Santos, na esquina da Rua Júlio de Mesquita com Av. Ana Costa.
"Iniciei e construí minha vida aqui. Cheguei em 1962 e morei até 1969. Comecei vendendo pão na
rua, nas casas, pois naquele tempo havia residências. Hoje, é mais comercial", relembra Jerônimo Almeida Ferreira, proprietário da panificadora
Seara e um dos muitos portugueses a repetir o caminho de Mathias da Costa.
"Hoje, há poucos portugueses, os antigos estão morrendo. A tendência é que o português fique só
na memória", ressente-se, ao mesmo tempo em que acredita no futuro do bairro. "Será cada vez melhor. Com a construção da maternidade e a Câmara
mudando para cá".
Dono da Seara, Jerônimo não brinca em serviço: frango assado todo dia
Foto publicada com a matéria
Seara, tradição e frango assado
Se a panificadora Seara, na esquina da Av. Rangel Pestana com a Rua Senador Feijó, precisasse
mudar de nome, poderia ser chamada de A Rainha do Frango Assado.
"Assamos todos os dias, das 9 às 2 horas da manhã. No final de semana, não é brincadeira, faz
fila", comemora, sem brincadeira, o proprietário Jerônimo Almeida Ferreira, ao lado do famoso televisor de cachorro - o apelido carinhoso
da assadeira de frangos.
Brincadeiras à parte, a Seara é coisa séria na Vila Mathias. "Já existe há umas três gerações",
relembra Jerônimo, que começou a vida no Brasil vendendo pão nas ruas do bairro e a Seara já existia.
Para ele, nesses 28 anos na Vila Mathias, o bairro só fez melhorar. "Todos os bancos estão aqui,
as faculdades, as revendedoras de automóveis... Mas eu falo como comerciante. Quem mora não sei se pode falar o mesmo", arrisca.
Isto porque os tempos modernos cobram um preço. Com o desenvolvimento, vieram problemas de
segurança. "Sei de um vizinho que foi assaltado semana passada. Se tivesse um posto policial aqui inibiria um pouco".
Mas Jerônimo logo retorna ao passado. De quando a Av. Senador Feijó estava cravada de
residências e a Rua Pêgo Jr. tinha acabado de nascer. "Meus dois irmãos trabalharam no bonde, um era cobrador, outro motorneiro; bonde era que nem
coração de mãe: sempre cabia mais um".
PERFIL |
11 mil
habitantes possui a Vila Mathias, aproximadamente |
1,5 milhão
de metros quadrados é a área calculada do bairro |
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Almeida, o que não fecha nunca
Vinte e quatro horas no ar. O que poderia ser o slogan de algum canal de televisão é, na
verdade, o horário de funcionamento diário do Restaurante Almeida. Na esquina das avenidas Rangel Pestana e Ana Costa, é um dos mais tradicionais,
tanto da Vila Mathias, quanto de toda a Cidade.
"O restaurante surgiu por causa dos bondes, para atender esses trabalhadores, inclusive no
horário de funcionamento", explica Marcelo Muniz Pereira, um dos sócios à frente do estabelecimento, que data ainda no começo do século.
Marcelo é um dos comerciantes que faz coro a quem vê na falta de vagas de estacionamento o
principal problema do bairro. "As universidades têm 5, 7 mil alunos. Qual o impacto desses carros? Prejudica o comércio".
Numa mesa de canto, o pai de Marcelo, Jayme Muniz Pereira, lê atentamente seu jornal. Aos 87
anos, comprou o restaurante em 1978. E volta mais ainda ao passado. "Chamava-se Bar do Capitão Belarmino, quando Ângelo Almeida comprou, em 1932".
Daí em diante, não mudou mais de nome.
Jayme recorda também dos astros que passaram pela Vila Mathias, pelas portas do Almeida. Plínio
Marcos, Jorge Ben Jor, Elis Regina, Ary Toledo. Sobre Chico Anísio, evoca uma passagem. "Pediu um risoto de camarão, perguntei se queria
camarão-sete-barbas ou do graúdo. E ele: 'nada de barba!".
HUMOR |
"O Ary (Toledo) às vezes sentava e queria ficar só. Outras
vezes, sentavam-se à mesa dele e ele ficava contando piadas" |
Jayme Muniz Pereira, do restaurante Almeida |
Personagens
NEUCI DA CRUZ ONOFRE - Comerciante - A arrendatária do Café We Can, na Rua Júlio de Mesquita,
também vê na falta de estacionamento o principal problema do bairro. "Chego às 8 da manhã, e, às vezes, já não tem vaga". Mas, ao dispor aos
clientes acesso à Internet gratuito, o café é um reflexo das mudanças no bairro. "Meu público é quem trabalha, os estudantes das faculdades,
gerente dos bancos, secretárias".
Foto publicada com a matéria
JOSÉ SEBASTIÃO BORDON JR. - Comerciante - Há 22 anos na Vila Mathias, o proprietário da Sebba
Autopeças viu as mudanças acontecerem gradativamente. "O mais forte eram as oficinas e as lojas de autopeças. Hoje tem de tudo". Para ele, a
segurança no bairro está um pouco negligenciada. "Tem bancos, concessionárias e não se vê polícia". Mas o bairro anda pelas próprias pernas. "Por
si só, se vira sozinho".
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Falta de lazer
O presidente da Associação de Moradores e Amigos da Vila Mathias, Jessé Ferreira Félix, aponta
que uma das maiores carências do bairro é a falta de opções de lazer. Segundo ele, a única praça da Vila Mathias, a Belmiro Ribeiro (na esquina
das avenidas Pinheiro Machado e Ana Costa), que hoje é utilizada como escola de trânsito, poderia ser ampliada com opções de lazer. "Poderia tirar
o recuo de onde ficam os táxis, ao lado do canal", sugere. Além da praça, outros espaços poderiam ser utilizados para criar centros poliesportivos
e até piscinas comunitárias.
Outra reivindicação é a de que o Poder Público assuma de vez a característica comercial da Vila
Mathias e mude o status do bairro. "Queremos que mude para uma zona comercial, que traria mais empresas e empreendimentos comprometidos com
os moradores".
Arena Esportiva - O secretário de Obras e Serviços Públicos, Antônio Carlos Gonçalves,
afirmou que a Arena Esportiva Vila Mathias, que está sendo construída na Av. Rangel Pestana, deve ser entregue até o final de junho de 2010. "A
parte estrutural, com as arquibancadas, ficará pronta em janeiro. Em fevereiro, será iniciada a cobertura metálica".
Com capacidade para 5 mil pessoas, o ginásio fica na antiga área da PFL, com 100 mil metros
quadrados de área. "Vai atender à Cidade inteira. Mas, claro, por estar na Vila Mathias, também atenderá aos moradores do bairro". |