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Seu Martins...
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... e Seu Pascon...
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...conheceram o bairro de outros tempos
De contraste em contraste, o dia-a-dia de um lugar
Todo mundo identifica a Vila Matias como um bairro
comercial. Também, pudera: lá se encontra uma variedade muito grande de casas para venda de móveis, oficinas mecânicas de tudo quanto é tipo e
tamanho e dezenas de lojas especializadas na venda de acessórios para automóveis e motos.
Não há como negar a força do comércio que se estende ao longo de ruas como a Senador Feijó, a Braz Cubas, a
Lucas Fortunato e outras das imediações. Mas, a Vila Matias é muito mais do que isso: ostenta também um lado tipicamente residencial e outro em
franca decadência, onde só restaram vestígios da opulência de outros tempos. Diversidade e contraste se misturam no mesmo bairro.
Até chalés existem nesse lugar onde os prédios não chegaram - Pois vamos tentar desvendar um pouco
desse mundo. No miolo entre as avenidas Ana Costa, Rangel Pestana, Waldemar Leão e Rua Joaquim Távora, a gente depara com um bairro bem
residencial, simpático como ele só, onde não faltam nem mesmo os tradicionais chalés.
Seu José Pereira conheceu o bairro de outros tempos
Isso mesmo:
ainda há chalés na Vila Matias, embora predominem, na quase totalidade das ruas, os tradicionais sobradinhos, sejam eles agrupados ao longo das
calçadas ou mais recuados, com pequenos jardins na frente. São tão comuns os sobradinhos por aqueles lados que a pessoa até estranha ao ver tantos
chalés na Rua São Paulo. Alguns estão muito bem conservados, outros nem tanto. Mas todos se encontram em meio a grandes quintais, desses com
espaço para árvores frutíferas, horta e um campinho de futebol para a molecada.
Destacam-se, efetivamente, como ótimos exemplos de uma arquitetura que aos poucos desaparece da paisagem de
Santos. Os chalés vão dando lugar a enormes edifícios, cada vez mais envidraçados e cheios de detalhes para atrair compradores. E o que nem se
imaginava há anos aconteceu: os arranha-céus tomaram conta das grandes avenidas e passaram a se esgueirar por ruas outrora tranqüilas, dessas onde
se podia ouvir a vizinha da frente cantarolando na cozinha.
Entre as tradicionais áreas residenciais de Santos, a Vila Matias é a que parece menos predisposta à
verticalização. Não fica difícil entender: como predominam os sobradinhos pegados uns nos outros, complica muito na hora de se fazer demolições.
Portanto, não se verifica por lá o nível de renovação urbana de bairros como o Marapé e o Campo Grande.
Como a proliferação de edifícios é tida como um sinônimo de progresso, muito morador da Vila Matias na certa
gostaria de ver o bairro cheio deles. Mas, nada como a incômoda vizinhança de um prédio alto, pois além de tirar a privacidade projeta sombras nas
redondezas.
Nesse contexto, é bom lembrar que um dos poucos arranha-céus da Vila Matias deu muito o que falar: fica ao lado
direito da Paróquia Coração de Maria e encontrou um dos seus tradicionais relógios. Quem estava acostumado a olhar naquela direção para saber as
horas, foi privado dessa possibilidade.
Para essas pessoas, não resta outra alternativa se não esperar pelas badaladas que anunciam a passagem de cada
hora do dia. Aliás, é bom não esquecer que os quatro relógios dispostos nos diferentes lados da torre da igreja estão entre os pouquíssimos
relógios públicos de Santos que funcionam ininterruptamente. Às vezes, há diferenças entre os horários apontados por uns e outros, mas nada muito
distante da hora oficial.
Antigos comerciantes servem os filhos e netos dos pioneiros - Enquanto os grandes prédios não chegam
(isso fatalmente acontecerá) vai-se convivendo com a tranqüilidade de ruas como a Lisboa e a Silveira Lobo. Na Lisboa, a gente depara com alguns
dos mais antigos sobradinhos da área: fazem parte da chamada Vila Lisboa, formada por casas construídas por um corretor de café.
Dá gosto também observar os sobrados com azulejos portugueses da Rua Antônio Bento e os quintais cheios de
árvores e pássaros da Silveira Lobo. Tanto nesta via como na Lisboa, é comum as casas ostentarem imagens de santos ou paisagens em azulejos
coloridos na varanda ou fachada. Na casa de número 15 da Rua Lisboa, chama a atenção uma inscrição em azulejos, marca de outros tempos: "Bendito
seja quem vier por bem".
Nesse lado residencial da Vila Matias ainda se encontram casas comerciais muito antigas, dessas que hoje servem
os filhos e netos das famílias pioneiras. Uma delas é o armazém de secos e molhados Vera Cruz, que fica na Prudente de Morais, esquina com Paraná,
e há 19 anos está sob os cuidados dos irmãos Antônio Simões da Silva e Manoel Gomes da Silva.
Quando se transferiram para lá, transformaram o antigo Bar Santa Cruz em armazém. E a casa se mantém como nos
velhos tempos: o freguês pode escolher à vontade o feijão, o arroz e a farinha, pois ficam expostos nos enormes sacos de estopa onde vêm
embalados.
Existiam muitos outros armazéns por ali - um na Lucas Fortunato com São Bento, outro na Almeida Morais com
Paraná, outro na Paraná com a Joaquim Távora e outro ainda na Joaquim Távora com Ana Costa. Um dos últimos a fechar foi o Armazém Paraná, há cerca
de seis meses, encerrando um ramo de negócio que se mantinha desde 1914. Em compensação, uma padaria que leva o mesmo nome continua firme como ela
só. É o primeiro estabelecimento do gênero de que se tem notícias por aqueles lados.
Na área decadente, os sobrados abrigam dezenas de famílias carentes - Outra casa
comercial muito antiga fica num outro extremo da Vila Matias, mais exatamente naquela área entre as avenidas Conselheiro Nébias e Campos Sales e
ruas Xavier Pinheiro e Manoel Tourinho.
Seu Júlio é um alfaiate tradicional
Embora
muita coisa tenha mudado por aquelas bandas, o barzinho da Silva Jardim com Emílio Ribas conseguiu enfrentar os novos tempos. Tem mais ou menos
uns 65 anos de idade, e desde 1965 está aos cuidados do Jacó. Os balcões e a máquina de frios são os mesmos da época da fundação, mas nada chama
mais a atenção do que a antiqüíssima máquina de calcular National, uma verdadeira raridade. A gente volta ao passado quando entra no bar do
Jacó.
O barzinho fica junto dos enormes armazéns construídos por Otávio Ribeiro na Rua Emílio Ribas e, na época em que
surgiu, era bem diferente a movimentação nas ruas ao redor. Embora ainda resistam por perto moradores de outras épocas, a maioria não agüentou o
trânsito louco, o vai-e-vem de caminhões e a decadência generalizada da área, em decorrência da proximidade do cais. Muitos se foram para outras
paragens.
Os diversos sobradinhos do início do século, principalmente os das ruas Campos Melo e Silva Jardim, se
transformaram em habitações coletivas: seus velhos cômodos - e outros feitos nos porões, com divisões de madeira - são divididos por famílias que
descobrem no dia-a-dia o que significa a miséria.
Embora sejam tantas as famílias que residem por ali, pouca coisa lembra um bairro residencial. Talvez só mesmo a
"quitanda do japonês", no número 168 da Silva Jardim, onde se vende óleo a granel por Cr$ 160 o litro. São as incoerências da vida: há pessoas,
muitas crianças, enfim, movimentação de gente, mas tudo está tão deteriorado ao redor que não se enxerga aquilo como um núcleo residencial. Talvez
também porque as pessoas carreguem amargura e tristeza no rosto. |